Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência



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Transcrição:

Projecto Gesqual Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência

O Projecto Gesqual é composto pelos seguintes documentos: Livro Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Sistemas Modelo de Gestão da Qualidade do Sistema de Reabilitação Profissional de Pessoas com Deficiência Sistema de Acompanhamento das Acções de Reabilitação Profissional de Pessoas com Deficiência Sistema de Auditoria da Qualidade Guias Guia de Apoio às Organizações Manual do Técnico de Acompanhamento Manual do Auditor Programa Operacional de Assistência Técnica ao QCA III - Eixo FSE

Projecto Gesqual Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Páginas Conteúdos 5 6 7 8 9 12 13 14 15 17 18 19 I. Desafios ao Sistema e às Organizações da Reabilitação Profissional 1. Agenda da Política Social Europeia 2. Investir no Desenvolvimento Económico, na Coesão Social e na Qualidade de Vida 3. Promoção da Qualidade 4. Novos Paradigmas de Intervenção em Reabilitação 5. Novos Desafios para Velhos Problemas com Novos Enquadramentos 6. O Emprego das Pessoas com Deficiência: um Desafio Particular 7. Da Mudança de Paradigma Conceptual e de Intervenção, à Mudança do Paradigma de Gestão 8. Valor Acrescentado das Organizações 9. A Missão do Sistema e das Organizações da Reabilitação Profissional 10. Da Gestão da Qualidade à Qualidade da Gestão 23 24 30 41 59 II. Movimento da Qualidade 1. Definições e Conceitos da Qualidade 2. Evolução Histórica da Qualidade 3. Modelos de Gestão da Qualidade 4. Outras Metodologias de Garantia, Medição e Avaliação da Qualidade 69 III. Conclusão 71 IV. Glossário 77 V. Bibliografia

4 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Ficha Técnica Título Modelo de Gestão da Qualidade do Sistema de Reabilitação Profissional de Pessoas com Deficiência Realizado no âmbito do projecto GESQUAL Modelo de Gestão da Qualidade do Sistema de Reabilitação Profissional de Pessoas com Deficiência Entidade Coordenadora IEFP Instituto do Emprego e Formação Profissional Entidade Promotora CRPG Centro de Reabilitação Profissional de Gaia Equipa técnica Data Cristina Rodrigues (coord.) Jerónimo de Sousa (coord.) Ana Alves António Teixeira Gomes Carlos Silva Dezembro de 2005

Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência 5 I Desafios ao Sistema e às Organizações da Reabilitação Profissional

6 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência 1. Agenda da Política Social Europeia O Modelo Social Europeu constitui um dos referenciais fundamentais e um dos traços distintivos das sociedades europeias. Investir nas pessoas, promover a cidadania e a qualidade de vida, promover a coesão e combater a exclusão social são pilares fundamentais da organização social e política das sociedades que integram a União Europeia. A partir da Cimeira de Lisboa, os governos europeus comprometeram-se com um objectivo estratégico, o qual significa efectivamente uma estratégia de modernização do Modelo Social Europeu: tornar a Europa na mais competitiva e dinâmica economia baseada no conhecimento, capaz de assegurar crescimento económico, com mais e melhores empregos e maior coesão social. Crescimento económico, emprego para todos, justiça social, coesão social, constituem as traves mestras da agenda da política social, numa coexistência inovadora, desafiando os ciclos economico-sociais anteriores, onde crescimento económico, justiça e coesão social não coabitaram, pelo contrário, conflituaram. Dinamismo económico, justiça e coesão social são agora vistos como complementares, como as duas faces da mesma moeda. Construir uma nova Europa, implica desafios à política social, em resultado de uma radical transformação da economia e sociedade europeias, afectando o trabalho e a vida pessoal dos europeus, num contexto que exige competência para explorar as novas oportunidades, prevenindo os riscos que encerra. elemento chave do crescimento económico os recursos humanos com impactos na economia. Modernizar o Modelo Social Europeu e investir nas pessoas, será crucial para a manutenção dos valores sociais Europeus da solidariedade e da justiça, promovendo ao mesmo tempo o desenvolvimento económico. 1 Economia, emprego e política social surgem na Política Social Europeia como realidades em interacção, integradas numa dinâmica articulada e integrada, constituindo preocupação central de todos os actores chave da Política Europeia. Entendida também como factor produtivo, a política social constituiu-se como uma estratégia de promoção do crescimento económico, e, de forma mais ampla, promovendo qualidade de vida. A política social surge assim com uma dupla dimensão: para além da clássica perspectiva de consumo de recursos função de redistribuição de meios, baseada no princípio da solidariedade tem também uma componente de investimento na educação e formação, na saúde, na melhoria das condições de trabalho. Ao intervir decisivamente na qualidade de vida, na qualidade social e na qualidade do emprego e na produtividade, a política social é factor decisivo de promoção do crescimento, com efeitos difíceis de identificar e quantificar apenas verificáveis a longo prazo (embora os seus custos sejam sentidos no curto prazo). A ligação, o compromisso entre o crescimento económico e o modelo social, aparece assim como a matriz essencial da política europeia, determinando uma agenda económica e social interligadas e integradas, onde a política social é encarada como um factor produtivo. Boa parte da despesa social com educação, formação e saúde é encarada como um investimento no 1 - in Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, The Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, Social Policy Agenda, Commission of The European Communities (2000)

