Unidade III TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO

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Transcrição:

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO Unidade III 7 TEORIA SÓCIO-CONSTRUTIVISTA 7.1 Vygotsky: vida e obra 1896 nasceu em Orsha, Bielorrússia, no dia 5 de novembro de 1896, numa família de oito filhos. Seus pais eram fiéis às tradições judaicas (educação tradicional) A mãe era professora e o pai trabalhava como chefe de departamento no Banco Unido e também como representante de uma companhia de seguros. Possuíam boas condições financeiras e todos os filhos tiveram tutores. O sobrenome Vygotsky significa aquele que vem da aldeia vygotovo; não se sabe por que Vygotsky assinava dessa forma. Nome: variações de tradução encontradas: Vygotsky (inglês e português), Vygotski (francês), Vigotsky (espanhol), Vigotskij (italiano). Moravam em um amplo apartamento, em um território de assentamento na cidade (Pale), que possuía uma ampla biblioteca. Quando jovem, seus hobbies eram: colecionar selos, jogar xadrez, escrever correspondências em esperanto, discutir assuntos abstratos com amigos, ir ao teatro etc. 1905 (9 anos) A crise social russa se agrava e ocorre a revolução popular contra o czar. 1911 (15 anos) após vários anos de aprendizado com tutores particulares (Gymnasium, judeu particular, em Gomel), ingressa numa instituição escolar pela primeira vez. 1913 (17 anos) Forma-se honrosamente no curso secundário, o que lhe permite ingressar no curso de direito da Universidade de Moscou. 1914 (18 anos) Estuda na Universidade Popular de Shanyavskii História, Filosofia, Literatura, Arte, Psicologia, Psicanálise. 1916 (20 anos) Compõe a trágica peça Hamlet: príncipe da Dinamarca. 1917 (21 anos) Conclui o curso de Direito na Universidade de Moscou. Eclode a Revolução Russa, criando-se o Conselho dos Comissários do Povo, presidido por Lênin. 1917-1923 (21-27 anos) Volta para Gomel, leciona Literatura e Psicologia para ajudar os pais, porque não conseguira permissão para ficar em Moscou e casar-se com Roza Smekhova. 67

Unidade III Período vazio na história das publicações de Vygotsky que ainda está para ser explicado. Atividades profissionais nesse período: deu aulas na Escola Trabalhista Soviética, no Colégio Pedagógico de Gomel (Laboratório Psicológico), na Escola Noturna para Trabalhadores Adultos, e em cursos preparatórios para pedagogos. Além disso, reunia-se com amigos no que chamava de Segundas-Feiras Literárias, para discutirem assuntos de literatura, língua russa, lógica, psicologia e pedagogia. 1918 (22 anos) Funda duas editoras com Semyon Dobkin e David Vygodsky. 1920 (24 anos) Seu irmão contrai tuberculose, e Vygotsky vai ajudá-lo, mas também contrai a doença. 1922 (26 anos) O poder centraliza-se e Stalin é nomeado secretário-geral do Partido Comunista. Constituição da URSS. 1924 (28 anos) conhece Luria e Leontiev, dois grandes amigos e colaboradores, ao participar da conferência no II Congresso de Psiconeurologia de Leningrado. Alexander Romanovich Luria Nasceu em 1902, Kazan, e morreu em Moscou, 1977 com 75 anos. Estudou ciências sociais, psicologia, pedagogia e medicina. Trabalhou no Instituto de Psicologia (Moscou, 1924) e conheceu Vygotsky no II Congresso de Psiconeurologia de Leningrado. Teve 30 livros publicados (obras científicas sobre neurologia, distúrbios da linguagem, tornando-se um neuropsicólogo renomado). Alexis Leontiev Nasceu em 1903 e morreu em1979 com 76 anos. Estudou psicologia, pedagogia e trabalhou na Academia Soviética de Ciências Pedagógicas e no Instituto de Psicologia (Moscou, 1924). Recebeu o título de Doutor honoris causa na Universidade de Paris, em 1968, e criou a Faculdade de Psicologia na Universidade de Moscou. 1924 Vygotsky casa-se com Roza Smekhova, com quem tem duas filhas. Muda-se para Moscou e vai lecionar no Instituto de Psicologia a convite de Kornilov. Morre Lênin. Stálin assume o poder. [...] a vida de Vygotsky nem sempre foi fácil e suas condições de vida nem sempre propícias para o trabalho científico criativo. (Van der Veer, 1996) Fragmentos do diário de Vygotsky (Van der Veer, 1996) Já estou aqui há uma semana em quartos grandes para seis pacientes gravemente doentes, [há] barulho, gritos, nenhuma mesa, etc. As camas são dispostas de maneira a 68

