INICIATIVAS DE INTERAÇÃO DE CRIANÇAS CEGAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL



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Transcrição:

INICIATIVAS DE INTERAÇÃO DE CRIANÇAS CEGAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Maria Luiza Pontes de França Universidade Federal de São Carlos mluizapf@yahoo.com.br Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil Universidade Federal de São Carlos stellagil@uol.com.br Eixo Temático: Outros Introdução Até meados da década de 80, parte da literatura científica focalizava o estudo das relações adulto-criança e, particularmente, das interações mãe-bebê. No entanto, de acordo com OLIVEIRA, MELLO, VITÓRIA e ROSSETTI-FERREIRA (2002), alterações marcantes no ambiente social das crianças orientaram os estudos para a investigação das interações sociais entre as crianças pequenas que passaram a conviver menos com os adultos, e aumentaram sua convivência com outras crianças da mesma faixa-etária, ao freqüentar os maternais e as creches. As interações que ocorrem entre crianças pequenas tornaram-se, portanto, objeto de crescente interesse nas últimas décadas, sobretudo ao se considerar que é através da interação com o outro que a criança constrói sua própria identidade, seu conhecimento, seu modo de agir, de pensar, de sentir, enfim, sua visão de mundo (CARVALHO, BRANCO, PEDROSA & GIL, 2002; PEDROSA e CARVALHO, 2005a; PEDROSA e CARVALHO, 2005b OLIVEIRA, MELLO, VITÓRIA & ROSSETTI-FERREIRA, 2002). O estudo das interações sociais entre crianças torna-se ainda mais desafiador e relevante quando se considera que limitações sensoriais específicas de algumas crianças reforçam o papel fundamental das interações sociais para o desenvolvimento global delas, ao mesmo tempo em que lhes impõem dificuldades que interferem na própria interação, sobretudo entre pares de idade. Em relação às crianças com deficiência visual, destaca-se que as interações sociais têm um papel central no desenvolvimento

geral dessas crianças e são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e da sociabilidade (LEME, 2003; OLIVEIRA, 2004). A limitação visual, entretanto, interfere nas interações sociais em geral e, em particular nas interações com colegas videntes (BRAMBRING, 2001; D ALLURA, 2002; ERWIN, 1993; PARSONS, 1986; SANTOS, 2004,). De acordo com CROCKER e ORR (1996), as deficiências sensoriais podem afetar não apenas as oportunidades, mas também a natureza das interações das crianças. Estes autores desenvolveram um estudo com o objetivo de investigar características das interações entre crianças cegas e videntes em vários ambientes da pré-escola. Para isto compararam as interações sociais de nove crianças deficientes visuais e nove crianças videntes - algumas destas crianças, deficientes visuais ou videntes, também apresentavam outras deficiências. Em relação às oportunidades de interação, foram encontradas diferenças na freqüência com que as crianças iniciaram ou foram receptoras de uma iniciativa: na maior parte do tempo, as crianças cegas foram receptoras das interações dos colegas. Outros resultados que merecem destaque foram os obtidos por BRAMBRING (2001) em uma pesquisa que teve por objetivo questionar professores da pré-escola sobre suas experiências em integrar crianças cegas e parcialmente cegas. Os professores afirmaram que muitas propostas de interação social por parte das crianças videntes foram rejeitadas pelas crianças cegas. Além do comprometimento das oportunidades de interação, BRAMBRING (2001) encontrou que a criança cega apresenta dificuldades para expressar afeição a uma outra criança e depois do terceiro ano de permanência na escola, a criança cega tem dificuldades maiores em se ajustar à pré-escola; dificuldades que persistem ao longo de seus anos escolares. O papel do adulto na mediação das relações das crianças cegas com seus pares é, portanto, fundamental para auxiliar as crianças cegas a superarem as dificuldades usualmente encontradas por elas. O professor pode incentivar as iniciativas de interação da criança cega dirigidas aos colegas, bem como orientá-la na expressão da afetividade com seus pares de modo a estimular novas oportunidades não apenas de sociabilidade, mas de conhecimento do mundo que a cerca. Desde muito cedo o adulto pode atuar para reduzir as dificuldades da criança cega que cresce em um mundo de videntes, pois os limites se estreitam principalmente quando a criança cega não recebeu estimulação apropriada e foi privada do contato com

