Carcinoma Misto Medular-Papilar de Tireóide: Relato de Caso

Documentos relacionados
THYROID NODULE MANAGEMENT MANEJO DE NÓDULOS TIREOIDIANOS

Nódulos Tireoideanos. Narriane Chaves P. Holanda, E2 Endocrinologia HAM Orientador: Dr. Francisco Bandeira, MD, PhD, FACE

Está indicada no diagnóstico etiológico do hipotireoidismo congênito.

Análise Crítica dos Exames Iniciais de Seguimento pós Tireoidectomia total por Carcinoma Bem Diferenciado de Tireóide de Baixo Risco

PALAVRAS-CHAVE lesões de tireóide, citologia, ultrassonografia, epidemiologia.

Bócio Nodular e Câncer de Tireóide ide na infância e adolescência

TeleCondutas Nódulo de Tireoide

Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço

Universidade Federal do Ceará Módulo em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Tumores das Glândulas Salivares. Ubiranei Oliveira Silva

NÓDULO DA TIREÓIDE CONDUTA CIRÚRGICA. Prof. Francisco Monteiro

Curso Continuado de Cirurgia Geral Capítulo de São Paulo do Colégio Brasileiro de Cirurgiões Associação Paulista de Medicina

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO

AVALIAÇÃO DE NÓDULOS TIREOIDIANOS

Avaliação Ultra-Sonográfica dos Nódulos Tireóideos: Comparação com Exame Citológico e Histopatológico. artigo original

Nódulos da tireóide. Nilza Scalissi. Departamento de Medicina Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

ASSOCIAÇÃO DO CARCINOMA PAPILÍFERO DE TIREÓIDE E TIREOIDITE DE HASHIMOTO

05/03/ /2015. Equipe NATS, Bom dia!

Neoplasias do sistema endócrino

Câncer Medular de Tireóide Diagnóstico e Tratamento

Gaudencio Barbosa R4 CCP HUWC UFC

Nódulos de Tireoide: Valor da PAAF no Diagnóstico de Câncer

O que fazer perante:nódulo da tiroideia

CORRELAÇÃO ENTRE A CITOLOGIA ASPIRATIVA COM AGULHA FINA E HISTOPATOLOGIA: IMPORTÂNCIA PARA O DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIAS MAMÁRIAS EM CADELAS 1

Avaliação dos Nódulos de Tireóide e tratamento inicial do câncer. Manoel Martins Disciplina de Endocrinologia 3 de Março de 2010

Gaudencio Barbosa R3 CCP HUWC UFC

Caso do mês Abril/2016 -A. Shenia Lauanna O. Rezende Bringel Médica residente (R3) Departamento de Anatomia Patológica

Head and Neck April Humberto Brito R3 CCP

Caracterização Anatomopatológica dos Tumores Neuroblásticos Periféricos e Implicações com Prognóstico

Gaudencio Barbosa R4 CCP HUWC Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço

CÂNCER DE BOCA E OROFARINGE

SONIA REGINA ANGÉLICA GASPARONI WESLEY. CARCINOMA MEDULAR DE TIREÓIDE estudo de 15 casos

Patologia da mama. [Business Plan]

Abordagem prática para o diagnóstico histopatológico de carcinoma pulmonar na Era da Medicina Personalizada

ADENOMA PLEOMÓRFICO: DESAFIOS DO TRATAMENTO A Propósito de Um Caso Clínico

Imagem da Semana: Ressonância nuclear magnética

Tireoidectomias: análise de laudos anatomopatológicos realizados em um laboratório em Tubarão-SC, Sul do Brasil

ESTUDO DOS CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA DOS TUMORES MISTOS MAMÁRIOS CANINOS

Merkel Cell Carcinoma Tratamento imunológico

MANUAL DE ORIENTAÇÃO DE CONTROLE DE QUALIDADE

DIRETRIZES DE UTILIZAÇÃO DO PET CT ONCOLÓGICO NO PLANSERV.

Curso Continuado de Cirurgia Geral

TÉCNICAS DE ESTUDO EM PATOLOGIA

Doença de Órgão vs Entidade Nosológica. NET como case study

EDUARDO GONDIM DE OLIVA PAAF DE TIREÓIDE: CORRELAÇÃO CITO-HISTOLÓGICA DE 159 CASOS OPERADOS EM UM HOSPITAL TERCIÁRIO.