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO ficarem próximas umas das outras, sem nenhum espaço entre elas, como em casernas. Além disso, sinto-me fisicamente em agonia, moralmente arrasado e deprimido. (15 / fevereiro / 1926). [...] à minha volta havia tal situação o tempo todo, que era vergonhoso e difícil pegar uma caneta nas mãos e impossível pensar com sossego. Sinto-me fora da vida, mais precisamente: entre a vida e a morte: ainda não estou desesperado, mas já abandonei toda a esperança. (05 / março / 1926). 1925 (29 anos) Seu livro Psicologia da arte é escrito, mas somente publicado em 1965, na URSS. É nesse ano que Vygotsky viaja pela primeira vez para a Europa e conhece alguns dos livros de Piaget. Organiza o Instituto e Laboratório de Estudos sobre as Deficiências que chamou de estudos de defectologia. 1925-1934 (29 37 anos) Trabalha no departamento de educação para crianças deficientes físicas e mentais, no Instituto Pedagógico de Moscou e no Instituto Pedagógico de Leningrado (Hertzen). Estuda medicina para compreender os problemas neurológicos e suas implicações no desenvolvimento psicológico. Considera a pedologia a ciência mais completa para o estudo da criança, pois integra aspectos da biologia, psicologia, antropologia e pedagogia. Funda o Laboratório de Psicologia na escola de formação de professores (Gomel) e reúne jovens cientistas para estudos sobre psicologia e anormalidades. 1928 (32 anos) Processo de modernização da URSS; industrialização, reforma agrária, alfabetização. 1929 (33 anos) Início da ditadura stalinista. 1934 Morre em Moscou, Rússia, aos 37 anos, em 11 de junho de 1934 O fim da vida de Vygotsky é marcado por muitos problemas: desintegração de seu grupo de colaboradores, traições pessoais, más condições físicas, repetidas hemorragias e estado de espírito deprimido. Dobkin, seu amigo de infância, diz: Vygotsky fez tudo para não viver os últimos anos de sua vida. Ao longo de sua curta, mas brilhante carreira, Vygotsky deixou 200 trabalhos científicos escritos, ditados e anotados. No ano de sua morte é publicado, na URSS, o livro Pensamento e linguagem. 1936 1937 regime stalinista intensifica sua violência. 69

Unidade III 1936-1956 sua obra foi proibida durante 20 anos ao ser acusado de idealista por Stalin. Parte do material é destruída, e as obras deixam de ser publicadas na URSS por motivos políticos. 1953 Morte de Stalin; Kruchev assume o poder. 1956 inicia-se o processo de desestalinização da URSS, orientado por Kruchev. 1962 Depois de 28 anos, o livro Pensamento e linguagem é publicado nos EUA. 1982-1984 Edição das Obras selecionadas de Vygotsky, na URSS. 1984 Publicação no Brasil do livro A formação social da mente. 1987 Publicação no Brasil do livro Pensamento e linguagem. 1988 Publicação no Brasil do livro Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 7.2 Principais conceitos Vygotsky elaborou uma teoria do desenvolvimento intelectual, sustentando que todo o conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas (Oliveira, 1997). Nova psicologia: [...] a abordagem que busca uma síntese para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico. (Oliveira, 1997, p. 23). Ele propõe a construção de uma nova psicologia, que seria uma síntese de duas fortes tendências da época: psicologia como ciência natural (psicologia experimental estudo dos processos psicológicos e elementares reflexos, sensoriais); psicologia como ciência mental (filosofia, ciências humanas estudo dos processos psicológicos superiores mente, consciência, espírito). De acordo com Oliveira (1997), a teoria de Vygotsky está pautada em três ideias principais: as funções psicológicas têm suporte biológico, pois são produtos da atividade cerebral; o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico; 70 a relação homem/trabalho é mediada por sistemas simbólicos.

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO Então, como ocorre o desenvolvimento intelectual segundo Vygotsky? mediação simbólica; pensamento e linguagem; desenvolvimento e aprendizado. 7.3 Mediação simbólica: instrumentos e signos O conceito de mediação simbólica é muito importante na teoria de Vygotsky, pois, nessa perspectiva, a relação do homem com o mundo deixa de ser entendida como sendo direta (S-R) e passa a ser compreendida como uma relação mediada por um elemento intermediário (memória, lembrança, atenção, ajuda de alguém). Mediação simbólica: é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento que pode ser externo ou interno. (Oliveira, 1997) Desenvolvimento intelectual Processos Psicológicos Elementares (biológicos) Processos Psicológicos Superiores (sócio-históricos) Ações reflexas Reações automatizadas Associações simples Mediação Cultural Controle consciente do comportamento Ação intencional Liberdade do indivíduo Pensar objetos ausentes Imaginar eventos não vividos Planejar ações Os mediadores podem ser de dois tipos: instrumentos ou instrumentos físicos elementos externos, ações concretas. De acordo com Oliveira (1997), o instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. O instrumento é feito ou buscado especialmente para certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre o indivíduo e o meio. Ex.: mão, machado; signos ou instrumentos psicológicos elementos internos, ações mentais. De acordo com Oliveira (1997), os signos são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas. São ferramentas 71

