Cefaléia occipito-nucal secundária a os odontoideum Occipito-nucal headache due to os odontoideum

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RELATO DE CASO Cefaléia occipito-nucal secundária a os odontoideum Occipito-nucal headache due to os odontoideum 1 André Giacomelli Leal, ¹Erasmo Barros da Silva Junior, 2 Kelly Cristina Bordignon, 2 Jerônimo Buzetti Milano, 3 Ricardo Ramina, 4 Pedro André Kowacs ¹Residente em Neurocirurgia do Instituto de Neurologia de Curitiba/INC. ²Neurociurgião do Instituto de Neurologia de Curitiba/INC. Pós-graduação no Departamento de Neurologia, Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da USP-SP. ³Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Instituto de Neurologia de Curitiba/INC. 4 Chefe do Serviço de Neurologia do Instituto de Neurologia de Curitiba/INC. Leal AG, Silva Júnior EB, Bordignon KC, Milano JB, Ramina R, Kowacs PA. Cefaléia occipito-nucal secundária a os odontoideum. Migrâneas cefaléias 2006;9(4):170-174 RESUMO Introdução: O os odontoideum (osso odontóide) é uma condição no qual o processo odontóide está separado do corpo da segunda vértebra cervical (axis), cuja etiologia ainda é controversa. Pode ser responsável por diversos sintomas, dentre eles a cefaléia. O diagnóstico se faz através do estudo radiográfico simples e dinâmico da coluna cervical e o tratamento cirúrgico está indicado naqueles pacientes cujo grau de instabilidade é relacionado à clínica apresentada pelo paciente. Objetivos: Relatar um caso de cefaléia occipito-nucal secundária a osso odontóide e revisar na literatura as principais características clínicas desta entidade. Métodos: Relatamos o caso de uma paciente com quadro de cefaléia occipito-nucal secundária a osso odontóide instável, o qual foi corrigido cirurgicamente mediante artrodese atlantoaxial por via posterior. O procedimento ocorreu sem intercorrências e a paciente evolui sem cefaléia no pós-operatório. Conclusão: Pacientes apresentando osso odontóide sintomático e/ou instabilidade C1-C2, associados ou não a sinais neurológicos, tais como cefaléia, devem ser tratados cirurgicamente. Fixação atlantoaxial posterior oferece estabilidade e permite a melhora dos sintomas na maioria dos casos. PALAVRAS-CHAVE Cefaléia; cefaléia occipital; dor cervical; dor nucal; osso odontóide; os odontoideum. ABSTRACT Introduction: Os odontoideum is a condition in which the odontoid process is separated from the body of the second cervical vertebra (axis), whose etiology remains controversial. It can cause several neurological symptoms, amongst them occipital headaches and cervical pain. The diagnosis is done through simple and dynamic radiographic study of the cervical column and the surgical treatment is indicated in those patients whose degree of instability is related to the symptoms presented by the patient. Objective: To present the case of a patient with occipito-nuchal headache due to symptomatic os odontoideum and to review the main clinical characteristics of this condition. Methods: We report the case of a patient suffering occipitonuchal headache. A compressive os odontoideum was found and treated by posterior approach (occipitocervical arthrodesis). There was a good outcome with relief of symptoms. Conclusion: Patients harboring symptomatic os odontoideum and/or C1-C2 instability associated or not to neurological symptoms, such as headache, should be surgically treated. Atlantoaxial fixation and fusion through a posterior approach offers stability and allows improvement of the symptoms. KEY WORDS Headache; occipital headache; cervical pain; nuchal pain; odontoid bone; os odontoideum. INTRODUÇÃO Os odontoideum (osso odontóide) é uma condição no qual o processo odontóide está separado do corpo da segunda vértebra cervical (axis). 1,2 A etiologia do osso odontóide ainda é tema de controvérsias, com evidências para causas traumáticas e congênitas, 3,4,5 porém sem um importante papel no diagnóstico e tratamento. Na maioria dos casos, o osso odontóide é assintomático, no entanto pode ser responsável por uma grande quantidade de sinais e sintomas: neurológicos e neurovasculares. O diagnóstico é possível através de exames de imagens radiográficos simples e dinâmicos (lateral em flexão-extensão), com a necessidade de avaliar a ocorrência de instabilidade cervical. Exame de tomografia computadorizada pode ajudar definir 170 Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.170-174, out./nov/dez. 2006