7 Esquema 1 Interdependência das Políticas Social, Económica e de Emprego Política Social Qualidade Social Coesão Social Competitividade Dinamismo Emprego para todos Qualidade do trabalho Política Económica Política de Emprego A conjunção política é estabelecida de modo a criar um círculo virtuoso do progresso económico e social que deve reflectir a interdependência destas políticas e, pretende aumentar o seu positivo esforço mútuo. in Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, The Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, Social Policy Agenda, Commission of The European Communities 2. Investir no Desenvolvimento Económico, na Coesão Social e na Qualidade de Vida Classicamente as políticas sociais foram predominantemente passivas, seja através de legislação assegurando direitos e prestações mínimas, seja através de transferências, por vezes articuladas com programas de reintegração social, numa lógica de redistribuição, onde a questão financeira se assumia como a questão central. Uma dimensão mais activa da política social, baseada em políticas activas de inclusão, contribuindo para a coesão social e política e para uma economia dinâmica, aparece agora como um investimento social, considerado decisivo para a qualidade social e competitividade da Europa. Os actores sociais, o Estado (facilitando, apoiando e coordenando os actores) asseguram a cidadania, o bem estar, promovendo a autonomia dos indivíduos, a dignidade humana, os direitos humanos, numa perspectiva social preventiva e proactiva, mais eficaz e, eventualmente, mais económica do que a perspectiva remediativa. Na nova ordem social e económica a questão do emprego constituiu-se como o elemento chave, seja pelos fenómenos complexos que caracterizam o mercado de trabalho e emprego, seja pelos impactos humanos, sociais e políticos desses fenómenos. Competitividade, flexibilização, mobilidade, alternância entre períodos de emprego e desemprego; transição entre emprego e actividades de apoio ao desemprego, transição entre emprego em tempo completo e tempo parcial; transição entre emprego/

8 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência desemprego e educação e formação, serão desafios e preocupações correntes dos actores sociais e do Estado, enquanto agentes da política social. Apoiar os cidadãos na gestão dos seus percursos profissionais nesse labiríntico mercado de emprego, mantê-los empregados e empregáveis, disponibilizando oportunidades de educação e formação inicial e permanente que os mantenha competitivos, constituem preocupações centrais da Estratégia Europeia para o Emprego, enquanto eixo estruturante da Política Social Europeia. Melhorar as capacidade produtivas das pessoas (relacionadas com o domínio económico) e as capacidade sociais (relacionadas com o domínio social) vai servir ambas as economias de modo eficiente e igualitário. Educação e formação estão de acordo com a lógica de investimento nos indivíduos. Isto vai além da mera compensação e superação dos riscos. O investimento nas pessoas é um meio eficaz de minimizar os riscos de exclusão, enquanto que, ao mesmo tempo, promove a produtividade. 2 A promoção e manutenção do emprego constituem-se como elementos chave da política social, como um dos desafios maiores e mais complexos para os Estados e para os actores sociais, mobilizando redes articuladas de competência para promover o emprego, a cidadania, a qualidade de vida, a coesão social, prevenindo os seus contrários, através da promoção de competências sociais e profissionais. Resulta como evidente que a não existência de uma política social que assuma e trabalhe as dimensões e desafios referidos, de forma adequada, competente e determinada, provocaria custos muito elevados, a todos os níveis: individuais, sociais e económicos. 3. Promoção da Qualidade No contexto da Agenda da Política Social surge como preocupação central a promoção da qualidade como força orientadora para uma economia próspera, com mais e melhores empregos e para uma sociedade inclusiva. 3 Retomando o conceito de qualidade da gestão dos negócios para os domínios da economia e da sociedade como um todo, a Agenda da Política Social coloca como desafios de qualidade à política social: emprego para todos, qualidade do trabalho, qualidade nas relações industriais e qualidade da política social. dignas; elevados níveis de protecção social e bons serviços sociais disponíveis para todas as pessoas, efectivas oportunidades para todos, garantindo os direitos sociais fundamentais, constituem os referenciais fundamentais da política social e das intervenções dos Estados e dos actores sociais, numa Europa que se pretende competitiva e coesa, onde os cidadãos vêem assegurados os seus direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, sem qualquer tipo de discriminação. Promover mais e melhores empregos, combinando o trabalho com a vida pessoal; elevadas competências, relações de trabalho justas e condições de trabalho 2 - in Cost of Non-Social Policy: Towards an Economic Framework of Quality Social Policies and the Costs of Not Having Them, Final report, Commission of The European Communities (2003) 3 - in Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, The Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, Social Policy Agenda, Commission of The European Communities (2000)