Unidade III que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos. Ex.: a palavra mesa, o número 3, a cartola na porta do banheiro masculino, contagem de varetas, fazer uma lista compras, dar um nó em um lenço. O signo, portanto, é uma representação de um pensamento e para ser compreendido requer uma interpretação do sujeito. Dessa forma, o processo de mediação por meio de instrumentos e signos é fundamental para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, distinguindo o homem dos outros animais. E a mediação é um processo essencial para tornar possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais, e controladas pelo próprio indivíduo. 7.4 Pensamento e linguagem No início do desenvolvimento, pensamento e linguagem caminham separadamente: fase pré-verbal do pensamento utilização de instrumentos, inteligência prática (criança pré-verbal faz e não sabe explicar); fase pré-intelectual da linguagem utilização como alívio emocional e como função social (criança pré-intelectual). Aos 2 anos de idade, com o aparecimento da linguagem, pensamento e linguagem passam a funcionar de maneira integrada. O pensamento se torna verbal e a linguagem racional. De acordo com Vygotsky, é nesse momento que ocorre a transformação do sujeito puramente biológico em um sujeito sócio-histórico. As funções básicas da linguagem são: intercâmbio social e pensamento generalizante. O sistema psicológico passa a ser mediado pela linguagem que no início era social, e agora é organizada por um sistema interpsíquico e gradativamente vai sendo internalizada, tornando-se, assim, uma linguagem individual (sistema intrapsíquico). Esse é o processo de internalização de linguagem descrito por Vygotsky: Processo de internalização da linguagem Do social (interpsíquico) Função comunicação Contato social Para individual (intrapsíquico) Instrumento pensamento Adaptação social (internalização do discurso) De acordo com Vygotsky, nesse processo de internalização, a linguagem no início apresenta-se como um mediador em forma de discurso socializado (função de comunicação e contato social) e gradativamente passa a ser internalizada, tornando-se também um discurso interior (diálogo consigo mesmo por meio de um dialeto pessoal). 72

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO Entre essas duas formas de expressão da linguagem temos a fala egocêntrica (por volta dos 3 e 4 anos) ou discurso egocêntrico, no qual o sujeito fala consigo mesmo em voz alta, não tem o objetivo de comunicação com o outro, mas funciona como auxiliar do pensamento para o sujeito. À medida que a linguagem vai sendo internalizada, o discurso egocêntrico desaparece, e o sujeito passa a utilizar o discurso interior como mediador do pensamento. 7.5 Desenvolvimento e aprendizado Vygotsky afirma que há dois níveis de desenvolvimento que ocorrem de maneira simultânea durante toda a vida psicológica do sujeito. O nível de desenvolvimento real consiste nos conhecimentos já construídos pelo sujeito, o que ele consegue fazer sozinho, sem ajuda do outro. Por exemplo: uma criança de 5 anos sabe andar, alimentar-se sozinha, tomar banho. O nível de desenvolvimento potencial é o nível onde estão os conhecimentos que o sujeito ainda não construiu e que, portanto, ele precisa da ajuda do outro para realizá-los. Por exemplo: uma criança de 5 anos precisa de alguém para ler e escrever para ela, nadar em uma piscina, andar de patins. Nesse sentido, precisa de alguém para ensiná-la a fazer essas coisas, pois são conhecimentos ainda não internalizados. Entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, há a zona de desenvolvimento proximal, que consiste no espaço entre os dois níveis, onde atuam os mediadores como desencadeadores de processos de aprendizado. Nível desenvolvimento potencial Zona desenvolvimento proximal Nível desenvolvimento real Nesse sentido, para Vygotsky, a aprendizagem é um processo de conhecimento individual e o aprendizado é resultado da mediação, portanto, do meio, no processo de internalização do conhecimento pelo sujeito. A escola tem um papel muito importante como mediadora, atuando na zona de desenvolvimento proximal do aluno, pois por meio da interação com o professor, com os colegas e o contato com diferentes signos, conhecimentos em nível potencial tornam-se conhecimentos em nível real. Além da escola, Vygotsky afirma que o brinquedo e o jogo simbólico também são importantes no desenvolvimento psicológico do sujeito, pois atuam como mediadores e favorecem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. 73

Unidade III 74 Saiba mais: Assista aos filmes A Guerra do Fogo e Náufrago e identifique neles a utilização de signos e instrumentos na construção das funções psicológicas superiores. 8 TEORIA DA PSICOLOGIA DA PESSOA COMPLETA DE HENRY WALLON 8.1 Wallon: vida e obra 1879 Nasceu em Paris, França, em 1879. Estudou medicina (psiquiatria), filosofia e psicologia. Membro de uma família de tradição universitária humanista, seu avô foi um grande historiador, discípulo de Michelet, introduziu a palavra República na Constituição de 1875. Jules Michelet (1798-1874) nasceu pouco após a Revolução Francesa, fato que marcou a transição da Idade Média para a modernidade. Michelet tornou-se conhecido como o primeiro historiador a afirmar que não eram as grandes personalidades, e sim as massas, o único agente de transformação histórica. 1902 Com 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal Superior. 1908 Formou-se em medicina. Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política. As duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), o avanço do fascismo no período entre guerras, as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias na África atingiam a Europa, em especial, a França. Crises sociais e instabilidades políticas foram fundamentais para Wallon construir sua teoria pedagógica, pois serviram de estímulo para que ele organizasse suas ideias. Isso explica, em parte, a visão marxista que deu à sua obra e por que aderiu, no período anterior à Primeira Guerra, aos movimentos de esquerda e ao Partido Socialista. 1914 Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), atuou como médico no exército francês, ajudando a cuidar de pessoas com distúrbios psiquiátricos. Ao lidar constantemente com ex-combatentes portadores de lesões cerebrais, reviu posições neurológicas que havia desenvolvido no trabalho com crianças deficientes. 1925 Funda o Laboratório de Psicobiologia da Criança, destinado à pesquisa e ao atendimento de deficientes. Localizado perto de uma escola da periferia, dava acesso ao contexto social da criança. Publica sua tese de doutorado: A criança turbulenta. Inicia um período de intensa produção com livros voltados para a psicologia da criança. 1929 É encarregado de conferências sobre a psicologia da criança como professor na Universidade de Sorbonne e em outras instituições de ensino superior.

