CORPOS FINITOS E SEUS GRUPOS MULTIPLICATIVOS LUCAS GLAZAR GAZZOLI - RA: 071572 DAVID RICARDO BARRETO LIMA SILVA - RA: 042885 1. Introdução Dado um corpo K, finito, é fácil observar que vale a seguinte relação: a n 1 = 1 para qualquer a K (denotamos por K o corpo sem o elemento zero), onde n é a cardinalidade de K como conjunto. Isto é consequência da estrutura de grupo que os elementos não nulos de K tem, munidos do produto, já que n 1 é exatamente a ordem desse grupo. Tendo essa relação, podemos nos perguntar: Existe algum a K tal que k Z, k < n 1, a k 1? Isto é, existe um elemento do corpo para o qual n 1 é sua menor potência que resulta em 1? Olhando novamente a estrutura de K como grupo multiplicativo, isto equivale a perguntar se tal grupo é cíclico, ou seja, se existe um elemento a K tal que para todo k K, existe m Z com k = a m. O teorema que demostraremos responde, de forma afirmativa, à tal pergunta, utilizando-se de fatos básicos de teoria de anéis, grupos e polinômios. Enunciemolo: Teorema 1. O grupo multiplicativo de um corpo finito é cíclico. Nossa estratégia será demonstrar um resultado mais forte, que tem tal teorema como corolário. Este é enunciado por: Teorema 2. Seja K um corpo e G o seu grupo multiplicativo. Se H é um subgrupo finito de G, então H é cíclico. É evidente a implicação do primeiro resultado no segundo. Ao final desta monografia, teremos provados tais teoremas e explorado suas consequência imediatas. 2. Definições e Resultados Iniciais Definamos, primeiramento, alguns conceitos básicos das teorias de grupos e corpos que serão necessários. Alguns resultados simples serão também demostrados, sempre que sua utilização for essencial na demonstração do resultado principal. Definição 1. Dizemos que um grupo G é cíclico se existe um elemento g G tal que h G, existe m Z tal que g m = h. Neste caso dizemos que g é um gerador para G. Denotamos por (g) o grupo gerado pelas potências inteiras de g, isto é, x (g) se existe m Z tal que x = g m ; chamamos (g) de grupo cíclico gerado por g. Exemplo 1. Seja G o grupo dos inteiros módulo 7 com respeito à soma. G é cíclico, pois todo inteiro z é da forma z = 1 + 1 +... + 1 (z vezes), ou seja, 1 é gerador (note que 1 + 1 +... + 1 neste caso equivale a 1 z na definição acima, já que o grupo é aditivo. 1
2LUCAS GLAZAR GAZZOLI - RA: 071572 DAVID RICARDO BARRETO LIMA SILVA - RA: 042885 Exemplo 2. Se tomarmos G como o grupo dos inteiros módulo 10, então (2) = {0, 2, 4, 6, 8}. Para denotar o elemento neutro multiplicativo de um grupo, escreveremos sempre 1, isto é, g 1 = 1 g = g g G, na notação da definição acima. Definição 2. O número g é chamado ordem de g e é definido como o menor número inteiro m maior que 1 tal que g m = 1. Definição 3. A ordem de G, denotada por G, é definida como a cardinalidade de G como conjunto. Dizemos que um grupo G é finito se G <. Exemplo 3. Seja G o conjunto de todas as matrizes 2 2 ( a b c d ) onde a, b, c, d são inteiros módulo 3, tais que ad bc 0. Com as operações usuais de matrizes e entendendo multiplicação e adição das entradas como módulo 3, vemos que G é um grupo finito. É possível mostrar que G tem 48 elementos, logo G = 48. Proposição 1. G é cíclico finito se existe g G tal que g = G. Demonstração. Seja n = G. O conjunto X = {g, g 2,..., g n 1, g n } têm n elementos e está contido em G, já que G é fechado para o produto. Mas o próprio grupo G tem n elementos. Logo cada h G deve ser igual a algum dos elementos de X, ou seja, existe m {1, 2,...n} tal que h = g m. Proposição 2. Seja G um grupo finito e g um elemento de G. Então G é múltiplo de g. Demonstração. De fato, como (g) é subgrupo de G, segue pelo teorema de Lagrange que (g) divide G. Mas, por definição, (g) = g. Exemplo 4. Se é o grupo das permutações de 3 elementos, isto é, G = S 3, seus elementos são a identidade, cuja ordem é 1; 2-ciclos, cuja ordem é 3 e 3-ciclos, que têm ordem 2. Observe