Citologia do derrame papilar

CONDUTA CONSERVADORA NO CARCINOMA PAPILÍFERO DA GLÂNDULA TIREÓIDE

DIAGNÓSTICO DE TUMORES DE MAMA: PARTE II

TÍTULO: IMUNOMARCAÇÃO DE COX-2 DE MODELO CARCINOGÊNESE MAMARIA POR INDUÇÃO QUÍMICA

iodocaptante, correspondente ao lobo direito da tireoide, entre as estruturas indicadas, compatível com localização tópica da glândula tireoide.

caso especial Carcinoma Insular de Tireóide Maria Adelaide A. Pereira Rosalinda Camargo Geraldo Medeiros-Neto

NOVAS DIRETRIZES PARA TRATAMENTO DO CARCINOMA DIFERENCIADO DE TIREOIDE

FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSSARCOMA E LIPOMA EM CADELA RELATO DE CASO FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSARCOMA AND LIPOMA IN BITCH - CASE REPORT

Serviço de Patologia. Hospital Universitário ufjf Serviço de Anatomia Patológica e Citopatologia Prof. Paulo Torres

OS NÓDULOS TIREOIDIANOS TÊM PREVALÊNCIA de 4% a 7% na população. Punção de Tireóide: Valor da Associação de Duas Técnicas.

ANÁLISE DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES SUBMETIDOS A TRATAMENTO CIRÚRGICO DO CARCINOMA BEM DIFERENCIADO DA TIREOIDE EM HOSPITAL TERCIÁRIO

IMAGIOLOGIA NOS TUMORES DE CÉLULAS RENAIS

XIV Congresso Paulista de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais - CONPAVEPA - São Paulo-SP

Tumores renais. 17/08/ Dra. Marcela Noronha.

Lâmina 32 Neoplasia Benigna (Simples) Leiomioma Uterino Neoplasia benigna constituída pela proliferação de fibras musculares lisas, dispostas em

2. INFORMAÇÕES PARA OS ESPECIALISTAS (ONCOLOGISTAS, CIRURGIÕES E PATOLOGISTAS)

A importância da descrição ultrassonográfica padronizada e da punção aspirativa por agulha fina na avaliação de nódulos tireoidianos.

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Neoplasias. Benignas. Neoplasias. Malignas. Características macroscópicas e microscópicas permitem diferenciação.

Punção Aspirativa com Agulha Fina Guiada por Ultrassonografia Endoscópica PAAF-USE primeira linha suspeita de neoplasia do pâncreas

Citopatologia I Aula 7

TRATAMENTO DO HIPERTIROIDISMO COM IODO-131 ANA CAROLINA GALVÃO, FELIPE GOBBI GONÇALVES, GUSTAVO TOLEDO, MATHEUS SENA

Terapia conservadora da mama em casos multifocais/multicêntricos

CORRELAÇÃO CITO-HISTOLÓGICA DE NÓDULOS DA TIRÓIDE Características Clínicas de Malignidade

OCARCINOMA MUCOEPIDERMÓIDE PRIMÁRIO da tireóide (CMET) é uma. Carcinoma Mucoepidermóide de Tireóide: Relato de Caso e Revisão da Literatura

HOSPITAL DO SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM CIRUGIA GERAL

UNIPAC. Universidade Presidente Antônio Carlos. Faculdade de Medicina de Juiz de Fora PATOLOGIA GERAL. Prof. Dr. Pietro Mainenti

PUNÇÃO ASPIRATIVA POR AGULHA FINA DA TIREÓIDE, UMA REAVALIAÇÃO DOS BENEFÍCIOS. Virgilio Ribeiro Guedes 1 e Juliana Ladeira Garbaccio 2

GINCANA DE ULTRASSOM. Ana Cláudia Mendes Rodrigues Radiologista Rio de Janeiro

Universidade Federal do Ceará Faculdade de Medicina Liga de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Jônatas Catunda de Freitas

Jobert Mitson Silva dos Santos

J. Health Biol Sci. 2018; 6(1):17-22 doi: / jhbs.v6i p

LEONORA ZOZULA BLIND POPE. AVALIAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E DA PROTEINA p 53 EM 12 GLIOBLASTOMAS PEDIÁTRICOS.

