1 Deliberação proferida no Pº RP 65/2013 SJC-CT Recorrente: Sociedade Agrícola e Imobiliária Lda. e outra. Recorrida: 1.ª Conservatória do registo Predial... Ato impugnado: recusa de pedido de conversão de registo provisório de aquisição (ap. de 08/07/2013). Sumário: registo provisório de aquisição baseado em contrato-promessa da possibilidade da sua conversão com base em escritura de compra e venda celebrada antes da data do registo. Relatório Em causa, nos presentes autos, está a definição da situação jurídica do prédio descrito na ficha n.º. da freguesia de V.. (S. D.), concelho de. Muitas são as inscrições através das quais essa situação nos surge tabularmente conformada. 1 Para o que ora interessa, porém, bastará dar a conhecer que é a favor da sociedade S C. Sociedade Imobiliária, Lda. (doravante, S C ) que a aquisição do bem se encontra definitivamente inscrita (ap... de 04/02/1998), e que a favor da sociedade Sociedade Agrícola e Imobiliária, Lda. (doravante, S P..), efetuado a coberto da ap... de 04/07/2007, existe registo provisório por natureza de aquisição baseado em contrato-promessa (art. 92.º/1-g e n.º 4), de cujos termos resulta que a S C. terá prometido vender o prédio à S. P.., e esta comprar-lho, por contrato definitivo a celebrar no prazo de 60 meses a contar do dia 3 de julho de 2007 (termo inicial este que coincide com a data da celebração do contrato-promessa), ou seja, até 03 de julho de 2012. 2 Este registo, que não se efetuou senão em 05/09/2007, 3 foi sendo 1 Aliás, diga-se, de forma pouco clara. Temos dificuldade em perceber, por exemplo, o caráter definitivo de algumas inscrições, quando é flagrante a respetiva incompatibilidade com registos provisórios anteriores (cfr. art. 92.º/2, al. b, do código do registo predial, diploma a que, salvo indicação em contrário, pertencem todas as disposições legais que adiante se citem): estão nessa situação os registos de promessa de alienação (ap... de 04/06/2008) e de promessa de oneração (ap... de 11/08/2008). Por outro lado, relativamente às inscrições efetuadas provisoriamente por natureza com fundamento na indicada disposição legal (art. 92.º/2, al. b) e quase todas o são, não houve o cuidado (que se nos afigura elementar) de especificar nem a inscrição ou inscrições provisórias anteriores com as quais se relacionam, nem a natureza (dependência ou incompatibilidade) desse relacionamento. 2 Com o significado de que o registo seria renovável por sucessivos períodos de seis meses até 03 de
2 sucessivamente renovado, até que em 08/07/2013, a coberto da ap..., perante a 1.ª conservatória do registo predial.., dele por fim se requereu a conversão. O pedido veio instruído com os seguintes documentos: cópia da escritura de 05/05/1998 referente à venda que do mencionado prédio a S. C.. fez à S.. P, ambas representadas por gestores de negócios; documento de ratificação da gestão feita em nome da S. C, outorgado e autenticado em 07/07/2013; documento de ratificação da gestão feita em nome da S. P., outorgado e autenticado no mesmo dia 07/07/2013. Sobre o pedido de conversão recaiu despacho de recusa, cuja motivação assenta na circunstância de a escritura apresentada rectius, o facto nela titulado ser de data anterior à do registo provisório. Na verdade, conforme se aduziu, o registo provisório por natureza nos termos do artigo 92.º, n.º 1, al. g), e n.º 4 do código do registo predial constitui um registo prévio e não posterior ao contrato definitivo, posto que a inscrição provisória tem por finalidade assegurar ao contrato em projeto uma garantia registral prévia à celebração desse mesmo contrato. Invocou-se, de direito, a norma do art. 69.º/1-b, do CRP. Em tempo se deduziu o presente recurso hierárquico, 4 em cujo requerimento, em síntese, se desenvolve a seguinte argumentação: Que a anterioridade que tem que se verificar não é a do registo provisório em relação ao título (nos termos da al. g) do n.º 1 e n.º 4 do art. 92.º CRP), mas sim e apenas entre o registo provisório e o registo definitivo, não sendo naturalmente possível registar provisoriamente uma aquisição que já está registada definitivamente. Que, assim, e em conformidade, nada obsta a que se possa registar provisoriamente uma aquisição já efetuada ( ) e, depois, converter esse registo provisório em registo definitivo, com base num título de aquisição, ainda que a data de julho de 2013 (cfr. art. 92.º/4). 3 Com o significado de que só a partir dessa data começou a correr o prazo de caducidade do registo provisório (cfr. conclusão VIII do parecer emitido no processo RP 317/2002 DSJ-CT, in Boletim dos R. e do Notariado n.º 4/2004, II caderno, p. 12). 4 Conjuntamente subscrito pelas sociedades vendedora e compradora, e, portanto, seguramente, por uma das entidades tacitamente representadas pelo apresentante do pedido de conversão, o sr. advogado Fernando T.. A legitimidade está pois verificada.