que 1,2 e 3 são divisores de 6. Note também que não existe elemento de ordem 6, e portanto G não é cíclico! Proposição 3. Seja G um grupo e g G. Se m Z é tal que g m = 1, então g /m. Demonstração. Suponha que g = r não divide m. Então m = r k + l, onde l > 0. Mas então g m = g r k+l = g r k g l = (g r ) k g l = 1 k g l = g l, mas g m = 1 e g l 1, absurdo. Portanto r m. Sobre a teoria de polinômios, precisaremos somente do seguinte fato: Proposição 4. Um polinômio de grau n tem no máximo n raízes em qualquer corpo. Para demonstrá-lo, usaremos a noção de extensão de corpos. Dizemos que um corpo K é uma extensão de um corpo F se ele o contém. Vamos à prova: Demonstração. Vamos proceder por indução em n, o grau do polinômio p(x). Se p(x) é de grau 1, então ele deve ser da forma αx + β onde α, β estão num corpo F e onde α 0. Quaisquer a tais que p(a) = 0 devem então implicar que αa + β = 0, de onde concluímos que a = ( β/α). Isto é, p(x) tem uma única raíz β/α, de onde a conclusão da proposição certamente vale neste caso. Assumindo o resultado como verdadeiro em qualquer corpo para todos os polinômios de grau menor que n, vamos supor que p(x) é de grau n sobre F. Seja K uma
CORPOS FINITOS E SEUS GRUPOS MULTIPLICATIVOS 3 extensão qualquer de F. Se p(x) não tem raízes em K, então estamos certamente prontos, pois o número de raízes em K, zero, é definitivamente no máximo n. Então, suponha que p(x) tem pelo menos uma raíz a K e que a é uma raíz de multiplicidade m. Como (x a) m p(x), segue que m n. Agora p(x) = (x a) m q(x), onde q(x) K[x] é de grau n m. Do fato que (x a) m+1 p(x), obtemos que (x a) q(x), de onde a não é uma raíz de q(x). Se b a é uma raiz em K de p(x), então 0 = p(b) = (b a) m q(b); entretanto, como b a 0 e como estamos num corpo, concluímos que q(b) = 0. Isto é, qualquer raíz de p(x) em K diferente de a deve ser uma raíz de q(x). Como q(x) é de grau n m < n, pela nossa hipótese de indução q(x) tem no máximo n m raízes em K, que, juntamente com a raíz a contada m vezes, nos diz que p(x) tem no máximo m + (n m) = n raízes em K. Se o polinômio não tiver todas as suas raízes num corpo, ele as terá numa extensão deste, e portanto todo polinômio terá no máximo n raízes para qualquer corpo. 3. Alguns resultados auxiliares Comecemos agora a demonstrar os resultados que serão utilizados diretamente na prova do nosso resultado principal. Nosso problema não é nada mais do que a restrição do estudo dos subgrupos de um tipo especial de grupos, aqueles que servem como grupo multiplicativo a um corpo. Lema 1. Seja G um grupo. Se G contém um elemento de ordem n, e d é um divisor de n, então existe também em G um elemento de ordem d. Demonstração. Seja g G um elemento de ordem n. Tome h = g n d. Então h d = (g n d ) d = g n = 1. Ainda, se 1 < k < d, temos que h k = (g n d ) k = g nk d. Como nk/d < n, segue que h k 1, pois n é a ordem de g. Logo h é um elemento de G de ordem d. Lema 2. Sejam G um grupo, g, h G e denote g = n e h = m. Suponha ainda que mdc(m, n) = 1. Então (g) (h) = 1. Demonstração. Seja x (g) (h). Como x (g), pela Proposição 3 x /n, pois n é a ordem de (g). Da mesma forma, x /m. Mas m e n são coprimos, logo x = 1, e portanto x = 1. Os dois resultados acima são simples e dizem respeito somente a grupos quaisquer, desde que possamos identificar neste elementos de ordem finita. Nos próximos resultados, já começaremos a nos aproximar dos grupos relacionados aos corpos finitos. A primeira restrição que faremos é pedir a comutatividade entre dois elementos. Quando trabalhamos com corpos, sabemos que tanto o grupo aditivo como o multiplicativo são abelianos, isto é, comutativos. Deste modo, tal restrição caminha, de fato, na direção que queremos. Lema 3. Sejam G um grupo, g e h elementos de G que comutam (ié, gh = hg) com ordens iguais a m e n, respectivamente, onde m e n são coprimos. Então gh = mn. Demonstração. Primeiramente note que se k é um inteiro qualquer, vale que: (gh) k = (gh)...(gh) = (g...g)(h...h) = g k h k onde usamos a comutatividade entre g e h. Tomando k = mn, temos que: (gh) mn = g mn h mn = (g m ) n (h n ) m = 1 n 1 m = 1
