ACADÊMICO Empresas que nascem Seu próximo negócio pode seguir o novo paradigma do empreendimento que se internacionaliza pouco após sua criação, um perfil de multinacional em ascensão também no Brasil, segundo o professor Luís Antônio Dib, do Instituto Coppead A partir dos anos 1990, mais organizações de menor porte passaram a ser atuantes em mercados estrangeiros. Desafiando a visão tradicional, elas se internacionalizavam de modo precoce e veloz, mesmo antes de se esgotar a demanda em seus mercados domésticos. Em um estudo sobre exportadores de produtos de alto valor agregado conduzido na Austrália, a firma de consultoria McKinsey identificou e batizou esse tipo diferente de pequena empresa de born global (nascida global). Reportagens da imprensa especializada em negócios, como a revista The Economist e The Wall Street Journal, reconheceram o fenômeno. E agora, na segunda década do século 21, cada vez mais este se dissemina no mundo, tornando-se muito mais comum também no Brasil. DIFERENCIAIS No processo de internacionalização desse tipo de empresa, observam- -se os seguintes atributos: Início das atividades internacionais Logo após a fundação a até no máximo três anos em economias mais abertas, como é o caso da Suécia, e a até cinco anos em países como os Estados Unidos ou o Brasil, que possuem grandes mercados internos e estão mais isolados geograficamente de seus vizinhos do que, por exemplo, os europeus. Relevância das atividades internacionais Uma fração significativa de suas vendas é oriunda das atividades internacionais (pelo menos 25%, chegando a 75% da receita total). Modo de entrada no exterior É flexível e mais ativo por exemplo, quando se incorpora o uso de agentes (embora também possa existir o atendimento de pedidos não solicitados). Escopo das atividades internacionais As born globals tendem a ter, em sua cadeia de valor, maior número de atividades conduzidas e coordenadas entre diferentes países. Abrangência geográfica Elas costumam ter maior abrangência geográfica em relação ao número de países (ou ainda a diferentes continentes) em que atuam. SINOPSE l Muitos empreendedores estão iniciando atividades internacionais até três anos após a criação de seu negócio, seguindo o modelo born global. Seu faturamento internacional, muitas vezes, chega a representar três quartos de suas vendas totais. Eles são verdadeiros donos de seus consumidores, atuando em mercados de nicho. l Entre as características comuns a uma empresa assim, destacam-se competência técnica para inovar, visão de marketing para orientar os produtos para o consumidor e visão estratégica para escolher os melhores nichos de mercado, de acordo com as capacitações da empresa e as oportunidades internacionais. l Um aspecto indissociável do sucesso internacional de uma born global é a atuação em network, seja em redes de negócios com outras empresas, seja na rede pessoal de contatos do empreendedor. 20 HSM Management 99 JULHO-AGOSTO 2013 hsmmanagement.com.br
Motivações para internacionalização Elas têm razões mais ligadas a uma estratégia clara e proativa, buscando ser internacionais desde a fundação e assumir posição de destaque em mercados de nicho. Dispersão geográfica dos clientes no mercado doméstico Especificamente no caso brasileiro, empresas com atuação nacional têm maior propensão a se internacionalizar do que as que ainda não atuam em outras regiões do País. Parte da explicação para a emergência desse novo modelo de empresa todos já conhecem; relaciona-se com as mudanças que atingiram o ambiente de negócios nos últimos anos do século 20: Houve aumento da especialização produtiva e surgiu maior número de mercados de nicho. Mais empresas passaram a vender partes e componentes tão específicos que devem ser vendidos no mercado internacional, pois o doméstico seria muito pequeno (mais comum em indústrias de tecnologia de ponta). Internacionalizou-se o conhecimento e criaram-se mais facilidades para a transferência de tecnologias. Perceberam-se vantagens inerentes às organizações pequenas em termos de tempo de resposta mais rápida, flexibilidade e adaptabilidade. Disseminaram-se os conceitos e práticas de fornecimento global (global sourcing) e redes além das fronteiras nacionais (do tipo siga o cliente ), tornando bem mais comum a cultura das parcerias internacionais. Homogeneizaram-se mais as necessidades e os desejos dos consumidores de diferentes culturas. Internacionalizaram-se os mercados financeiros e as fontes de financiamento especificamente. Novas tecnologias de processos de produção tornaram operações de pequena escala economicamente viáveis. O transporte de pessoas e bens tornou-se muito mais frequente, confiável e barato do que era anteriormente. Houve avanços na área de comunicação mercados ficaram mais acessíveis para as organizações menores. Um grande número de pessoas ganhou experiência internacional nas duas últimas décadas do século 20. SAIBA MAIS SOBRE LUÍS ANTÔNIO DIB P rofessor do Instituto Coppead, escola de pós-graduação em administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luís Antônio Dib é graduado em engenharia civil pela UFRJ, mestre e doutor em administração pelo próprio Coppead. Ele ministra disciplinas nas áreas de estratégia empresarial, negócios internacionais, negociação, estratégia de marketing e consultoria, nos cursos de doutorado, mestrado, MBA e em outros programas executivos. Sua experiência profissional prévia inclui a atuação como PMO (especialista em gestão de projetos) e estrategista da TIM e a superintendência de planejamento estratégico da Telesp, atual Telefônica. Também trabalhou por vários anos como consultor de alta gestão da Booz, Allen Hamilton. HSM Management 99 JULHO-AGOSTO 2013 hsmmanagement.com.br 21
TESTE SEU PERFIL Conheça as características típicas de empresas e empreendedores de nascença. ESSAS EMPRESAS TÊM: Ativos distintivos ou únicos: reputação da empresa, conhecimento profundo do mercado e do produto ou conhecimento técnico ou científico Maior capacidade de inovação Grande especialização ou foco, seguindo estratégias de nicho no mercado global Forte orientação ao consumidor Diferenciação do produto como fonte de vantagem competitiva Posse de vantagem tecnológica relevante na arena global Uso mais ativo da tecnologia da informação em sua estratégia geral Forte uso de parcerias Participação em networks de empresas Atuação em cluster geográfico ESSES EMPREENDEDORES TÊM: Forte orientação internacional ou visão global Experiência internacional de trabalho anterior à fundação da empresa Educação no exterior Maior tolerância a risco Conhecimento técnico ou científico, o qual permite o desenvolvimento de conceitos inovadores e singulares Relacionamentos pessoais e profissionais abrangentes e profundos (network pessoal, social) Aumentou a competência para se comunicar, entender e operar em culturas estrangeiras. Porém essas mudanças sozinhas não bastam para compreender o fenômeno born globals, uma vez que continuam a surgir todos os dias empresas que seguem o modelo de internacionalização mais tradicional lento e gradual, iniciado mais de duas décadas após a fundação, que se limita a exportação e cujo percentual de exportação em relação ao total de vendas raramente supera os 20%. Para realmente entender a origem do que vemos, torna-se necessário olhar para dentro das próprias empresas born globals, e para seus fundadores, em busca de fatores distintivos. Então, encontramos a resposta completa: as empresas têm capacidade de inovação acima da média, grande especialização, ativos únicos como conhecimento profundo do mercado e dos produtos, entre outros, e os empreendedores apresentam educação no exterior, experiência internacional de trabalho, maior tolerância a risco, conhecimento técnico ou científico e forte rede de relacionamentos [veja quadro acima]. FRAGILIDADES Empreendedores e gestores das born globals precisam, em um período muito curto, tomar diversas e complexas decisões para as atividades internacionais, ligadas a: Desenvolvimento de produtos. Recrutamento de executivos. Fontes de financiamento. Estruturas de governança. 22 HSM Management 99 JULHO-AGOSTO 2013 hsmmanagement.com.br