3 tal título seja anterior à data do registo provisório cuja conversão em registo definitivo se pretende. Que, no caso, há de resto fundado motivo para se ter procedido ao registo provisório quando já existia título de aquisição, uma vez que neste título, como se vê da respetiva escritura, ambas as partes se fizeram representar por gestor de negócios, pelo que o negócio jurídico era em relação a elas ineficaz enquanto não fosse objeto do competente ato de ratificação, conforme o disposto nos arts. 268.º e 471.º do CCivil, ratificação que não ocorreu antes de 07/07/2013. Que, como se vê, em 04/07/2007, não tendo ainda sido ratificado, não produzia o negócio quaisquer efeitos, e, assim, para poderem beneficiar da prioridade de um registo de aquisição, reportada a 04 de julho de 2007, recorreram as sociedades contraentes à figura do registo provisório, baseado, no caso, num contrato de promessa, que então efetuaram, e cujas condições, nomeadamente de preço, correspondiam precisamente às da escritura de compra e venda de 05 de maio de 1998. Que, para as duas sociedades, tudo se passa afinal como se a escritura de 05/05/1998 tivesse sido por elas outorgada em 07/07/2013, ou seja, na data das ratificações, uma vez que só nesta última data é que a compra e venda entre elas celebrada produziu os seus típicos efeitos. A recusa foi porém sustentada no despacho a que se refere o art. 142.º-A CRP. Insistiu a sra. conservadora em que o registo previsto no artigo 92.º, n.º 1, al. g) do C.R. Predial é um registo necessariamente pré-contratual, isto é, postula que o negócio ainda não tenha sido titulado, sendo lavrado como provisório por natureza para assegurar a prioridade sobre outros registos que venham a ser lavrados art. 6.º do CRP, acrescendo que, no caso concreto, o registo que se pretende converter é um negócio distinto daquele que foi celebrado por escritura, tanto mais que as cláusulas registadas relativamente ao negócio prometido fazem referência a prazos que se iniciam no ano de 2007. ***** Expostas as posições em confronto, verificados que estão os necessários requisitos processuais e não se suscitando questões prévias ou prejudiciais cuja apreciação se imponha, cumpre conhecer do mérito. Fazemo-lo adotando a seguinte Deliberação
4 I. Como quer que se baseie (seja em declaração unilateral do proprietário ou titular inscrito, seja em contrato-promessa de alienação), da essência do regime do registo provisório de aquisição (ou de constituição de hipoteca voluntária) faz parte o pressuposto de que o facto assim (provisoriamente) desde já registado se não encontra ainda substantivamente titulado, e bem assim que, se e quando, no futuro, vier tal facto a ser substantivamente titulado, será à vista do correspondente título que do mesmo registo (provisório e preexistente) se logrará a conversão. 5 5 Da disciplina da figura do registo provisório por natureza de aquisição de direito ou de constituição de hipoteca voluntária trata fundamentalmente o art. 47.º, em cujo normativo se dispõe acerca dos termos da sua (registo provisório) suficiente titulação, dizendo-nos o n.º 1 que um tal registo, antes de titulado o negócio, se faz com base em declaração do proprietário ou titular do direito (sujeita às formalidades que se indicam no n.º 2), e o n.º 3 que o registo provisório de aquisição pode também ser feito com base em contrato-promessa de alienação, salvo disposição em contrário. No que especialmente tange a esta última modalidade, baseada em contrato-promessa, importa ainda ter presente a importantíssima norma do n.º 4 do art. 92.º, nos termos da qual a inscrição provisória por natureza de aquisição, desde que baseada em contratopromessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes. Bem pode dizer-se que a espécie de registo provisório de que cuidamos é tão antiga, na sua consagração, quanto o próprio ordenamento registal português, dado que logo na Lei Hipotecária de 1863 ela se admitiu para a hipoteca voluntária, admissibilidade que em breve o Código de Seabra alargaria, além do mais, às transmissões por efeito de contrato (para uma síntese da evolução histórico-legislativa, cfr. MÓNICA JARDIM, in Efeitos Substantivos do Registo Predial Terceiros para Efeitos de Registo, 2013, pp. 803 e ss.). Foi só em 1984, no entanto, com a entrada em vigor do atual código do registo predial, que o contrato-promessa, de par com a declaração unilateral (do titular do direito a ser transmitido ou onerado), se erigiu a suporte documental possível da promoção de tal registo. Como resulta manifesto do próprio enunciado verbal das várias normas (citados arts. 47.