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

DRAFT. Modelagem matemática de câncer de tireoide via marcadores tumorais. Escola Latino Americana de Matemática 2018

Introdução à Histologia e Técnicas Histológicas. Prof. Cristiane Oliveira

Repercussão Clínica da Reclassificação dos Carcinomas Diferenciados de Tireóide de Acordo com a 6 a Edição do TNM

Neoplasias de glândulas salivares: estudo de 119 casos

MARIA ISABEL CUNHA VIEIRA

Revista Portuguesa. Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Cirurgia. II Série N. 15 Dezembro i r u r g i a ISSN

ABSTRACT. Key words: Parathyroid Glands; Parathyroid Neoplasms; Carcinoma.

Palavras chaves: Taxa de mortalidade; Câncer de tireoide; Brasil Sudeste. Keywords: Mortality rate; Thyroid cancer; South East Brazil.

FO LHENDO RO C HO. ECOS DA 1ª SESSÃO DE DISCUSSÃO (SD) CA DIFERENCIADO DA TIREÓIDE: em busca de um consenso NOTAS

Departamento de Anatomia Patológica Laboratório de Multiusuário em Pesquisa UNIFESP

Key words: Carcinoma, Papillary; Thyroidectomy; Dysphonia.

Casos Práticos: Aplicação do ACR BI-RADS Ultrassonográfico Álvaro Antonio Borba, MD

Patologia - orientações

COLANGIOCARCINOMA EM UM CANINO COM MÚLTIPLAS METÁSTASES1 1 CHOLANGIOCARCINOMA IN A CANINE WITH MULTIPLE METASTASES

4- RESULTADOS Avaliação Macroscópica da Bolsa Algal e Coxim Plantar. inoculados na bolsa jugal, a lesão do local de inoculação era evidente e se

Aluna: Bianca Doimo Sousa Orientador: Prof. Dr. Jaques Waisberg. Hospital do Servidor Público Estadual

IMUNOISTOQUÍMICA COMO DIAGNÓSTICO DEFINITIVO DE ADENOCARCINOMA BRONQUÍOLO-ALVEOLAR MUCINOSO EM CÃO RELATO DE CASO

Key words: Thyroid Neoplasms; Hyperthyroidism; Thyroidectomy

Carcinoma adenoescamoso: um estudo de caso em citologia ginecológica

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PATOLOGIA JOSÉLIO SOARES DE OLIVEIRA FILHO

Câncer de Tireóide na Infância e Adolescência Relato de 15 Casos. artigo original

Transcrição:

apresentação de caso Carcinoma Misto Medular-Papilar de Tireóide: Relato de Caso Maísa S. Sousa Edson G. Soares Fernanda P.B. Halah Léa M.Z. Maciel Departamento de Patologia (MSS, EGS) e Divisão de Endocrinologia (FPBH, LMZM), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP, Ribeirão Preto, SP. RESUMO Casos de carcinomas mistos medular-papilar são raros e não foram classificados pela OMS. Relatamos o caso de uma paciente de 32 anos, com nódulo cervical há 4 anos, sem história familiar de doença nodular tireóidea ou de irradiação prévia. A citologia revelou neoplasia de células de Hürthle e, após tireoidectomia total, o diagnóstico histológico foi de um carcinoma misto: medular-papilar com diferenciação oxifílica, apresentando arranjos papilares com eixos fibro-vasculares contendo predomínio de células de padrão oxifílico, tanto no nódulo como nos gânglios cervicais metastáticos. Notou-se, ainda, a presença de material amorfo de aspecto amilóide que corou positivamente para vermelho Congo, acompanhado de focos de calcificação, tanto no tumor primário quanto nas metástases. A tireoglobulina não foi imunorreativa em células da citologia, porém foi reativa em áreas dos cortes histológicos, tanto no nódulo tireóideo como nas metástases. A imunorreatividade à calcitonina foi predominante nas células da citologia, nos cortes histológicos do tumor primário e das metástases. Levanta-se a hipótese de que tais tumores surjam da transformação neoplásica de um único tipo celular. Recentemente, tem sido sugerido que do último corpo branquial do homem possam surgir ambas as células e que uma célula tronco poderia ser a precursora destas neoplasias. (Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/6: 628-632) Unitermos: Tumor misto de tireóide; Carcinoma medular de tireóide; Carcinoma papilífero de tireóide ABSTRACT Recebido em 06/11/00 Revisado em 24/04/01 Aceito em 30/04/01 Cases of mixed medullary-papillary carcinoma are rare and have not been classified by WHO. We report a 32yo patient who had a diagnosis on cytological analysis by fine needle biopsy as Hürthle cell neoplasm with probable metastases to cervical nodules, due to the presence of numerous isolated cells of an oxyphilic pattern. After total thyroidectomy, on histology, a mixed medullary-papillary carcinoma with oxyphilic differentiation was diagnosed based on the papillary arrangement with fibrovascular septa containing cells showing a predominant oxyphilic pattern, both in the thyroid nodule and in regional cervical lymph nodes. Amorphous material of amyloidal aspect, which stained positively for Congo red, accompanied by focal calcification, was observed, both in the primary tumors and in the metastases. Thyroglobulin was not immunostained in the cells obtained by fine needle aspiration biopsy, but was immunostained in histology fields, both in the thyroid nodules and in the metastases. The immunoreaction for calcitonin was predominant on cytologic analysis and in the hystologic exam of the primary tumor and metastases. Dual differentiation in thyroid neoplasms has been interpreted as indicative of a common stem cell origin. It has been reported that the ultimobranchial body in man contributes both with C-cells and follicular cells to the thyroid. Thus, a common stem cell could give rise to such a mixed medullary-papillary neoplasm. (Arq Bras Endocrinol Metab 2001;45/6: 628-632) 628 Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 6 Dezembro 2001