Empresas que nascem CASOS MOSTRAM O PROTAGONISMO DO EMPREENDEDOR Storm Securities. Depois de se formar em engenharia mecatrônica e fazer estágio na Agência Espacial Norte- -Americana (Nasa), Wanderley Abreu Júnior, cujo apelido é Storm, fez um projeto para o Ministério Público Federal que lhe deu destaque na área de desenvolvimento de software. Foi convidado por investidores para montar uma empresa, que teve sucesso e acabou vendida para uma multinacional de telefonia em 2004. Após uma quarentena no mercado, durante a qual fez pós-graduação no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e estabeleceu valiosos contatos, Abreu montou sua born global. A Storm Securities surgiu em 2007 para desenvolver sistemas críticos e testá-los à exaustão. Sistemas críticos são aqueles em que uma falha pode gerar morte ou ferimentos sérios em pessoas, ou ainda desastres ambientais, como os controles de aviões, os de infraestrutura de redes elétricas e os utilizados no gerenciamento de mísseis e em usinas nucleares. Com 15 funcionários altamente qualificados, a Storm teve como primeiro cliente a Agência Espacial Europeia, em cujo projeto Galileo Abreu havia atuado anteriormente, como engenheiro sênior. Uma das empresas do consórcio, a Siemens, acabou procurando-o para o desenvolvimento de criptografia e segurança para um de seus sistemas críticos e indicou-o para a Agência Espacial Japonesa. Em pouco mais de um ano, Abreu e sua Storm possuíam três grandes clientes internacionais, que geravam 90% de sua receita. Ao contrário do usual, eles olharam mais para o mercado doméstico apenas quando houve a crise de 2008. SuperWaba. Guilherme Hazan e o amigo de infância Renato Ribeiro trabalharam em empresas de desenvolvimento de software no Rio de Janeiro e, em 2001, fundaram a SuperWaba. Antes, Hazan vinha desenvolvendo aplicativos e recursos para a plataforma Waba, de código aberto, e, apesar de esta ser disponibilizada gratuitamente, ele era remunerado cobrando por tutoriais e bibliotecas fazia vendas online para a Europa, para os Estados Unidos e até mesmo para a Ásia. Juntos, Hazan e Ribeiro criaram a nova plataforma SuperWaba em duas versões, uma para o cliente corporativo que não quer abrir seus códigos e outra para o entusiasta da plataforma, cobrando uma licença anual que incluía as bibliotecas e os tutoriais, bem como a assistência técnica para os segmentos atendidos. Incubada na Gênesis, da PUC-Rio, a SuperWaba chegou a ter sete funcionários qualificados estudantes de doutorado, em geral e cresceu fazendo negócios no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, de 2002 a 2005 a maior parte das vendas era feita para desenvolvedores internacionais. Em 2005, Hazan iniciou seu mestrado em informática e desenvolveu uma evolução da plataforma: uma nova máquina virtual e um novo código que deram origem ao TotalCross, que foi lançado em 2007, em parceria com uma empresa norte-americana. O modelo de negócio mudou de B2C para B2B: as licenças da plataforma deixaram de ser assinaturas anuais e passaram a ser ligadas às máquinas, vendidas no atacado para grandes empresas interessadas em colocá-las em seus smartphones. Com isso, a participação internacional nas receitas caiu. Tudo isso gera uma pressão enorme, porque, para eles, o conhecimento das estratégias e atitudes mais adequadas pode significar a diferença entre o crescimento rápido e um fracasso irrecuperável. Essa é apenas uma das especificidades gerenciais das born globals, que, diferentemente tanto das pequenas organizações convencionais como das empresas que seguem modelos de internacionalização tradicionais, possuem quatro fragilidades inegáveis: Ter menor capacidade de absorver os riscos de conduzir experimentações em mercados internacionais competitivos. Possuir menor tolerância a crises temporárias. Contar com menos recursos. Enfrentar um desafio duplo e simultâneo: ter de superar as dificuldades inerentes a uma nova empresa e ser uma companhia estrangeira em mercado(s) alheio(s). Nesse novo paradigma, os empreendedores e executivos precisam se manter em estado de alerta antes e durante todo o processo de internacionalização de suas empresas. Eles devem ser capazes de entender que fatores são os mais determinantes para as born globals no momento e, assim, direcionar esforços internos súbitos ou fazer reavaliações de emergência da real capacidade das empresas de competir em mercados internacionais. Assim, caso necessário, eles conseguirão tomar medidas corretivas, como redirecionar esforços para o mercado interno. FORÇAS Os resultados dos estudos feitos até o momento mostram que não exis- HSM Management 99 JULHO-AGOSTO 2013 hsmmanagement.com.br 23