4LUCAS GLAZAR GAZZOLI - RA: 071572 DAVID RICARDO BARRETO LIMA SILVA - RA: 042885 Segue pela Proposição 3 que gh /mn. Seja agora então r = gh. Temos que: 1 = (gh) r g r = h r Então g r, h r (g) (h). Pelo lema anterior, segue que g r = h r = 1, e portanto m/r e n/r. Como m e n são coprimos, segue que mn/r. Finalmente, visto que mn/r e r/mn, temos que r = gh = mn. Finalmente, terminamos esta etapa com mais um lema técnico, que aparentemente não se conecta com o problema proposto. A razão para fazê-lo é a simplicidade que resultará na demostração teorema na próxima seção, tanto no quesito dificuldade intrínseca da demonstração como na necessidade de elementos teóricos, que será mínima neste caso. Lema 4. Sejam G um grupo abeliano finito e m = max{ g ; g G}. Então g divide m para todo g G. Demonstração. Seja h um elemento de G para o qual o máximo dado na hipótese se atinge, isto é, h = m. Seja também g um elemento qualquer de G e m = p ri i a decomposição em fatores primos de m. Se existe um primo p que divide g, mas não m, então pelo Lema 1 existe x G com ordem p. Pelo Lema 3, xh = pm > m, o que é um absurdo pela maximalidade de m. Suponha agora que existe i tal que p r i divide g, com r > r i. Aplicando novamente o Lema 1, existem elementos em G de ordens p r i e m/p r i. Agora mdc((p i ) r, m p r i ) = 1, e portanto (pelo Lema 3) G contém elemento de ordem i mp r ri i. Novamente, isso é um absurdo pela nossa escolha de m. Combinando os resultados acima, segue que g divide m para todo g G. 4. O Teorema Construimos na seção anterior, toda a base necessária para demonstrar o teorema que queremos. Lembramos que o resultado demostrado incialmente será aquele de enunciado mais forte, conforme mencionado na introdução. Após mostrálo,poderemos tirar o segundo como corolário. Teorema 3. Seja K um corpo e G o seu grupo multiplicativo. Se H é um subgrupo finito de G, então H é cíclico. Demonstração. Primeiramente note que como K é o corpo, G grupo abeliano. Logo H é subgrupo finito de um grupo abeliano. Seja, conforme o último lema, m = max{ h ; h H}. Pelo Lema 4, segue que h divide m, e portanto h m = 1 h H. Deste modo, cada elemento de H é um raíz do polinômio p(x) = x m 1, que pela Proposição 4, tem no máximo m raízes. Logo H m. Por outro lado, o teorema de Lagrange nos diz que m é um divisor de H, portanto m H. Combinando as duas desigualdades, segue que m = H. Assim, h é um elemento de H cuja ordem é H. Pela Proposição 1, H é cíclico. Segue o corolario que enuncia o problema que nos propomos a resolver. Corolário 1. O grupo multiplicativo de um corpo finito é cíclico. Demonstração. Seja K um corpo finito e G seu grupo multiplicativo. Como K é finito, G também é finito. Note também que G é um subgrupo dele próprio. Então, pelo teorema acima, G é cíclico.
CORPOS FINITOS E SEUS GRUPOS MULTIPLICATIVOS 5 Exemplo 5. Considere o corpo finito Z 11. Pelo corolário acima temos que seu grupo multiplicativo é cíclico. Vamos tentar encontrar um gerador de Z 11 pela força bruta e ignorância. Começamos tentando 2. Como Z 11 = 10, 2 deve ser um elemento de Z 11 de ordem dividindo 10, isto é, 2, 5 ou 10. Agora 2 2 = 4, 2 4 = 4 2 = 5, e 2 5 = (2)(5) = 10 = 1. Logo nem 2 2 nem 2 5 são 1, mas, claro, 2 10 = 1, assim 2 é um gerador de Z 11, isto é, 2 é uma décima raíz da unidade primitiva em Z 11. Fomos sortudos. 5. Conclusão Com os resultados colocados de teroria de grupo junto ao corolario acima mostramos de maneira clara e sucinta o resultado em questão. 6. Bibliografia Neste trabalho a unica fonte de material foram as notas de aula da professora Dessislava quando a mesma ministrou o curso de introdução a teroria de grupos e o livro texto do curso de anés o Herstein.