Disrafismo Espinhal Oculto - acuidade para o diagnóstico

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0873-9781/12/43-6/263 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria ACTUALIZAÇÃO Disrafismo Espinhal Oculto - acuidade para o diagnóstico Helena M. Silva 1, Carmen Carvalho 2, Luísa Carreira 2 1. Serviço de Pediatria, Departamento da Criança e Adolescente, Centro Hospitalar do Porto. 2. Serviço de Neonatologia, Maternidade Júlio Dinis, Centro Hospitalar do Porto. Resumo Os disrafismos espinhais ocultos apresentam uma incidência global desconhecida, representando uma entidade subdiagnosticada. O espectro clínico é amplo, podendo englobar anomalias cutâneas, malformações ortopédicas e/ou neuro- -urológicas. Os sinais cutâneos axiais lombossagrados estão presentes em 50 a 80% dos casos, incluindo fossetas sacrococcígeas, sinus dérmicos, hemangiomas, lipomas, apêndices caudais, tufos pilosos e áreas de hiper ou hipopigmentação. A revisão da literatura demonstra que as fossetas sacrococcígeas estão presentes em cerca de 4% dos recém-nascidos saudáveis e representa o estigma cutâneo mais frequentemente associado ao disrafismo espinhal oculto. Deste modo, torna-se fundamental reconhecer as características que motivam um maior estado de alerta e necessidade de investigação complementar. Outros estigmas cutâneos associados ao disrafismo espinhal oculto serão alvo de uma estratificação de risco, que passará também pela abordagem imagiológica. A correcção neurocirúrgica poderá prevenir e/ou melhorar a função neurológica. Contudo, é o diagnóstico precoce que adquire a maior importância para a orientação destas crianças, evitando as potenciais sequelas. Palavras-chave: disrafismo espinhal oculto, fosseta sacrococcígea Acta Pediatr Port 2012;43(6):263-7 Occult spinal dysraphism - diagnostic acuity Abstract The overall incidence of occult spinal dysraphism is unknown as they represent an underdiagnosed entity. The clinical spectrum is broad and may include skin defects, orthopedic malformations and / or neuro-urological symptoms. Lumbosacral skin findings are present in 50-80% of cases: coccygeal pits, dermal sinus, hemangiomas, lipomas, caudal appendages, hair tufts, and areas of hyper-or hypopigmentation. Review of the literature shows that 4% of healthy newborns have a dimple in the sacrococcygeal region. However, they represent the most common cutaneous stigma associated with occult spinal dysraphism. Hence, clinical examination should seek to identify the markings that harbor a higher risk of occult spinal dysraphism and that need further investigation. Other cutaneous stigmata will be stratified, involving an imaging approach. Early neurosurgical correction can prevent and / or improve neurological function. Early detection is of greatest importance in the management of these children, avoiding potential sequelae.key wordss: occult spinal dysraphism, sacral dimple Key words: occult spinal dysraphism, sacral dimple Acta Pediatr Port 2012;43(5):263-7 Introdução Os defeitos do tubo neural representam a malformação congénita mais frequente, afectando 1 em cada 1000 gravidezes 1. Estes defeitos resultam de uma anormal fusão do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário. A separação da ectoderme neural e da ectoderme epidérmica ocorre durante a 3ª-5ª semanas de gestação, simultaneamente à formação e encerramento do tubo neural. O termo disrafismo espinhal é usado para designar a fusão incompleta ou a malformação de estruturas ósseas e neurais da região da coluna vertebral por erros no encerramento do tubo neural. Representam um espectro de anomalias congénitas, classificados em dois subtipos: abertos e fechados (ocultos). Nos disrafismos abertos ocorre a exposição de tecido nervoso através de um defeito nas menínges e/ou coluna vertebral. Estes, são frequentemente diagnosticados no período neonatal. No disrafismo espinhal oculto (DEO) a lesão resultante é coberta por pele, sem exposição de tecido neural. Uma vez que a pele e o sistema nervoso derivam da ectoderme, os disrafismos espinhais ocultos estão, frequentemente, associados a determinados estigmas cutâneos. Recebido: 11.04.2012 Aceite: 16.05.2013 Correspondência: Helena M. Silva hel.m.silva@hotmail.com 263

