Procuradoria Geral da República Nº 5960 RJMB / tvm RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 615.976 / PR RELATOR : Ministro CELSO DE MELLO RECORRENTE : DP Locação e Agenciamento de Mão de Obra Ltda. RECORRIDA : União RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMPRESA LOCADORA DE MÃO DE OBRA TEMPORÁRIA. CSLL E IRPJ. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DOS VALORES RELATIVOS A SALÁRIOS E ENCARGOS SOCIAIS. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N 282/STF. REPERCUSSÃO GERAL: EXAME PREJUDICADO (ART. 323 DO RISTF). 1. O prequestionamento exige o debate prévio quanto ao tema exposto, pois à Suprema Corte, no que tange à fase de conhecimento do recurso extraordinário, não se aplica o princípio jura novit curia. 2. Verifica-se, no caso, típica situação em que a ofensa a normas constitucionais, caso houvesse, seria reflexa, o que impede a interposição de recurso extraordinário. 3. Parecer pelo não-conhecimento do recurso extraordinário. Trata-se de recurso extraordinário fundamentado no artigo 102, III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado: TRIBUTÁRIO. IRPJ E CSSL. EMPRESAS DE TRABALHO TEMPORÁRIO. EXCLUSÃO DOS VALORES RELATIVOS VERBAS SALARIAIS, ENCARGOS SOCIAIS E TRABALHISTAS REFERENTES A MÃO-DE-OBRA FORNECIDA. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. 1. Procuradoria Geral da República SAF Sul Quadra 04 Lote 03 CEP 70.050-900 Brasília/DF
Os valores repassados pelas empresas tomadoras de serviço às empresas de cessão de trabalho temporário para o pagamento dos salários dos trabalhadores, encargos sociais e trabalhistas referentes a mão-de-obra fornecida não constituem receita destas empresas, não integrando a base de cálculo do PIS e da COFINS, cuja autorização constitucional à imposição advém do art. 195, I, "b" da CF/88, signo de riqueza eleito pelo constituinte, consubstanciado no binômio fato gerador/base de cálculo da contribuição. 2. O mesmo não se observa quanto ao IRPJ e à CSSL, em nenhuma das hipóteses de apuração do lucro (real ou presumido), pois as respectivas bases de cálculo são apuradas a partir de operações complexas, incluindo as compensações, exclusões, adições e deduções de despesas permitidas em lei, dentro das quais o pagamento de salários e encargos de mão-de-obra temporária, enfim os direitos trabalhistas que são extirpados do referencial de cálculo por ocasião da fixação como custos operacionais ou despesas correntes, a partir de deduções concretas ou presumidas, conforme o regime adotado. 3. Apelação improvida. (fls. 519) O Tribunal de origem entendeu que os valores concernentes ao pagamento de salários e os respectivos encargos apenas transitam pela contabilidade da empresa cuja atividade constitui a locação de mão de obra temporária, não constituindo receita ou faturamento para efeito de incidência do PIS/COFINS. Quanto à incidência do IRPJ e da CSLL sobre esses mesmos valores, a Corte a Qua manifestou-se no sentido de que as respectivas bases de cálculo constituem operações complexas, incluindo compensações, deduções, adições e exclusões previstas em lei. Acrescentou, ainda: Em realidade, tais elementos contábeis salários dos trabalhadores, encargos sociais e trabalhistas referentes a mão de obra fornecida pelas empresas de cessão de trabalho temporário, são considerados despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSSL permitidas em lei e extirpadas da composição da base imponível sobre a qual incidirá a alíquota respectiva (fls. 517). O recurso extraordinário de fls. 574/630 suscita, preliminarmente, a repercussão geral devido ao efeito multiplicador da controvérsia concernente à base de cálculo da CSLL e do IRPJ na prestação de serviços e locação de mão de obra. No mérito, alega que a incidência da exação sobre receitas que apenas 2
transitam pela contabilidade da empresa, já que destinadas ao pagamento de salários e encargos, viola os princípios da capacidade contributiva (art. 145, 1, da CF) e da vedação de tributo com efeito confiscatório (art. 150, IV, da CF). Assevera, ainda, afronta aos arts. 150, I e IV; 153, III; 195, I, c, da Constituição Federal. Recurso tempestivo. Contrarrazões às fls. 631/641. Juízo prévio de admissibilidade às fls. 646/647. Em síntese, é o relatório. A irresignação não merece êxito. Evidencia-se, de plano, que os dispositivos constitucionais suscitados como violados nas razões do extraordinário, não foram, em momento algum, enfrentados pelo Tribunal de origem. Em que pese a interposição de embargos de declaração, as matérias constitucionais suscitadas não foram ventiladas no julgado. Esclareça-se que o Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de que o prequestionamento exige o debate prévio quanto ao tema exposto, pois à Suprema Corte, no que tange à fase de conhecimento do recurso extraordinário, não se aplica o princípio jura novit curia. 