CONTRATAÇÃO DIRETA NO ÂMBITO DO RDC Marçal Justen Neto LL.M em Direito Público pela London School of Economics - LSE Advogado de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini 1. Introdução A legislação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas não dispõe sobre hipóteses específicas de contratação direta. O art. 35 da Lei nº 12.462 prevê tão somente que as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação estabelecidas na Lei nº 8.666 aplicam-se, no que couber, às contratações realizadas com base no RDC. De igual modo, o parágrafo único do art. 35 dispõe que o processo de contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade, seguirá o procedimento estabelecido no art. 26 da Lei nº 8.666. Contudo, isso não significa que será indiferente promover a contratação direta sob o regime da RDC ou sob o regime da Lei Geral de Licitações. Por um lado, algumas regras da Lei nº 8.666 são incompatíveis com a sistemática do RDC. Por outro, há regras próprias da Lei nº 12.462 relativamente ao regime contratual. 2. Expressa menção à opção pelo RDC Assim como se passa no tocante ao procedimento licitatório (art. 1º, 2º da Lei nº 12.462), também é preciso que a opção pelo RDC conste de forma expressa do procedimento administrativo de contratação direta. Assim se passa porque, ainda que se apliquem as normas da Lei nº 8.666, há regras específicas próprias aos contratos celebrados no âmbito do RDC. Portanto, além dos elementos exigidos no parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666, o processo de dispensa ou de inexigibilidade no RDC deverá ser instruído também com a justificativa da adoção do RDC, nos termos do art. 4º, inc. I do Decreto nº 7.581. Evidentemente, o Regime Diferenciado só será aplicável às contratações diretas se forem verificadas as hipóteses previstas no art. 1º, incisos I, II e III e art. 65 da Lei nº 12.462. 3. As hipóteses de dispensa de licitação A verificação da compatibilidade das hipóteses de dispensa de licitação estabelecidas no art. 24 da Lei nº 8.666 com o RDC será feita pela Administração Pública conforme as circunstâncias do caso concreto. Contudo,
é possível identificar desde logo hipóteses que não serão aplicáveis por ausência de relação com as finalidades das contratações do RDC. É o que se passa, por exemplo, relativamente ao inc. XXI do art. 24 da Lei nº 8.666, que prevê a dispensa para aquisição de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica, e ao inc. XXIX, para o atendimento de operações de paz no exterior. Em tese, não se observa pertinência temática dessas hipóteses com as contratações no âmbito do RDC. Outros casos de dispensa, contudo, podem eventualmente ser verificados em contratações necessárias à realização dos eventos esportivos e reformas dos aeroportos. É o que se passa, por exemplo, com o inc. III (grave perturbação da ordem), inc. IX (comprometimento da segurança nacional) e inc. X (compra ou locação de imóvel cujas necessidades condicionem sua escolha). 3.1 A dispensa para contratação de remanescente O Decreto nº 7.581 estabeleceu uma distinção relativamente à hipótese de dispensa para a contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento de bens em caso de rescisão contratual. No âmbito da Lei nº 8.666, a Administração pode contratar diretamente particular que tenha participado da licitação anterior, desde que ele aceite as mesmas condições do licitante vencedor (art. 24, inc. XI). Se o contrato for regido pelo RDC, admite-se que a contratação remanescente se dê nos termos das condições da proposta do próprio licitante que vier a ser contratado, desde que o preço não seja superior ao orçamento estimado (art. 69 do Decreto). 3.2 A dispensa por situação emergencial Cabe destacar as hipóteses em que o tempo demandado para a realização da licitação justifica a dispensa de licitação. É o que se passa relativamente aos seguintes incisos do art. 24 da Lei 8.666: III ( grave perturbação da ordem ), IV ( emergência ), IX ( comprometimento da segurança nacional ) e XVIII (operações militares). Essas hipóteses têm em comum o caráter emergencial da contratação. As contratações do RDC encontram-se estritamente relacionadas ao fator tempo. Destinam-se a assegurar a realização de eventos esportivos em 2013, 2014 e 2016. Por isso, há uma evidente restrição temporal aos procedimentos de contratação. As circunstâncias evidenciam que os prazos para a realização