Lesões osteoarticulares e a prática desportiva em atletas jovens. Osteoarticular lesions and sport practice in young athletes



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Transcrição:

Lesões osteoarticulares e prática desportiva Lesões osteoarticulares e a prática desportiva em atletas jovens Gustavo Velloso* Weldson Muniz** Luciano Barbosa*** RESUMO - Um dos principais objetivos da prática do desporto é a melhoria da saúde. Antes e durante de sua prática é importante à avaliação e reconhecimento de importantes lesões que podem ocorrer entre os atletas jovens. A atenção aos princípios básicos da fisiologia do esforço, dos fatores de risco, e conhecimento básico sobre as principais lesões do sistema osteo-músculo-articular certamente poderiam contribuir para a prevenção e diminuição das freqüentes queixas e lesões entre os atletas jovens. Palavras-chave: exercício, lesões osteoarticulares, prevenção. Osteoarticular lesions and sport practice in young athletes Fisioterapia ABSTRACT - One the chief objectives of sports practice is improvement of health. Before and during its practice it is important evaluate and be able to recognize some of the most common lesions among young athletes. A careful attention to the principles of exercise physiology, risk factors and knowledge of the osteo-muscular-articular conditions certainly could well contribute to prevent and diminish the frequent complains and lesions among young athletes. Key-words: exercise, osteoarticular lesions, prevention. *Professor da Faculdade de Ciências da Saúde do Centro Universitário de Brasília-UniCeub. **Profesor da Faculdade de Ciências da Saúde do Centro Universitário de Brasília-UniCeub. ***Médico residente em ortopedia da Secretária Estadual de Saúde do Distrito Federal. Correspondência: grvelloso@terra.com.br Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004 137

Velloso, Muniz & Barbosa Lesões osteoarticulares e a prática desportiva em atletas jovens A prática de esportes tem se tornado um hábito comum a todas as idades, quer seja ela de caráter competitivo ou recreativo. As crianças e adolescentes com uma estrutura osteoarticular ainda em formação são freqüentemente vítimas de traumas variados (Blount, 1955). Assim sendo, os profissionais da área da saúde devem estar atentos para diagnosticar com presteza as lesões, e evitar desta forma alterações importantes na estrutura do organismo em crescimento. O propósito do presente trabalho é apresentar ao profissional de saúde envolvido com atividades esportivas e recreativas, orientação quanto ao diagnóstico e tratamento das mais comuns lesões desportivas que acometem os atletas infantis e infanto-juvenis. A fisiologia de esforço É importante lembrar que o atleta em crescimento não é uma versão diminuída do atleta adulto. Estudos recentes demonstram que a atividade física regular não tem um efeito direto no aumento da estatura ou na idade de maturação biológica das crianças. Sabemos que a capacidade anaeróbica da criança é largamente inferior a do adulto, entretanto os atletas mais jovens são capazes de se recuperar mais rápido dos exercícios que levem às condições de baixo teor de oxigênio (Weineck, 2000). O aumento da massa muscular, força e resistência estão intimamente correlacionados com a prática de desportos, todavia não existe uma evidência clara de que a melhoria da condição física seja diretamente proporcional a uma manutenção de um nível elevado de saúde. O atleta com menor idade quando submetidos a atividades físicas extenuantes, sofre um desgaste metabólico elevado, produzindo maior energia calórica. Tal energia é dissipada com dificuldade devido à existência de um sistema pouco eficiente de resfriamento corporal, em muito inferior, ao dos atletas adultos. Entretanto (Sewwall, 1986; Michelli, 1992) demonstraram evidências importantes de que a prática esportiva é benéfica para crianças e deve ser continuada na adolescência e na fase adulta como uma estratégia para melhorar o nível de saúde primária e para a formação de adultos ativos, evitando problemas como obesidade e sedentarismo. Os fatores de risco As atividades físicas que exijam esforço contínuo devem ser dosadas criteriosamente, pois o potencial de aparecimento de lesões por excesso físico é certamente maior do que a nossa experiência como profissional de saúde. Ogden 138 Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004

