A PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS E AS CORRENTES PEDAGÓGICAS NÃO CRÍTICAS: ANOTAÇÕES PELA PERSPECTIVA DO MATERIALISMO HISTÓRICO- DIALÉTICO Maricélia Maria da Silva Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) marileiamaria@hotmail.com Thaís Guedes Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) thaisguedes@hotmail.com Introdução: Este trabalho apresenta um recorte teórico de uma pesquisa em processo, com um debate sobre a relação entre a Pedagogia das Competências e as correntes pedagógicas historicamente propostas no Brasil de base não crítica. A partir do método materialista histórico dialético, propõe-se uma discussão que procurou considerar a aparência do discurso do ensino de competências na busca por seus fundamentos, com a perspectiva da totalidade, ainda que nos limites de uma análise sintética. São os autores principais que referenciam este trabalho, de revisão bibliográfica, Ramos (2002a, 2002b, 2010, 2011), Saviani (2012) e Oliveira (2003). A partir das ponderações realizadas, pode-se identificar que a presente temática consiste num campo fértil para o debate da formação de trabalhadores, postas as suas relações com a reestruturação produtiva, num contexto político neoliberal. Também se analisa que a compreensão da pedagogia das competências necessita ser realizada no diálogo com a história do pensamento pedagógico brasileiro, sendo marcantes os moldes escolanovistas e tecnicistas em sua composição. Discussão teórica: Um olhar panorâmico e histórico do pensamento pedagógico no Brasil, em especial a partir do século XX, tem mostrado que os princípios da pedagogia das competências estiveram presentes nos marcos de outros movimentos pedagógicos, não cabendo uma análise isolada, que 1
não considere a história da relação educação e sociedade, ou que seja restrita ao próprio campo da pedagogia. Segundo autores como Ramos (2010) e Saviani (2012), as matrizes teóricopráticas da pedagogia, ora em debate, já estão no histórico movimento da Escola Nova, fundamentado, por sua vez, no ideário do americano John Dewey e fortalecido no Brasil após a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932 (RAMOS, 2011; SAVIANI, 2012). Opondo-se ao ensino tradicional, de moldes jesuíticos, de conteúdos enciclopédicos a serem memorizados mecanicamente, descontextualizados, com marcante hierarquia entre professores e alunos, o movimento de renovação pedagógica inseriu na educação a valorização de aspectos do aprendizado antes desconsiderados. A subjetividade dos alunos ganhou destaque, seus interesses e a diversidade das metodologias para atendê-los. A atividade, em contraposição à passividade, passou a ser um princípio por meio do qual os alunos entrariam em contato com os conhecimentos de modo experiencial, dando a eles mais sentido. A função do professor voltou-se, assim, a facilitar o aprendizado que ocorreria de forma natural ao desenvolvimento do sujeito aprendiz. (SAVIANI, 2012; RAMOS, 2010). Sobretudo a partir da segunda metade do século XX, de forma articulada aos processos de industrialização e sob a hegemonia do capital no pós-guerra, o viés dado à educação passa a ser predominantemente produtivista. Não se tratou de um desaparecimento das matrizes renovadoras, inclusive para Ramos (2011) a exacerbação da ênfase nos métodos ocorre agora sob o viés da eficiência instrumental; tampouco significou o fim da organização tradicional do ensino, ainda que as esperanças de muitos, antes depositadas na pedagogia nova tenham sido frustradas pela ineficácia relativa às questões da marginalidade, mesmo que popularmente tenha sido reconhecida como portadora de todas as virtudes e nenhum vício (SAVIANI, 2012). No processo de desenvolvimento capitalista, à época predominantemente nos moldes tayloristas-fordistas, o sistema educacional é chamado a cumprir o papel de atender às demandas produtivas. Transpõe-se para a organização escolar os modos de operação racionais dos processos fabris, cujos princípios da administração científica do trabalho transformaram-se em eixos norteadores da mediação pedagógica, tais como a racionalização, planificação, estratificação dos processos e especialização técnica (RAMOS, 2010; SAVIANI, 2012). Este movimento identifica-se como pedagogia tecnicista. Pode-se afirmar, então, que se para a pedagogia tradicional o marginalizado seria aquele não instruído, que padecia de ilustração, e para a pedagogia nova aquele rejeitado em sua diferença, para a pedagogia tecnicista os excluídos são os sujeitos improdutivos. Atrelada a esses 2
