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UNIDADE 3: Física Moderna Teoria da Relatividade Restrita (Notas de Apoio ao Programa do 12 o de Física) Paulo Crawford 1 A Relatividade de Galileu 1.1 O Princípio da Relatividade e a definição de Referencial Inercial Como todos sabemos, o movimento e o repouso são conceitos relativos. Um observador (ou um objecto) pode estar em repouso em relação a um referencial e em movimento em relação a outro. Por isso, quando estudamos o movimento de um corpo começamos por escolher o sistema de referência ou referencial onde fazemos as observações. Escolhemos os referenciais inerciais que são aqueles onde as partículas livres se movem em linha recta, com velocidade constante. Nestes referenciais inerciais a lei do movimento descoberta por Isaac Newton (1642-1727) escreve-se F = m a força = massa aceleração (1.1) Esta lei, também conhecida por segunda lei de Newton, só toma esta forma simples nos referenciais inerciais. Nos referenciais não-inerciais as forças exprimem-se de um modo mais complexo, devido ao aparecimento das chamadas forças de inércia. Como consequência do aparecimento dessas forças, o peso (aparente) de um corpo, medido num referencial não-inercial, pode ser muito diferente do seu peso real. Recordemos que, de acordo com a primeira lei de Newton, se a resultante das forças que actuam um corpo é nula, a aceleração do corpo também é nula e o corpo diz-se isolado. Expressa desta forma a primeira lei parece ser um caso particular da segunda. Contudo, é natural começar por descrever o movimento de um corpo na situação de ausência de forças. Essa é a situação descrita pela primeira lei, cujo enunciado pressupõe estarmos a utilizar referenciais inerciais. Inversamente, quando detectamos uma aceleração, inferimos, com base na expressão F = m a, a existência de uma força. Mais uma vez, este raciocínio é válido num referencial inercial. 1

Em geral, um observador deve escolher o referencial que mais facilite a recolha e análise dos dados. Torna-se então necessário relacionar as observações feitas em referenciais (inerciais) diferentes. Os observadores que fazem a suas observações em referenciais inerciais dizem-se observadores inerciais. Comecemos então pelos referenciais inerciais, ou seja, os referenciais que se movem com velocidade relativa constante e onde são válidas as leis de Newton na forma em que foram expressas. Velocidade e aceleração relativas Considere-se um observador solidário com o sistema OXY Z e duas partículas materiais A e B com posições r A e r B velocidades v A e v B Então r BA = AB = r B r A, é o vector de posição de B relativamente a A, r AB = BA = r A r B, é o vector de posição de A relativamente a B. A velocidade de B relativamente a A é dada por v BA = d r BA dt = d dt ( r B r A ) = ( v B v A ) A velocidade de A relativamente a B é dada por v AB = d r AB dt = d dt ( r A r B ) = ( v A v B ) Concluímos que para obter a velocidade de uma partícula em relação a outra basta conhecer as suas velocidades relativamente a um observador v BA = v B v A v AB = v A v B v BA = v AB 2

Derivando as velocidades em ordem ao tempo obtemos as acelerações: a aceleração de B relativamente a A a BA = d v BA = d dt dt ( v B v A ) = ( a B a A ) e a aceleração de A relativamente a B a AB = d v AB = d dt dt ( v A v B ) = ( a A a B ) Em conclusão: para obter a aceleração de uma partícula em relação a outra basta pois conhecer as suas acelerações relativamente a um observador (referencial) a BA = a B a A a AB = a A a B a BA = a AB 1.2 Princípio da Relatividade de Galileu Sejam dois observadores O e O solidários com os referenciais OXY Z e O X Y Z Os referenciais têm uma velocidade relativa constante: u O O = u OO = u Então os referenciais têm movimento relativo uniforme de translacção. Escolhemos os eixos OX e O X paralelos a u. Dois observadores diferentes pretendem comparar as suas medidas de posição e de velocidade de um corpo que se move em relação a eles. Suponhamos que quando t = 0: O e O coincidem = r O O = OO = t u = ut u x Admitamos que se trata de uma partícula material colocada no ponto A: O seu vector posição em OXY Z é r O seu vector posição em O X Y Z é r Como OA = OO + O A r = r ut r } = r ut t Transformações de Galileu (1.2) = t 3

Seja v = d r/dt a velocidade medida em OXY Z e v = d r /dt = d r /dt a velocidade em O X Y Z Então v = d dt ( r ut) = v = v u Seja a = d v/dt a aceleração relativamente a OXY Z e a = d v /dt = d v /dt a aceleração relativamente a O X Y Z E como a = d dt ( v u) a = a pois u é constante. Concluímos que as acelerações medidas por dois observadores, animados de movimento relativo uniforme de translação, são iguais. Diz-se que a aceleração é um invariante para as Transformações de Galileu (Princípio da relatividade de Galileu). Comprimentos (distâncias) O comprimento de um objecto é igual à distância entre as suas extremidades medidas no mesmo instante. Portanto, se o objecto está em movimento relativamente ao observador as posições das extremidades devem ser medidas simultaneamente. Considere-se uma barra de extremidades A e B a) em repouso relativamente a O b) em movimento relativamente a O L = r B r A comprimento medido por O L = r B r A comprimento medido por O Utilizando as Transformações de Galileu concluímos: r B r A = ( r B ut) ( r A ut) = r B r A = L = L 4

