Prevenção na progressão da Doença Renal Crônica no paciente diabético INTRODUÇÃO Raúl Plata- Cornejo A incidência e prevalência da diabetes mellitus tem um crescimento significativo em todo o mundo, com maior porcentagem nos países em desenvolvimento. Estima-se que para 2035 haverá, aproximadamente, 592 milhões de pessoas com diabetes; isso representa um crescimento de 53% com relação ao número de diabéticos em 2014, que era 387 milhões de diabéticos. Deste número de pacientes com diabetes, 20 a 40% desenvolverá Doença Renal Crônica (DRC) por diabetes, constituindo-se na principal causa de DRC que requer terapia de substituição renal (diálise/transplante renal). Assim, é importante desenvolver estratégias custo-efetivas em saúde que tenham como objetivo a detecção e prevenção da progressão da DRC em pacientes diabéticos. PILARES DA PREVENÇÃO NA PROGRESSÃO DA DRC NO DIABÉTICO 1. Pesquisa e diagnóstico da DRC no diabético. 2. Manejo da glicemia em diabéticos com DRC. 3. Manejo da hipertensão arterial (HTA) em diabéticos com DRC. 4. Manejo da albuminúria em diabéticos normotensos. 5. Manejo da dislipidemia em diabéticos com DRC. 6. Manejo nutricional em diabéticos com DRC. 7. Manejo medicamentoso em diabéticos com DRC. 8. Recomendações gerais. DESENVOLVIMENTO 1. Pesquisa e diagnóstico da DRC nos diabéticos A detecção e identificação do paciente diabético com DRC constitui a estratégia fundamental para enfrentar o aumento exponencial de pacientes que requerem tratamento 1
substitutivo renal e transplante, ambos inacessíveis para uma porcentagem grande de pacientes que vive em países em desenvolvimento. A Doença Renal do Diabetes (DRD), também chamada de Nefropatia Diabética (ND), apresenta uma história natural que compreende cinco estágios. Estágio 1. Também denominado hiperfiltração, devido ao aumento do fluxo plasmático renal e da pressão intraglomerular. A filtração glomerular é 25 a 50% maior que a correspondente à população sadia da mesma idade e sexo. Existe, além disso, hipertrofia glomerular e aumento do tamanho renal (principalmente na diabetes tipo 1). Estágio 2. Apresentam-se alterações estruturais relacionadas com a hipertrofia renal secundária ao aumento do espessamento da membrana basal glomerular e aumento do volume mesangial, mas sem excreção urinária anormal de albumina. O tamanho renal aumentado (nomeadamente na diabetes tipo 1) é outra característica deste estágio. Juntamente com o Estágio 1, conforma a fase pré-clínica da doença (clinicamente silente). Estágio 3. Denominado Nefropatia Diabética Incipiente, a) pela presença de relação albumina/creatinina (RAC) entre 30 e 300 mg/g; b) redução da taxa de filtração glomerular para valores normais, e c) aumento da pressão arterial. Estágio 4. Corresponde à Nefropatia Diabética Estabelecida, a) pela presença de RAC maior que 300 mg/g; b) redução da taxa de filtração glomerular de aproximadamente 1 ml/min/mês; c) HTA; d) retinopatia, e e) alterações estruturais, como glomeruloesclerose nodular, fibrose intersticial, atrofia tubular e hialinose arteriolar. Estágio 5. Indica o estágio da Doença Renal Crônica Terminal. É recomendado para a detecção de ND, na mensuração da RAC na amostra isolada de urina, a determinação da creatinina sérica e a posterior estimativa da Taxa de Filtração Glomerular (TFG). É importante conferir os resultados da análise de urina em duas ou três oportunidades, no período de três a seis meses, descartando outras possíveis causas de proteinúria (infecção do trato urinário, febre, cetose, hiperglicemia, atividade física). 2
Esse controle deve ser realizado em todo paciente com diabetes (DBT) tipo 2, no momento do seu diagnóstico, e a partir dos cinco anos do diagnóstico nos pacientes com DBT tipo 1. O acompanhamento posterior deve ser anual, em ambos os tipos de diabetes. 3