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO 1931 Atuou como médico em instituições psiquiátricas e, nesse período, consolida-se seu interesse pela psicologia da criança. Viaja para Moscou e é convidado para integrar o Círculo da Rússia Nova, grupo formado por intelectuais que se reuniam com o objetivo de aprofundarem o estudo do materialismo dialético e de examinarem as possibilidades oferecidas por este referencial aos vários campos da ciência. Neste grupo, o marxismo que se discutia não era o sistema de governo, mas a corrente filosófica. 1935 Viajou para o Brasil. 1937 a 1949 Lecionou psicologia e educação no Colégio de França (berço da psicologia francesa). Integrou a Sociedade Francesa de Pedagogia (1937 a 1962). 1939 a 1945 França é ocupada pelos alemães (2ª Guerra Mundial). Atuou na resistência francesa, foi perseguido pela Gestapo (polícia nazista), viveu clandestinamente. Escreveu o livro Origens do pensamento na criança. 1944 a 1946 Integra a Comissão do Ministério da Educação Nacional para reformulação do sistema de ensino francês. Torna-se vice-presidente do Grupo Francês de Educação Nova (1946 a 1962) instituição que ajudou a revolucionar o sistema de ensino daquele país e da qual foi presidente de 1946 até sua morte. Considerava uma relação recíproca entre psicologia e educação. Criticou o ensino tradicional, participando do Movimento da Escola Nova. Juntamente com o físico Langevin, coordenou a reforma do ensino francês, chamada Projeto Langevin-Wallon (série de propostas similares à nossa Lei de Diretrizes e Bases), tendo em vista toda uma mudança no sistema educacional francês. Uma das propostas do projeto, por exemplo, é a de que nenhum aluno deve ser reprovado numa avaliação escolar. Reprovar é sinônimo de expulsar, negar, excluir. É a própria negação do ensino. (Wallon, 2007) É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os instrumentos para sua evolução. (Wallon, 2007). 1948 Cria e lança a revista Enfance. Este é um periódico que ainda hoje é utilizado como fonte de pesquisa por pesquisadores em psicologia do desenvolvimento. Ao longo de toda a vida, dedicou-se a conhecer a infância e os caminhos da inteligência nas crianças e, de acordo com seus pressupostos, o meio exerce influência fundamental sobre o desenvolvimento da pessoa humana, considerando o alimento cultural. 1962 Morre em Paris, França, em 1962, aos 83 anos. 8.2 Principais conceitos O desenvolvimento psicológico é dividido em estágios (não rígidos, mas contínuos, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas) inicialmente biológicos, depois sociais. 75

Unidade III Não é possível definir um limite terminal para o desenvolvimento da inteligência, pois isso depende das condições oferecidas pelo meio. Estágios do desenvolvimento segundo Wallon: 1 impulsivo-emocional (0 a 1 ano); 2 sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos); 3 personalismo (3 a 6 anos); 4 categorial (6 a 11 anos); 5 puberdade e adolescência (11 anos em diante). De acordo com Wallon, o desenvolvimento infantil é dinâmico não há linearidade. Os fatores orgânicos (biológicos) determinam a sequência fixa dos estágios do desenvolvimento, que se tornam flexíveis pela influência dos fatores sociais (alimento cultural = linguagem e conhecimento). Em outras palavras, a gênese da inteligência para Wallon é genética e organicamente social. Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo é centrada na psicogênese da pessoa completa, ou seja, em cada estágio temos uma pessoa inteira, completa e em transformação constante, a partir das dimensões afetiva, cognitiva e motora. (Mahoney, 2000). O desenvolvimento é emocional (afetividade), cognitivo (inteligência) e motor (movimento), determinado por fatores orgânicos e sociais. Assim, há sempre a predominância funcional de uma dimensão do desenvolvimento em relação aos outros e em cada período, sendo que no final há uma integração funcional. Portanto, o desenvolvimento é pontuado por crises ou conflitos chamados de fatores dinamogênicos, que podem ser de natureza endógena / interna (maturação nervosa) e de natureza exógena / externa (cultural). A isso, Wallon chamou de lei de alternância funcional: ora o conflito é interno ora é externo, constituindo-se num motor propulsor ao desenvolvimento. Períodos do desenvolvimento: mpulsivo emocional (0 a 1 ano) Personalismo (3 a 6 anos) Puberdade e adolescência (11 anos) Fatores dinamogênicos endógeno. Predominância funcional afetivo (centrípeta). Períodos do desenvolvimento: Sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) Categorial (6 a 11 anos) Fatores dinamogênicos exógeno. Predominância funcional cognitivo (centrífuga). 76