9 4. Novos Paradigmas de Intervenção em Reabilitação Assiste-se hoje a uma mudança de paradigmas ao nível das políticas e das práticas de trabalho no domínio da integração social e profissional das pessoas com deficiência, resultante de uma profunda evolução conceptual verificada nas últimas décadas do século XX. Um dos marcos originais da nova perspectiva foi o movimento internacional lançado nos anos 70 - o Movimento de Vida Independente/ Autónoma (Independent Living Movement, Zukas, 1975; De Jong, 1979). O seu projecto actual, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, constitui-se como um dos marcos mais decisivos na história dos modos de abordagem das questões relacionadas com as pessoas com deficiência. Proclamando os seus direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, coloca a questão da deficiência como uma questão de direitos, retirando-a das abordagens mais ou menos assistencialistas a que esteve (ou ainda vai estando) remetida. Ao proclamarem como direito fundamental o direito a uma vida autónoma, alteram radicalmente os papéis e as responsabilidades das políticas e das instituições que as promovem, as quais passam a ter como finalidade apoiar cada cidadão com deficiência a organizar a sua vida pessoal na própria comunidade e não integrado em instituições criando as necessárias condições para que cada cidadão com deficiência organize a sua vida pessoal de forma autónoma, integrado na comunidade social onde se insere, sem depender continuamente de estruturas ou organizações especializadas. As long as we regard our disabilities as tragedies, we will be pitied. As long as we feel ashamed of who we are, our lives will be regarded as useless. As long as we remain silent, we will be told by others what to do. Adolf Ratzka, 2005 www.independentliving.org A desinstitucionalização, a focalização nos direitos (com prejuízo das visões assistencialistas), a integração nas políticas regulares (mainstream), o trabalho baseado na comunidade onde as pessoas com deficiência se inserem, constituem os marcos fundamentais da nova política. A nova abordagem, a nova ideologia face à deficiência encontra-se agregada ao conceito de Sociedade Inclusiva, movimento que tem conhecido uma notável mobilização social e política, constituindo a Declaração de Madrid (Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência, 2002), um exemplo paradigmático de um plano para uma Sociedade Inclusiva. O Movimento de Vida Independente e a estratégia da Sociedade Inclusiva radicam num novo paradigma conceptual da deficiência, o chamado Modelo Social (Oliver, 1990), o qual rompe e ultrapassa o paradigma anterior, o Modelo Médico. A uma concepção que considerava as pessoas com deficiência como deficientes em si próprias, com limitações e reduções de capacidades, o novo modelo concebe o problema da deficiência na relação da

10 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Quadro 1 Paradigmas conceptuais da deficiência Modelo Médico Modelo Social Problema Incapacidade / dependência das pessoas Inadequação dos contextos às pessoas Origem Nas pessoas Na sociedade Focalização Na pessoa, nas suas limitações Relação pessoa / contexto, nas barreiras sociais Ética Assistência Direitos Igualdade de oportunidades Objectivos Reabilitar, curar, tratar Habilitar / Eliminar barreiras / Promover a compatibilidade Perspectiva Necessidades especiais Serviços especiais Necessidades diferentes Serviços regulares Serviços Institucionalizados Rede de cuidados De apoio, baseados na comunidade Poder, controle Profissionais Clientes Cultura Disabling Manutenção e reforço da deficiência Reconhecimento e inclusão da diversidade Objectivos das políticas Compensar os indivíduos pelas suas incapacidades Aliviar a situação Promover direitos Prover recursos e competências para identificar e eliminar barreiras pessoais e sociais Focalização das políticas Nos indivíduos Nas pessoas com deficiência No grupo social Na população global Responsabilidade Política social Welfare provision Políticas transversais

11 pessoa com o seu contexto, na inadequação e nas barreiras que os mesmos colocam à integração da diversidade. Enquanto no Modelo Médico existe uma focalização nas pessoas, na perspectiva do tratamento, da cura, no Modelo Social a deficiência é perspectivada de uma forma social e política, constituindo missão da política e das intervenções a habilitação, a eliminação das barreiras à inclusão, através de intervenções baseadas na comunidade, mobilizando as estruturas regulares. À perspectiva assistencialista, o Modelo Social contrapõe uma perspectiva baseada nos direitos das pessoas, conferindo o poder de decisão e controle nas intervenções aos utentes/clientes, provendo políticas e recursos para assegurar esses direitos, através da eliminação das barreiras que impedem a inclusão social, através de políticas transversais. A matriz ideológica dos dois modelos referidos, encontra expressão clara nas duas classificações que lhes estão associadas: - Modelo Médico - Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH); - Modelo Social - Classificação Internacional do Funcionamento, Deficiência e Saúde (ICF). Esquema 2 Classificação Internacional Organização Mundial de Saúde ICIDH (1980) ICF (2001) Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens Classificação Internacional do Funcionamento, Deficiência e Saúde Doença ou perturbação Condição humana Deficiência Estrutura / funções Incapacidade Actividades Desvantagem Participação Factores Pessoais Factores Ambientais / Pessoais