2.Manejo da glicemia em diabéticos com DRC A hiperglicemia e a HTA arterial são as principais causas de complicações micro e macrovasculares nos pacientes diabéticos. O controle efetivo da glicemia previne e/ou atrasa o aumento da albuminúria, sendo, portanto, um objetivo terapêutico. Nesse sentido, é recomendado: a) Obter controles de hemoglobina A1c (HbA1c) de 7%, para prevenir ou retardar as complicações microvasculares da diabetes, incluída a DRD. b) Não ter controles de HbA1c menores que 7%, para pacientes diabéticos com risco de hipoglicemia (pacientes diabéticos com TFG <60 ml/min/1,73m 2 ). c) É melhor ter controles de HbA1c maiores que 7%, para pacientes diabéticos com comorbidades ou expectativa de vida limitada ou risco de hipoglicemia. 2. Manejo da hipertensão arterial em diabéticos com DRC Muitos estudos epidemiológicos demonstram que a HTA é um fator de risco para a progressão da DRD, sendo esse risco reduzido pelo seu controle efetivo. A história natural da DRD é caracterizada pela presença de HTA, em conjunto com o aumento da albuminúria e a diminuição da TFG. Esse fato é comum tanto para a diabetes tipo 1 como para o tipo 2, com a diferença de que o aparecimento de HTA é bem mais precoce no tipo 2. Em consequência: a) Os pacientes diabéticos com DRC estágios I-IV devem ser tratados com um IECA (inibidor da enzima conversora da angiotensina) ou um BRA II (bloqueador dos receptores da angiotensina II), usualmente, em combinação com um diurético. b) A meta pressórica recomendada, para diabéticos com DRC estágios I-IV, particularmente naqueles com albuminúria, é manter valores <130/80 mmhg. 3. Manejo da albuminúria em diabéticos normotensos Todo tratamento orientado a reduzir a excreção urinária de albumina previne a progressão da DRD, mesmo na ausência de HTA. Em diabéticos normotensos, mas com RAC 30 mg/g, sugere-se utilizar um IECA ou um BRA-II, devido ao alto risco de DRC ou progressão dela. 4
Não existe recomendação forte para o uso de IECA/BRA-II na prevenção da DRC em diabéticos normotensos e normoalbuminúricos. 4. Manejo da dislipidemia em diabéticos com DRC A dislipidemia é comum nos pacientes diabéticos com DRC, os quais apresentam mortalidade cardiovascular maior que 80%. Seu manejo constitui um elemento importante para prevenir a morbimortalidade por causa cardiovascular. Recomendações a) É recomendado o uso de fármacos redutores do colesterol de baixa densidade (LDL-C), como as estatinas ou a combinação estatinas/ezetimiba, com o objetivo de reduzir o risco de eventos ateroscleróticos em pacientes diabéticos com DRC. b) É recomendado conseguir valores de LDL-C <100 mg/dl em diabéticos com DRC estágios I-IV. c) Diabéticos com DRC estágios I-IV e níveis de LDL C 100 mg/dl devem ser tratados com estatinas. 5. Manejo nutricional em diabéticos com DRC O manejo nutricional do paciente diabético com DRC é atualmente motivo de muitas controvérsias, sem que existam conclusões definitivas a este respeito. As recomendações mais firmes são baseadas nas restrições ao consumo de sódio e proteínas: a) O aporte proteico, para pacientes diabéticos com DRC (TFG <30 ml/min/1,73m 2 ), deverá ser de 0,8 g/kg/dia. b) O aporte de sal deve ser <2 g/dia (5 g de cloreto de sódio). 6. Manejo medicamentoso em diabéticos com DRC O risco de hipoglicemia é maior em pacientes com DRD e TFG <60 ml/min/1,73m 2, devido, em parte, à diminuição da depuração pelos agentes hipoglicemiantes e à redução da gliconeogênese pelo rim. Nesse sentido, e regra geral, é contraindicado o uso da metformina em homens com creatinina sérica 1,5 mg/dl e em mulheres com creatinina sérica 1,4 mg/dl. Revisão recente 5