seus pares de idade videntes. Quando a criança cega é estimulada desde cedo os obstáculos que encontra pela sua condição sensorial podem ser menos freqüentes ou mesmo inexistentes. Nas pré-escolas que reúnem crianças cegas e videntes, os adultos têm possibilidades ainda maiores de promover não apenas o desenvolvimento da criança cega, mas atitudes e valores a serem compartilhados por todas as crianças. D ALLURA (2002) realizou um estudo longitudinal no qual observou duas classes de pré-escola com alunos deficientes visuais: uma classe comum ou regular e uma classe especial. Na primeira classe foram observadas quatro crianças deficientes visuais e quatro crianças videntes e na segunda classe participaram cinco crianças deficientes visuais. O principal objetivo do estudo consistiu em determinar se a criança pré-escolar deficiente visual, quando exposta a um ambiente apropriado, interagiria com os pares nas mesmas condições que seus pares videntes interagiam. Os resultados do estudo de D ALLURA (2002) indicaram que crianças com deficiência visual pertencentes à classe comum despendiam mais tempo interagindo com os pares do que as crianças da classe especial. Depois de realizada uma intervenção, que consistiu no emprego de estratégias de aprendizagem cooperativa, por exemplo, brincar juntas, verificou-se que as crianças deficientes visuais da classe regular interagiam com os pares em níveis comparáveis aqueles das crianças videntes, enquanto as crianças deficientes visuais da classe especial mantiveram os mesmos níveis de interação. Após a intervenção, crianças deficientes visuais e videntes da classe regular passavam mais tempo interagindo com seus pares e permaneciam menos tempo em brincadeiras solitárias e iniciavam mais interações com os seus pares do que com os adultos. A autora concluiu que uma intervenção combinada com a presença de alunos videntes modificava os padrões de interações sociais. De acordo com BRUNO (1993), a criança com deficiência visual necessita relacionar-se com crianças videntes e não-videntes de sua idade, para que possa construir sua própria identidade ao confrontar semelhanças e diferenças; para que possa construir sua própria imagem corporal; para que tenha oportunidade de testar suas hipóteses perceptivas, simbólicas e lógicas, representando suas experiências no tempo e no espaço, através da ação e da linguagem dirigida ao outro. A despeito do reconhecimento da relevância das interações entre crianças para a criança deficiente visual há, ainda, um número reduzido de estudos empíricos sobre as interações entre crianças cegas e videntes e sobre a efetividade de procedimentos que promovam estas interações no ambiente da Educação Infantil, o que dificulta a

proposição de estratégias conseqüentes e bem sucedidas de inclusão da criança deficiente visual em classes regulares desde a creche até o final da pré-escola. As práticas inclusivas voltadas às crianças cegas e videntes ganhariam em eficácia e eficiência com o conhecimento de estratégias que propiciassem a interação significativa entre elas. Nas condições atuais do conhecimento, cabe perguntar como é possível trabalhar pela inclusão dessas crianças sem conhecer as características das interações que ocorrem entre elas e seus colegas? Criar um ambiente propício à inserção da criança com deficiência na sala de aula regular é considerar principalmente as relações interpessoais e as interações com todos os colegas (MENDES, 2002). Diante do exposto o objetivo do presente estudo consistiu em comparar a freqüência de iniciativas de interações de duas crianças cegas, com diferentes histórias de estimulação, com seus colegas videntes em duas pré-escolas.. Método Participaram deste estudo dois meninos cegos (L e H), com idade de 5 anos e 5 anos e 9 meses respectivamente. Ambos estavam matriculados em salas regulares, cada um deles em uma escola de Educação Infantil. L recebeu estimulação especializada desde bebê (EEz) e H, além de episódios de internação hospitalar prolongada, recebeu apenas estimulação espontânea (EEs), ou seja, do ambiente no qual vivia. Além deles participaram do estudo duas crianças videntes (S e D) cada uma delas era colega de sala de uma das crianças cegas. Foram organizadas situações em que todas as crianças de cada sala brincassem livremente no ambiente escolar, com os brinquedos fornecidos pela escola. Os desempenhos das crianças foram vídeogravados empregando-se o registro de grupo focal, neste caso, com o foco na criança cega. Para tratamento e análise dos dados foram considerados os registros de duas sessões que totalizaram 37 minutos de registro, cada uma delas com de aproximadamente 19 minutos. O procedimento de tratamento dos dados teve início com a definição e identificação de episódios de interação. No presente estudo, todo intercâmbio social que envolvesse a criança (protagonista ou alvo da iniciativa) deficiente visual ou vidente foi considerado um episódio de interação. O início de um episódio de interação consistiu na aproximação de uma criança em relação a outra (cega ou vidente) formando uma díade. O critério para se determinar o final do episódio foi estabelecido quando o fluxo de ações entre as crianças da díade era interrompido, tanto pela saída da criança do campo