Intervalos de tempo Intervalo de tempo: é o tempo que decorre entre dois acontecimentos, medido por um mesmo observador Considerem-se dois acontecimentos A e B tais que: O está em repouso relativamente ao ponto onde ocorrem os acontecimentos = estes ocorrem no mesmo ponto relativamente a O O está em movimento relativamente ao ponto onde ocorrem os acontecimentos = estes ocorrem em pontos diferentes relativamente a O. t = t B t A é o intervalo de tempo medido por O t = t B t A é o intervalo de tempo medido por O Utilizando as Transformações de Galileu concluímos que na Mecânica Newtoniana: t B t A = t B t A = t = t Comprimentos e Tempos são invariantes numa Transformação de Galileu ou seja, quando nos restringimos às transformações de Galileu para definir observadores inerciais concluímos que: Comprimentos e Tempos são independentes do observador NOTA: Nos sistemas inerciais a aceleração é um invariante. Por outro lado, as forças que só dependem das distâncias (como é o caso das forças newtonianas) são também invariantes! Concluímos que: na Mecânica Newtoniana, a força e a aceleração são (independentemente) invariantes numa transformação de coordenadas entre observadores inerciais. 5

Logo, as leis da mecânica (leis de Newton) são as mesmas em todos os sistemas inerciais. Por outras palavras: todos os referenciais inerciais são absolutamente equivalentes do ponto de vista das leis da Mecânica Newtoniana e não há maneira de distinguir uns dos outros (o movimento é relativo!). Quando aplicado unicamente à Mecânica, este resultado é muitas vezes designado por Princípio da Relatividade de Galileu, para o distinguir do Princípio da Relatividade que se aplica a toda a Física e que está associado ao nome de Einstein. Princípio da Relatividade de Galileu As leis da mecânica são invariantes em relação às leis de transformação entre sistemas inerciais definidas por 1.2. 2 A Relatividade de Einstein 2.1 Postulados da Relatividade Restrita O ponto de partida da teoria da relatividade restrita, publicada por Einstein no annus mirabilis de 1905 num artigo intitulado Sobre a Electrodinâmica dos Corpos em Movimento, são os dois postulados fundamentais: Postulado 1 As leis da física tomam a mesma forma para todos os observadores que se movem uns em relação aos outros com velocidade constante (movimento rectilíneo e uniforme). Postulado 2 Todos os observadores medem o mesmo valor para a velocidade da luz quer esta tenha sido emitida por um corpo em repouso ou por um corpo em movimento rectilíneo e uniforme. Notemos os seguintes pontos. Estes postulados não dizem nada sobre quais são as leis da natureza. Referem-se exclusivamente a movimentos (rectilíneos e uniformes) mas aplicam-se a todas as leis físicas. Têm portanto uma natureza cinemática e não dinâmica. Os observadores definidos no primeiro postulado designam-se observadores inerciais. E as leis físicas são as mesmas para todos os observadores inerciais. Dito de outro modo, os observadores inerciais são totalmente equivalentes do ponto de vista das leis físicas. Este primeiro postulado é conhecido por Princípio da Relatividade de Einstein. 6

Quando no segundo postulado falamos em velocidade da luz estamos a referir-nos obviamente à velocidade da luz no vácuo, que representamos por c e cujo valor é aproximadamente 300 000 km/s. Para compreendermos o comportamento dos sinais luminosos, imaginemos dois observadores, A e B, separados por uma grande distância. A e B decidem medir a velocidade da luz a partir do intervalo de tempo que medeia a passagem de sinais luminosos trocados entre si. Suponhamos que a distância entre eles é 300 000 km, e que os seus relógios foram sincronizados antes da experiência. O observador A envia então um sinal luminoso para B, num instante previamente combinado, e um segundo depois B observa o clarão correspondente à chegada do sinal. Esta foi a técnica utilizada em 1675 por O. Roemer, para medir a velocidade da luz a partir da duração da sua viagem através do sistema solar, desde Júpiter à Terra, a qual dura cerca de uma hora. Não dispondo de um companheiro para lhe enviar um sinal luminoso, Roemer recorreu ao movimento de um dos satélites de Júpiter, cujas posições podia calcular antecipadamente. As luas de Júpiter, quando observadas da Terra, chegam ora atrasadas ora adiantadas às posições calculadas, pois o tempo que a luz demora a percorrer a distância entre Júpiter e a Terra varia consoante esta se afasta ou se aproxima do planeta. A medida do atraso permitiu a Roemer calcular muito aproximadamente a velocidade da luz, a partir do conhecimento das posições relativas entre Júpiter e a Terra. Esta foi uma das descobertas científicas famosas do século XVII, não tanto pelo rigor do valor obtido mas por ter estabelecido um valor finito para a velocidade da luz. Imaginemos agora a seguinte experiência um pouco mais complicada. Os observadores A e B desejam verificar se a velocidade da luz varia de lugar para lugar. Para isso, cada um deles mede não só o tempo que a luz leva a percorrer a distância entre eles, mas também o tempo que a luz leva a atravessar um tubo de um metro, junto de cada um dos observadores. É claro que esta última medida exige uma electrónica sofisticada, pois que o tempo que a luz leva a atravessar um tal tubo é menor que a centésima milionésima parte de um segundo ( t < 10 8 s). Ao fim de algum tempo e depois de repetirem esta experiência várias vezes, A e B concluem que a velocidade da luz é a mesma ao longo dos seus respectivos tubos e que este valor coincide com a velocidade média tomada entre as suas posições. Vejamos agora como estender o Princípio da Relatividade de Galileu a todas as leis físicas. Ou seja, vamos admitir que as leis da física, e não só as leis da Mecânica, tomam a mesma forma e têm o mesmo conteúdo em qualquer referencial inercial (princípio da Relatividade de Einstein ou primeiro postulado). 7