Keywords: Thyroid mixed tumor; Medullary thyroid carcinoma; Papillary thyroid carcinoma AGLÂNDULA TIREÓIDE É COMPOSTA por dois tipos celulares principais: o epitélio folicular e as células C, parafoliculares, com origens embriológicas diferentes. O primeiro deles tem origem endodérmica, enquanto o segundo se origina da crista neural. Estes dois tipos celulares podem sofrer transformação neoplásica, dando origem às neoplasias papilares (CPT), foliculares (CFT) e anaplásicas (CAT) quando oriundas do epitélio folicular e às neoplasias medulares (CMT), com características citológicas, histológicas e de coloração específicas, quando oriundas das células da crista neural. Casos de carcinomas de tireóide com diferentes fenótipos morfológicos são raros e a maioria dos casos descritos é de carcinomas mistos medulares-foliculares de tireóide (1), ou seja, carcinomas com componentes de células C e de células foliculares assumindo padrão acinar. Apesar da origem celular destes carcinomas mistos permanecer obscura, já constam na Classificação da OMS de 1988 (2) como variantes do carcinoma medular. Por outro lado, cânceres com características mistas de carcinoma medular e papilar são mais raros; tendo sido relatados até hoje poucos casos (3-7), que não são considerados na Classificação da OMS. Nesses casos, a neoplasia apresenta característica papilar clássica com células apresentando fendas nucleares, pseudo-inclusões e em arranjos papilares entremeadas às do componente medular. Apresentamos um caso de ocorrência simultânea de CMT e CPT no mesmo nódulo tireóideo com metástases em gânglios cervicais que também apresentam características de carcinoma misto, medular e papilar. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino de 32 anos, com nódulo cervical há 4 anos, de crescimento lento e progressivo, não apresentava queixas locais nem manifestações clínicas sugestivas de hiper ou hipotireoidismo. Ao exame físico, apresentava nódulo tireóideo de 2 cm de diâmetro em pólo inferior do lobo esquerdo, móvel, indolor, de consistência parenquimatosa, bem como vários gânglios em face lateral esquerda do pescoço. Negava exposição a radiações ionizantes ou história familiar de carcinomas tireóideos. Os testes de função tireóidea eram normais (T4L: 1,1ng/dL, TSH: 2,9 µu/ml); as dosagens dos anticorpos anti-peroxidase e anti-tireoglobulina foram negativas. O mapeamento da glândula com 131 I mostrou nódulo frio em face lateral do lobo esquerdo (LE). O estudo ultra-sonográfico revelou nódulo hipoecóico com áreas de hiperecogenicidade Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 6 Dezembro 2001 medindo 1,8 x 1,5 x 2,0cm em projeção do LE da tireóide e gânglios de dimensões aumentadas, ipsilaterais ao nódulo. A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) foi compatível com Neoplasia de células de Hürthle. Não foram realizadas as dosagens de calcitonina (CT) ou de tireoglobulina (Tg) séricas no pré-operatório. A paciente foi submetida a tireoidectomia total com esvaziamento ganglionar cervical funcional. A descrição cirúrgica mostra LE medindo 3,5 x 2,5 x 2,0cm com nodulação medindo 2,0cm de diâmetro. Foram retirados gânglios das cadeias: submandibular esquerda, júgulo-carotídea média, júgulo-carotídea baixa, espinhal e recorrencial, medindo o maior deles, 3 x 2 x 1cm. A dosagem de CT pós-operatória foi de 320pg/mL (Nl: <5,0pg/mL) e a investigação para feocromocitoma foi negativa. Como complicação cirúrgica apresentou hipoparatireoidismo definitivo. No momento, após 5 anos de evolução, as dosagens de CT permanecem elevadas porém sem qualquer sinal de lesão residual ou metástases nos exames de imagem e as concentrações séricas de Tg menores que 2,0ng/mL. MATERIAL E MÉTODOS Os materiais das PAAFs foram corados em Hematoxilina-Eosina (HE) e Giemsa e analisados em microscópio óptico. O material da tireoidectomia assim como dos gânglios, foi fixado em formol a 10% e incluído em parafina, sendo corado por HE, enquanto alguns cortes foram corados com vermelho Congo, para verificar a presença de amilóide. Lâminas do material de tireoidectomia também foram coradas imunologicamente pelo método de peroxidase/antiperoxidase, utilizando os anticorpos policlonais para Tg e CT (DAKO, Dinamarca). RESULTADOS A citologia da PAAF realizada no nódulo tireóideo evidencia material com células de padrão eosinofílico (células de Hürthle), algumas exibindo fendas nucleares, ao lado de material eosinofílico que corou para vermelho Congo (figura 1). O exame histológico mostrou áreas de arranjos papilares com eixos fibrovasculares típicos tanto no tumor primário como nas metástases, porém com abundante amilóide (vermelho Congo positivo), acompanhado de focos de calcificação (figura 2). As células das estruturas papilares mostraram citoplasma eosinofílico, com núcleos irregulares, alguns com cromatina frouxa, outros com cromatina mais densa e nucléolos proeminentes. Estas características são encontradas na variante oxifílica 629

