Texto base para avaliação do Plano Real relacionando ao trabalho a ser apresentado na cadeira de Economia Brasileira, Administração de Empresas, UFPE. Texto de Edmar Bacha, extraído do livro "O Brasil pós-real: A política econômica em debate", organizado por Aloizio Mercadante 1. O contexto econômico e político: 1993 Em maio de 1993, na posse de Fernando Henrique Cardoso como Ministro da Fazenda, a inflação estava em 30% ao mês, numa trajetória de aceleração. A credibilidade na capacidade do governo de Itamar Franco de eliminar a inflação, após oito trocas de ministros da fazenda, estava abalada. O Ministro Cardoso decidiram então adotar inicialmente uma política bastante conservadora e apresentaram o Programa de Ação Imediata com ênfase total no ajuste das contas do setor público, cujos desequilíbrios eram identificados como a causa fundamental da inflação no país. O controle da inflação pressupunha que o governo equilibrasse seu orçamento, mostrando a determinação política de cortar do orçamento os excessos de gastos que eram previamente erodidos pela inflação ou financiados pelo imposto inflacionário. O Ministro e sua equipe, porém, sabiam que para controlar a inflação era necessário ir além do ajuste fiscal feito até o momento. Em 1993, o déficit nominal (aquele que inclui o pagamento dos juros nominais da dívida, ou seja, dependem da taxa de inflação) chegou a 58,4% do PIB, enquanto o superávit operacional era de 0,25% do PIB e a taxa de inflação estava em 2490%. Com isso, a oferta monetária continuava a se expandir, realimentando a taxa de inflação. Para controlar o déficit orçamentário nominal, o governo optou por promover um amplo programa de reforma monetária. Em linhas gerais, a reforma consistiria na substituição da velha moeda inflacionada por uma nova e estável, inicialmente como unidade de valor e, em seguida, como meio de pagamento. Foi instaurada uma unidade de conta doméstica, a URV: taxa de câmbio informal era de 1URV = 1USD; valor estabelecido diariamente pelo Banco Central, assim como o do dólar, com a taxa de inflação verificada; Todos os contratos de preços e salários deveriam seriam convertidos a essa unidade de valor. A partir daí, essa unidade de conta passaria a ser emitida sob o nome de Real, com paridade inicial a R$1,00 = US$1,00. 2. O lançamento do Plano Real: 1994 A aprovação pelo Congresso de uma emenda constitucional, conhecida como Fundo Social de Emergência, concebida como um instrumento temporário para equilibrar o orçamento foi o primeira etapa do plano. A finalidade era demonstrar a capacidade do
governo federal executar as despesas orçadas sem precisar das receitas geradas pela inflação. Com a aprovação da emenda em fevereiro de 94, o governo introduziu, em primeiro de março de 94, uma unidade de conta estável (denominada Unidade Real de Valor, ou URV) em paridade aproximada com o dólar. Requereu-se que os contratos fossem redenominados em URV. Com exceção dos salários, aluguéis residenciais, mensalidades escolares e preços e tarifas públicas, os termos das conversões poderiam ser negociados livremente entre as partes contratantes, desde que fossem abolidos os prazos de reajustes inferiores a um ano. Posteriormente, para evitar um aumento generalizado nos salários, o que levaria a uma nova pressão sobre os preços, determinou-se que todos os salários seriam convertidos pelo salário real médio do quadrimestre anterior. Procedimentos similares foram impostos a aluguéis residenciais e mensalidades escolares. A finalidade principal dessa segunda fase, era alinhar os preços relativos mais importantes da economia, uma vez que a existência de contratos indexados com datas de reajustes diferentes implicava em dispersão desses preços a qualquer momento do tempo. Após um período de quatro meses de coversões de contratos, a URV, passou a ser emitida sob o nome de Real, cuja taxa de câmbio estava, no máximo, em paridade com o dólar. O governo também fixou uma taxa de conversão de R$1,00 para CR$2.750,00. Isso complementou, essencialmente, a reforma monetária em três etapas proposta pelo governo. 3. Principais características da Reforma Monetária 3.1 Desindexação precedida de indexação plena O aspecto mais polêmico do plano residia na introdução de uma unidade de conta estável para alinhar os preços relativos da economia por meio de uma indexação plena. Como seria possível uma acentuação no mecanismo de indexação ajudar no combate a inflação? O ponto crítico para esclarecer esse aparente paradoxo é a conversão pela média. Uma aceleração na indexação tende a resultar numa aceleração da inflação se o ponto de partida for o valor de pico, pois nesse caso, - com o produto mantido constante por uma política monetária passiva uma inflação mais rápida é exigida para que, ao longo do ciclo salarial, o valor real do salário retorne a média anterior. No entanto, quando os salários são primeiro convertidos ao seu valor médio e só então submetidos a uma indexação maior, a aceleração inflacionária não é mais necessária para reduzir o salário real ao seu valor prévio de equilíbrio. O papel-moeda em poder do público e os depósitos à vista não foram convertidos em URV, porém, seus substitutos em geral foram cotados em URV ou com taxa de juros de curto prazo que tinha como base a inflação corrente. Assim, o sistema monetário ficou sem âncora e extremamente suscetível a eventuais expectativas adversas ou choques de oferta. Para evitar a aceleração inflacionária, três medidas forma tomadas:
A URV foi desenhada para variar de acordo com a inflação passada, ou seja, não estava sujeita a manipulações otimistas; Proibiu-se inicialmente a conversão dos contratos financeiros a URV, introduzindo-se, em seguida, um procedimento gradual. Assim, manteria-se a demanda por Cruzeiro Real, evitando a fuga da moeda doméstica; Proibiu-se inicialmente que os bens e serviços para pagamento à vista fossem expressos em URV, com o propósito de reduzir o "custo de menu" dos reajustes diários de preços. O período de quatro meses para a vigência da URV foi adotado, embora tenha sido curto demais para a conversão de aluguéis, mensalidades escolares e planos de saúde, o que deixou algum resíduo inflacionário para o período do Real. As eleições presidenciais estavam marcadas para o dia 3 de Outubro de 1994 e Fernando Henrique Cardoso havia deixado o Ministério da Fazenda para ser o candidato presidencial na coalizão do centro. Beneficiado pelo, até então, sucesso no controle de inflação, Fernando Henrique Cardoso elegeu-se com 54% os votos no primeiro turno. 3.2 Estabilização súbita sem congelamento de preços Para garantir a proteção dos salários, dois mecanismos foram implementados: Permissão de um aumento salarial, na data-base subsequente de cada categoria, caso ficasse comprovado que, nos quatro meses de vigência da URV, a soma dos salários convertidos em RV tivesse sido inferior ao que teria sido pela lei salarial anterior. Introdução de um índice oficial de preços para medir a inflação em Reais, construído para incorporar a aceleração da inflação nos últimos dias da URV. O índice de inflação nos dois primeiros meses de Real chegou a 12%, gerando um mecanismo de pressão salarial que contribuiu significativamente para a apreciação real da nova moeda. O Plano real provou que a inflação poderia ser mantida a níveis baixos, mesmo sem o congelamento de preços. Por meio do mecanismo informal de negociação de preços, chegou-se a acordos de persuasão moral entro o governo e os grupos empresariais mais importantes do país, para que eles mantivessem seus preços constantes em Reais. Trata-se de um mecanismo de negociação, e não de imposição. 3.3 Estabilização sem confisco dos ativos financeiros Quando o Real foi introduzido, a base monetária correspondia a 0,6% do PIB. A moeda estava, principalmente, na forma de fundos de curto prazo, ficando protegidos da erosão inflacionária. Assim, os brasileiros de alta renda se protegiam. Já o papel-moeda e as pequenas contas não gozavam de tal proteção, o que significava que o imposto inflacionário era pago majoritariamente pelas camadas mais pobres da sociedade. Dessa
forma, o sistema monetário remunerava a moeda em seu sentido amplo, a uma taxa mantida mais ou menos constante, em termos reais, pelo Banco Central. Assim, uma elevação no nível de preços traduzia-se numa elevação no estoque de moeda no seu conceito amplo. Por isso, muitos acreditavam que o confisco dos ativos era condição fundamental para resolver o problema do excesso de liquidez da economia. O Plano Real, porém, optou por um caminho diferente. Depois do ajuste fiscal e da conversão monetária gradual, foi utilizada uma parte do grande volume de reservas internacionais acumuladas desde 1992, garantindo a proteção contra a fuga de capitais. A decisão fundamental. Referia-se a taxa de juros do overnight que o Banco Central fixaria: 8% para o primeiro dia do Real, alta em termos reais, já que a inflação naquele mês foi próxima de zero, e considerando que o Real não se desvalorizaria perante o dólar. Assim, a corrida ao consumo foi evitada. Essas medidas atraíram capital do exterior, fazendo com que o Real se valorizasse em cerca de 15% em relação ao dólar. 3.4 Estabilização com políticas cambial e monetária flexíveis As autoridades monetárias estavam comprometidas em manter a paridade do Real no limite máximo de R$1,00 = US$1,00. Por outro lado, as taxas de juros internas foram mantidas em níveis tais a causar uma apreciação do Real perante o dólar. Além disso, foram estabelecidos rigorosos impedimentos para limitar a entrada de capitais estrangeiros a curto prazo, a fim de evitar maior valorização do Real. O controle da demanda por moeda era feito através da taxa de juros e da restrição ao crédito privado (com o Banco Central estipulando níveis de depósito compulsório sobre os depósitos a vista e sobre os CDBs). 3.5 Estabilidade sem recessão Ocorreu uma aceleração significativa da atividade econômica a partir de primeiro de julho de 1994, apesar do equilíbrio do orçamento federal e da prática de taxas de juros elevadas. Várias razões explicam esse fenômeno: Interrupção da coleta de um imposto inflacionário de 2 a 3% do PIB, que era anteriormente pago pela população de baixa renda sem acesso às contas remuneradas que protegiam a riqueza financeira dos brasileiros de alta renda. Esse imposto reduziu entre 10 e 15% o poder de compra dos salários. Poupança financeira protegida pelas cláusulas de indexação tornou-se menos atraente como hedge contra a variação de preços relativos dos ativos reais, já que a variabilidade sofreu uma forte redução com o fim da inflação alta. A incerteza em relação à renda ocasionada pela inflação elevada tendia a induzir à poupança, como medida preventiva, para fazer frente às futuras variações da renda real, o que também se tornou menos necessário em vista a relativa estabilidade da renda real observada após primeiro de julho. A incerteza em relação à sustentação da estabilidade de preços e da taxa de câmbio pode Ter levado a uma antecipação das despesas em consumo e investimento.