12 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência 5. Novos Desafios para Velhos Problemas com Novos Enquadramentos Às políticas e às práticas no domínio da deficiência (não das pessoas com deficiência mas da deficiência, entendida na nova perspectiva), coloca-se hoje um desafio fundamental: Compreender que o seu problema de sempre assegurar a cidadania plena, promover qualidade de vida e inclusão social às pessoas com deficiência apresenta hoje uma nova configuração conceptual e ideológica, pressupondo novas estratégias de intervenção, coerentes e sinérgicas com as novas perspectivas. Daqui decorrem profundas e importantes consequências para a missão, organização e funcionamento das políticas e das organizações que intervêm no domínio da reabilitação. A uma estratégia de serviços especiais, através de intervenções institucionalizadas, incidindo exclusivamente sobre as pessoas, numa filosofia assistencialista de assegurar cuidados, assistência, numa lógica de garantia de níveis mínimos de qualidade de vida Modelo Médico, deverá suceder uma outra bem diferente: prover apoios e recursos para eliminar as barreiras sociais à inclusão, promover a habilitação das pessoas, garantindo oportunidades de realização dos seus direitos, numa lógica de intervenção baseada na comunidade, em cooperação com as estruturas regulares Modelo Social. esgotar a discussão em torno da questão, Donald McAnaney (2003) propõe a seguinte reconceptualização do conceito de serviços de reabilitação, em coerência com o Modelo Social e a ICF: A mobilização de apoios e intervenções multidisciplinares coordenados e à medida, visando a resolução dos desafios contextuais específicos do cliente, o desenvolvimento de capacidades pessoais e a mobilização de recursos, a fim de maximizar os níveis de actividade e promover a participação na comunidade. Promover a eliminação das barreiras sociais à inclusão, o mainstreaming, articulando e complementando as estruturas regulares, prover recursos e meios que assegurem a vida autónoma, sem a dependência continuada dos serviços de reabilitação, configura-se como a nova missão para as organizações de reabilitação, num quadro de utopia de um futuro non-disabling. À luz destas novas perspectivas fica claramente posto em causa o conceito de reabilitação, dos serviços que compreende e da organização das intervenções. A sociedade inclusiva, o conceito de mainstreaming que lhe está associado e a nova geração de serviços de reabilitação, devem constituir o ideário fundamental, a nova âncora ideológica das intervenções das organizações que apoiam a inclusão das pessoas com deficiência. Sem aprofundar a discussão em torno da semântica, ou das semânticas, do conceito de reabilitação, os serviços prestados deverão ser entendidos à luz das novas perspectivas como serviços e apoios complementares, não paralelos, operando de forma subsidiária com os serviços mainstream, regulares, assegurando a sua utilização por parte daqueles que apresentam necessidades específicas que requerem uma abordagem especializada. Não pretendendo

13 6. O Emprego das Pessoas com Deficiência: um Desafio Particular Constituindo o emprego para todos, mais e melhor emprego, uma das preocupações nucleares da Política Social Europeia, o emprego das pessoas com deficiência apresenta-se simultaneamente como um desafio fundamental mas extremamente complexo. Fundamental, porque nas sociedades e economias de mercado o estatuto de adulto e o estatuto social dos cidadãos são conferidos pelo acesso ao emprego, constituindo este o elemento determinante da cidadania. Complexo, porque as barreiras ao emprego de pessoas com deficiência têm sido das mais resistentes à mudança, associadas a um preconceito de base de que deficiência conduz ao desemprego. Este arquétipo cultural não está apenas presente na esfera dos empregadores; ele está bem presente na atitude de muitas famílias e de muitos cidadãos com deficiência, nos decisores políticos, nas instâncias de gestão das políticas sociais. Poder-se-ia mesmo considerar que o emprego de pessoas com deficiência existente constitui como que um desvio, um acto de rebeldia, de teimosia das margens do sistema. Tratando-se de uma questão eminentemente cultural e apenas residualmente económica, o desafio da integração profissional assume hoje contornos particularmente difíceis, tendo em conta o funcionamento do mercado de trabalho e emprego, dominado por uma competitividade e por níveis de exigência particularmente difíceis de vencer por parte de pessoas em situações de desfavorecimento. Para além das barreiras culturais, que são efectivas, apesar do discurso social de uma cada vez maior abertura ao problema (os progressos são assinaláveis), as exigências crescentes ao nível do perfil de competências pessoais, sociais e profissionais agravam as dificuldades, uma vez que no fundo está a ser pedido aquilo que as pessoas com deficiência não têm disponível. a manutenção do trabalho e do emprego das pessoas com deficiência, resultaria numa total e completa exclusão dessas pessoas do mercado de trabalho e emprego, na negação do acesso a oportunidades de plena realização da cidadania, na negação daqueles que constituem os pilares fundamentais do Modelo Social Europeu e os princípios basilares da ideologia social contemporânea. No seu Plano de Acção a Favor das Pessoas com Deficiência (2003), a União Europeia identificou como áreas de intervenção prioritária na primeira fase: > acesso ao emprego e conservação dos postos de trabalho; > aprendizagem ao longo da vida, com vista a favorecer a empregabilidade, adaptabilidade, o desenvolvimento pessoal e a cidadania activa; > utilização do potencial das novas tecnologias, que desempenham um papel essencial para garantir a igualdade de oportunidades e a mobilidade na economia, permitindo a participação das pessoas com deficiência; > acessibilidade às áreas públicas edificadas, condição prévia para a participação no trabalho e para a mobilidade na vida económica e social. Medidas e acções específicas, necessárias para garantir oportunidades para a realização da plena cidadania, haverão de ser entendidas agora à luz dos modelos conceptuais atrás explicitados e não de uma qualquer outra forma. Daqui decorre a necessidade de identificar e definir, com rigor e profundidade, novas metas para as intervenções, as modalidades e metodologias de trabalho adequadas, as competências profissionais, num quadro de alinhamento estratégico, de coerência com os novos paradigmas conceptuais. Compilando o até agora exposto, resulta como evidente que a não existência de políticas, programas, medidas e acções específicas promovendo o acesso e