1 Incide, portanto, nessa parte, o óbice representado pelo Enunciado n 282 do Supremo Tribunal Federal. É possível perceber, ainda, que a controvérsia foi solucionada na origem a partir da interpretação e aplicação de dispositivos legais, concluindo o Tribunal ser cabível à lei prever exclusões e deduções do IRPJ e da CSLL e que, inclusive, haveria previsão legal de exclusão dos valores recebidos pela empresa locadora de mão de obra e destinados ao pagamento de salários e encargos sociais. 1 AI-AgR 253566/RS, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 03-03-2000. 3
A rigor, portanto, a quaestio não alcança patamar constitucional, restringindo-se ao âmbito estrito da legalidade. Em outras palavras, verifica-se, no caso, típica situação em que a ofensa a normas constitucionais, caso houvesse, seria reflexa, o que impede a interposição de recurso extraordinário. Válido trazer à colação o seguinte julgado em caso análogo: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1) AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO: SÚMULAS N. 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL. 2) JULGADO RECORRIDO FUNDAMENTADO NAS LEIS Nº 10.637/02 e 10.833/03: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. 3) DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO: SÚMULAS N. 283 E 284 DO SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: Pretende a parte autora o reconhecimento do direito de recolher a contribuição ao PIS/COFINS/CSLL e IRPJ tendo como base de cálculo apenas a "taxa de administração", a qual alegou ser a sua efetiva receita. Não obstante este Regional tenha decidido favoravelmente ao pleito da recorrente em outros casos, o STJ, inclusive pela sua 1º Seção, já consolidou seu entendimento no sentido de que os valores destinados ao pagamento de salários e demais encargos trabalhistas dos trabalhadores temporários, assim como a taxa de administração cobrada das empresas tomadoras de serviços, integram a base de cálculo do PIS e da Cofins a serem recolhidas pelas empresas prestadoras de serviço de mão-de-obra temporária. In verbis: 'DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PIS E COFINS. LOCAÇÃO DE MÃO-DE- OBRA. LEIS 10.637/2002 E 10.833/2003. BASE DE CÁLCULO. SALÁRIOS E ENCARGOS SOCIAIS E TRABALHISTAS. INCLUSÃO. RECEITA BRUTA. 1. Esta Corte já pacificou entendimento segundo o qual 'na vigência das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, os valores destinados ao pagamento de salários e demais encargos trabalhistas dos trabalhadores temporários, assim como a taxa de administração cobrada das empresas tomadoras de serviços, integram a base de cálculo do PIS e da Cofins a serem recolhidas pelas empresas prestadoras de serviço de mão-de-obra temporária, em homenagem ao princípio da legalidade'. Precedentes. 2. Com a edição das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, definiu-se o faturamento como a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia, acrescida de todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica. Dessa forma, sob a égide da nova sistemática, os valores destinados ao pagamento de salários e 4
demais encargos trabalhistas dos trabalhadores temporários, assim como a taxa de administração cobrada das empresas tomadoras de serviços, integram a base de cálculo do PIS e da Cofins a serem recolhidas pelas empresas locadoras de mão-deobra. 3. Na espécie, a recorrente impetrou mandado de segurança, em 29.9.2005, objetivando o reconhecimento de seu direito líquido e certo de recolher a Cofins e o PIS somente sobre a taxa de agenciamento cobrada das empresas tomadoras de serviços, excluindo-se da base de cálculo os valores recuperados a título de pagamento de salários e encargos sociais e trabalhistas dos trabalhadores cedidos aos tomadores. 4. Observando o princípio tempus regit actum, os valores recebidos a título de pagamento de salários e encargos sociais e trabalhistas dos trabalhadores temporários, pela fornecedora de serviço de mão-de-obra, não podem ser excluídos da base de cálculo do PIS e da Cofins, em face do disposto nas Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003' (REsp 1074282/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/03/2009, DJe 19/03/2009). ( ) Em realidade, tais elementos contábeis salários dos trabalhadores, encargos sociais e trabalhistas referentes a mão-de-obra fornecida pelas empresas de cessão de trabalho temporário, são considerados despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSSL permitidas em lei e extirpadas da composição da base imponível sobre a qual incidirá a alíquota respectiva (fls. 333-336 grifos nossos). 