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO 8.3 Períodos do desenvolvimento infantil Estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano) A predominância funcional é afetiva (relações afetivas) e o conflito é de natureza endógena (centrípeta). A afetividade é marcante nesse período, a criança nutre-se pelo olhar, pelo contato físico e se expressa por gestos, mímicas e posturas. Essa é a etapa da formação do eu corporal, a criança está voltada à construção de si mesmo. No início há uma total indiferenciação eu outro (simbiose), depois ocorre a diferenciação do espaço objetivo e subjetivo (recorte corporal), por exemplo, morder o próprio braço e não perceber que foi ela mesma. O estágio está dividido em dois momentos: impulsivo (0 a 3 meses) organismo puro; sua atividade se manifesta apenas por reflexos e movimentos impulsivos: exploração do corpo, movimentos bruscos, desordenados, existe uma simbiose fisiológica. emocional (3 a 12 meses) construção de padrões emocionais de medo, alegria, raiva = formas de comunicação corporal; existe uma simbiose afetiva que caracteriza o início do psiquismo ou vida psíquica. Aos 6 meses inicia-se a atividade circular, ou seja, um gesto da criança cria um resultado auditivo e/ou visual e ela tentará reproduzi-lo, isso possibilitará a Sugestões de filmes para observação organização dos exercícios sensório-motores e irá preparar a desses aspectos do desenvolvimento: Olhe Quem Está Falando, Ninguém criança para o estágio seguinte. Piaget denomina tal ação de Segura Esse Bebê. reação circular. Essa atividade circular pode ser observada em várias ações infantis: balbuciar, movimentar as pernas e os braços, morder objetos, pegar e deixar cair milhares de vezes um brinquedo etc. Estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) A predominância funcional é cognitiva (relações cognitivas) e o conflito é de natureza exógena (centrífuga). Período marcado pela diferenciação do corpo físico (mas não psíquico). Esse período é marcado pela exploração sensório-motora do mundo físico (agarrar, segurar, sentar, marchar). Além disso, há o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem o ato mental projeta-se em atos motores. 77

Unidade III Portanto, é um estágio dividido em dois momentos: sensório-motor inteligência prática: movimentos motores com o início da marcha acompanhado dos demais movimentos agarrar, segurar, sentar, virar, rodar, pular; projetivo inteligência simbólica: movimentos motores acompanhados de gestos e projeções. Aparecimento da linguagem. A criança necessita dos gestos para expressar seus pensamentos e, nesse sentido, o gesto precede a palavra e a criança é incapaz de imaginar sem representar gestualmente. O ato mental projeta-se em atos motores. A atividade projetiva, por volta dos 2 e 3 anos, continua a aparecer nos jogos simbólicos e nas histórias infantis e abre caminho para outras formas de representação, uma vez que a ação motora organiza seu pensamento. Há vários movimentos projetivos nessa fase: imitação, simulacro, animismo e o uso da 3ª pessoa: 78 imitação: atividade que relaciona o movimento de um modelo exterior e a representação. A criança reproduz modelos das pessoas e situações que a atraem; simulacro: pelos gestos, a criança simula uma situação de utilização de um objeto sem tê-lo de fato. Trata-se de um ato sem o objeto real, pois é um pensamento apoiado em gestos e serve de suporte a sua linguagem (faz de conta). O gesto torna presente o objeto; animismo: a criança atribui vida a alguma parte de seu corpo, tratando-a como se fosse uma pessoa; uso da 3ª pessoa: refere-se a sua pessoa pelo próprio nome ou usa a 3ª pessoa ao invés de utilizar o pronome eu. Por exemplo: Mariana está triste, ela quer brincar, dê para ela. Nessa etapa, há a integração do corpo, das sensações ao corpo visual (espelho). A criança somente irá perceber sua imagem projetada no espelho por volta dos 2 anos (diferenciação do eu físico). Antes disso, acredita que a imagem é de outra criança e tenta comunicar-se com ela, atribui-lhe existência, vida própria. Apresenta também diálogo consigo mesma representando vários personagens. Estágio personalismo (3 a 6 anos) A predominância funcional é afetiva (relações afetivas) e o conflito é de natureza endógena (centrípeta). Período de formação da personalidade, marcado por conflitos e crises.