A história familiar de defeitos no tubo neural e a deficiência de ácido fólico na mãe são os factores predisponentes que mostram maior correlação com a ocorrência de disrafismos. Já foram, também, associados à utilização de contraceptivos orais e anticonvulsivantes (especialmente o ácido valpróico e a carbamazepina). A história familiar é positiva em cerca de 10% dos casos 2. Os disrafismos espinhais ocultos apresentam uma incidência global desconhecida, uma vez que se trata de uma entidade subdiagnosticada 3. Contudo, é a malformação do eixo espinhal mais prevalente e a indicação mais frequente para estudo imagiológico dessa região 4. O espectro clínico do DEO é amplo, podendo englobar anomalias cutâneas, malformações ortopédicas e/ou neuro-urológicas. No que se refere às deformidades ortopédicas associadas a esta patologia há a destacar as malformações e assimetrias dos membros inferiores (por exemplo pés cavos e varos), escoliose e alterações da marcha. As manifestações neurourológicas, presentes em cerca de 35% dos doentes, incluem incontinência de esfíncteres, infecções urinárias de repetição por esvaziamento vesical incompleto, hidronefrose secundária a refluxo e bexiga neurogénica. Subtipos Os disrafismos espinhais ocultos são divididos em 4 subtipos: diastomielia; sinus dérmico associado ou não à presença de um tumor de inclusão; medula ancorada; lipomielomeningocelo (Quadro I). Quadro I Subtipos de disrafismo espinhal oculto Diastomielia Divisão sagital da medula (completa ou incompleta), formando duas hemimedulas, geralmente separadas por osso ou cartilagem. Sinus dérmico ± Tumor de inclusão Disjunção incompleta com formação de um trajecto cutâneo revestido que estabelece comunicação entre a pele e as estruturas nervosas. Medula Ancorada Anormal inclusão da porção inferior da medula às estruturas envolventes; com o crescimento, a medula é traccionada resultando em anormalidades esqueléticas e neurológicas. Lipomielomeningocelo Disjunção prematura, permitindo a infiltração da mesoderme entre a ectoderme e a neuroectoderme, resultando numa medula ancorada a um lipoma. Diastomielia - A diastomielia é a divisão parcial ou completa da medula ou cone medular, em forma de fenda, que ocorre devido a um septo ósseo, fibroso ou cartilaginoso que se encontra entre as duas hemimedulas, fixando-as num determinado nível. Em cerca de 75% dos casos associa-se a medula ancorada 5. Sinus dérmicos - Os sinus dérmicos congénitos são trajectos cutâneos revestidos por epitélio estratificado pavimentoso que estabelecem comunicação entre a pele e estruturas mais profundas. Podem atingir a duramáter, o espaço subaracnoideu e a medula espinhal. Localizam-se acima do sulco interglúteo, têm um trajecto com orientação cefálica e estão frequentemente associados a patologia intradural. Podem ser responsáveis por complicações infecciosas, nomeadamente abcessos e meningites recorrentes ou por agentes atípicos 6-9. Medula ancorada - Ao nascimento, a medula espinhal normalmente termina ao nível de L1/L2. Em todas as formas de DEO, a medula tende a posicionar-se num nível inferior, contudo, nem sempre surgem sintomas. A síndrome neuro- -uro-ortopédica é uma constelação de sintomas neurológicos, urológicos e ortopédicos que traduz disfunção da medula terminal 6. Na medula ancorada estes sintomas surgem com o crescimento da criança, à medida que a fixação patológica