Lesões osteoarticulares e prática desportiva (1990) afirma que a despeito da incidência de lesões serem expressivas durante a prática do desporto, o reconhecimento, a compreensão da etiologia e do mecanismo destas lesões, em sua fase inicial, deve ser amplamente divulgado para que os riscos de lesões graves diminuam. Dentre os principais fatores de risco que podem causar lesões por excesso de atividade física, (Weineck, 2000) citou como principais: - Mudança abrupta de intensidade, duração e freqüência de exercícios. - Falta de equilíbrio entre massa corporal, a força muscular do atleta. - Discrepância de comprimento de membros evidente. - Anormalidades rotacionais do quadril que modifiquem a marcha. - Pé plano estrutural. - Genu varo acentuado. - Alterações da patela; forma, superfície articular e deslizamento. - Calçado inadequado para prática esportiva. - Calçado com solado muito rígido. - Insuficiência de apoio na região calcâneo com alteração na marcha. - Doenças associadas como as artrites e fraturas pregressas em qualquer segmento ósseo. - Má circulação nos membros inferiores e ou superiores. O desenvolvimento osteoarticular O esqueleto ósseo é composto por cerca de 90% de fibras colágenas que conferem ao tecido ósseo resistência às forças de deformação. O esqueleto do atleta em desenvolvimento é formado por segmentos ósseos e cartilaginosos. O trauma repetido ou forças exageradas quando aplicadas ao esqueleto cartilaginoso podem produzir, diminuição da vascularização, lesão das placas de crescimento ósseo e conseqüente alteração na forma do osso definitivo. Ogden (1990) estudou os mecanismos das lesões das placas de crescimento e demonstrou que muitas lesões que ocorrem nos núcleos epifisários de crescimento ósseo podem não ter expressão clínica pela dor ou incapacidade física. Porém as observações de Micheli e cols. (1992) concluíram que as alterações mais comuns que ocorrem nos núcleos epifisários em crescimento, associados com a prática desportiva, são: a epicondilite medial do cotovelo, representada por quadro doloroso acompanhado, às vezes, do crescimento anormal da cabeça radial Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004 139

Velloso, Muniz & Barbosa sendo decorrentes de jogos de lançamento de bola. A apofisite do ilíaco ou processo inflamatório situado nas inserções musculares do osso ilíaco, ocasionadas por excessiva tensão muscular está relacionada com as atividades de dança, corrida e ginástica. A dor no pólo inferior da patela denominada apofisite da patela é causada pela inflamação e, às vezes calcificação em grau variável, na inserção do tendão patelar, sendo encontrada em atletas com atividades que envolvam esportes como salto, corrida, basquete e vôlei. Na apofisite do tubérculo tibial ocorre um aumento da proliferação tecidual e inflamação na inserção distal do tendão patelar na proeminência tibial, já na apofisite do calcâneo o sintoma é de dor de intensidade variável na inserção do tendão de Aquiles, mas ambas acometem com freqüência, segundo o autor, em atividades desportivas como basquete, futebol e salto. Alterações musculares As alterações musculares são em sua maioria originárias de lesões traumáticas diretas ou indiretas. O tecido muscular tem uma capacidade de regeneração limitada e quando lesionado é substituído, quase sempre, por tecido fibrótico. As lesões diretas ao músculo, de acordo com Elfman (1966) podem causar contusão, hematoma, distensão, laceração e miosite ossificante. Na contusão é produzida uma lesão parcial das fibras musculares com ruptura de vasos capilares e formação de coleção sanguínea. Observamos edema e reação inflamatório local, podendo a amplitude articular estar diminuída. O tratamento é feito pela imobilização, aplicação de gelo, elevação do segmento lesado e compressão local. O hematoma é um sangramento de volume variável, capaz de formar uma coleção sanguínea entre as fibras musculares a qual é responsável pelo aumento de volume da parte muscular lesionada (Jackson e cols., 1993). O tratamento é feito com aplicação de gelo local, repouso da área afetada e quando necessária drenagem da coleção de sangue e proteção da massa muscular durante a fase de cicatrização. As distensões musculares são descritas como rupturas agudas na junção músculo-tendinosa. As unidades músculo tendinosas lesionadas promovem o aparecimento de edema local, perda de força e diminuição da amplitude dos movimentos articulares. O tratamento é feito pelo repouso local e aplicação de gelo. Na laceração muscular a regeneração muscular é feita pela substituição da área afetada por tecido conjuntivo, desta forma, o tecido de regeneração não tem a capacidade de recompor a unidade motora ou sensitiva lesionada. O tratamento, dependendo do grau da lesão é realizado de forma conservadora pelo repouso do 140 Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004