Para isso, Einstein começou por notar que as leis do electromagnetismo (as equações de Maxwell) não eram invariantes para uma transformação de Galileu. Mas, no entanto, eram invariantes em relação a um conjunto de transformações descoberto por H.A. Lorentz e por H. Poincaré. Se o princípio de Galileu se aplicasse aos fenómenos electromagnéticos então as ondas luminosas emitidas por um corpo a deslocar-se com velocidade v num referencial inercial S teriam uma velocidade c ± v em relação ao mesmo referencial S. Ora, a experiência de Michelson-Morley 1 e muitos outros resultados (como a observação das estrelas duplas) mostram que a velocidade da luz no vácuo não depende da velocidade da fonte e é a mesma para todos os observadores inerciais. Lorentz e Poincaré tinham já demonstrado que as equações de Maxwell ficavam formalmente invariantes se as transformações de coordenadas entre dois referenciais inerciais S e S se relacionassem pelas seguintes fórmulas com x = γ(x vt) y = y z Transformação de Lorentz (2.3) = z t = γ(t vx/c 2 ) γ = 1 1 v 2 /c 2 Comparando com as transformações de Galileu entre dois referenciais inerciais, S e S, com uma velocidade relativa segundo o eixo dos XX e cuja origem inicial é comum x y z t = x vt = y Transformação de Galileu = z = t vemos que as segundas se obtêm das primeiras quando v/c 1, isto é, quando a velocidade relativa entre os observadores é desprezável face à velocidade da luz no vácuo. Tendo em conta a precisão das experiências electromagnéticas e querendo estender o princípio da relatividade a toda a Física, Einstein adoptou as Transformações de Lorentz (TL), eqs.(1.3), como as transformações de coordenadas entre observadores inerciais, tendo para isso sido levado a rever os próprios conceitos de espaço e de tempo, que serviam de base a toda a Física e, por consequência, levado a reformular as leis da Mecânica. 1 Michelson e Morley estabeleceram experimentalmente em 1887 que a velocidade da luz no vácuo c é a mesma na Terra em todas as direcções e não depende do movimento da Terra em torno do Sol. Assim enquanto as ondas sonoras, por exemplo, resultam de movimentos de propagação num meio elástico, em relação ao qual elas têm uma velocidade fixa, as ondas electromagnéticas não dependem de um meio material para se propagarem (não necessitam de um éter, como se pensou durante algum tempo por analogia com as ondas sonoras). 8