parâmetros, cabe, assim, apontar a síntese de Saviani (2012, p. 14) quando afirma que do ponto de vista pedagógico, conclui-se que, se para a pedagogia tradicional a questão central é aprender e para a pedagogia nova, aprender a aprender, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer. Em função da crise do capital, em fins da década de 1960 e início dos anos 1970, a então luta capital-trabalho desembocou num novo sistema de gestão de produção, o toyotismo, composto por uma rede de flexibilizações produtivas e trabalhistas, impulsionado também pelo desenvolvimento dos aparatos tecnológicos (ALVES, 2011). A educação dos trabalhadores foi chamada a formar um sujeito polivalente, capaz de mobilizar conhecimentos adquiridos em situações de diferentes naturezas para resolução de problemas. O ensino de competências, assim traduzido, tem como eixo de sua organização a performance do aluno, do qual se espera participação ativa nas tarefas e situações específicas que é colocado no processo pedagógico. Os conhecimentos ensinados são organizados em torno das experiências práticas, as quais deverão ser compreendidas e dominadas pelos alunos, e terão como referência as competências a serem desenvolvidas e verificadas (RAMOS, 2002a; 2002b). Sendo um marco da Reforma da Educação Profissional, ocorrida na década de 1990, a pedagogia das competências foi colocada como proposta norteadora para estruturação dos cursos que, obrigatoriamente, deveriam passar a ser de formação técnica desvinculada da educação básica, num momento de solidificação da reestruturação produtiva na realidade brasileira (RAMOS 2002a; 2002b). Finalizando, concorda-se com Oliveira (2003), ao afirmar que o paradigma de competências, especialmente colocado na formação profissional, tem servido ao desenvolvimento do capital que, Considerações Finais: ao utilizar o conceito de competência, abstrai o desempenho de determinada profissão das relações de conflito e incorpora apenas as dimensões subjetivas diretamente relacionadas ao comportamento que o trabalhador deve mostrar ao desenvolver uma atividade. Este comportamento não dá maior liberdade ao trabalhador e muito menos maior autonomia. Diz respeito a atitudes e formas de pensar que criam uma relação de maior subordinação à dinâmica de trabalho estabelecida pelo capital (OLIVEIRA, 2003, p. 38). A partir desse panorama histórico, pode-se afirmar que a pedagogia das competências é expressão dos moldes tecnicistas de educação, posto que se volta a atender aos interesses produtivistas, sendo visível, também, a personalidade escolanovista, de escola ativa, flexibilizada dentro dos interesses e itinerários dos sujeitos. São identificadas, assim, a combinação de 3
diferentes matrizes teórico-práticas não críticas, posto que não reconhecem as determinações histórico-sociais de classe na realidade educativa (SAVIANI, 2012). Cabe reiterar, também, a intimidade entre os processos formativos e o sistema produtivo, na projeção de tornar os sujeitos empregáveis, por meio de um treinamento técnicocomportamental, amoldado de forma flexível ao perfil individual e às demandas mercantis, com ênfase na performance e no saber fazer, referenciais estes consonantes aos parâmetros de reestruturação produtiva, de acumulação flexível. Isto exposto, nota-se a presença de diferenças metodológicas entre as correntes não críticas, nas formas de operarem a relação com o conhecimento, mas também questões de natureza política, visto que se propõem à função de equilíbrio social, ou por adotarem explicitamente como referência de organização do trabalho pedagógico os pressupostos de racionalização e crescimento produtivos. Diante destas colocações, ficam reafirmadas as interfaces da pedagogia das competências às matrizes acríticas de pensamento pedagógico, esvaziadas da formação política, dentro de uma lógica combinada de orientações calcadas na perspectiva de adaptação dos indivíduos às práticas sociais, esvaziadas das questões de classe, da perspectiva histórico-social da realidade e das possibilidades de sua transformação. (RAMOS, 2010). Palavras-chave: Pedagogia das Competências; Correntes Pedagógicas; Processos Formativos. Referências Bibliográficas: OLIVIERA, Ramon de. A (des)qualificação da Educação Profissional Brasileira. São Paulo: Cortez, 2003. Coleção questões da nossa época. RAMOS, Marise Nogueira. A Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2002a. GT MARXISMO, POLÍTICAS PÚBLICAS E PRÁTICAS EDUCATIVAS. 5 4
. A educação profissional pela pedagogia das competências e a superfície dos documentos oficiais. Educação e Sociedade. Campinas. Vol 23, nº 80. P 401-422. Setembro 2002.. Trabalho, educação e correntes pedagógicas no Brasil: um estudo a partir da formação dos trabalhadores técnicos da saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, UFRJ, 2010. 290 p.. Referências formativas sobre práticas em educação profissional: a perspectiva histórico-crítica como contra-hegemonia às novas pedagogias. In: ARAÚJO, Ronaldo M. de Lima; RODRIGUES, Doriedson. (Orgs.). Filosofia da práxis e didática em educação profissional. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. Coleção Educação Contemporânea. SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 42ª Ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. Coleção polêmicas do nosso tempo. 5