do cone medular causa tração, resultando em distorção da anatomia medular e em lesões isquémicas. Lipomielomeningocelo - O lipomielomeningocelo é a lesão disráfica oculta mais frequentemente diagnosticada 10, e associada a um pior prognóstico. Consiste numa massa fibroadiposa subcutânea que atravessa a fáscia lombodorsal, causando um defeito laminar espinal, deslocando a dura-máter e, eventualmente, infiltrando e ancorando a medula espinhal 3. Estigmas cutâneos Os sinais cutâneos axiais lombosagrados estão presentes em 50 a 80% dos casos 3,4, podendo englobar fossetas sacrococcígeas, sinus dérmicos, hemangiomas, lipomas, áreas de hiper ou hipopigmentação, tufos pilosos e apêndices caudais. As fossetas sacrococcígeas representam as alterações mais frequentemente encontradas, constituindo cerca de 74% dos estigmas cutâneos 11, e estão presentes em cerca de 4% dos recem-nascidos saudáveis 1,7,8,11,12. Têm sido múltiplos os estudos que têm questionado se as fossetas representam sinais cutâneos de disrafismo oculto, e a maioria das séries publicadas 2,7,8,11-14 não tem encontrado associação entre as fossetas e o disrafismo oculto, pelo que têm sido consideradas variantes do normal fossetas sacrococcígeas simples. A presença destas fossetas isoladas, sem achados cutâneos adicionais, não requer avaliação imagiológica, cirúrgica ou tratamento 3,4,9. Por outro lado, as fossetas sacrococcígeas podem apresentar características que motivem um maior estado de alerta e necessidade de investigação complementar. Deste modo, deverá ser avaliado o tamanho, número, localização e associação a outras alterações. As fossetas sacrococcígeas atípicas são representadas por 1,8,11,12,15 : dimensão máxima superior a 5mm; distância do ânus superior a 2.5cm; presença de escorrência; associação com outro estigma cutâneo; fossetas múltiplas (Quadro II). Os lipomas isolados, ou em combinação com outras lesões, frequentemente com manchas em vinho do porto, são outra das alterações mais frequentemente associadas a DEO 16. Habitualmente representam o componente externo de um 264

lipomielomeningocelo. Profundamente ao lipoma pode-se palpar um defeito nos elementos ósseos posteriores. É através deste defeito ósseo que os lipomas estabelecem comunicação com a parte terminal da medula. Os hemangiomas presentes na linha média da região lombosacral e com dimensões >2,5cm2 associam-se frequentemente à presença de lipomas intramedulares causando compressão e deficits neurológicos 17,18. As caudas correspondem à persistência do vestígio caudal, que normalmente se desenvolve e desaparece no final do primeiro mês da fase embrionária. A hipertricose tem sido descrita como um marcador de diastomielia 19. Relativamente aos desvios isolados da prega glútea ou dupla prega glútea, é controverso se são considerados um marcador de DEO 20,21, contudo, poderão representar o único sinal visível de um lipoma subcutâneo 2,3,16,20,22. A combinação de dois ou mais estigmas cutâneos constitui o melhor marcador de DEO 1,16. Quadro II. Sinais de alarme que deverão motivar a investigação complementar de uma fosseta sacrococcígea Fossetas sacrococcígeas atípicas Dimensão máxima superior a 5mm Distância do ânus superior a 2.5cm Presença de escorrência Associação com outro estigma cutâneo Fossetas múltiplas e raízes nervosas. São considerados achados anormais: cone medular com a extremidade abaixo do corpo vertebral de L2; filamento terminal com um diâmetro superior a 2 mm; medula em posição posterior ou não móvel 1,5,12,23. Apesar de a ecografia apresentar uma boa correlação com a ressonância magnética (RM), trata-se apenas de um exame de triagem, necessitando de confirmação com a RM 12,16,23,25,26. A RM medular é o exame padrão para o diagnóstico: permite a visualização da topografia sagital e coronal dos componentes