Notemos em primeiro lugar que, devido à constância da velocidade da luz e à isotropia da sua propagação no vácuo, sendo emitido um sinal luminoso num dado ponto do espaço e num dado instante, que se tomam respectivamente como origens espacial e temporal dos referenciais S e S, este deve satisfazer simultaneamente as equações x 2 + y 2 + z 2 c 2 t 2 = x 2 + y 2 + z 2 c 2 t 2 = 0. (2.4) Ou seja, os pontos do espaço que num dado instante de cada referencial se encontram na mesma fase de vibração formam uma onda esférica que está centrada na origem do referencial respectivo. A equação anterior permite definir uma quantidade invariante, isto é, uma quantidade que toma a mesma forma em todos os referenciais inerciais relacionados entre si por uma Transformação de Lorentz indissoluvelmente ligada à invariância da velocidade da luz, e que se escreve x 2 + y 2 + z 2 c 2 t 2 = r 2 c 2 t 2 Este invariante pode ser entendido como uma generalização da definição habitual de distância a um espaço a quatro dimensões, conhecido por espaço-tempo de Minkowski 2. Na verdade, tal como a fórmula euclideana x 2 + y 2 + z 2 = r 2 caracteriza o espaço ordinário 3-dimensional, e representa o quadrado da distância do ponto de coordenadas (x, y, z) à origem, também a fórmula r 2 c 2 t 2 pode servir para caracterizar o espaçotempo de Minkowski e poderá igualmente designar a distância do ponto (acontecimento) de coordenadas (r, ct) à origem, neste espaço-tempo 4-dimensional. Exercício 1 Verifique que as TL (1.3) satisfazem a relação (1.4). Dados dois acontecimentos cuja separação espacial é r e cuja separação temporal é t, três situações diferentes podem ocorrer a) r 2 c 2 t 2 = 0, a distância entre os dois acontecimentos é exactamente percorrida pela luz no intervalo de tempo que os separa. Diz-se que os dois acontecimentos formam um par tipo-luz. b) r 2 c 2 t 2 < 0, a distância entre os dois acontecimentos é menor que o espaço percorrido pela luz no intervalo de tempo que os separa. Diz-se então que os dois acontecimentos formam um par tipo-tempo. c) r 2 c 2 t 2 > 0, no intervalo de tempo que separa os dois acontecimentos a luz não pode percorrer a distância que os separa. Diz-se neste caso que os dois acontecimentos formam um par tipo-espaço. 2 Hermann Minkowski foi o primeiro a mostrar em 1908 que: daqui em diante o espaço só por si e o tempo só por si estão condenados a tornarem-se meras sombras, e só uma união dos dois preservará uma realidade independente. 9

Todos os pares de acontecimentos que estão numa relação de causa-efeito pertencem às categorias a) ou b). Nenhuma informação pode ser transmitida com velocidade maior do que a da luz. Logo, dois acontecimentos que pertençam à categoria c) não podem estar causalmente relacionados. Como as partículas materiais viajam com uma velocidade inferior à da luz em todos os referenciais inerciais, dois quaisquer acontecimentos da vida de uma partícula material formam um par tipo-tempo para todos os observadores inerciais, isto é, a sua separação temporal é maior do que a sua separação espacial. Consideremos dois acontecimentos do espaço-tempo infinitesimalmente próximos. Reduzindo o espaço-tempo a duas dimensões, uma dimensão espacial e uma temporal, e fazendo coincidir essa direcção espacial com a direcção da velocidade relativa entre os dois referenciais, escrevemos o intervalo infinitesimal ds 2 = dx 2 c 2 dt 2 = dx 2 c 2 dt 2. (2.5) Se os 2 acontecimentos ocorrem no mesmo ponto de S, dx = 0 ds 2 < 0, e podemos escrever (1.5) da seguinte forma e portanto dx 2 c 2 dt 2 = c 2 dt 2 dt = dt onde v = dx/dt é a velocidade de S em S. 1 v2 c 2 (2.6) Concluímos que o intervalo de tempo é diferente em S e S e que é mais curto no referencial onde os acontecimentos ocorrem no mesmo ponto do espaço. Esse referencial, neste caso S, designa-se referencial próprio para esses acontecimentos. Assim, em qualquer referencial diferente do referencial próprio o tempo é dilatado. Note-se ainda que embora dx = 0, dx = vdt 0 (use as TL(1.3)), isto é, os dois acontecimentos ocorrem no mesmo ponto de S mas ocorrem em pontos diferentes de S. Consideremos agora dt = 0 (acontecimentos simultâneos em S ). Vem ds 2 > 0 e usando as TL vemos que dt = vdx/c 2, logo ds 2 = dx 2 c 2 dt 2 = dx 2 > 0 (par tipo-espaço). Vemos que acontecimentos simultâneos em S, e que ocorrem em pontos diferentes do espaço de S, não são simultâneos em S : dt 0. Consideremos agora uma barra fixa em S cujo comprimento é L = x. A diferença de coordenadas das extremidades da barra em S, x, deve ser medida simultaneamente em S. Usando novamente TL(1.3) para um par de acontecimentos com t = 0, e 10