14 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência 7. Da Mudança de Paradigma Conceptual e de Intervenção, à Mudança do Paradigma de Gestão A evolução do modelo conceptual acarreta assim profundas alterações ao nível das políticas e dos programas de intervenção, ao nível da inclusão social e profissional das pessoas com deficiência, alterando a orientação, o sentido e a missão das políticas, conforme anteriormente exposto. Como corolário lógico dessas mudanças, também as organizações são confrontadas com a necessidade de actualizar os seus ideários, a sua programação, a sua organização e funcionamento, enfim o seu sistema de gestão, reformulando a sua estratégia, tornando-a coerente e consonante com os novos referenciais, com a nova cultura. Em paralelo e como corolário dessa evolução conceptual, assiste-se hoje a um contínuo e progressivo aumento dos níveis de exigência dos cidadãos, das suas famílias, das suas organizações representativas, resultando um questionar dos modelos e das práticas de intervenção e de gestão das políticas e das organizações. Às entidades financiadoras e reguladoras coloca-se a necessidade de estabelecer quadros de referência cada vez mais exigentes, caminhando para a alteração profunda dos modelos de financiamento, com uma tendência clara para uma indexação dos financiamentos a resultados, através do estabelecimento de critérios de eficácia e de eficiência para a gestão desses financiamentos. A própria sociedade, através do reconhecimento, ou da sua ausência, exerce um poder de controlo cada vez maior sobre as organizações, esperando e exigindo delas responsabilidade social, rigor, transparência, valor acrescentado. Os desafios que estão a ser colocados às organizações, a todas as organizações e não apenas às deste ou daquele sector, é o de serem capazes de evoluir, de se adaptarem à mudança, determinada pelos cidadãos/clientes, pelas organizações, pelo Estado e pela sociedade em geral, reorganizando-se, garantindo a sua sustentabilidade (na medida em que forem necessárias, porque socialmente úteis e relevantes). Neste contexto de mudança, às organizações resta uma de três opções: 1. Permanecer no actual modelo de intervenção e de funcionamento, correndo sérios riscos de se tornarem desnecessárias porque desadequadas e sem relevância social; 2. Mudar por desespero, isto é, forçadas pelas circunstâncias, determinadas apenas por entidades externas, num quadro de desorientação, de perturbação e angústia organizacional; 3. Mudar por aspiração, isto é, identificando desafios e perigos, cenários de desenvolvimento, caminhos a percorrer e implementando planos de acção de melhoria, procurando assegurar respostas qualificadas para os problemas sociais a que respondem, mostrando-se socialmente úteis porque eficazes e eficientes, merecendo o reconhecimento da sociedade. De um modelo de gestão baseado na ocupação das pessoas é imperioso passar para um modelo que gere metas, objectivos, resultados e impactos ao nível dos cidadãos e da sociedade, parametrizados em conformidade com os padrões teóricos e com as políticas colocadas como referencial de intervenção das organizações. A um modelo de gestão baseado em recursos intensivos, em investimento intensivo - gerindo instalações, volumes de recursos humanos, orçamentos, etc. - sobrepõe-se hoje um modelo de conhecimento intensivo, identificando e caracterizando as necessidades e expectativas dos clientes, desenhando adequadas metodologias e programas de intervenção, promovendo elevadas competências dos profissionais, avaliando a eficácia das intervenções, assegurando elevados níveis de eficácia e de eficiência nas intervenções. No domínio das abordagens organizacionais, é imprescindível substituir o tradicional modelo centrado nas organizações por um modelo centrado no cliente, assumindo-o (às suas necessidades, entendidas na nova perspectiva), como a razão de ser, a justificação, o fim último das organizações. As organizações só se justificam se existirem problemas para resolver e se forem capazes de os resolver.