Lesões osteoarticulares e prática desportiva membro e redução da reação inflamatória ou por meio de ato cirúrgico visando recompor as unidades musculares e reparar as inserções músculo-tendíneas. Miosite ossificante é, segundo Sewall (1986) uma complicação que aparece com freqüência associada às contusões musculares que resultam em hematomas significativos. O processo de denvolvimento da miosite e sua calcificação ainda não estão bem elucidados. Teoricamente a coleção de sangue infiltrado na massa muscular age como se fosse o hematoma do calo de fratura, proporcionando a formação do calo ósseo reacional cerca de três semanas após o trauma inicial. A imagem radiológica da miosite ossificante demonstra áreas de ossificação ocorrendo da periferia para o centro do hematoma. O tratamento inicial inclui repouso da área lesionada seguida de mobilização progressiva. O tratamento cirúrgico não é recomendado na fase inicial e sim tardiamente, quando a lesão estará bem diferenciada do plano muscular adjacente. Alterações na coluna vertebral A coluna vertebral durante os exercícios de flexão e extensão é submetida a forças de intensidades variáveis que se dissipam pelos planos ósseo, muscular e ligamentar. O atleta em fase de crescimento apresenta um índice maior de ossificação na região da coluna vertebral do que em outros segmentos do seu esqueleto (Sullivan, 1998). Entretanto, durante o período de crescimento acelerado do esqueleto as crianças têm tendência de desenvolverem lordose. Isto se deve ao fato de que as vértebras crescem mais na sua porção anterior. Tal crescimento não linear ocasiona uma diminuição de flexibilidade da coluna e conseqüente atitude viciosa da postura. A concentração de stress excessivo na região das facetas articulares pode acarretar microfraturas ou fratura completa. Estas modificações estruturais podem ocasionar a espondilólise e ou a espondilolistése dando origem ao aparecimento de dor e instabilidade na coluna lombar. A diminuição de flexibilidade muscular e a queixa de dor localizada na coluna vertebral devem ser sempre investigadas na criança. O tratamento conservador nas algias e deformidades da coluna produzem resultados satisfatórios, mas o melhor tratamento é a prevenção das lesões e deformidades. Alterações no joelho Na prática esportiva em todas as idades, o joelho é sem duvida a articulação mais lesionada. Na criança, quer seja pelo desenvolvimento lento, mas progressivo da marcha ou pela vulnerabilidade anatômica da própria articulação do joelho ocorrem às lesões mais diversas. É importante salientar que as lesões osteoarticulares e epifisárias são de diagnóstico difícil e demanda do examinador uma avaliação crítica, Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004 141

Velloso, Muniz & Barbosa objetiva e criteriosa tanto clínica como de imagem da articulação traumatizada (Renton, 1990). As lesões epifisárias em crianças são, como já citado, de ocorrência mais comuns do que originariamente se pensava. A intensidade das atividades esportivas, a variabilidade nutricional dos atletas e a morfologia esquelética são fatores que devem ser considerados nas queixas de dor aguda do joelho (Dee e cols., 1990). Sabemos que as estruturas ligamentares são mais resistentes do que as placas epifisárias localizadas na extremidade inferior do fêmur e superior da tíbia. Assim, os traumas de repetição de grande intensidade, com derrame articular e aparecimento de dor aguda na região epifisária podem significar abertura ou deslizamento da placa epifisária (Blount,1955). Após a conclusão diagnóstica o tratamento da lesão pode ser feito com a utilização de manobras de manipulação sob anestesia e ou a eventual fixação cirúrgica. A hemartrose do joelho sugere sempre a ocorrência de lesão intra-articular e representa um desafio quanto à causa da lesão. Na maioria dos casos o joelho se apresenta muito doloroso para um exame clínico detalhado. Na fase inicial, o tratamento conservador pode ser realizado com a aspiração e repouso da articulação. Após uma ou duas semanas, antes do início do período reabilitacional, a articulação deve ser examinada e testes de estabilidade ligamentar devem ser feitos. Fraturas com avulsão do ligamento cruzado anterior são mais freqüentes no atleta em crescimento do que nos adultos e levam a alterações marcantes na marcha e na função do joelho. As lesões meniscais não são freqüentes em atletas em desenvolvimento osteoarticular, ao contrário do que observamos nos pacientes adultos. A estrutural meniscal da criança é mais flexível e o menisco quando lesado dá origem a um quadro de dor crônica e hipotrofia da massa quadricipital (Dee e cols.,1990). O tratamento deve ser conservador, com diminuição e ou suspensão de atividades esportivas. O joelho doloroso sem história de trauma na criança atlética e no adolescente permanece como um desafio ao profissional de saúde e representa um índice elevado de queixas na prática traumatológica. As queixas geralmente são vagas e podem ou não estar relacionadas à atividade física constante ou excessiva. A história clínica e exame físico detalhado asseguram ao paciente e seus pais que a mudança do hábito esportivo pode alterar substancialmente o fenômeno doloroso. Dentre as principais patologias que devem ser consideradas como causas dos sintomas estão a plica sinovial e a condromalacia da patela (Pynsent e cols.,1994). O tratamento do joelho doloroso é de modo geral conservador com períodos de repouso da articulação, mudança de hábitos esportivos e reabilitação da musculatura quadricipital. 142 Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004