Empresas que nascem te uma configuração-padrão, ideal, para ser uma born global, mas alguns fatores têm, sim, precedência sobre os demais e devem atuar como forças úteis para competir no mercado internacional. Saltam aos olhos quatro: ENTRE AS FORÇAS DE UMA BORN GLOBAL, DESTACAM-SE A COMPETÊNCIA TÉCNICA PARA INOVAR E A VISÃO ESTRATÉGICA PARA ESCOLHER OS MELHORES NICHOS Competência técnica para inovar. Visão de marketing para orientar os produtos para o consumidor. Visão estratégica para escolher os melhores nichos de mercado de acordo com as capacitações da empresa e as oportunidades externas. Atuação em redes de negócios com outras empresas ou o uso da rede pessoal de contatos do empreendedor um network de negócios é um vasto número de relações que existem entre as muitas organizações que participam direta ou indiretamente de um mercado (por exemplo, fornecedores, consumidores, distribuidores, fornecedores complementares, clientes de clientes, organizações de serviços). AMEAÇAS A atuação em redes de negócios parece quase sempre indissociável do sucesso internacional de uma born global, porque a ajuda a superar as três principais ameaças a seu desenvolvimento: (1) Falta de acesso a economias de escala. (2) Falta de conhecimentos e de recursos financeiros. (3) Aversão ao risco. OPORTUNIDADES Como já foi dito aqui, há três grandes fontes de oportunidades para as born globals: (1) Novas condições de mercado, como o surgimento de novos mercados de nicho, novos desejos dos consumidores e oportunidades de atuação em redes de negócios. (2) Desenvolvimentos tecnológicos nas áreas de produção, transporte e comunicações, que deram maior competitividade às pequenas empresas. (3) Capacitações pessoais mais elaboradas, incluindo as do empreendedor que funda a empresa. QUEM PODE SE CANDIDATAR No século 21, empresas com maior capacidade de inovação do que as concorrentes ou mais orientadas para seus consumidores são as mais propensas a esse modelo de internacionalização. Exemplos célebres de born globals são o negócio de compras coletivas norte-americano Groupon e o site de ofertas argentino MercadoLibre.com, que trabalham com consumidores finais, no sistema B2C. Há casos brasileiros também, a maioria B2B, de negócios entre empresas. Citarei dois, de empresas do setor de informática com origem em Fortaleza, no Ceará, onde se formou um polo tecnológico: Fujitec Soluções em Sistemas de Informação. Fundada em 1991, por dois engenheiros com pós-graduação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), ela desenvolve EXEMPLOS CÉLEBRES DE BORN GLOBALS SÃO O SITE DE COMPRAS COLETIVAS NORTE-AMERICANO GROUPON E O ARGENTINO MERCADOLIBRE.COM, DE OFERTAS software e hardware para a validação de cartões, com clientes de bilhetagem eletrônica nos EUA, Itália, Nigéria e Colômbia. XSeed Software e Consultoria. Foi criada por três sócios que possuíam experiência anterior em empresas multinacionais do setor e tem seu foco na prestação de serviços de downsizing de sistemas de informação, mais precisamente na migração de plataformas de mainframe para plataformas beta. Entre seus clientes encontram-se organizações da Colômbia e de Porto Rico. MUDOU O PARADIGMA As born globals vêm romper as premissas do Modelo de Uppsala de internacionalização de empresas de pequeno porte, estudado a partir dos anos 1970 na universidade sueca homônima. Segundo ele, as pequenas companhias começam a exportar só depois de explorar seu mercado doméstico, fazendo- -o de modo limitado e muito lento e escolhendo o destino conforme a distância psíquica, não por razões estritamente econômicas (buscando afinidades em idioma, nível educacional etc.). As pequenas empresas ainda podem seguir esse caminho detectado pelos pesquisadores suecos, porém é cada vez mais frequente a opção por um processo de internacionalização precoce e acelerado. Apenas é necessário que isso não seja feito por modismo, e sim porque a atuação internacional trará vantagens competitivas para a empresa. HSM Management 24 HSM Management 99 JULHO-AGOSTO 2013 hsmmanagement.com.br