propõe reavaliar o uso de metformina com TFG 40 ml/min/1,73m 2, reduzindo a dose para um máximo de 1000 mg/dia, indicando sua descontinuação para TFG 30 ml/min/1,73m 2. Entre as sulfonilureias de primeira geração, a clorpropamida é a única que pode ser administrada com redução da dose para 50%, quando a TFG estiver entre 50 e 80 ml/min/1,73m 2, as outras estão contraindicadas na DRC. Sulfonilureias de segunda geração requerem monitorização rigorosa em pacientes com DRC, para evitar hipoglicemia; gliburida ou glibenclamida estão contraindicadas na DRC, porque são metabolizadas no fígado em vários metabólitos ativos que são excretados pelo rim. A glimepirida está associada a menor grau de hipoglicemia e é recomendada sua administração de forma muito conservadora, na dose de 1 mg/dia. A glipizida, diversamente, não requer ajuste de dose na DRC, porque sua vida média não é afetada pela redução da TFG. Tiazolidinedionas, apesar de serem completamente metabolizadas pelo fígado, estão contraindicadas na DRC devido aos seus efeitos adversos, como retenção refratária de líquidos, hipertensão e alto risco de fratura aos que condiciona esta família de hipoglicemiantes orais. Os inibidores de alfa-glicosidase podem ser administrados em pacientes diabéticos com DRC que não tenhan TFG <30 ml/min/1,73m 2. Com relação às meglitinidas, a repaglinida deve ser iniciada numa dose de 0,5 mg, junto com as refeições, quando a TFG for <30 ml/min/1,73m 2, e a nateglinida deve começar com dose conservadora de 60 mg, junto com as refeições, também quando a TFG for <30 ml/min/1,73m 2. Quanto à insulina, sabidamente sua depuração diminui em paralelo à diminuição da TFG, e por conseguinte sua dosagem e manejo precisam ser muito rigorosos, para atingir as metas individuais e evitar hipoglicemias. Existem outros fármacos hipoglicemiantes, como Sitagliptina, Saxagliptina, Alogliptina, Linagliptina, Exenatida, Liraglutida, Amylin e Canagliflozina que embora já estejam disponíveis, tendo sido aprovados pela FDA (Food and Drug Administration), não são facilmente acessíveis ou são até mesmo inacessíveis em alguns países ou regiões da América Latina. 7. Recomendações gerais A prevenção da progressão da DRC em pacientes diabéticos deve ser necessariamente sustentada pela educação, elemento fundamental para atingir os objetivos terapêuticos e diminuir o impacto dos fatores de risco. 6
A atividade física é importante; recomenda-se introduzir dentro da rotina de cada paciente um tempo mínimo de 30 min por dia ou cinco vezes por semana como estratégia contra o sobrepeso e a obesidade, cuja redução implica em menor risco cardiovascular. Além disso, é de suma importância educar os pacientes diabéticos a respeito do consumo excessivo de álcool, assim como orientá-los sobre a necessidade imperiosa de parar de fumar, pelo risco de progressão da DRC e de mortalidade cardiovascular que isso implica. Referências bibliográficas 1. Allison J. Hahr and Mark E. Molitch. Management of diabetes mellitus in patients with chronic kidney disease. Clinical Diabetes and Endocrinology. Vol. 1, Article 2, December 2015. 2. Katherine R. Tutle, George L. Bakris. Rudolf W. Bilous, et al. Diabetic Kidney Diseases: A Report from an ADA Consensus Conference. Diabetes Care. 37:2864-2883, 2014. 3. KDOQI (Kidney Disease Outcomes Quality Initiative). Clinical practice guidelines and clinical practice recommendation for diabetes and chronic kidney diseases. Am J Kidney Dis. 49:S12-154, 2007. 4. KDOQI (Kidney Disease Outcomes Quality Initiative). Clinical practice guidelines for diabetes and chronic kidney diseases. Am J Kidney Dis. 60:850-886, 2012. 5. Carmen Mora-Fernández, Virginia Domínguez-Pimentel, et al. Diabetic Kidney Disease: from physiology to therapeutics. J Physiology. 592;18:3997-4012, 2014. 7