º, 92.º/1, al. g, e n.º 4) de que se compõe o seu tecido de regime (cfr. o reiterado emprego, nelas, da locução antes de titulado o facto jurídico), o pressuposto absolutamente básico da admissibilidade do registo provisório é o de que, no momento em que ele se promove, o facto que publicita, com os efeitos jurídico-reais que tipicamente faz surtir, não existe ainda sendo justamente isso o que explica que o registo provisório o seja por natureza. O registo é provisório porque é registo de facto futuro, a celebrar. Isto, que é uma evidência na letra, é-o não menos do ponto de vista dos interesses que com a figura se visa satisfazer do ponto de vista teleológico, portanto. Na verdade, o registo provisório corresponde essencialmente a uma reserva de lugar ou de prioridade a favor do futuro adquirente do direito, que, mercê dos efeitos combinados do disposto nos arts. 5.º/1 e 6.º/1 e 3, lhe assegura que a situação registal permanecerá (para si) inalterada entre o momento em que é feito o registo provisório e o momento em que, efetivamente, obtém o direito a que tal registo confere publicidade (MÓNICA JARDIM, op. cit., p. 817). Quer dizer: inscrito provisoriamente o facto futuro de que emerge o direito futuro, fica o titular provisório garantido
5 II. III. Não é a circunstância de as partes do contrato real quoad effectum (maxime, compra e venda) serem neste representadas por gestor de negócios, com a consequência de nas respetivas esferas jurídicas os efeitos do contrato se não produzirem antes do ato de ratificação, que faz com que, para todos os efeitos, o facto aquisitivo se não tenha que dar por plenamente titulado (observados que sejam, está bem de ver, os requisitos de fundo e de forma no caso exigíveis) logo no momento da sua celebração. 6 Acresce que, no plano puramente substantivo, nem por absurdo se pode conceber de que, permanecendo o registo em vigor (ou seja, enquanto se não extinguir por caducidade ou cancelamento), a favor de outrem se não admitirá o registo definitivo de factos de que resultem direitos (ou, mais latamente, situações jurídicas) que com o seu (direito) se mostrem conflituantes ou incompatíveis. O registo provisório de aquisição é, digamos, um registo expectante, no sentido em que a consolidação dos seus efeitos (alcançada pela conversão) aguarda pela celebração do contrato antecipado, aquele através do qual por fim substantivamente se produzirá o efeito jurídico-real aquisitivo (cfr. art. 408.º/1 CCivil). Pela própria lógica das coisas, portanto, é necessariamente com base em tal negócio jurídico futuro, e nunca e em circunstância alguma com base em negócio jurídico real quoad effectum porventura preexistente (em relação ao momento do registo provisório), que a conversão do registo se opera. O que tudo vale, enfim, por dizer: se o registo provisório tem data de 04/07/2007, não é ele manifestamente convertível com base em escritura de compra e venda, convencionada entre os sujeitos da inscrição, celebrada em 05/05/1998. Esta escritura, manifestamente, não é título de conversão (cfr. art. 69.º/1, al. b). 6 Em matéria de transmissão e constituição de direitos reais, vigora entre nós, como é de todos sabido, o chamado princípio da consensualidade ou seja, a regra de que uma e outra vicissitude ocorrem por mero efeito do contrato, conforme o disposto no art. 408.º/1 CCivil. Portanto, Quem, sem reserva de domínio ou estipulação semelhante, realiza a compra e venda, a doação, a constituição de usufruto, a constituição de superfície, a consignação de rendimentos, etc., atribui ou adquire o correspondente ius in re sem dependência de qualquer ato ulterior (ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, 2012, p. 215). Princípio que não resulta minimamente beliscado quando, como é o caso, as partes se hajam feito representar por gestor de negócios, atenta a eficácia retroativa do ato de ratificação (cfr. arts. 471.