intra e extravertebrais, avalia a localização exacta do cone medular e do componente disráfico intraespinhal, permitindo um melhor planeamento cirúrgico 2,11-12,16,25. Estratificação do risco e abordagem diagnóstica As lesões cutâneas presentes na linha mediana da região lombosagrada, na ausência de manifestações neurológicas ou ortopédicas, são habitualmente categorizadas em 3 grupos: baixo risco, risco médio-alto e risco muito alto 1,4,11,18 (Quadro III). No primeiro grupo são incluídas as crianças que apresentam lesões isoladas com baixo risco de DEO: mancha vinho do porto, tufo piloso e nevo pigmentado. Neste grupo de pacientes, há autores que questionam a utilidade da ecografia por rotina 16,21, advogando apenas o acompanhamento clínico. Contudo o baixo custo e inocuidade do exame permite que outros autores considerem a avaliação ecográfica uma abordagem com uma boa relação custo-benefício 4,11. Quadro III. Estratificação do risco das lesões cutâneas presentes na linha mediana da região lombosagrada, na ausência de manifestações neurológicas ou ortopédicas. Baixo (<5%) Médio-alto (27-36%) Muito alto (44-100%) - Mancha vinho do porto - Tufo piloso - Nevo pigmentado - Hemangioma - Aplasia cutis congénita - Hamartoma - Desvio da prega glútea - Fosseta atípica 2 alterações cutâneas na linha mediana lombosagrada - Lipoma - Sinus dérmico - Apêndice caudal Diagnóstico A radiografia da coluna tem pouca utilidade na investigação do DEO pela sua baixa especificidade 12,23,24. Nos lactentes a ossificação é insuficiente para excluir lesão e cerca de 10 a 15% das crianças mais velhas com patologia apresentam radiografias normais 4. A ecografia é o exame de primeira linha na investigação desta patologia. É um exame rápido, de baixo custo, inócuo e sem necessidade de anestesia. No recem-nascido e lactentes até aos 3-6 meses de idade permite o diagnóstico precoce e a triagem de lesões do neuroeixo 1,2,4,8,11,24-26, através da visualização da anatomia medular devido à ossificação incompleta dos elementos posteriores das vértebras mais caudais, possibilitando uma visualização detalhada do conteúdo do canal vertebral e estruturas ósseas envolventes 11,16,25,26. São avaliados: o nível do cone medular, o diâmetro e ecogenicidade do filamento terminal, a posição e mobilidade da medula No segundo grupo estão englobados os hemangiomas, a aplasia cutis congénita, hamartomas, desvio da prega glútea e fosseta atípica. Nestes casos, o exame de primeira linha para triagem será a ecografia da região sacrococcígea. Contudo, num lactente de idade superior a 6 meses de idade, deverá ser realizada a RM 4,16. O grupo de risco muito alto inclui: presença de mais de duas alterações cutâneas na linha mediana lombosagrada; lipoma; sinus dérmico; apêndice caudal. Nestes casos deverá ser realizada a RM independentemente da idade da criança, uma vez que existe uma elevada probabilidade da ocorrência de lesão disráfica (Figura). 265

A suspeita clínica e o diagnóstico precoce são factores determinantes na evolução favorável destes doentes. Referências 1. Zywicke HA and Rozzele CJ. Sacral dimples. Pediatr Rev 2011; 32:109-14. 2. Cornette L, Verpoorten C, Lagae L, Plets C, Van Calenbergh F, Casaer P. Closed spinal dysraphism: a review on diagnosis and treatment in infancy. Eur J Paediatr Neurol. 1998; 2(4):179-85. 3. Weprin BE, Oakes WJ. Coccygeal pits. Pediatric. 