2. A Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 153, inc. III, e 195, inc. I, alíneas b e c, da Constituição da República e os princípios da capacidade contributiva, igualdade e vedação de confisco, ao endossar a incidência de tributos (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, Contribuição para o Programa de Integração Social, Contribuição sobre o Lucro Líquido e Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) sobre bases de cálculo supostamente não previstas nesses dispositivos. Assevera que, 'no caso presente, não há rendas nem proventos (...) [e] os recursos destinados ao pagamento dos salários e demais contribuições trabalhistas e sociais não são nem receita nem faturamento, e não contribuem para o lucro da empresa' (fl. 404). Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste à Recorrente. 4. Os dispositivos e princípios constitucionais suscitados no recurso extraordinário não foram objeto de debate e decisão prévios no Tribunal de origem, tampouco foram opostos embargos de declaração com a finalidade de comprovar ter havido, no momento processual próprio, o prequestionamento. Incidem na espécie vertente as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. (...) 5. Ademais, o Tribunal de origem fundamentou-se na interpretação e aplicação das Leis n. 10.637/02 e 10.833/03 e concluiu pela incidência da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e da Contribuição para o Programa de Integração Social 5
sobre 'os valores destinados ao pagamento de salários e demais encargos trabalhistas dos trabalhadores temporários' (fl. 333). Para se concluir de modo diverso, seria imprescindível a análise dessas leis ordinárias, o que não se admite em recurso extraordinário. Nesse sentido: 'Não cabe recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta à Constituição da República (AI 508.047-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 21.11.2008). 'Recurso extraordinário: descabimento, quando fundado na alegação de ofensa reflexa à Constituição. 1. Tem-se violação reflexa à Constituição, quando o seu reconhecimento depende de rever a interpretação dada a norma ordinária pela decisão recorrida, caso em que é a hierarquia infraconstitucional dessa última que define, para fins recursais, a natureza de questão federal. 2. Admitir o recurso extraordinário por ofensa reflexa ao princípio constitucional da legalidade seria transformar em questões constitucionais todas as controvérsias sobre a interpretação da lei ordinária, baralhando as competências repartidas entre o STF e os tribunais superiores e usurpando até a autoridade definitiva da Justiça dos Estados para a inteligência do direito local' (AI 134.736-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 17.2.1995). E ainda: 6. Ressalte-se, ainda, que o Tribunal a quo asseverou expressamente que os salários dos trabalhadores, encargos sociais e trabalhistas referentes a mão-de-obra fornecida pelas empresas de cessão de trabalho temporário são considerados despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL permitidas em lei e extirpadas da composição da base imponível sobre a qual incidirá a alíquota respectiva (fl. 336 grifos nossos). Assim, a alegação de que esses tributos não poderiam validamente incidir sobre os salários dos empregados temporários e respectivos encargos sociais e trabalhistas atrai a incidência das Súmulas n. 283 e 284 do Supremo Tribunal e também não viabiliza o recurso extraordinário. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO ATACOU OS FUNDAMENTOS DO ARESTO IMPUGNADO, NEM PROCEDEU À INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE TERIA SIDO VIOLADO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284 DO STF. Agravo regimental desprovido (AI 552.131-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ 17.11.2006 grifos nossos). ( ) 7. Nada há a prover quanto às alegações da Recorrente. 8. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) (RE 628205/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 23/02/2011) 6
Ante os óbices preliminares, prejudicado o exame da repercussão geral (art. 323 do RISTF). Pelas razões acima expostas, opina o Ministério Público Federal pelo não-conhecimento do recurso extraordinário. Brasília, 22 de setembro de 2011. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Subprocurador-Geral da República 7