15 Nenhum sistema, nenhuma organização é obrigada a sobreviver; apenas sobreviverão os que o quiserem e se forem capazes de o assegurar porque é, no fundo, de si próprios que o futuro depende. Às organizações do sector social, colocam-se hoje essencialmente o mesmo tipo de desafios e de problemas que se colocam às empresas: serem bem sucedidas, serem sustentáveis, através do reconhecimento social da sua utilidade e eficácia, gerando satisfação por parte dos seus clientes e outras partes interessadas. A adopção por parte das organizações do sector social, do modelo de gestão de tipo empresarial, é hoje, não só um desafio consagrado na literatura, como também algo já experimentado em concreto em organizações do sector, demonstrando não só a viabilidade dessa adopção, mas também as vantagens que dela decorrem. Trata-se efectivamente de um movimento que começou nos últimos anos a dar os primeiros passos, mas que caminha de forma acelerada para a generalização, pela necessidade de adopção desse modelo de gestão por parte das organizações da economia social. A própria sociedade, através do reconhecimento, ou da sua ausência, exerce um poder de controlo cada vez maior sobre as organizações, esperando e exigindo delas responsabilidade social, rigor, transparência, valor acrescentado. Discute-se hoje profundamente a gestão: pública, privada, modelos. Todavia se se atentar naquilo que a gestão essencialmente é, o campo de discussão reduz-se e os desafios tornam-se evidentes. No essencial gerir é tomar decisões, partindo de informação, com o objectivo de alcançar resultados bem definidos e determinados, ajustados à satisfação das necessidades dos clientes, com um consumo ajustado de recursos. Quadro 2 Abordagens Organizacionais Fonte: The Challenge of Creating Men-Centred Organizations - Dr. D. McAnaney Centrada no Cliente Centrada nos Profissionais Centrada na Tecnologia Centrada na Organização Prioridade Cliente Integridade profissional Produto Organização (legado a manter) Aplicação Soluções holísticas Diagnóstico / Soluções prescritivas Soluções tecnológicas Soluções existentes Focalização Participação dos clientes Metodologia Estado da arte Viabilidade/Sustentação organizacional Empowerment Cliente Acreditação dos profissionais Especialistas Institucional Estrutura Equipa Vertical Horizontal Hierárquica

16 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Gerir bem significa assim definir objectivos (correspondendo às efectivas necessidades e expectativas dos clientes e outras partes interessadas), organizar o trabalho e mobilizar as necessárias competências de modo a assegurar a concretização desses objectivos conforme previsto, com um consumo racional de meios, objectivos, resultados e meios medidos e comparados com os referenciais de orientação. Nestes termos, não há gestão pública, privada, social, mas apenas gestão boa ou má, de qualidade ou sem ela! Uma organização, uma empresa poderá ser definida como um conjunto articulado de pessoas e recursos, agindo em cooperação para a realização de fins comuns. Constituem pilares fundamentais de uma organização: > a estratégia missão, visão, negócio da organização; > a estrutura organizacional a estrutura funcional, a forma de enquadramento e organização do seu funcionamento; > o sistema de trabalho conjunto de processos, de procedimentos que organizam as práticas das equipas e dos profissionais e asseguram a consecução dos resultados; > o modelo de governação a filosofia de gestão, a definição dos mecanismos de poder e de responsabilidade dentro da organização.