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO Nessa fase, a afetividade que é simbólica incorpora os recursos intelectuais (principalmente a linguagem) e se exprime por palavras e ideias. São características desse estágio: atividades de oposição; atividades de sedução (idade da graça); atividades de imitação; discriminação eu e o outro ; uso da 1ª pessoa para referir-se a si mesmo: eu, meu, não; desaparecimento gradativo dos diálogos consigo mesma. Há a ocorrência de conflitos pessoais: oposição ao não eu (confrontos = ciúmes, tirania, agressividade). Disputa de brinquedos: desejo de propriedade conta mais do que o próprio objeto (sentimento de posse). Portanto, há a expulsão e a incorporação do outro, ou seja, movimentos complementares e alternantes no processo de formação do eu. Sugestões de filmes para observação desses aspectos do desenvolvimento: Um Tira no Jardim da Infância, Paizão, A Creche do Papai. Estágio categorial (6 a 11 anos) A predominância funcional é cognitiva (relações cognitivas) e o conflito é de natureza exógena (centrífuga). Período marcado pela exploração mental do mundo físico, mediante atividades de agrupamento, seriação, classificação, categorização (pensamento categorial). A afetividade é racional, os sentimentos são elaborados no plano mental. Há a consolidação da função simbólica e a diferenciação da personalidade, que permitem progressos intelectuais e revelam o interesse da criança para o conhecimento. Período de razoável estabilidade se comparado com o estágio do personalismo. No transcorrer, desaparece o sincretismo, e a criança apresenta uma autodisciplina mental ou atenção que marca sua entrada na escola idade escolar. Esse estágio está dividido em dois momentos: pré-categorial (6 a 9 anos): sincretismo (pensamento confuso no qual os critérios afetivos prevalecem). O pensamento sincrético pode ser: tautologia repetição de um termo várias vezes na frase; 79

Unidade III elisão fala confusa, faltando trechos; fabulação invenção de histórias para contar fatos; pensamento por pares existência de um objeto ou situação apenas em seu pensamento, estando em relação a outro que lhe dê identidade; ex.: uma pessoa dorme porque sonha. Sugestões de filmes para observação desses aspectos do desenvolvimento: Esqueceram de Mim, Desventuras em Série, Harry Potter categorial (9 a 12 anos): operações mentais e formação de categorias intelectuais que auxiliam na representação das coisas e na explicação do real. São exemplos de categorias intelectuais: identificar, analisar, definir, classificar, seriar. Estágio da puberdade e adolescência (11 anos em diante) A predominância funcional é afetiva (relações afetivas) e o conflito é de natureza endógena (centrípeta). Essa é a última e movimentada etapa que separa a criança do adulto que ela tende a ser. A crise pubertária rompe a tranquilidade da fase anterior: modificações hormonais e corporais levam às crises morais e existenciais. A afetividade é racional, os sentimentos são elaborados no plano mental. Novamente ocorre o conflito eu outro (do personalismo), agora mais cognitivo do que emocional. Há a exploração de si mesmo com uma identidade autônoma, mediante atividades de confronto, autoafirmação, questionamentos. Domínio de categorias cognitivas de maior nível de abstração com discriminação mais clara dos limites de sua autonomia e de sua dependência. O estágio da puberdade e adolescência é também chamado de período da crise da puberdade, pois nele ocorrem modificações fisiológicas, corporais e psicológicas. Há o amadurecimento sexual, provocando na criança profundas transformações corporais acompanhadas de modificações psíquicas. O corpo da menina fica diferente do corpo do menino, crescem pelos, há a modificação da voz, crescimento dos seios e dos órgãos genitais, além do aumento acelerado na estatura. A menina apresenta a menarca e o menino a emissão de espermas (aquisição da função reprodutora). 80 O espelho é o grande rival: ao mesmo tempo em que se apresenta como companhia constante, proporcionando momentos de prazer, causa inquietação e angústia, pois, em função das mudanças corporais tão rápidas, o adolescente não se reconhece na imagem refletida e isso lhe proporciona mal-estar. Sugestão de filmes para observação desses aspectos do desenvolvimento: Lagoa Azul, Kids, Diário de um Adolescente, Aos Treze.

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO Nas palavras de Wallon (1975:218): Assinalou-se o que foi denominado signo do espelho: tanto os rapazes como as moças têm necessidade de se examinar num espelho e observar as transformações do rosto, sentem-se mudar e ficam desorientados. Sente ainda mais essa mudança, essa desorientação perante eles mesmos, em relação a seu meio ambiente. Todas essas modificações geram uma ambivalência de atitudes e sentimentos, marcados principalmente pela crise em relação ao adulto (ambivalência afetiva). Por isso, tanto nessa fase como no personalismo, o adulto deve estar muito bem preparado para lidar com as situações e poder ajudar o jovem em desenvolvimento. Saiba mais: WALLON, H. (1941) A evolução psicológica da criança. (Trad. Claudia Berliner) São Paulo: Martins Fontes, 2007. MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. (org.) Constituição da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004. Resumindo: A perspectiva sociointeracionista ou socioconstrutivista de Lev Semenovich Vygotsky apresenta a psicologia do desenvolvimento da inteligência em uma perspectiva social; para este autor, o desenvolvimento é continuo e não em etapas como propõe Piaget, porque depende das condições socio-históricas em que sujeito está inserido; Vygotsky elaborou uma teoria em que o aprendizado é fator fundamental para que ocorra o desenvolvimento psicológico do sujeito. Nesse sentido, apresenta como fundamental a este desenvolvimento o papel da mediação simbólica, em especial a linguagem, para a evolução psicológica do indivíduo; Dessa forma, o nível de desenvolvimento real corresponde aos conhecimentos já internalizados pelo sujeito, o nível de desenvolvimento potencial os conhecimentos ainda não internalizados e a zona de desenvolvimento proximal, o espaço entre estes dois níveis de desenvolvimento, onde irão atuar os medidores; A perspectiva socioafetiva de Henri Wallon define o desenvolvimento em estágios (não rígidos, mas contínuos, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas) inicialmente biológicos, depois sociais. Da mesma forma que Vygotsky, este autor acredita que não é possível definir um limite terminal para o desenvolvimento da inteligência, pois isso depende das condições oferecidas pelo meio; 81