t = v x/c 2, vejamos quanto mede a mesma barra em S. Substituindo este valor de t no intervalo s 2 = x 2 c 2 t 2 = x 2, vem x = x 1 v 2 /c 2 Conclusão: as barras com comprimento L = x no seu referencial próprio são vistas contraídas em qualquer outro referencial! Ou seja, uma barra que esteja em repouso no laboratório é vista contraída por um observador que se desloca em relação ao laboratório com velocidade v (supomos que a barra está colocada ao longo do eixo coincidente com a velocidade relativa entre os dois referenciais S e S ). Adição de velocidades: a partir das TL obtemos imediatamente u = onde u = dx dt, u = dx dt e v é a velocidade relativa entre S e S. u v 1 uv/c ou u = u + v (2.7) 2 1 + u v/c 2 É fácil verificar que se u = c vem u = c, concordando com o 2 0 postulado de Einstein: a velocidade da luz (no vácuo é a mesma em todos os referenciais). A luz de uma estrela que se aproxima do Sol (Terra) viaja com velocidade c, tal como a luz de uma estrela que se afasta. Usando estrelas duplas os astrónomos verificaram este facto com grande precisão. Exercício 2 Mostre que a fórmula relativista de adição de velocidades produz sempre velocidades menores ou iguais a c, sendo a igualdade válida se alguma das velocidades u e/ou u for igual a c. Para exemplificar os efeitos cinemáticos aqui deduzidos vamos considerar a seguinte experiência imaginada. Vamos alterar ligeiramente a última experiência. Em vez de A e de B permanecerem em repouso, B move-se agora com velocidade constante na direcção de A. À medida que B se aproxima de A, B espera que os sinais luminosos, enviados por A, atravessem o seu tubo a uma velocidade superior à da experiência anterior, quando a velocidade entre eles era nula. Não é isso que acontece no nosso quotidiano? Se um observador parado na plataforma duma estação de caminho de ferro vê passar um comboio a 100 km/h, e 11

no comboio há um passageiro a deslocar-se a uma velocidade de 5 km/h em relação ao comboio, então a velocidade relativa entre o passageiro e o observador da plataforma é 105 km/h ou 95 km/h consoante o passageiro se afasta ou se aproxima da estação. Não devia acontecer o mesmo com a luz? Porém, para grande surpresa dos observadores A e B, a velocidade da luz permanece inalterada ao atravessar os respectivos tubos. E além disso, a velocidade medida a partir dos intervalos de tempo que a luz leva a percorrer a distância entre A e B continua a ser a mesma. Consternado com este resultado, B supõe que a sua velocidade em relação a A é ainda muito pequena e recorre a um foguetão para aumentá-la. B aproxima-se de A cada vez mais depressa, na esperança de receber mais rapidamente os sinais luminosos enviados por A, mas é em vão, a velocidade medida localmente continua a ser a mesma. Ao fim de algum tempo, B atinge uma velocidade em relação a A igual a 99% da velocidade da luz e nota que os sinais luminosos chegam agora muito azulados. Trata-se de um fenómeno familiar, B sabe que a luz azul significa luz de alta frequência e recorda-se que as ondas sonoras também se deslocam para as altas frequências quando a fonte e o observador se aproximam um do outro. O efeito designa-se por deslocamento de Doppler e observa-se, por exemplo, quando dois carros se cruzam: o som da buzina soa mais agudo se os carros se aproximam e mais grave se eles se afastam. Voltando à nossa experiência, apesar do deslocamento de Doppler, B não observa nenhuma variação na velocidade da luz, isto é, B continua a medir a mesma velocidade para os sinais enviados por A. B decide-se então a utilizar um outro foguetão para inverter o sentido do movimento e, assim, afastar-se de A a toda a velocidade. Verifica agora que os sinais luminosos enviados por A chegam bastante avermelhados, como se as ondas luminosas tivessem sido alongadas, provocando o aumento do seu comprimento de onda, tal como as ondas sonoras da buzina de um carro que se afasta. Ao fim de algum tempo B afasta-se de A a uma velocidade igual a 99% da velocidade da luz. B esperava que a luz enviada por A viajasse ao seu encontro a 3000 km/s (1% da velocidade habitual), mas nada disso acontece. A luz continua a chegar à mesma velocidade de 300 000 km/s, independentemente da velocidade a que B se desloca em relação a A. Numa última tentativa, e já desesperado por esta contradição entre o comportamento da luz e a experiência quotidiana, B resolve utilizar ainda um outro foguetão com o fim de ultrapassar a velocidade dos sinais luminosos na esperança que, ao viajar a uma velocidade superior à da luz relativamente a A, os sinais luminosos enviados por A não o atinjam. Enquanto decorre esta fase da experiência, A verifica que B está a fazer um esforço desesperado para atingir a velocidade da luz, mas quanto mais perto se encontra dessa velocidade, maior é a energia que necessita para acelerar. A necessidade de combustível cresce sem limite. Mesmo com toda a energia 12