CEFALÉIA OCCIPITO-NUCAL SECUNDÁRIA A OS ODONTOIDEUM as relações ósseas entre a base do crânio e as vértebras cervicais C1 e C2, quando estas não são bem visualizadas em exames radiográficos simples. A ressonância magnética está indicada nos casos de comprometimento neurológico para identificação de mielopatia. 6 O tratamento cirúrgico está indicado naqueles pacientes cujo grau de instabilidade é diretamente relacionado ao quadro clínico apresentado pelo paciente ou déficit neurológico. 7,8,9 RELATO DE CASO Paciente do sexo feminino, 38 anos, procurou nosso serviço por quadro de cefaléia occipito-nucal havia mais de dez anos e aumento da freqüência nos últimos meses. A cefaléia era de moderada intensidade, constante, do tipo em aperto, sem náuseas e/ou vômitos associados e com piora à movimentação da cabeça e pescoço. Referia alívio da dor com antiinflamatórios não-hormonais. Tinha história de trauma na infância com traumatismo crânio-encefálico leve associado. Os exames físico geral e neurológico eram normais, apesar de a cefaléia aumentar com a mobilização do pescoço. A radiografia cervical evidenciava instabilidade C1-C2 à flexão e extensão (Figuras 1, 2 e 3). A tomografia computadorizada da região cervical mostrava uma solução de continuidade entre a base do odontóide e o corpo vertebral de C2, com pequeno deslocamento/angulação ântero-lateral à esquerda do processo odontóide, sem, no entanto, determinar impressão sobre o saco dural ou medula cervical (Figuras 4, 5, 6 e 7). A ressonância magnética não demonstrou sinais de injúria medular (Figuras 8 e 9). Com diagnóstico de osso odontóide sintomático, foi proposto artrodese C1-C2. Utilizou-se a via posterior com cabo de titânio sublaminar em C1 e sob o processo espinhoso de C2, com enxerto tricortical de osso ilíaco (técnica de Gallie, modificada por Diclemann e Sonntag) (Figura 10). A paciente foi submetida à cirurgia em novembro de 2006, com ótima evolução pós-operatória, passando a não mais apresentar cefaléia. DISCUSSÃO Descrito inicialmente por Giacomini 10 em 1886, osso odontóide é uma condição no qual o processo odontóide está separado do corpo da segunda vértebra cervical. 1,2 É uma entidade rara, de freqüência desconhecida, uma vez que é diagnosticada quando apresenta algum tipo de sintoma ou quando descoberta acidentalmente a partir de imagens da coluna cervical sem uma relação sintomática direta. 11,12 O osso odontóide é um ossículo arredondando ou ovalado de tamanhos variados com uma fina camada Figuras 1, 2 e 3. Radiografias da região cervical em perfil demonstrando instabilidade de C1-C2 à flexão e distensão cortical. Dois tipos são descritos baseado na sua posição: ortotópico e distópico. No primeiro caso, o "dente" está na posição anatômica correta. O tipo distópico está presente quando o "dente" está em qualquer outra posição. Mais freqüentemente o fragmento está localizado próximo ao forame magno, quando pode fusionar ao clivus ou ao anel anterior do atlas. Em ambos os casos, pode ocorrer subluxação e instabilidade. 1,14 Sua origem ainda é controversa, porém a maioria dos autores concorda que o osso odontóide representa uma fratura da sincondrose do odontóide, antes do seu fechamento aos 5-6 anos de vida. 3,4,5,13 Com o crescimento, os ligamentos alares tracionam o fragmento do odontóide, afastando-o da base no axis e fazendo-o perder a sua irrigação vascular, deixando o característico ossículo de forma arredondada ou ovalada devido reabsorção de suas bordas. Muitos autores já descreveram a presença de osso Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.170-174, out./nov/dez. 2006 171

