Diagnóstico e tratamento tardios da insuficiência renal crônica terminal

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Transcrição:

J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 219-223 219 Diagnóstico e tratamento tardios da insuficiência renal crônica terminal Ricardo Sesso, Angélica G. Belasco, Horácio Ajzen Nós estudamos 142 pacientes que iniciaram tratamento dialítico para insuficiência renal crônica terminal em nossa instituição. Apenas 41 pacientes (28,9%) foram consultados por nefrologista antes do início da diálise. Cinquenta e oito (41,1%) souberam ter doença renal há menos de 1 mês do início da diálise. A maioria dos pacientes (60,0%) não fez seguimento ambulatorial antes do início do programa de diálise. Apenas 4 pacientes possuiam fístula artério-venosa; 76 (53,5%) tiveram acesso dialítico através de cateter venoso central e 62 (43,7%) através de cateter peritoneal. Antes da primeira sessão de diálise 59 pacientes (47,2%) apresentavam bicarbonato plasmático < 15 meq/l; 12 (8,6%) potássio sérico > 7 meq/l; 84 (65,1%) uréia > 200 mg/dl; 38 (27,1%) creatinina > 15 mg/dl; 68 (57,6%) cálcio < 8,5 mg/dl; 51 (49,0%) albumina < 3,2 g/dl, e 34 (24,5%) hematócrito < 20,0%. Hipertensão arterial foi detectada em 132 pacientes (93,0%). Quarenta e um apresentavam infecção urinária (n=27) ou pulmonar (n=14). Estes dados indicam que o tratamento de pacientes com insuficiência renal crônica no período anterior a diálise não tem sido adequado. O diagnóstico e o início do tratamento dialítico tem sido tardios em muitos pacientes com insuficiência renal crônica terminal. Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Disciplina de Nefrologia. Endereço para correspondência: Dr Ricardo Sesso, Escola Paulista de Medicina, Disciplina de Nefrologia, Rua Botucatu 740, São Paulo, SP, 04023-062 - Fone (011) 574-6300 - Fax (011) 573-9652 diálise, insuficiência renal crônica, diagnóstico, encaminhamento, morbidade dialysis, chronic renal failure, diagnosis, referral, morbidity Introdução Durante os últimos anos temos observado que um número elevado de pacientes são atendidos pela primeira vez em nossa instituição em estágio avançado de insuficiência renal crônica. Muitos deles apresentam complicações clínicas e necessitam iniciar diálise em condições de emergência. Na Europa e nos Estados Unidos, alguns estudos tem mostrado que o encaminhamento tardio para programa crônico de diálise não é incomum. 1-4 As consequências deletérias do encaminhamento tardio para tratamento dialítico tem sido apontadas em alguns desses estudos. 1,3,4 O encaminhamento precoce de pacientes com insuficiência renal crônica para a equipe de nefrologia pode produzir benefícios no sentido de reduzir a morbidade e a mortalidade destes pacientes. 4,5 O objetivo do presente estudo foi avaliar prospectivamente pacientes com insuficiência renal crônica terminal (IRCT), que iniciaram programa de diálise em nossa instituição, investigando as características

220 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 219-223 do encaminhamento dos pacientes, os exames laboratoriais na admissão e os aspectos iniciais do tratamento instituído. Material e Métodos Foram estudados prospectivamente todos os pacientes com mais de 12 anos de idade sequencialmente admitidos na unidade de diálise da Disciplina de Nefrologia, Hospital São Paulo, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP, entre outubro de 1992 e junho de 1994, com diagnóstico de IRCT e que necessitaram iniciar programa crônico de diálise. Esta unidade de diálise está localizada no ERSA (escritório regional de saúde) 3 - Vila Prudente, onde existem outras 4 unidades credenciadas pela Secretaria da Saúde. Foram excluídos pacientes com diagnóstico de insuficiência renal aguda, insuficiência renal pós falência de enxerto e pacientes com insuficiência renal associada a neoplasia. Na ocasião da admissão na unidade de diálise, eram coletadas informações sobre dados demográficos, características do encaminhamento ao serviço, sintomatologia da doença renal, diagnóstico de base, doenças associadas, exames laboratoriais imediatamente antes da realização da primeira sessão de diálise e tipo de tratamento e acesso inicial para diálise. As informações sobre o encaminhamento ao serviço foram obtidas através de um questionário aplicado por um de nós diretamente com os pacientes. Resultados Entre outubro de 1992 e junho de 1994, 154 pacientes iniciaram tratamento dialítico para IRCT em nossa instituição; 12 apresentavam neoplasia associada e foram excluídos da análise, deixando 142 pacientes para o estudo. Setenta e nove pacientes (55,6%) eram do sexo masculino e 63 do sexo feminino; sua idade média (DP) era 48,3 anos (16,0) (variação 16-90 anos). Metade dos pacientes era