disponível no mundo, B não é capaz de vencer a barreira que o impede de atingir a velocidade da luz. Parece que à medida que B se aproxima da velocidade da luz, maior é a sua inércia: toda a nova energia consumida parece ser dispendida para criar mais massa e não para aumentar a velocidade. Entretanto, os sinais luminosos emitidos por A continuam a atravessar o tubo de um metro, transportado por B, a uma velocidade de 300 000 km/s. O quadro descrito na experiência anterior está em contradição com a nossa rotina diária, fundamentada na mecânica de Newton. A relatividade restrita ensina-nos a ser mais cautelosos. Sempre que os objectos se movam com velocidades próximas da velocidade da luz devemos ignorar a nossa experiência quotidiana, e levar a sério os postulados desta teoria. Como consequência da invariância da velocidade da luz, Einstein foi levado a concluir que o espaço e o tempo variam com o estado de movimento do observador. Por exemplo, quando B se aproxima vertiginosamente de A, a distância entre A e B, medida por B, contrai-se. Além desta peculiar contracção do espaço, o movimento de B tem também um efeito muito estranho sobre o tempo. Quando B compara o seu relógio com dois relógios iguais, localizados em sítios diferentes, previamente sincronizados e em repouso em relação a A, constata que o seu relógio se atrasa em relação a estes relógios solidários com A. E vice-versa, o relógio de A atrasa-se em relação a dois relógios espacialmente separados e solidários com B (previamente sincronizados). A conclusão óbvia a retirar destes factos é: a sincronização dos relógios é um conceito relativo ao observador. Não existe uma sincronização universal, simultaneamente válida para todos os observadores (inerciais). Relógios parados e sincronizados do ponto de vista de um observador A, não estão sincronizados para um observador B que se move com velocidade próxima da velocidade da luz em relação a A. Por outras palavras, se B se aproxima de A a grande velocidade e, pelo caminho, acerta o seu relógio por um relógio que está parado em relação a A, mas a uma certa distância de A, quando B se cruza com A verifica que o relógio de A está adiantado em relação ao seu relógio. Do ponto de vista de B, os dois relógios que estão em repouso relativamente a A, não foram previamente sincronizados, ainda que o tenham sido do ponto de vista de A. Esta situação traduz a impossibilidade de definir o conceito de simultaneidade de modo absoluto. Além disso, constatamos que o intervalo de tempo entre dois acontecimentos é mais curto para o observador que vê os dois acontecimentos ocorrerem no mesmo ponto do espaço. Designa-se o tempo medido por esse observador tempo próprio. Dois acontecimentos físicos, que ocorrem em diferentes pontos do espaço (isto é, espacialmente separados) e simultâneos para um observador A, não serão simultâneos para outro observador B que se desloca a grande velocidade em relação a A. Este carácter relativo do conceito de simultaneidade é uma consequência do valor finito (constante) da velocidade da luz. Este é o conceito fundamental da teoria da relatividade restrita. Se as acções físicas pudessem propagar-se a uma velocidade infinita a simultaneidade 13

teria um carácter absoluto: dois acontecimentos simultâneos para um dado observador, seriam simultâneos para qualquer outro observador, qualquer que fosse o seu estado de movimento. Vejamos este aspecto com o auxílio de mais uma experiência de pensamento, à boa maneira de Einstein. Imaginemos desta feita uma nave espacial que se afasta da Terra a uma velocidade igual a 90% da velocidade da luz. No centro da nave existe uma fonte de sinais luminosos. Para um astronauta que se encontre no centro da nave espacial, os sinais chegam às duas extremidades da nave simultaneamente, visto que as ondas luminosas se propagam em todas as direcções e sentidos com a mesma velocidade a velocidade da luz, c. Contudo um observador terrestre testemunharia uma situação bem diferente. É certo que a velocidade da luz é a mesma, de acordo com a teoria da relatividade restrita, para o observador terrestre e para o astronauta que se afasta da Terra. Mas como o observador terrestre vê a nave a afastar-se com uma velocidade igual a 90% da velocidade da luz, é claro que, do ponto de vista deste observador, os sinais luminosos não podem chegar simultaneamente às duas extremidades da nave. O observador terrestre vê a cauda da nave a aproximar-se rapidamente da origem do sinal luminoso, enquanto a dianteira da nave se afasta dessa origem. Durante o intervalo de tempo que a luz leva a atravessar a nave, esta afasta-se da Terra e, por isso, o sinal enviado para trás atinge a cauda da nave antes do outro sinal atingir a extremidade dianteira. Assim, dois acontecimentos que são simultâneos para o astronauta ocorrerão em instantes diferentes para o observador terrestre. Vimos, com este último exemplo, como a simultaneidade depende do estado de movimento do observador. Não existe um acordo universal sobre o que é o mesmo instante para dois acontecimentos que ocorrem em lugares diferentes, ou seja, não existe uma definição absoluta de instantâneo. Um sinal que viajasse instantaneamente da frente para a cauda da nave espacial, do ponto de vista do astronauta, seria visto por um observador terrestre como um sinal propagando-se para trás no tempo. Como o observador terrestre vê o sinal atingir a dianteira depois de atingir a cauda, o sinal aparentemente instantâneo é visto da Terra como um sinal enviado do acontecimento posterior para o acontecimento anterior, destruindo assim qualquer relação causal. São conhecidos os paradoxos que resultam de admitir que é possível enviar sinais para trás no tempo. Imaginemos, por exemplo, uma máquina ligada a um computador com a seguinte instrução programada: Às 4 horas enviar um sinal para o passado. Este sinal pode reflectir-se num local distante e atingir de novo a máquina, digamos, às 2 horas. O programa pode conter uma instrução para a máquina se auto-destruir uma hora após a chegada do sinal. É claro, uma tal sequência de acontecimentos é totalmente inconsistente: a auto-destruição às 3 horas anteciparia a transmissão do sinal 14