17 8. Valor Acrescentado das Organizações A discussão em torno da possibilidade ou da necessidade das organizações sociais adoptarem o modelo de gestão tipo empresarial, encontra recorrentemente como questão/problema fundamental (muitas vezes apresentada como decisiva para a posição final), a natureza diversa das suas actividades e dos seus fins: as empresas existem para gerar lucros, as suas actividades são eminentemente económicas, enquanto as organizações sociais se ocupam de problemas completamente diversos, de natureza social, e não têm as preocupações económicas como centrais, muito menos o lucro como objectivo. Relativamente a esta problemática, parecem pertinentes algumas questões: > A colocação do problema da forma referida, refere-se ao modo como deve ser encarada a questão no presente e no futuro, ou é mais a expressão de uma filosofia que tem vingado até ao presente? > As organizações da economia social não têm forçosamente de se preocupar com a sua sustentabilidade económica, com as questões ligadas à gestão financeira, de forma profissional, rigorosa e competente? > As organizações do social não tendo a produção de excedentes financeiros o lucro como objectivo, não têm de gerar excedentes para reinvestir, para almofadar a sua gestão financeira, viabilizando um financiamento estável? > Com os novos horizontes que se divisam em matéria de financiamento das organizações sociais, não se justifica investir na reengenharia dos modelos de financiamento dessas organizações? > Não constituindo as mais valias financeiras, o valor financeiro, o seu objectivo, não têm as organizações do social de produzir valor, de acrescentar valor? Se não, para que existem? > Qual a natureza do valor que acrescentam? Como se avalia? Este conjunto de questões constitui (deve constituir) hoje o núcleo central das preocupações das organizações, no quadro de uma nova filosofia e estratégia de gestão, orientada para os clientes, para os resultados, para a responsabilidade social, enfim para uma nova ética e uma nova praxis. Se por um lado os clientes, as suas famílias e as suas organizações representativas, esperam (começam a exigir!) serviços capazes de apoiar a resolução qualificada dos seus problemas, por outro as entidades financiadoras e reguladoras orientam-se (cada vez mais) para uma exigência de resultados concretos e bem definidos, de eficácia e da eficiência na gestão dos recursos que disponibilizam. É este novo movimento, global e transversalmente assumido, como fenómeno social (e não como onda, tendência sectorial ou posição conjuntural), que coloca desafios sérios à gestão das organizações sociais, esperando (cada vez mais exigindo!), que sejam competentes, que assegurem resultados, que acrescentem valor. Constituindo missão das organizações produzir valor, qual o valor que as organizações sociais produzem? Como se determina e se avalia esse valor? (vide Esquema 3) Como em qualquer actividade empresarial, o que acontece nas organizações do social é uma transformação: de necessidades e expectativas dos seus clientes em satisfação. A partir da identificação e caracterização dos problemas cuja resolução os clientes esperam ver apoiada, das formas como o desejam, a partir da identificação dos requisitos que a legislação e os regulamentos instituídos pelas entidades financiadoras e reguladoras colocam, as organizações mobilizam as suas competências, os seus recursos, os seus processos de trabalho, de molde a que no fim da prestação de serviços os clientes e as outras partes interessadas reconheçam que os resultados ocorreram conforme esperado, gerando satisfação. No novo modelo de gestão, o cliente ganha assim a centralidade (orientação para o cliente, modelo de gestão centrado no cliente): são os seus interesses, necessidades e expectativas que determinam as actividades (e não a organização a determiná-las ao cliente, numa lógica de queres pegas, não queres larga ); é ao cliente, ou aos significativos, que compete pronunciar-se sobre a qualidade e o mérito dos serviços que lhe foram prestados. Relativamente às entidades reguladoras e financiadoras, compete-lhes definir os requisitos, estabelecer as condições, bem como verificar a conformidade e reconhecer o mérito das acções.

18 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Esquema 3 O valor das organizações Missão das Organizações = Produzir Valor Necessidades, expectativas dos clientes Requisitos legais e estatutários Transformar Satisfação Processos de Trabalho Clientes e Significativos Entidades Reguladoras e Financiadoras Sociedade 9. A Missão do Sistema e das Organizações da Reabilitação Profissional Ao sistema e às organizações da reabilitação profissional compete assim prestar serviços de apoio à inclusão social e profissional das pessoas com deficiência, serviços esses capazes de gerar satisfação nos seus clientes e significativos, cumprindo os regulamentos e normativos aplicáveis, com um consumo ajustado de recursos, gerando o reconhecimento social, enquanto entidades que contribuem para a concretização dos direitos das pessoas com deficiência, para a sua qualidade de vida, para o bem estar social, para uma sociedade coesa, de forma clara e evidenciada. O valor acrescentado do sistema e das organizações da reabilitação profissional situa-se assim ao nível dos domínios fundamentais da Política Social Europeia, consignados na Estratégia Europeia para o Emprego, na Estratégia Europeia para a Inclusão e no Plano de Acção Europeu - Igualdade de Oportunidades para as pessoas com deficiência: Contribuir para a meta do emprego para todos, para a qualidade do emprego, promover a cidadania, a qualidade de vida, a coesão social: - apoiando o acesso e a manutenção do emprego às pessoas com deficiência; - apoiando a aprendizagem ao longo da vida, favorecendo a empregabilidade, a adaptabilidade, o desenvolvimento pessoal e a cidadania activa; - apoiando a utilização do potencial das novas tecnologias; - apoiando a acessibilidade enquanto condição para a participação no trabalho e para a mobilidade económica e social. O cumprimento da missão, à luz do Modelo Social, pressupõe uma intervenção baseada na comunidade, em parceria com outros actores sociais, apoiando e