alfabetizada. Os principais diagnósticos de doença renal de base foram diabetes (n=32, 24,2%), hipertensão (n=30, 22,7%) e glomerulonefrite (n=12, 9,1%). O diagnóstico foi confirmado por biópsia renal em 17 casos (12,7%). A Tabela 1 mostra que 41 pacientes (28,9%) foram encaminhados para tratamento por médico nefrologista, 48 (33,8%) por clínicos gerais ou médicos de outras especialidades. Trinta e cinco por cento dos pacientes procuraram o atendimento médico espon- Tabela 1 Distribuição dos pacientes quanto ao encaminhamento para tratamento dialítico. N % Nefrologista 41 28,9 Clínico geral 30 21,1 Outra especialidade 18 12,7 Iniciativa própria 49 34,5 Sem informação 4 2,8 Total 142 100,0 tâneamente, devido aos sintomas, sem encaminhamento prévio por outro especialista. Entre os pacientes encaminhados, 66 (46,5%) vieram da rede pública, 8 (5,6%) de outros serviços de assistência médica (medicinas de grupo) e 17 (12,0%) de médicos particulares. A Tabela 2 mostra que o número mediano de centros médicos procurados até que fosse feito o diagnóstico de doença renal e até o início do tratamento dialítico foi de 2 e 3, respectivamente. Onze (7,7%) e 17 (12,0%) pacientes, respectivamente, passaram por mais de 4 centros médicos até que o diagnóstico Tabela 2 Características prévias ao início do tratamento dialítico Nº centros até diag. de doença renal mediana 2,0 variação 1-15 > 2 centros (nº pac.* (%)) 55/142 (38,7) Nº centros até iniciar diálise mediana 3,0 variação 1-15 > 3 centros (nº pac.* (%)) 32/142 (22,5) Tempo de diag. doença renal (meses) mediana 2,4 variação 0-207 < 1 mes (nº pac.* (%)) 58/141 (41,1) Duração de sintomas (meses) mediana 2,9 variação 0-40,8 < 2 meses (nº pac.* (%)) 54/138 (39,1) Tempo de seguimento ambulatorial (meses) mediana 0 variação 0-98 < 1 mês (nº pac.* (%)) 45/75 (60,0) Uso de dieta hipoproteica (meses) mediana 0 variação 0-122 < 1 mês (nº pac.* (%)) 104/142 (73,2) *nº de pacientes com a característica / nº de pacientes com informação disponível

J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 219-223 221 da doença renal fosse feito ou até iniciar o programa de diálise crônica. Cinquenta e oito pacientes (41,1%) souberam ter doença renal há menos de 1 mês do início da diálise; 54 pacientes (39,1%) apresentavam sintomas relacionados a doença renal há menos de 2 meses. A maioria dos pacientes (60,0%) não fez seguimento ambulatorial para acompanhamento de doença renal. Apenas 39 pacientes (27,5%) utilizaram dieta hipoproteica orientada por médico antes de iniciar diálise. Oitenta pacientes (56,3%) iniciaram tratamento através de hemodiálise, os restantes através de diálise peritoneal intermitente (37,3%) ou diálise peritoneal ambulatorial contínua (6,3%) (Tabela 3). Apenas 4 pacientes possuiam fístula artério-venosa em condições de uso no início do programa; 76 (53,5%) tiveram acesso dialítico através de cateter venoso central e 62 (43,7%) através de cateter peritoneal de Tenckhoff. Tabela 3 Tipo de tratamento e acesso inicial para diálise Tipo de diálise N % Hemodiálise 80 56,3 DPI 53 37,3 CAPD 9 6,3 Tipo de acesso Fístula a-v. 4 2,8 Cateter venoso subclávia 66 46,5 jugular 5 3,5 femoral 5 3,5 Cateter de Tenckhoff 62 43,7 Total 142 100,0 Parâmetros laboratoriais pré-tratamento dialítico. Valores mínimos, máximos e críticos. Figura 1 - Os valores de HCO3, Na, K, são expressos em meq/l, ureia e creatinina em mg/dl. Os valores medianos desses parâmetros são respectivamente: 15,4 meq/l, 138 meq/l, 4,9 meq/l, 246 mg/dl e 9,9 mg/dl. em 34 pacientes (24,5%). O tamanho médio dos rins, no eixo longitudinal, ao ultra-som foi de 9,0 cm. Na ocasião da admissão, hipertensão arterial foi detectada em 132 pacientes (93,0%). Quarenta e um pacientes apresentavam infecção urinária (n=27, 19,0%) ou pulmonar (n=14, 9,9%). Parâmetros laboratoriais pré-tratamento dialítico. Valores mínimos, máximos e críticos. Exames laboratoriais, realizados imediatamente antes da primeira sessão de diálise, são mostrados nas Figuras 1 e 2. Trinta e três pacientes (26,2%) apresentavam ph venoso menor que 7,2; bicarbonato plasmático menor que 15 meq/l foi encontrado em 59 pacientes (47,2%); potassio sérico igual ou acima de 7 meq/l foi detectado em 12 pacientes (8,6%). Encontramos uréia sérica acima de 200 mg/dl em 84 casos (65,1%) (>300 mg/dl em 43 casos), creatinina sérica acima de 15 mg/dl em 38 casos (27,1%); cálcio abaixo de 8,5 mg/dl em 68 (57,6%); fósforo acima de 7,0 mg/dl em 29 (24,8%); albumina sérica abaixo de 3,2 g/dl em 51 (49,0%) e hematócrito abaixo de 20,0% Figura 2 - Os valores de clear. cr. são expressos em ml/min, cálcio e fósforo em mg/dl, albumina em g/dl e hematócrito em %. Os valores medianos desses parâmetros são respectivamente: 6,3 ml/min, 8,3 mg/dl, 5,3 mg/dl, 3,2 g/dl e 23%.