às 4 horas, impedindo a recepção do sinal às 2 horas e, portanto, anulando o accionamento do mecanismo de auto-destruição, em contradição com a hipótese original. A inconsistência traduz-se numa quebra da relação causa-efeito. Assim, para preservar a estrutura causal dos fenómenos físicos adoptamos a regra: não é possível enviar sinais a velocidades superiores à da luz. 3 Dinâmica Relativista De acordo com a dinâmica newtoniana é possível acelerar uma partícula até que esta atinja uma velocidade superior à velocidade da luz, violando assim um dos resultados fundamentais da teoria da relatividade e contrariando a evidência experimental. Logo, as leis do movimento de uma partícula em relatividade devem ser diferentes das da teoria newtoniana. De igual modo as leis de conservação da energia e do momento linear também devem ser diferentes. Na mecânica newtoniana a massa de um objecto é uma quantidade de importância considerável pois que a energia e o momento linear de um corpo são proporcionais à sua massa. Assim, a massa de um foguetão determina a quantidade de energia necessária para colocá-lo em órbita à volta da Terra a uma dada distância; a massa de um meteorito determina a quantidade de energia cinética que é dissipada quando este colide com a superfície da Lua a uma dada velocidade e forma uma nova cratera; finalmente, a massa de um carro com uma dada potência determina o tempo gasto a atingir a velocidade de 100 km/hora a partir do repouso. Na mecânica newtoniana, a massa m de um objecto é independente do movimento do observador que a mede. Porém, quando os objectos se movem com velocidades não desprezáveis em comparação com a velocidade da luz, e é necessário recorrer à teoria da relatividade restrita, somos obrigados a distinguir a massa medida por um observador em repouso em relação ao objecto, que designamos por massa própria e representamos por m 0, da massa relativista efectiva m medida por um observador em movimento em relação ao objecto. Um outro aspecto importante é que na teoria newtoniana a massa total é conservada nas interacções; por exemplo, se queimarmos 10 kg de hidrogénio e 80 kg de oxigénio para obter água, prevê-se que a massa total da água produzida seja 90 kg. Veremos que na teoria da relatividade é o conjunto da massa com a energia que é conservado. Na teoria newtoniana o momento linear de um objecto é o produto da massa pela sua velocidade p = m v. A sua importância está patente nas seguintes propriedades: 1. F = d p/dt, se um corpo está isolado (nenhuma força actua sobre ele) o seu momento linear é conservado! 15

2. Quando tem lugar uma colisão entre partículas, o momento total de todos os objectos envolvidos na colisão é conservado. Considere, por exemplo, uma estação espacial de 100 toneladas e um meteorito com 50 toneladas aproximando-se um do outro. No sistema de referência de um observador inercial B a estação espacial move-se inicialmente no sentido positivo do eixo dos xx (+X) com uma velocidade de 0, 1 c e o meteorito move-se segundo ( X) com uma velocidade 0, 5 c. O momento inicial da estação é 100 0, 1 c = 10 c no sentido positivo do eixo X, e o momento inicial do meteorito é 50 ( 0, 5) c = 25 c no sentido negativo do eixo X. Como não há forças a actuar sobre os dois corpos, estes momentos lineares mantêm-se constantes; portanto eles aproximam-se um do outro com velocidades constantes. Ao colidirem produzem grande quantidade de calor e fundem num único corpo. Se o corpo resultante tem massa M e velocidade v segundo (+X) o momento total final é Mv. De acordo com a lei conservação do momento linear, este é exactamente o valor do momento linear inicial total que é 10 c+( 25 c) = 15 c. Assim a lei de conservação diz-nos que mv = 15 c, e a velocidade final é v = 15 c/m. Ora de acordo com a teoria newtoniana a massa total é conservada pelo que a massa final é igual à massa da estação mais a massa do meteorito, isto é, M = 100+50 = 150 ton. E v = 15 c/150 = 0, 1 c. Neste exemplo a situação era muito simples pois tratava-se de um movimento a uma dimensão: todas as velocidades eram paralelas ao eixo X. Se o movimento é numa direcção que não coincide com nenhum dos eixos, podemos escrever o vector velocidade v em termos das suas componentes (v x, v y, v z ) segundo X, Y e Z, respectivamente; e as componentes do vector momento linear p são dadas por p x = mv x, p y = mv y, p z = mv z. De acordo com a teoria newtoniana, um observador inercial B medirá que cada uma das componentes de p se conserva durante a colisão. Na teoria da relatividade, também se verifica a conservação do momento linear e que pode igualmente ser escrito p = m v, desde que m represente a massa relativista, isto é, o produto da massa própria m 0 (medida em relação ao referencial do repouso) pelo factor de Lorentz γ(v) = 1/ 1 v 2 /c 2 : m = m 0 γ(v). Agora a massa m 0 não se conserva mas sim a massa m. Para ver isto voltemos ao exemplo da estação espacial e do meteorito. Naturalmente que as massas dadas anteriormente são massas próprias (embora na teoria newtoniana se representem por m). Em relação ao observador B, o factor de Lorentz da estação é γ(0, 1 c) = 1/ 1 (0, 1) 2 = 1, 005 de modo que p x = m 0 γ(v)v x = 100 1, 005 0, 1 c = 10, 05 c. O factor de Lorentz para o meteorito é γ(0, 5 c) = 1/ 1 (1/2) 2 = 1, 155, logo o seu momento inicial era 50 1, 155 ( 0, 5 c) = 28, 868 c. O momento inicial 16