Unidade III Por meio de uma pesquisa extremamente ampla, Wallon define o desenvolvimento psicológico em cinco períodos: impulsivo-emocional (0 a 1 ano); sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos); personalismo (3 a 6 anos); categorial (6 a 11 anos); puberdade e adolescência (11 anos em diante). Em cada estágio temos uma pessoa inteira, completa e em transformação constante, a partir das dimensões afetiva, cognitiva e motora. EXERCÍCIOS 1. Leia a situação-problema a seguir e responda à questão: Pedro de 6 anos tem um irmão chamado Tiago, de 2 anos, que está começando a falar. Ao passar algum tempo do dia conversando e brincando com ele, percebe que seu irmão está desenvolvendo a fala mais rapidamente pela vontade de dar continuidade na brincadeira. Com o desenvolvimento da fala, vem conseguindo agrupar uma série de classes de brincadeiras e objetos sob uma categoria conceitual. A partir dos conceitos de Vygotsky, a linguagem tem duas funções básicas. Quais são elas? a) o significado e o sentido b) intercâmbio social e pensamento generalizante c) a linguagem e os signos d) o discurso anterior e a fala egocêntrica e) o aprendizado e o desenvolvimento 2. Leia a situação-problema a seguir e responda à questão: Beatriz é uma menina de oito anos. Ganhou de surpresa de seu pai, um livro de receitas para crianças, uma vez que vem demonstrando grande interesse pela culinária. O livro, embora seja direcionado para crianças, tem receitas que necessitam da ajuda de um adulto. Ela ficou muito feliz, e sugeriu para sua mãe que, no dia seguinte, faria o almoço. Dessa forma, solicitou a ajuda da mãe, uma vez que não poderia fazer tudo sozinha. O cardápio seria farfalhe com tomatinhos assados. Todos os ingredientes dispostos, Beatriz pegou uma faca para cortar os tomates. Sua mãe olhou para ela e disse: Para cortar os tomates, você pode fazer deste jeito... Cuidado para não cortar o dedo... Olhe para o que está fazendo..., e assim por diante. Quando tudo estava pronto, Beatriz preparou com autonomia a mesa e o suco de frutas. De acordo com a história acima, analise os níveis de conhecimento de Beatriz e o papel da mãe nessa situação: 82 I. O nível de desenvolvimento real é representado pela capacidade de Beatriz preparar com autonomia a mesa e o suco de frutas.

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO II. O nível de desenvolvimento potencial é representado pela capacidade de Beatriz realizar o farfalhe com tomatinhos assados com a ajuda da mãe. III. O nível de desenvolvimento real é representado pela capacidade de Beatriz realizar o farfalhe com tomatinhos assados com a ajuda da mãe. IV. O nível de desenvolvimento potencial é representado pela capacidade de Beatriz preparar com autonomia a mesa e o suco de frutas. Assinale a correta: a) apenas I e III estão corretas b) apenas I e II estão corretas c) apenas I, II e III estão corretas d) apenas II e IV estão corretas e) apenas III e IV estão corretas 3. Os processos mentais superiores que caracterizam o pensamento tipicamente humano são processos mediados por sistemas simbólicos. Como a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, a questão do desenvolvimento da linguagem e suas relações com o pensamento ocupam lugar central na obra de Vygotsky. De acordo com isso, leia a situação a seguir e responda à questão: Maria Carolina, 4 anos, está andando de bicicleta e começa a falar: Eu vou passar do lado da balança, depois eu pego aquela reta na descida e daí eu piso com um pé na garupa, depois eu vou e coloco ou outro. É, eu acho que vai dar. Depois disso começa executar seu plano. Segundo Vygotsky, o tipo de fala apresentado por Maria Carolina é: a) discurso socializado b) fala psicótica c) discurso interior d) fala egocêntrica e) dialeto pessoal 83