222 J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 219-223 Discussão Nossos dados mostram que apenas 29% dos pacientes que iniciaram tratamento dialítico para IRCT foram atendidos anteriormente por nefrologista. O diagnóstico da doença renal foi comumente feito apenas algumas semanas antes do início da diálise. Mais da metade dos pacientes não fez seguimento ambulatorial prévio e somente cerca de um quarto deles receberam dieta hipoproteica no período anterior à diálise. Estes dados indicam que pacientes com insuficiência renal crônica não receberam atendimento médico adequado no período anterior ao início de programa de diálise, nem tiveram o acompanhamento especializado necessário para iniciar a diálise em condições satisfatórias e bem planejadas. Em parte, a escassez de sintomas relacionados a insuficiência renal até os estágios tardios de doença pode ter retardado a procura de cuidados médicos. No entanto, nossos achados sugerem que o sistema de assistência de saúde esteja falhando em sua capacidade de fazer diagnóstico de insuficiência renal mais precocemente, e no acompanhamento de pacientes com maior risco de desenvolverem insuficiência renal crônica terminal, particularmente aqueles diabéticos, hipertensos e com glomerulonefrite crônica. Pacientes com doença renal crônica não tem sido encaminhados a tempo para equipes de nefrologia, o que deveria ser feito quando a creatinina sérica fosse maior que 2,0 mg/dl para homens e que 1,5 mg/dl para mulheres. 5 É possível que esteja ocorrendo uma seleção dos pacientes por parte de clínicos gerais e de outros especialistas no encaminhamento destes pacientes aos serviços de Nefrologia. O não encaminhamento precoce, por outro lado, pode estar ocorrendo por desconhecimento dos benefícios do seguimento ambulatorial especializado, 6 ou por uma aceitação preferencial de pacientes com menor morbidade nos centros de programa crônico de diálise. Esta última possibilidade certamente deve estar relacionada ao número insuficiente de unidades de diálise credenciadas. Nós mostramos recentemente que idade, nível educacional e diagnóstico da doença de base são fatores potenciais de discriminação para aceitação para tratamento dialítico em São Paulo. 7 Muitos pacientes, neste estudo, passaram por vários centros médicos até serem aceitos para tratamento dialítico. Obviamente, quanto maior o tempo, até que seja encontrada uma vaga para tratamento, maior a chance de as condições clínicas dos pacientes se deteriorarem e que seja necessária a diálise de emergência. Em estudo anterior, nós encontramos que a distribuição regional dos centros de diálise no município de São Paulo é muito desigual e que uma porcentagem grande de pacientes fazem diálise distante da região onde moram. 8 Há falta de centros de diálise em algumas regiões do município (principalmente nas zonas Sul e Leste). Nós mostramos ainda, em outro relato, que muitos pacientes com IRCT morreram sem receber tratamento dialítico. 7 Analisados conjuntamente, estes dados indicam que há falta de vagas para programas de diálise, e que o encaminhamento para tratamento tem sido inapropriado para os pacientes renais crônicos em São Paulo. Este sistema restrito de atendimento tem feito com que inúmeros pacientes cheguem, diariamente, a hospitais públicos como é o caso do Hospital São Paulo, em condições de maior risco de vida. Como consequência do exposto, pacientes renais crônicos são habitualmente admitidos em condições bastante descompensadas, como é claramente evidenciado pela elevada frequência de alterações importantes nos exames laboratorias iniciais. Distúrbios hidroeletrolíticos, ácido-básicos, anemia, desnutrição foram comuns nos pacientes estudados. Vários destes distúrbios poderiam ter levado os pacientes à morte antes mesmo do início da diálise. Mais de 90% apresentava hipertensão arterial. Cerca de 30% tinha infecção pulmonar ou urinária. Naturalmente, estas alterações estão diretamente relacionadas a maior morbidade, mortalidade e custos com internação no início do programa de diálise. 