de determinadas contratações serão exíguos. Afinal, o RDC foi instituído a dois anos do início do primeiro evento (Copa das Confederações de 2013). Além disso, a experiência revela que em eventos esportivos similares o Poder Público promoveu elevado número de contratações diretas por dispensa de licitação em virtude de situação emergencial. Logo, é cabível supor que a Administração Pública eventualmente invocará o caráter emergencial para promover contratações diretas no âmbito do RDC. A validade de eventual dispensa de licitação nesses termos dependerá do exame do preenchimento dos pressupostos legais no caso concreto. Não é possível presumir que toda contratação direta por situação
emergencial será irregular. Contudo, é possível traçar alguns parâmetros para a conduta da Administração. Em primeiro lugar, é fundamental que seja elaborado um planejamento minucioso das ações necessárias para a realização dos jogos. Não é possível que o Poder Público deixe de tomar as medidas cabíveis e depois pretenda invocar situação emergencial diante de circunstâncias e fatos conhecidos preteritamente. Em segundo lugar, a experiência recente na organização de eventos esportivos tem de ser considerada para, em determinados casos, evitar a necessidade de promover contratações em prazo exíguo. Ao reprovar as dispensas de licitação para contratações dos Jogos Pan-Americanos, o TCU considerou que o ineditismo de eventos dessa natureza foi um fator atenuante da responsabilidade dos agentes. Evidentemente, esse argumento não será cabível no âmbito do RDC. Finalmente, é preciso considerar que uma das finalidades do RDC é instituir um procedimento licitatório mais célere e eficiente. Há uma série de regras destinadas a assegurar que as licitações do RDC sejam concluídas em prazo reduzido. Por consequência, o número de situações em que não haverá tempo hábil para concluir a licitação deverá ser significativamente menor em relação ao que se passaria caso se devesse aplicar o regime geral de licitações. Sob esse ângulo, portanto, presume-se que um dos objetivos do RDC é precisamente restringir as hipóteses de dispensa de licitação por situação emergencial. 4. As hipóteses de inexigibilidade de licitação As contratações diretas por inexigibilidade de licitação também deverão seguir o regime da Lei nº 8.666. Em suma, a licitação será inexigível quando houver inviabilidade de competição. 4.1. A questão da indicação de marca Um tema que pode gerar controvérsia é a vedação a preferência de marca do inciso I do art. 25 da Lei nº 8.666. Considerando que o inciso I do art. 7º da Lei nº 12.462 expressamente admite a indicação de marca para a aquisição de bens, a questão que se coloca é a seguinte: pode existir indicação de marca em procedimento de contratação direta por inexigibilidade de licitação no RDC, com fundamento no art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666? A resposta é positiva. O que o art. 25, inc. I veda é a preferência por marca, não a indicação de marca. A preferência pressupõe uma escolha aleatória e destituída de requisitos objetivos. A indicação é o mero reconhecimento de uma situação fática, em que se verifica que a necessidade da Administração somente pode ser atendida por bem de determinada marca. Em outras palavras, a finalidade da norma é proibir a escolha arbitrária do administrador, fundada unicamente em critérios subjetivos ou preferências pessoais. Logo, a indicação de marca não será vedada quando a necessidade da Administração somente puder ser satisfeita por meio de único bem, cujas características não encontram similar no mercado. Para que tal se verifique, o procedimento de aquisição de bens com indicação de marca deve ser
dissociado em duas etapas. Em primeiro lugar, a Administração deve apurar a configuração dos pressupostos estabelecidos no art. 7º, inc. I da Lei nº 12.462: ou seja, deve apurar a) a necessidade de padronização do objeto; ou b) a circunstância de determinada marca ou modelo ser a única capaz de atender às necessidades da entidade contratante. Depois, é preciso verificar se o bem é comercializado por mais de um fornecedor ou por fornecedor exclusivo. Na primeira hipótese, deverá ser deflagrada a licitação, nos termos do art. 7º, inc. I da Lei nº 12.462. No segundo caso, a licitação é inexigível por inviabilidade de competição, nos termos do art. 25, inc. I da Lei nº 8.666. Ou seja, a indicação de marca em procedimento de inexigibilidade de competição no RDC será admitida desde que verificados simultaneamente dois requisitos: quando a marca for a única capaz de atender às necessidades da Administração e quando esta marca for comercializada por fornecedor exclusivo. 