ANDRÉ GIACOMELLI LEAL ET AL odontóide em paciente com radiografias prévias normais, o que fortalece a causa traumática dessa entidade. As maiores séries de os odontoideum em populações adultas descritas na literatura apóiam a etiologia traumática como responsável pelo desenvolvimento do osso odontóide. 2,12 Outros autores afirmam que o fragmento seria produto de um movimento excessivo durante a fase de ossificação do dente cartilaginoso ao corpo do atlas. 14 E há autores que citam a etiologia congênita como responsável baseados na diminuição do diâmetro ântero-posterior do anel atlantal e desenvolvimento exacerbado ou ausência do arco anterior do atlas. Pensava-se que o osso odontóide era causado por uma falha na fusão do centro de ossificação secundário do odontóide e se agrupava juntamente com os outros tipos de anormalidades do odontóide: aplasia (ausência completa do processo odontóide) e hipoplasia (ausência parcial). Atualmente, estas falhas de fusão são conhecidas como ossículo terminal persistente, os quais se diferenciam de osso odontóide, pois aqueles são menores e se situam ao nível do anel do atlas sobre o ligamento transverso atlantal. Estas lesões são clinicamente importantes, dado que a apófise se mobiliza insuficientemente, determinando uma incompetência do ligamento transverso atlantal, cuja função é restringir a translação atlanto-axial e impedir uma Figuras 4, 5, 6 e 7. Imagens por tomografia computadorizada da região cervical demonstrando solução de continuidade entre a base do odontóide e o corpo vertebral de C2: osso odontóide Figuras 8 e 9. Imagens por ressonância nuclear magnética sem sinais de injúria medular 172 Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.170-174, out./nov/dez. 2006

CEFALÉIA OCCIPITO-NUCAL SECUNDÁRIA A OS ODONTOIDEUM Figura 10. Controle radiográfico pós-operatório de artrodese C1- C2 por via posterior eventual compressão da medula espinhal cervical ou da artéria vertebral. 15 O osso odontóide é assintomático na maioria das vezes, porém pode se apresentar sintomático, com sintomas neurovasculares, neurológicos e dor cervical mecânica. A história natural do osso odontóide é variável e fatores preditivos de deterioração, particularmente em pacientes assintomáticos, ainda não foram identificados. 16,17 A idade média do início dos sintomas é variável, podendo ocorrer entre a primeira e sexta décadas da vida. O sintoma mais freqüente é dor cervical mecânica. Nestes casos, o osso odontóide pode ser identificado a partir de exames radiográficos, porém, em muitos casos, é difícil determinar com certeza se é a verdadeira causa do sintoma. Pacientes com instabilidade cervical podem desenvolver sintomas neurológicos como paresia, parestesia, ataxia e vertigem. Compressão vascular, quadros de isquemia medular, cerebelar e do tronco encefálico podem ocorrer, assim como síncope e distúrbios visuais. 16-19 Os sintomas neurológicos estão presentes em aproximadamente 30% dos casos. 20 A compressão medular súbita pelo osso odontóide pode até mesmo ser fatal. Pacientes com osso odontóide devem ser extensivamente examinados, através de exame físico completo, com enfoque na região cervical. Exame neurológico completo deverá incluir a pesquisa de sinais cerebelares e de disfunção do tronco encefálico. É importante atentar para distúrbios da marcha, sinais de comprometimento dos neurônios motores superiores, incluindo espasticidade, hiperrreflexia, clônus e perda da propriocepção. A avaliação adequada através de métodos de imagem (radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética) das anomalias do desenvolvimento da junção craniovertebral, em especial do osso odontóide, é fundamental para um diagnóstico preciso e orientação adequada da conduta nestes pacientes. O diagnóstico é feito inicialmente através de exame radiográfico de coluna cervical nas posições em ântero-posterior e perfil, além de imagens laterais em flexão e extensão (estudo dinâmico) e ântero-posterior trans-oral para afastar a possibilidade de fratura. Aparece como um osso arredondado, cônico ou ovalado com uma cortical lisa e uniforme, separado da base do áxis por um espaço estreito, que não coincide com o corpo do áxis e que está situado acima do nível das facetas articulares superiores. Pode associar-se a uma hipertrofia do arco anterior do atlas, que seria secundária à reação óssea por instabilidade atlanto-axial crônica. Assim sendo, os dois maiores objetivos do estudo radiológico estão no diagnóstico e estimativa do grau de instabilidade da coluna cervical. 