4,9 Muitos destes pacientes tiveram que iniciar diálise em condições não planejadas e de emergência, como pode ser constatado pelos exames laboratoriais e pelo tipo de acesso para diálise. Cateter venoso central para hemodiálise foi empregado em mais da metade dos pacientes; em 44% deles um cateter peritoneal foi implantado pela equipe de nefrologia e foi imediatamente utilizado para diálise. É imprescindível que os pacientes com insuficiência renal crônica tenham seu diagnóstico feito mais precocemente e sejam encaminhados a equipes de nefrologia (compostas por médico, enfermeira, nutricionista, assistente social, profissional de saúde mental) a tempo suficiente para que iniciem o programa de diálise em melhores condições. No período anterior à diálise deve ser feito um adequado atendimento em relação ao tratamento da hipertensão arterial, da anemia, da osteodistrofia renal, das condições nutri-

J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 219-223 223 cionais e deve ser estabelecido precocemente o acesso vascular. Este é também um período importante para que se melhore a qualidade de vida durante o tratamento. Além disso, o acesso aos serviços de diálise deve ser facilitado às custas do aumento do número de vagas e de uma melhor distribuição dos centros de diálise em São Paulo. Agradecimentos Angélica G. Belasco recebe bolsa de mestrado da FAPESP. Ricardo Sesso recebe bolsa de pesquisador do CNPq. Summary Late diagnosis and treatment of end-stage renal disease We studied 142 patients who started dialysis treatment for chronic renal failure in our institution. Only 41 patients (28.9%) were seen by a nephrologist before starting dialysis. Fifty-eight (41.1%) knew that they had renal disease less than one month before starting dialysis. Most of the patients (60%) did not attend ambulatory care clinics before beginning the dialysis program. Only 4 patients had arterio-venous fistula; in 76 (53.5%) the dialysis access was through central venous catheter and in 62 (43.7%) by peritoneal catheter. Before the first dialysis session 59 patients (47.2%) had plasma level of bicarbonate < 15 meq/l; 12 (8.6%) serum potassium > 7 meq/l; 84 (65.1%) serum urea > 200 mg/dl; 38 (27.1%) serum creatinine > 15 mg/dl; 68 (57.6%) calcium < 8,5 mg/dl; 51 (49.0%) serum albumin < 3,2 g/dl, and 34 (24.5%) hematocrit < 20.0%. Hypertension was detected in 132 patients (93.0%). Forty-one patients had urinary (n=27) or pulmonary (n=14) infection. These data indicate that treatment for chronic renal failure patients before dialysis period has not been adequate. The diagnosis and the starting of dialysis treatment have been late for many end-stage renal disease patients. Referências 1. Ratcliffe J, Phillips RE, Oliver DO. Late referral for maintenance dialysis. Br Med J. 1984; 288:441-443 2. Malangone JM, Abuelo JG, Pezzullo JC, Lund K, McGloin CA. Clinical and laboratory features of patients with chronic renal disease at the start of dialysis. Clin Nephrol. 1989; 31:77-87 3. Innes A, Rowe PA, Burden RP, Morgan AG. Early deaths on renal replacement therapy: the need for early nephrological referral. Nephrol Dial Transplant. 1992; 7:467-471 4. Jungers P, Zingraff J, Albouze G, Chaveau P, Page B, Hannedouche T, Man NK. Late referral to maintenance dialysis: detrimental consequences. Nephrol Dial Transplant. 1993; 8:1089-1093 5. Consensus Development Conference Panel. Morbidity and mortality of renal dialysis: an NIH consensus conference statement. Ann Intern Med. 1994; 121:62-70 6. Challah S, Wing AJ, Bauer R, Morris RW, Schroeder SA. Negative selection of patients for dialysis and transplantation in the United Kingdom. Br Med J. 1984; 288:1119-1122 7. Sesso R, Fernandes PF, Anção M, Drummond M, Draibe S, Sigulem D, Ajzen H. Acceptance for chronic dialysis treatment: insufficient and unequal. Nefrol Dial Transplant. (submetido) 8. Sesso R, Anção M, Madeira SA, Comissão Regional de Nefrologia SS/SP, Centro de Informática EPM. Aspectos epidemiológicos do tratamento dialítico na Grande São Paulo. Rev Ass Med Brasil. 1994; 40:10-14 9. Sesso R, Belasco AG, Ajzen H. Late diagnosis of chronic renal failure and mortality on maintenance dialysis. J Am Soc Nephrol. 1994; 5:476