4.2. A questão dos contratos de natureza artística Outra questão que pode suscitar debate envolve contratações cujo objeto seja dotado de conteúdo artístico. Por um lado, o art. 25, inc. III, da Lei nº 8.666 dispõe que é inexigível a licitação para contratação de profissional do setor artístico. Por outro, o RDC institui um novo critério de julgamento (melhor conteúdo artístico), destinado a projetos e trabalhos de natureza artística (Lei nº 12.462, art. 21). As normas disciplinam hipóteses distintas. A contratação de projeto ou trabalho artístico não se confunde com a contratação de serviço de natureza artística. O critério de julgamento melhor conteúdo artístico se destina a contratações em que a contrapartida do particular será a apresentação de projeto ou trabalho artístico. O instrumento convocatório fixará o prêmio ou remuneração ao vencedor e estabelecerá critérios de julgamento. As propostas serão avaliadas pela comissão de licitação com o auxílio de comissão formada por profissionais de notório conhecimento da matéria (Decreto nº 7.581, art. 32). Este critério de julgamento se destina às contratações que no âmbito do regime geral de contratações são submetidas à modalidade concurso. Tal como no concurso, o procedimento resultará na seleção de uma contraprestação já executada pelo particular. Tanto o trabalho quanto o projeto artístico serão desde logo elaborados pelos licitantes. Não haverá contraprestação a ser exigida no futuro. Nesse contexto, ainda que a avaliação não seja integralmente objetiva, é viável promover competição entre os interessados. O desempenho artístico do projeto ou do trabalho pode ser avaliado segundo parâmetros previamente fixados. Porém, essa disciplina não se aplica às contratações de profissional para desempenho de atividade artística. Nestes casos, a contraprestação do particular será a futura prestação de um serviço. Em tais hipóteses, evidenciase a inviabilidade de competição. Não existe forma de promover o julgamento
objetivo de uma prestação de natureza artística ainda a ser executada. Portanto, continuará sendo cabível no âmbito do RDC a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, de profissional do setor artístico consagrado pela crítica ou pela opinião pública. A realização dos jogos esportivos exigirá a contratação de diversas prestações de natureza artística, que eventualmente poderão ser submetidas ao RDC. Dois exemplos permitem compreender melhor a distinção entre as hipóteses acima referidas. A contratação do desenho das medalhas conferidas aos vencedores das diversas modalidades esportivas deverá, em regra, ser submetida a licitação de melhor conteúdo artístico. Neste caso, haverá um trabalho de natureza artística concluído, que será objeto de avaliação por comissão especializada segundo parâmetros previamente fixados. Mas a contratação de artistas para a participação nas cerimônias de abertura e encerramento poderá, em tese, ser feita diretamente, por inexigibilidade de licitação. Neste caso, trata-se de contratação de artista para a prestação de um serviço cuja execução será configurada após a celebração do contrato. Não é viável, portanto, estabelecer critérios objetivos de julgamento para o desempenho futuro de atividade de natureza artística. Portanto, a obrigatoriedade de licitação será afastada na hipótese em que a adoção de procedimento licitatório se revelar inadequada para a seleção do sujeito em condições de melhor satisfazer as necessidades do Estado. 4.3. Impedimento para a contratação direta em caso de vínculo familiar Há vedação expressa à contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica cujo administrador ou sóciodiretor mantenha relação de parentesco até o terceiro grau civil com agente estatal detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou contratação ou com autoridade hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade da Administração (Lei nº 12.462, art. 37). Informação bibliográfica do texto: JUSTEN NETO, Marçal. Contratação direta no âmbito do RDC. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 59, janeiro de 2012, disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].