º e 268.º CCivil). Donde, a data da titulação do negócio futuro a que no n.º 1 do art. 47.º se faz referência será sempre a da respetiva formalização que não a da mais ou menos distante ulterior ratificação de que porventura careça. De modo que não faz qualquer sentido pretender que tudo se passa, para as sociedades contraentes, como se a escritura de 05/05/1998 tivesse afinal sido celebrada em 07/07/2013, por ocasião dos atos de ratificação, e que, portanto, o título apresentado para conversão do registo provisório é de data posterior à deste. Não: o negócio real quoad effectum ocorreu em 05/05/1998, e foi a 05/05/1998 que a ratificação fez retroagir a produção dos seus efeitos na esfera jurídica das partes representadas. É verdade que, antes da ratificação, sofria o negócio de ineficácia em relação aos pretensos representados (cfr. art. 268.º/1 CCivil). Mas nem essa ineficácia era impeditiva de que, conforme conviesse, desde logo (é dizer, logo após a titulação) se cuidasse de promover o registo (com a prioridade e oponibilidade inerentes) do efeito aquisitivo em suspenso : não é para outra coisa, com efeito, que provê o art. 92.º/1, al. f, nos termos do qual se registará provisoriamente por natureza a inscrição de negócio jurídico, celebrado por gestor ou por procurador sem poderes suficientes, antes da ratificação.
6 a existência de contrato-promessa de contrato já celebrado, pelo que também por isso, e só por isso, seria inconcebível que o registo provisório baseado em contrato-promessa se pudesse converter com base em contrato definitivo celebrado em data anterior à da promessa posto que um tal contrato definitivo jamais poderia corresponder ao cumprimento do contrato-promessa com base no qual o registo provisório se fizera. 7 Propondo-se, em conformidade, a improcedência do recurso. Deliberação aprovada em sessão do Conselho Consultivo de 17 de outubro de 2013. António Manuel Fernandes Lopes, relator. Esta deliberação foi homologada pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 31.10.2013. 7 Se o registo provisório por natureza de aquisição de direito ou de constituição de hipoteca voluntária necessariamente postula a ulterior titulação do negócio através do qual o direito substantivamente se transmitirá ou constituirá, atrevemo-nos a dizer que com maior evidência ainda se é que é possível a superação idêntico sentido de relação temporal se tem que verificar entre o contrato-promessa e a celebração do contrato que cumpre o contrato-promessa. O contrato-promessa consiste na convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato (cfr. art. 410.º/1 CCivil; para ALMEIDA COSTA, in Contrato-Promessa, Uma Síntese do Regime Vigente, 8.ª ed., 2004, p. 11, nota 1, a nomenclatura porventura preferível, se não fosse muito extensa, seria a de contrato para fazer um contrato futuro. ) e só no domínio da mais fantástica fantasia se poderia conceber uma situação em que, depois de haverem celebrado com todos os ritos um qualquer certo contrato, viessem os respetivos contraentes, mais de uma década corrida, celebrar um contratopromessa nos termos do qual se obrigassem a celebrar aquele mesmo já celebrado contrato! Mas nem foi isso o que no caso se passou, uma vez que o clausulado do contrato-promessa com base no qual o registo provisório da ap... de 04/07/2007 se fez diz muito claramente que o contrato prometido se há de celebrar no prazo de 60 meses protração esta sem cuja estipulação, aliás, não poderia o registo provisório ter sido renovado até onde o foi (cfr. art. 92.º/4). Por conseguinte, quer porque o próprio conceito de contrato-promessa o não consente, quer porque os próprios termos do concreto contrato-promessa flagrantemente o contradizem, não pode em circunstância alguma ver-se na escritura de compra e venda apresentada, com data de 05/05/1998, a titulação da futura compra e venda de cujos efeitos o indicado registo provisório consubstancia a reserva de lugar.