Lesões osteoarticulares e prática desportiva Alterações no pé Alterações nos pés e tornozelos são comumente encontradas em decorrência da prática esportiva em todas as idades. Estudos (Ogden,1990) indicam que lesões nos atletas infantis atingem taxas cerca de 12%. Os jovens sofrem lesões na zona óssea diafisária dos ossos dos pés, já os adolescentes, são acometidos de lesões na zona epifisária. Tal fato é decorrente da maior resistência óssea às forças de deformação na criança, enquanto que nos jovens a estrutura óssea é menos flexível e mais frágil na zona epifisária Às lesões ligamentares quando ocorrem no pé em desenvolvimento geralmente são incompletas, e se apresentam nos episódios agudos, com edema e hematoma subcutâneo, mas estabilidade articular preservada. O tratamento é realizado com imobilização local, suspensão da marcha e, redução de atividades físicas em período variável. Dentre as mais freqüentes patologias do pé que podem dar origem a fenômenos dolorosos na prática desportiva, estão as: Coalizão dos ossos do tarso representada por dor mal definida, entorses tibio-társicos repetidos e rigidez da articulação subtalar. O exame clínico e radiológico quando realizado de forma criteriosa pode revelar falta de segmentação dos ossos do tarso, que dependendo do grau pode ser tratada com órteses ou com correção cirúrgica. Os atletas que são portadores de pé cavos com dedos em garra e história de metarsalgia crônica devem ser investigados com critério para excluir alterações neurológicas centrais ou periféricas. O pé cavo também pode ser decorrente de alterações tendinosas ou musculares dos flexores dos dedos. O tratamento habitual de tais lesões é feito por meio da prescrição de palmilhas que visam aliviar a pressão excessiva sobre os metatarsos. Os pacientes com pé plano usualmente não devem apresentar dificuldades para a prática do desporto, exceção feita àqueles cujo pé plano é do tipo rijo ocasionado pela presença de barras ou falta de segmentação óssea. As osteocondroses são descritas atualmente como uma necrose avascular cujo efeito temporário é de promover a fragmentação e conseqüente diminuição da estrutura do osso (Renton,1990). As mais comumente encontradas estão situadas na cabeça do segundo metartasiano, no osso navicular, na região da inserção do tendão de Aquiles e na base do 5º metatarsiano. O tratamento usual é feito com a modificação de o apoio plantar por meio de órteses e a diminuição de atividade física. As tendinites e os fenômenos dolorosos que ocorrem no compartimento anterior e ou lateral da perna são causados (na sua grande maioria) por aumento de pressão dentro dos compartimentos musculares ou bainhas tendinosas, após esforços repetitivos. Os sintomas de dor e edema local devem ser investigados Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004 143

Velloso, Muniz & Barbosa com cuidado e podem ser tratados com a imobilização do local, a redução da atividade e o uso eventual de analgésicos. Alterações osteoarticulares A exclusiva propriedade do esqueleto em crescimento é caracterizada pela mineralização progressiva dos ossos com o aumento da idade cronológica (Blount,1955). Assim, os traumas de baixa ou grande energia disseminados no esqueleto podem dar o aparecimento a fraturas de vários tipos. O estudo da epidemiologia das fraturas em crianças indica que o tipo de fratura mais comum é a dos ossos do antebraço, seguido pelas da mão e falanges (Pynsent e cols.,1994). A clavícula, o tornozelo e a tíbia são fraturas que ocorre com menos freqüência do que o punho, mesmo quando o grupo estudado é praticante do desporto. A causa habitual das fraturas são as quedas e o trauma direto. Estudos atuais confirmam que a qualidade de massa óssea ou o grau de mineralização são provavelmente os fatores mais importantes no estudo da etiologia das fraturas. O tratamento das fraturas em crianças é sempre realizado pela redução dos fragmentos ósseos para uma posição anatômica e imobilização por aparelhos gessados. O expressivo poder de remodelagem do osso das crianças e o baixo índice de rigidez muscular são fatores importantes que devem ser avaliados no tratamento período da consolidação das fraturas. O tratamento cirúrgico quando indicado está associado a múltiplas lesões ósseas, alteração arterial ou nervosa grave e impossibilidade de redução incruenta. Conclusão A prática desportiva é sem dúvida salutar em todas as idades, mas a vivência diária dos profissionais de saúde ensina que um número expressivo de atletas sofre vários tipos de lesões. A avaliação morfológica criteriosa dos praticantes de desportos serviria para identificar fatores de risco que poderiam diminuir de forma considerável a incidência das lesões esportivas. Assim sendo, na orientação e acompanhamento da prática desportiva, a capacidade de reconhecer na sua forma inicial, a incapacidade física ou as fases iniciais das diversas lesões discutidas no texto apresentado, em muito contribuiria para diminuir a incidência das alterações osteoarticulares entre os atletas jovens. 144 Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004

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Velloso, Muniz & Barbosa 146 Univ. Ci. Saúde, Brasília, v. 2, n. 1, p. 1-151, jan./jun. 2004