A estabilidade da renda real melhorou a avaliação de crédito tanto dos consumidores quanto das firmas, induzindo a uma ruptura abrupta das restrições que antes limitavam a concessão de crédito tanto pelos bancos quanto pelo comércio. A reação do governou veio através do aperto do crédito e reduzindo barreiras à importação. A apreciação do câmbio também veio a atuar no mesmo sentido. 4. Desequilíbrio econômico: o Plano no início de 1995 Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo, o sucesso do Plano era incontestável. A inflação estava em 1 ou 2% ao mês ao final de 1994. No entanto, um claro desequilíbrio cumulativo vinha ocorrendo e, sem a ação do governo, tal desequilíbrio poderia levar o Plano ao fracasso. A Discrepância entre o aumento dos salários nominais determinados pelas regras da política salarial, e a apreciação cambial, determinada pelos rumos das políticas cambial e monetária. Os ganhos se manifestaram pela facilidade com a qual os assalariados obtinham crédito. Além disso, o ajuste salarial de base anual, trazia um aumento real nos custos de produção, trazendo dificuldades para a manutenção do controle informal dos preços. Enquanto isso, a combinação de altas taxas de juros e aperto monetário, resultou na apreciação do Real frente ao dólar. Para evitar a transmissão dessas pressões de custo para os preços, o governo acelerou o ritmo de abertura comercial. No setor público, houve o aumento dos salários das forças armadas e das faixas de renda mais baixas do funcionalismo público. Além disso, todos os servidores se beneficiaram da lei de indexação e foi decretado aumento salarial à elite do comando Executivo Federal. O reajuste do salário mínimo para R$ 100,00 (10% de aumento real) que também beneficiou os pensionistas da previdência social. A expansão da demanda interna, associada à orientação favorável as importações, teve duas grandes conseqüências: um elevado grau de utilização da capacidade industrial e uma deterioração na balança comercial. Isso provocou um movimento ascendente da inflação, a despeito da maior competição de produtos importados no mercado nacional. Nesse contexto, o Brasil foi afetado pela crise do México, com um refluxo dos movimentos internacionais de capital e conseqüente queda no nível de reservas internacionais. 5. A segunda fase do Plano: 1995/96 Entre março e junho de 1995, o governo adotou uma série de medidas drásticas para reagir aos desequilíbrios que ameaçavam a sustentação do Plano Real:
Elevação substancial das taxas de juros e imposição de restrições adicionais à expansão creditícia, com aumento do depósito compulsório. Desvalorização de 5% do real em relação ao dólar, substituindo a banda assimétrica por banda flutuante de câmbio (com minidesvalorizações periódicas preanunciadas, e o decreto da elevação aguda, de 20 para 70%, das tarifas de importação de automóveis e eletrodomésticos). Abolição da indexação salarial pelo IPCr e instituição da livre negociação. As medidas foram bem sucedidas em reverter a tendência inflacionária ascendente, os movimentos adversos da conta de capitais e, ainda que temporariamente, o déficit externo, que voltou a mostrar sinais de deterioração a partir da Segunda metade de 1996. As conseqüências negativas do aperto creditício apareceram em pelo menos três áreas: a atividade econômica, a fragilidade financeira e o déficit do setor público. Muitas firmas ficaram em condições difíceis, inclusive os bancos, que receberam proteção do governo com a criação do programa de reestruturação do setor bancário privado (PROER) que permitiu a transferencia para novos proprietários dos bancos problemáticos, com a transferência dos créditos duvidosos para o governo. A política de elevação das taxas de juros exerceu impacto negativo sobre o déficit público. No conceito operacional, o balanço consolidado do setor público passou de um superávit de 1,3% do PIB em 1994 para um déficit de 4,8% do PIB. Três quartos desta deterioração podem ser explicados pelos mencionados aumentos nos salários e pensões. O pagamento dos juros reais da dívida também aumento significativamente de 3,8 para 5,1% do PIB entre 1994 e 1995. Isso implicou na interrupção da redução gradual do volume da dívida líquida do setor público como proporção do PIB que vinha ocorrendo desde o início da década. 6. Perspectivas para o Plano Real: 1997 e depois Apesar do sucesso espetacular do Plano em seus primeiros seis meses de vida, hoje parece claro que a economia brasileira encontrava-se numa rota insustentável. As causas principais dessa tendência foram: Indexação salarial; Déficit do setor público; Apreciação da taxa de câmbio; Expansão do crédito para o setor privado. As medidas restritivas foram bem-sucedidas e mantiveram a tendência declinante da inflação ao longo da Segunda metade de 1996. O ressurgimento de grandes déficits comerciais desde setembro de 1996 indicava que isso não era suficiente para garantir a sustentabilidade do Plano. Em 1996 foram tomadas medidas corretivas:
Salários do funcionalismo não foram ajustados em janeiro como de costume e mantiveram-se sem qualquer indexação a inflação ao longo do ano; Em maio, o salário mínimo foi aumentado em 12%, 8 pontos percentuais abaixo da variação do custo de vida dos 12 meses anteriores; As pensões foram ajustadas em 15%, tendo como contrapartida parcial a instituição de uma contribuição sobre as aposentadorias do setor público; Declínio do nível das taxas de juros. O déficit, porém, havia caído apenas a 3,9% do PIB, estando ainda longe dos 2,5% do PIB objetivado. 6.1 Déficit do setor público e política cambial Para resolver a questão do déficit primário acima do necessário, o governo seria obrigado a gerar receita através de privatizações. 6.2 Tradables e non-tradables A preservação do equilíbrio externo depende, em grande parte, da capacidade da política de mini-desvalorizações comandar o processo inflacionário a curto prazo. Admitindo que, num contexto de economia aberta, o preço dos bens tradables é suscetível ao comando da taxa de câmbio, o problema é saber se a evolução dos preços dos non-tradables converge como o dos bens tradables. Se isso não acontecer, ocorreria uma progressiva sobrevalorização cambial que geraria uma insustentável situação de desequilíbrio externo. Durante o período de 1994 a 1996, a tendência declinante dos preços controlados foi claramente um importante componente da estratégia antiinflacionária. Apesar de ser possível interpretar este movimento como uma indicação da reduzida atração exercida pela produção de bens tradables em relação à de non-tradables, deve-se levar em conta que os serviços privados não são tipicamente atividades empresariais, que ofereceriam oportunidades de investimento alternativas ao capital dedicado à produção de tradables. 6.3 Taxa de câmbio, competitividade e rentabilidade No final de 1996, ainda que continuasse a existir uma certa pressão dos custos salariais sobre a rentabilidade das atividades industriais, ele era menor do que em meados de 1995. Também havia ocorrido uma certa perda de competitividade do setor industrial interno em relação aos seus competidores internacionais. Assim, a taxa de câmbio, ajustada pelo custo salarial efetivo estaria, em setembro de 1996, aproximadamente 15% mais apreciada imediatamente depois do Plano, em julho de 1994. A partir de julho de 1995, a apreciação verificada depois do Plano passou por um processo de reversão, pela ação conjunta do esfriamento econômico e da desindexação salarial, mas até o final de 1996 uma tendência de estabilidade parece ter passado a se manifestar. 7. Conclusão
Visualizadas ao final de 1997, as perspectivas a curto prazo da economia brasileira são bastante satisfatórias com inflação de um dígito e crescimento superior a 4%. No entanto, o déficit comercial é crescente (déficit em transações correntes perto de 4% do PIB). O Plano ainda não foi bem-sucedido em produzir uma tendência econômica na qual o controle inflacionário é compatível com o crescimento econômico sustentado e um razoável equilíbrio externo. Dentre as principais tarefas para o futuro estão a elevação da taxa de poupança doméstica e a promoção do crescimento exportador. Para isso é importante que se faça reformas no setor público e da seguridade social, a privatização dos serviços de infra-estrutura e os ganhos de produtividade derivados da crescente abertura da economia. Desta forma, será possível atingir taxas de juros internas compatíveis às internacionais, podendo-se conferir maior flexibilidade ao regime cambial. 8. Referências Bibliográficas: Mercadante, Aloizio, "O Brasil pós-real: A política econômica em debate". GRUPO : Gabriel Vilaça Carvalho Dalton Oliveira Ricardo Nance Roberto Luiz