Unidade III 84 4. Leia com atenção o texto e responda à questão: Falar que a escola deve proporcionar formação integral (intelectual, afetiva e social) às crianças é comum hoje em dia. No início do século passado, porém, essa idéia foi uma verdadeira revolução no ensino. Uma revolução comandada por um médico, psicólogo e filósofo francês chamado Henri Wallon (1879-1962). Sua teoria pedagógica, que diz que o desenvolvimento intelectual envolve muito mais do que um simples cérebro, abalou as convicções numa época em que memória e erudição eram o máximo em termos de construção do conhecimento. 1 A marca essencial, o princípio organizador da teoria walloniana é a integração a pessoa inteira (afetivo, cognitivo e motor) e em transformação. Foram condições que podem ser consideradas como necessárias para a construção da referida teoria: I. Wallon participou ativamente nas duas guerras mundiais, na primeira, como médico e, na segunda, dentro do movimento de Resistência, e ambas as atuações permitiram-lhe a observação de lesões orgânicas e seus desdobramentos psicológicos. II. Wallon identificou os princípios reguladores do processo de desenvolvimento por meio de testes de inteligência com crianças normais, e como Vygotsky, não identificou estágios desenvolvimentais. III. O materialismo dialético sugeriu a Wallon, considerar as condições orgânicas e sociais, numa dada cultura e época, para definir as possibilidades e limites do processo de desenvolvimento. Assinale a alternativa correta: a) I, apenas b) II, apenas c) II e III, apenas d) I e III, apenas e) I, II e III 5. Leia a situação abaixo e responda à questão: Pedro, três anos e seis meses, apresenta comportamento que irrita muito os pais: ciúmes do irmão, tirania, teimosia e possessividade. Eles perdem a paciência com o filho facilmente, e agora pensam em tomar atitudes mais enérgicas para conter seu comportamento rebelde. 1 Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/educador-integral-423298.shtml>. Acesso em 19 jan 2011.

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO DESENVOLVIMENTO Com base na teoria Walloniana, que orientações você daria aos pais: a) este comportamento é consequência da atitude superprotetora dos pais, o que deve mudar. b) Pedro está testando a autoridade dos pais, que devem deixar claro que as decisões devem partir deles, colocar limites e castigos é essencial. c) Pedro tenta chamar a atenção dos pais, com medo do amor que eles sentem pelo irmão mais novo. d) a oposição é uma maneira de Pedro demonstrar sua insegurança e ansiedade diante das situações difíceis, sendo necessária orientação psicológica. e) a atitude de oposição de Pedro revela sua busca por uma personalidade diferenciada e particular, característica do período do personalismo segundo Wallon. Resolução dos exercícios 1. B. As funções básicas da linguagem são: intercâmbio social e pensamento generalizante. 2. B. I. O nível de desenvolvimento real é representado pelo conhecimento que já está internalizado em Beatriz preparar com autonomia a mesa e o suco de frutas. II. O nível de desenvolvimento potencial é representado pelo conhecimento que ainda não está internalizado em Beatriz, por isso precisa da ajuda de sua mãe realizar o farfalhe com tomatinhos assados. Na zona de desenvolvimento proximal, atua sua mãe, como mediadora do processo de internalização do conhecimento. 3. D. Fala egocêntrica. Entre as duas formas de expressão da linguagem (discurso socializado e discurso interior) temos a fala egocêntrica (por volta dos 3 e 4 anos) ou discurso egocêntrico, no qual o sujeito fala consigo mesmo em voz alta; não tem o objetivo de comunicação com o outro, mas funciona como auxiliar do pensamento para o sujeito. 4. D. Apenas I e III estão corretas. A afirmativa II está errada porque Wallon não aplicou testes de inteligência e identificou cinco estágios de desenvolvimento. 5. E. A atitude de oposição de Pedro revela sua busca por uma personalidade diferenciada e particular, característica do período do personalismo segundo Wallon. 85

Unidade III Bibliografia básica PAPALIA; OLDS; FELDMAN. Desenvolvimento Humano. Porto Alegre: Artmed, 2010. GOULART, Íris Barbosa. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. 23ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. RAPPAPORT. C R; FIORI, W. R; DAVIS, C. Psicologia do Desenvolvimento. Teorias do desenvolvimento. Vol. 1. São Paulo: EPU, 1981. Bibliografia complementar ARIÈS, P. História social da criança e da família. São Paulo: LTC Editora, 1981. BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Harbra, 1997. BOCK, A. M. Psicologias. Uma introdução ao estudo de Psicologia. 13ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. CÓRIA SABRINI, M. A. Psicologia do Desenvolvimento. SP: Ática, 1998. FERREIRA, B; RIES, B. (orgs). Psicologia e Educação: desenvolvimento humano infância. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. vol. 2. KUPFER, M C. A. Freud e a Educação. O mestre do impossível. 3ª. Ed. Coleção Pensamento e Ação no Magistério. São Paulo, Scipione, 1995. MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. (org.) Henri Wallon. Psicologia e Educação. São Paulo: Loyola, 2000. OLIVEIRA, M. K. Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4ª ed. São Paulo: Scipione, 1997. VEER, Rene Van Der. Vygotsky uma síntese. São Paulo: Loyola, 1996. WALLON, H. (1941) A evolução psicológica da criança. (Trad. Claudia Berliner) São Paulo: Martins Fontes, 2007. 86

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