total é portanto 10, 05 c 28, 868 c, que deverá ser igual ao momento final total M 0 γ(v )v = 18, 818 c (3.8) onde M 0 é a massa própria total do produto da colisão. Para poder determinar v temos de conhecer a massa total M 0. Ora a massa relativista da estação em relação ao observador B era antes do choque m 0 γ = 100 10, 05 = 100, 5 toneladas, e a massa inicial do meteorito era 50 1, 155 = 57, 75 toneladas. Assim, a massa inicial total era 100, 5 + 57, 75 = 158, 25 toneladas. Se não tiver sido perdida mais nenhuma massa de qualquer outra forma, concluímos que, em virtude da conservação da massa relativista, esta será também a massa final M, ou seja M = M 0 γ(v ) = 158, 25. (3.9) Das relações anteriores obtemos então que v /c = 18, 818/158, 25 = 0, 119, substituindo este valor na última equação vemos que M 0 = 158, 25/γ(0, 119 c) = 158, 25/1, 0071 = 157, 13 toneladas, cerca de 7 toneladas mais do que a soma das massas próprias dos corpos que colidem. A fonte desta massa própria extra só pode explicar-se pela conversão de parte da energia cinética dos dois corpos em massa! Vejamos ainda um outro exemplo. Um dado observador vê uma partícula, de massa em repouso m 0, a aproximar-se pela esquerda com uma velocidade v 1 = 4/5 c e a colidir com uma outra partícula que se aproxima pela direita com uma velocidade v 2 = 3/5 c; após o choque ambas as partículas permanecem em repouso em relação ao observador. Qual é a massa própria da segunda partícula? Suponhamos que essa massa é M 0. Como o momento linear total após o choque é nulo, o momento linear total antes do choque é também zero (porquê?). Portanto, temos m 0 4 c 1 ( 4 5 )2 5 M 0 3 c 1 ( 3 5 )2 5 = 0 donde se conclui que M 0 1, 78 m 0. Comparemos este resultado com o valor obtido a partir da teoria de Newton. Usando novamente a conservação do momento linear temos, neste caso, m 0 4 c/5 = M 0 3 c/5, isto é, M 0 1, 33m 0, o que dá um erro de 25 por cento em relação ao resultado da teoria da relatividade! Estes resultados relativistas podem parecer surpreendentes e irrealistas. Mas são hoje verificados diariamente nos grandes aceleradores de partículas para produzir choques de partículas a altas energias. Foram já analisados muitos milhares de choques com base nas leis de conservação do momento linear da relatividade restrita não havendo hoje qualquer dúvida na validade dessas leis. Pode pois afirmar-se que se trata de 17

leis extraordinariamente bem testadas. Mais uma vez se insiste que estas leis são uma generalização das leis de Newton, necessária quando se utilizam grandes velocidades. Quando as velocidades são pequenas, em comparação com a velocidade da luz, as leis relativistas aproximam-se das leis newtonianas. Para sentir como essa aproximação se faz rapidamente bastará fazer os cálculos do exemplo anterior com v 1 = 0, 2 c e v 2 = 0, 1 c. Embora estas velocidades sejam ainda bastante grandes, obtemos neste caso M 0 2, 03 m 0, e a teoria de Newton dá agora só um erro de 0,15 por cento em relação à teoria da relatividade. Este último exemplo numérico mostra porque razão não é necessário utilizar as fórmulas relativistas para estudar choques entre carros, comboios ou mesmo aviões de combate. Todos estes veículos se deslocam a velocidades muito inferiores às velocidades mencionadas. Por outro lado, nos aceleradores de partículas, onde se verificam velocidades de cerca de 0, 9 c é indispensável recorrer à teoria da relatividade restrita. Sugestões de Leitura Crawford, P e Simões, A.I., Tempo e Relatividade I, Gazeta de Física, 9, 36, Abril 1986. Crawford, Paulo, O Significado da Relatividade no Final do Século, Colóquio Ciências, no.16 (1995). Henriques, A. Barbosa, Espaço, Tempo e Matéria, Colóquio/Ciências, no.4 (1989). Lage, E., Espaço, Tempo e Relatividade, Colóquio/Ciências, no.3 (1988). Ellis, George F.R., e Williams, Ruth M., Flat and Curved Space-Times, Clarendon Press, Oxford, 1988. 18