6 Uma vez determinado o diagnóstico, é importante estabelecer critérios de instabilidade e estabilidade através de exames radiográficos laterais em flexão-extensão (dinâmico). Sabe-se que a maioria dos pacientes sintomáticos apresenta-se com algum grau de instabilidade cervical. Esta é principalmente documentada no plano ântero-posterior, mas algumas colunas são instáveis em todos os planos. Assim sendo, vários índices foram descritos para determinar o grau de importância da instabilidade e prever prognóstico: índice de translação atlanto-axial anterior, intervalo atlantoodontóide posterior, índices de instabilidade e de inclinação no plano sagital. 11 A avaliação detalhada da anatomia óssea das vértebras cervicais altas é freqüentemente difícil com exames radiográficos comuns, sendo necessário, na maioria das vezes, o uso de tomografia computadorizada com cortes finos e janela óssea. 21,22 Imagens por ressonância nuclear magnética da coluna cervical podem evidenciar alterações medulares, principalmente nas seqüências ponderadas em T2, dentre elas mielomalácia e edema medular. 23 Outros exames de imagem dinâmicos, tais como a cinerradiografia e a RNM dinâmica são recomendados quando os exames supracitados não são suficientes para determinar se ocorre instabilidade cervical. 23 Quando a instabilidade se encontra presente e associada aos sintomas relacionados, o tratamento desta entidade é cirúrgico. Observação é reservada àqueles pacientes assintomáticos e àqueles sem ou com mínima instabilidade cervical. Nesses casos, pode-se indicar tração cervical, fisioterapia, uso de colar cervical e o uso de agentes antiinflamatórios. 6 Diversas opções cirúrgicas foram descritas para osso odontóide: fixação atlanto-axial posterior, fixação posterior occipitocervical e ressecção do osso odontóide por via anterior, para casos de persistência dos sintomas após a tentativa de fusão por via posterior. 7,8,9,24 A decisão deve ser tomada de acordo com o grau de instabilidade e a necessidade de descompressão pela via anterior. A dor da paciente era referida na região occipito-nucal e com componente mecânico, o que remete ao diagnósti- Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.170-174, out./nov/dez. 2006 173

ANDRÉ GIACOMELLI LEAL ET AL co de cefaléia cervicogênica. Os critérios diagnósticos para cefaléia cervicogênica podem ser apreciados no quadro 1. Quadro Critérios diagnósticos para cefaléia cervicogênica. 11.2.1 Cefaléia cervicogênica A. Dor referida de uma fonte no pescoço e percebida em uma ou mais regiões da cabeça e/ou face, preenchendo os critérios C & D B. Evidência clínica, laboratorial e/ou por imagem de um transtorno ou lesão na coluna cervical ou nos tecidos moles do pescoço, reconhecidos por ser, ou geralmente aceitos como uma causa válida de cefaléia C. Evidência de que a dor pode ser atribuída ao transtorno ou à lesão do pescoço, baseada em pelo menos uma das seguintes: 1. demonstração de sinais clínicos que impliquem uma fonte de dor no pescoço 2. abolição da cefaléia após um bloqueio anestésico diagnóstico de uma estrutura cervical ou de seu suprimento nervoso, utilizando placebo ou outro controle adequado D. A dor desaparece dentro de três meses após o tratamento bem-sucedido do transtorno ou lesão causal Apesar de não haver especificidade de sintomas nas cefaléias secundárias a anomalias crânio-vertebrais, estas cefaléias tendem a ter localização posterior, gatilho por flexão do pescoço, tosse ou esforço, e algumas vezes um componente postural semelhante àquele da cefaléia de hipotensão liqüórica. 25 Lembramos que ao examinar pacientes com suspeita de lesão crânio-cervical, é sempre importante evitar uma flexão exagerada do pescoço, pois a mesma pode levar à compressão da medula e/ou do bulbo pela apófise odontóide. 26 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Matsui H, Imada K, Tsuji H. Radiografic classification of os odontoideum and its clinical significance. Spine 1997;22:1706-1709. 2. Spierings EL, Braakman R. The management of os odontoideum: analysis of 37 cases. J Bone Joint Surg Br 1982;64B:422-428. 3. Morgan MK, Onofrio BM, Bender CE. Familial os odontoideum: case report. 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