19 promovendo a construção de uma sociedade aberta e inclusiva, ultrapassando o tradicional modelo de intervenção focalizado exclusivamente na pessoa, ocorrendo completamente em instituições especializadas, numa lógica de cuidados de apoio, de assistência. Apoiar a habilitação ou a reabilitação das pessoas, combater a exclusão (eliminando barreiras), promover a inclusão (trabalhando com a comunidade, na comunidade e para a comunidade) constitui a nova filosofia, o novo ideário de intervenção. Um outro desafio crucial que se coloca, é o de definir clara e rigorosamente metas, objectivos, gerar os resultados propostos, com eficácia e eficiência, avaliando e demonstrando o valor que se produz, o valor que o sistema e as organizações acrescentam, isto é, aquilo que justifica que existam, aquilo que justifica os meios que são mobilizados. Aqui como na gestão de qualquer negócio, a questão central reside na utilização de indicadores de gestão, avaliáveis e mensuráveis, não apenas ao nível financeiro e administrativo, mas sobretudo ao nível dos objectivos de trabalho, dos resultados alcançados e da qualidade dos mesmos. Residindo nesse domínio o ponto mais fraco dos modelos de gestão utilizados no social, embora não só, (certamente não por acaso, uma vez que se trata do domínio mais difícil) deve por isso mesmo merecer o conveniente investimento, dada a importância estratégica que a questão tem para o desempenho e eficácia das organizações e do sistema, para a qualidade das suas intervenções e para a sua visibilidade social e política. 10. Da Gestão da Qualidade à Qualidade da Gestão Da Qualidade O conjunto das novas preocupações da gestão referidas, aparece indissociavelmente ligado à noção de qualidade. Invocada por todos e em todas as circunstâncias, a qualidade tornou-se obrigatória em todos os domínios, em todos os fóruns de discussão, em todos os documentos de estratégia. Encarada de forma voluntarista ou de forma amedrontada, perspectivada com rigor e competência ou de forma algo mítica, tornou-se, de facto, um referencial fundamental de discussão e de trabalho, em qualquer caso intimamente associada à ideia da necessidade de mudar, de introduzir novas e diferentes dinâmicas de trabalho, da melhor e mais eficiente gestão dos recursos. Nascido claramente no mundo industrial, o movimento da qualidade tem conhecido uma evolução extraordinária nas últimas décadas, constituindo-se como um imprescindível aliado para a gestão, também na área dos serviços, qualquer que seja a sua natureza. De uma forma simples (a qualidade é apesar de tudo simples, podendo todavia ser complexo o caminho a percorrer, pela natureza e complexidade das mudanças que comporta) qualidade significa satisfação das necessidades e expectativas dos clientes e das outras partes interessadas (entidades financiadoras e reguladoras, colaboradores, clientes e sociedade em geral) - eficácia, com um consumo ajustado de recursos - eficiência. A avaliação da qualidade de um serviço ou de uma organização, independentemente das formas, dos instrumentos e das estratégias, passa por três dimensões diferentes (Jaume Garau, 2003): Qualidade Planificada : foram identificadas com rigor as necessidades e expectativas dos clientes ao longo dos percursos de trabalho? foram planificadas as acções em conformidade com as necessidades e requisitos?

20 Desafios do Movimento da Qualidade ao Sistema e às Organizações que Promovem o Emprego e a Empregabilidade das Pessoas com Deficiência Qualidade Realizada : foram concretizados os objectivos, os resultados como proposto? os resultados são duráveis? foram correctamente utilizados os recursos mobilizados? foram respeitados os direitos dos clientes? Invocada por todos e em todas as circunstâncias, a qualidade tornou-se obrigatória em todos os domínios Qualidade Percebida : os serviços prestados foram avaliados pelos clientes, pelas entidades financiadoras e reguladoras, e pela sociedade? os serviços prestados geraram satisfação nessas diferentes instâncias? Da Gestão da Qualidade Um desafio crucial da gestão é então a gestão da qualidade, entendida cada vez mais como o maior e fundamental desafio da gestão, aquele que agrega e integra todas as suas dimensões (residindo mesmo nessa integração o valor e o mérito da gestão da qualidade). A gestão da qualidade passa essencialmente por quatro eixos fundamentais: 1. Planear Quais as necessidades, qual o plano de trabalho para as satisfazer? 2. Executar Implementação dos processos de trabalho para a concretização dos resultados, mobilizando os recursos necessários. 3. Avaliar Foram alcançados os resultados como proposto? Houve um consumo ajustado de recursos? Os clientes ficaram satisfeitos? 4. Inovar, melhorar Identificação das acções de melhoria, implementação dessas acções. A qualidade não é um fenómeno, não é um estado, não acontece; é algo que tem de ser desejado, preparado, trabalhado, monitorizado e avaliado. Mobiliza e atravessa todos os níveis dos sistemas e das organizações! É uma cultura, uma atitude, uma disposição permanente. A gestão da qualidade tem uma função estratégica e estruturante: > Constitui uma abordagem global, mobilizando os recursos humanos como vector decisivo (e não as tecnologias), atravessando toda a organização; > Induz a mudança e a melhoria contínuas, provocando e organizando a aprendizagem organizacional; > Dinamiza e revoluciona os sistemas e as organizações, a sua cultura, o seu funcionamento, ajudando-as a definir em cada momento onde estão e para onde querem caminhar!