Dos aromas A percepção subjetiva. Lado objetivo

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Transcrição:

Dos aromas A percepção subjetiva Antes de fazer cursos de vinho, uma das coisas que mais me inquietavam ao ler descrições nos rótulos, era encontrar coisas como "aromas de frutas exóticas, com toques florais". E eu sempre sentia aroma de vinho. Acho que só compreendi realmente sobre os aromas quando li um texto publicado em uma revista da Sociedade da Mesa: "... Me perguntam: - Mas realmente aquele vinho tem gosto de banana? Bem, a única coisa que tem genuinamente gosto de banana é a banana. E o vinho (...) tem gosto mesmo é de vinho. Mas (...) a despeito de sempre terem gosto de vinho, o gosto de vinho difere consideravelmente de um a outro." Gosto de banana - Dario Taibo O autor continua explicando que para tentar classificar as diferenças entre os vinhos, usamos nossa memória sensorial, associando os aromas que conhecemos aos do vinho. Ele lembra que, assim como podemos associar aroma de banana em um vinho, alguém associou o aroma de maçã em um tipo de banana, daí a banana-maçã. Sendo assim, exercitando a memória olfativa, o vinho pode nos fazer lembrar de temperos, madeira, diferentes frutos, flores, ervas, mel; e também aromas desagradáveis, como tabaco, couro, urina e animais... e para quê tentar identificar estes aromas no vinho? Para ajudar a se lembrar do vinho, e ajudar a se lembrar porque gostou ou não dele. Lado objetivo No entanto, a identificação dos aromas não é apenas subjetiva. Existem substâncias nos vinhos cientificamente comprovadas como sendo responsáveis pelos aromas que sentimos.

Aromas primários Algumas dessas substâncias estão presentes desde as uvas. Por exemplo, um grupo de substâncias orgânicas chamadas isoprenóides estão presentes em grande quantidade nos óleos essenciais de frutas cítricas; e também estão presentes nas uvas, em maior ou menor quantidade, dependendo da variedade e da forma de cultivo. Sendo assim, quando se identificam aromas cítricos no vinho, uma boa parte é devido a essas substâncias (uma outra parte é devido ao ácido cítrico, que normalmente não está presente nas uvas, mas pode ser adicionado ao vinho durante a produção). A pirazina é outra substância presente em um grande grupo de castas diferentes, e dá um aroma herbáceo, frequentemente descrito como pimentão verde. Bom, se fosse pimentão verde, mesmo, eu não suportaria, pois detesto pimentão, não o classifico como alimento, e se fosse ditador, proibiria o cultivo, comercialização e uso do pimentão. Mas independente disso, é uma substância frequentemente muito presente em vinhos de Cabernet Sauvignon, mas também em Cabernet Franc e outras castas. Aromas secundários Outras vezes, essas substâncias se formam durante o processo de produção do vinho. Por exemplo, a fermentação malolática é um processo muito comum, realizado por bactérias (lactobacilos) e transforma ácido málico em ácido lático. Ao mesmo tempo, estas bactérias consomem outras substâncias, e geramdiacetila, que é a mesma substância utilizada nas pipocas de microondas com sabor de manteiga. Também podem ser produzidos os ácidos propiônico e butírico, responsáveis pelos aromas do queijoemmenthal e do ranço de manteiga, respectivamente. Eles também podem estar presentes no vinho. Em pequenas quantidades, são aceitáveis, mas em grandes quantidades, são defeito. O vinho que estagia em barricas de carvalho absorve, entre muitas outras substâncias, a vanilina. Ela é uma substância encontrada em grande quantidade na baunilha, e responsável pelo seu cheiro. Porém, também está presente no carvalho, e sua

concentração aumenta devido à secagem e posterior queima da madeira, que são feitas antes de colocarmos o vinho. Da mesma forma, a madeira possui substâncias que são responsáveis pelo cheiro do coco, do caramelo, de diversas especiarias, e várias outras. E todas elas podem ir para o vinho. Os aromas terciários, de envelhecimento Por fim, reações químicas durante o processo de envelhecimento alteram substâncias, e consequentemente, os aromas do vinho. Por exemplo, o linalol é uma substância responsável por notas florais, nos vinhos brancos. Com o tempo, ele oxida, gerando o óxido de linalol, que tem cheiro de eucalipto. Já a vanilina, com o tempo, reage se transformando em vanilato de etila, que tem aroma de caramelo (ou açúcar queimado, ou crème brulée).

Defeitos O aroma bouchonée ocorre devido à substância 2,4,6-tricloroanisol (também chamada de TCA), e outras semelhantes. Ela é produzida por fungos que podem atacar principalmente a rolha, mas também a madeira das barricas. Este aroma é semelhante ao cheiro de papelão molhado, ou mofo. Certas leveduras, na ausência de oxigênio (ambiente redutivo), podem se alimentar de aminoácidos que contém enxofre, produzindo sulfeto de hidrogênio (H2S). Esta substância está associada a aromas de gás de catalizador (do escapamento de carros), ovo podre ou repolho. A incidência de luz acelera este processo. Um outro grupo de leveduras chamado Brettanomyces frequentemente atinge vinhos, produzindo substâncias do grupo tetrahidropiridinas. Os aromas associados a este grupo vão desde couro, animais e curral, a esparadrapo e acetona. Vinhos com baixa acidez e alto teor alcoólico têm maior probabilidade de desenvolver Brett, porém, nem sempre o efeito deles é considerado defeito.

Conclusão Enfim, estes aromas lácteos, de manteiga, de especiarias, de frutas distintas (diferentes da uva, claro), etc. que usamos para descrever o vinho partem da identificação de substâncias objetivas, que estão presentes seja nos leites e derivados, ou nas especiarias distintas, ou nas frutas às quais evocam. Porém o descritivo final (calda de abacaxi x calda de frutas exóticas, por exemplo) depende muito da experiência cognitiva de cada um. Eles têm uma parte objetiva, e uma parte igualmente grande que é subjetiva. Por isso, não há porque duvidar da descrição dos outros, e nem porque se sentir mal por não identificar os mesmos aromas. Mas claro, no final, vinho tem gosto é de vinho.