Figura 1. Citologia da punção aspirativa do nódulo tireóideo, composta de células oxifílicas, algumas com fendas nucleares e material amilóide de permeio (obj.40x). Figura 2. Figura 2. Metástase ganglionar cervical de carcinoma medular-papilar com área de depósito amilóide (vermelho Congo positivo) (obj.5x). (células de Hürthle) das células foliculares. Nota-se também a presença de células com fendas nucleares e núcleos vazados com mitoses esparsas. As colorações para Tg (figura 3) e CT (figura 4) foram positivas nos cortes histológicos tanto do nódulo tireóideo como das metástases. DISCUSSÃO Desde a descrição inicial de CMT como uma entidade derivada da célula C, em oposição ao CFT e CPT que resultam de uma desdiferenciação do epitélio folicular, existem relatos de casos que não preenchem estes critérios. São tumores raros como os descritos neste caso com imunorreatividade positiva para ambos, CT e Tg. Define-se como carcinoma misto de tireóide um tumor no qual os dois componentes celulares não são reconhecidos prontamente, e a presença de Tg, CT e outros marcadores endócrinos é demonstrada no 630 Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 6 Dezembro 2001

Figura 3. Metástase ganglionar cervical de carcinoma medular-papilar de tireóide. Coloração imunohistoquímica para calcitonina (obj. 10x). Figura 4. Figura 4. Metástase ganglionar cervical de carcinoma medular-papilar de tireóide. Coloração imunohistoquímica para tireoglobulina (obj. 10x). mesmo tumor, em células diferentes ou na mesma célula (8). Portanto, ele tem uma caracterização diversa de um tumor de coalisão em que os dois componentes celulares estão lado a lado, com características imunohistoquímicas próprias (6). Uma grande cautela deverá acompanhar a interpretação dos estudos imunohistoquímicos, especialmente pela possibilidade de existirem células foliculares benignas entremeadas às tumorais, difusão de Tg do tecido circunvizinho e, ainda, anticorpos para Tg e CT não específicos (9). A expressão focal de Tg pode ser encontrada em tumores medulares em 34 a 92% dos casos, porém as características histológicas são próprias de tumor medular (10,11). No caso apresentado, a existência de um verdadeiro tumor misto é sugerida pela existência das metástases exibindo o mesmo aspecto imunohisto- Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 6 Dezembro 2001 631