2000;105: e69 e73. Figura. Algoritmo de abordagem diagnóstica Tratamento O tratamento do DEO é cirúrgico e visa a prevenção do desenvolvimento de défices neurológicos. O momento ideal é controverso 2 mas vários estudos demonstraram uma melhoria da função motora, dos sintomas urológicos e dos padrões urodinâmicos com uma intervenção cirúrgica precoce, idealmente antes dos três anos 4. Nos casos em que o tratamento cirúrgico é diferido, torna- -se necessário um seguimento multidisciplinar no sentido de detectar os sinais de disfunção medular baixa. Este seguimento deverá ser realizado até à puberdade, com observações neurológicas regulares 16. Prognóstico O prognóstico da criança com DEO depende do atingimento neurológico, das complicações ou sequelas existentes na altura do diagnóstico. A história natural do DEO é varíavel e muitas vezes imprevisível 1. O compromisso neurológico, ortopédico e/ou urológico aumenta com a idade, pelo que se torna necessário o diagnóstico precoce. A instalação dos défices é insidiosa e progressiva: imperceptíveis durante o primeiro ano de vida, e após este período, expressam-se habitualmente por um atraso do desenvolvimento psicomotor, atrofia de uma extremidade inferior, talipes equinovaru, disfunção vesical, espastecidade. Conclusão Os disrafismos espinhais ocultos são frequentemente subdiagnosticados, contudo, a presença de sinais ou estigmas cutâneos associados está descrita em até 80% dos casos, podendo englobar fossetas sacrococcígeas, sinus dérmicos, hemangiomas, lipomas, apêndices caudais, tufos pilosos, e áreas de hiper ou hipopigmentação. A presença de qualquer uma destas lesões na região sacrococcígea e/ou a presença de uma fosseta sacrococcígea atípica requer investigação adicional. 4. Medina LS, Crone K, Kuntz KM. Newborns with suspected occult spinal dysraphism: a cost-effectiveness analysis of diagnostic strategies. Pediatrics. 2001;108:e101 e108. 5. Dick EA, Patel K, Owens CM, Bruyn R. Spinal ultrasound in infants. Br J Radiol 2002;75 : 384-92. 6. Thompson DN. Spinal dysraphic anomalies; classification, presentation and management. Paediatr child health 2010; 20:9. 7. Robinson AJ, Russell S, Rimmer S. The value of ultrasonic examination of the lumbar spine in infants with specific reference to cutaneous markers of occult spinal dysraphism. Clin Radiol 2005;60:72-7. 8. Weprin BE and Oakes WJ. Coccygeal pits. Pediatrics 2000;105:e69. 9. Soares S, Laranjeira C, Peres S, Coelho D, Pereira J, Gil-de-Costa MJ, et al. Meningite recorrente secundária a sinus dérmico. Caso clínico. Saúde infantil 2008; 30(3):122-6. 10. Dias M, Mclone DG. Neurosurgical management of spinal dysraphism in: Weinstein et al. The Pediatric spine. Philadelphia: Lippincort Williams and Wilkins, 2001:253-76. 11. Kriss VM and Desai NS. Occult spinal dysraphism in neonates: assessment of high-risk cutaneous stigmata on sonography. Am J Roentgenol 1998;171:1687-92. 12. Lee ACW, NS Kwong, YC Wonghk Management of sacral dimples detected on routine newborn examination: A Case Series and Review. HK J Paediatr (New Series) 2007;12:93-5. 13. Gibson PJ, Britton J, Hall DM, Hill CR. Lumbosacral skin markers and identification of occult spinal dysraphism in neonates. Acta Paediatr 1995;84:208-9. 14. Herman TE, Oser RF, Shackelford GD. Intergluteal dorsal dermal sinuses. The role of neonatal spinal sonography. Clin Pediatr (Phila) 1993;32:627-8. 15. Williams H. Spinal sinuses, dimples, pits and patches: what lies beneath? Arch Dis Child Educ Pract Ed 2006; 91:ep75-80. 16. Guggisberg, Hadj-Rabia S, Viney C, Bodemer C, Brunelle F, Zerah M, et al. Skin markers of occult spinal dysraphism in children. A review of 54 cases. Arch Dermatol 2004;140:1109-15. 17. Drolet B. Birthmarks to worry about-cutaneous markers of dysraphism. Dermatol Clin 1998; 16: 447-53. 18. Drolet BA, Chamlin SL, Garzon MC, Adams D, Baselga E, Haggstrom AN, et al. Prospectiove Study of spinal anomalies in children with infantile hemangiomas of the lumbosacral skin. J Pediatr 2010;157:789-94. 19. Miller A, Guille JT, Bowen JR. Evaluation and treatment of diastematomyelia. J Bone Joint Surg Am 1993; 75:1308-16. 20. Ponger P, Ben-Sira L, Beni-Adani L, Steinbok P, Constantini S. 266

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