químico e a positividade para Tg ser encontrada profundamente dentro do componente sólido reativo para CT. Além disso a positividade para CT é encontrada em arranjos que, histologicamente, mostram padrão papilar com eixos fibrovasculares e células com núcleos claros. A existência de um tipo morfológico de células que expressa marcadores de célula folicular e de células C sugere que tais tumores resultam da transformação de um único tipo celular. Recentemente, foi postulado que, a partir do último corpo branquial, possam surgir células C e foliculares, admitindo-se que esta célula tronco (stem cell) venha a ser a precursora destas neoplasias (12,13). Além disso, estudos moleculares têm demonstrado a expressão concomitante de mrna para Tg e CT nos tumores mistos (14). O prognóstico dos tumores mistos, medular-folicular não está bem definido. Alguns relatos apontam para um comportamento mais agressivo (15), enquanto outros relatam menos metástases e sobrevida mais longa do que em indivíduos com CMT típicos (11). O número de relatos de carcinomas misto medular-papilar é muito pequeno; sendo difícil de avaliar implicações prognósticas. Entretanto, em todos os casos, as metástases ganglionares estiveram presentes e os níveis de CT séricos permaneceram elevados na ausência de evidência clínica e radiológica de doença residual. Uma vez que estes tumores produzem Tg, o tratamento com iodo radioativo provavelmente tem um papel terapêutico e foi recomendada em nosso caso. REFERÊNCIAS 1. Papotti M, Volante M, Komminoth P, Sobrinho-Simões M, Bussolati G. Thyroid carcinomas with mixed follicular and C- cell differentiation patterns. Semin Diagn Pathol 2000;17:109-19. 2. Hedinger C, Williams D, Sobin IH. The WHO histological classification of thyroid tumors: a commentary on the second edition. Cancer 1989;63:908-11. 3. Albores-Saavedra J, Gorraez de la Mora T, de la Torre-Rendon F, Gould E. Mixed medullary-papillary carcinoma of the thyroid: a previously unrecognized variant of thyroid carcinoma. Hum Pathol 1990;21:1151-5. 4. Matias-Guiu X, Caxias A, Costa I, Cabezas R, Prat J. Compound medullary-papillary carcinoma of the thyroid: true mixed tumour. Histophatology 1994;25:183-5. 5. Michal M, Curik R, Macak J, Ludvikova M, Dedic K. Mixed medullary-follicular and medullary-papillary carcinoma of the thyroid: one or two entities? Zentalbl Pathol 1993;139:333-5. 6. Lax SF, Beham A, Kronberger-Schönecker D, Langsteger W, Denk H. Coexistence of papillary and medullary carcinoma of the thyroid gland-mixed or collision tumour? Virchows Arch 1994;424:441-7. 7. Parker LN, Kollin J, Wu SY, Rypins EB, Juler GL. Carcinoma of the thyroid with mixed medullary, papillary, follicular and undifferentiated pattern. Arch Intern Med 1985;145:1507-9. 8. Chan JKC. Tumors of the thyroid and parathyroid glands. In: Fletcher CDM, ed. Diagnostic Histopathology of Tumors, vol. 2. Churchill Livingstone, 2000;959-1056. 9. De Lellis RA, Moore FM, Wolfe HJ. Thyroglobulin immunoreactivity in human medullary thyroid: carcinoma. Lab Inves- tig 48:20. (abstract) 10. Uribe M, Fenoglio-Preiser CM, Grimes M, Feind C. Medullary carcinoma of the thyroid: clinical, pathological and immunohistochemical features with review of the literature. Am J Surg Pathol 1985;9:577-94. 11. Holm R, Sobrinho-Simões M, Nesland JM, Sambade C, Johannessen JV. Medullary thyroid carcinoma with thyroglobulin reactivity. A special entity? Lab Invest 1987;57:258-68. 12. Williams ED, Toyn CE, Harach HR. The ultimobranchial gland and congenital thyroid abnormalities in man. J Pathol 1989;159:135-41. 13. LiVolsi VA. Mixed thyroid carcinoma: a real entity? Lab Invest 1987;57:237-9. 14. Noel M, Delehaye MC, Segond N, Lasmoles F, Caillou B, Gardet P, et al. Study of calcitonin and thyroglobulin gene expression in human mixed follicular and medullary carcinoma. Thyroid 1991;249-56. 15. Bussolate G, Monga G. Medullary carcinoma of the thyroid with atypical patterns Cancer 1979;44:1769-77. Endereço para correspondência: Léa Maria Zanini Maciel Divisão de Endocrinologia - Departamento de Clínica Médica Av. Bandeirantes 3900 14.039-900 Ribeirão Preto, SP e.mail: lmzmaciel@fmrp.usp.br Fax: (16) 633-1144 632 Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 6 Dezembro 2001