de atenção da outra (SOUZA, 2006) quanto pela alteração da composição social do grupo formando uma nova díade (PEDROSA e CARVALHO, 2005b). Foram organizados protocolos de transcrição dos episódios nos quais eram identificadas as peculiaridades das iniciativas de interação das crianças cegas e das crianças videntes. Os episódios de interações registrados para análise foram identificadas por dois juízes que assistiram, juntos, às cenas e acordavam se o conjunto de ações deveria ou não ser considerado um episódio interativo. Somente quando havia concordância entre os juízes esse conjunto era registrado como um episódio. Com o intuito de comparar a freqüência de iniciativas de interação entre as crianças, foi elaborada, com base nos registros, uma categoria referente à criança iniciar ou alvo de iniciativas de interação denominada de Iniciadora/Receptora. A análise dos dados empregou o SPSS-WIN 13.0 para o Teste de Independência do Qui-Quadrado. Resultados Foram comparadas as freqüências das iniciativas de interação das crianças H e D Grupo 1 e das crianças L e S Grupo 2. Foram comparados, ainda, os resultados obtidos por H e L nas suas respectivas classes, conforme pode ser observado na Figura 1. No Grupo 1, houve diferença significativa (χ 2 = 15,37, p<0,05), pois as crianças apresentaram escores discrepantes ao iniciar as interações ou receber as iniciativas de outras. Enquanto H foi apenas receptor de iniciativas dos colegas (100%) sem apresentar nenhuma iniciativa, a criança vidente D iniciou 76,2% das interações nas quais se envolveu e foi receptora da iniciativa de parte das interações (23,8%). No Grupo 2, não foi observada diferença estatisticamente significativa (χ 2 = 3,53, p>0,05), pois as duas crianças foram mais receptoras do que iniciadoras de interação, sendo que a porcentagem de recepção de iniciativas de L (64%) foi um pouco superior à de S (50,5%). Ao se comparar os resultados das duas crianças cegas, ambas foram receberam mais iniciativas de interação do que tomaram a iniciativa (χ 2 = 3,20, p>0,05). No entanto, verificou-se que a criança cega HEEs não iniciou nenhuma interação enquanto que a criança cega LEEz apresentou 36% de iniciativas de interação.

70 60 50 40 30 20 10 0 H D L S H L Grupo 1 Grupo 2 Iniciadora Receptora Figura 1: Freqüências dos escores brutos das iniciativas de interação para os dois grupos de crianças e para H e L. Discussão Na categoria Iniciadora/Receptora as duas crianças cegas foram mais receptoras de iniciativas de interações dos seus colegas do iniciadoras de interações quando comparadas às crianças videntes. Este resultado corrobora aqueles obtidos por CROCKER e ORR (1996), D ALLURA (2002) e TRÖSTER e BRAMBRING (1994) que destacaram que as crianças cegas iniciavam interações com menos freqüência do que as crianças videntes e aquelas eram alvo de iniciativas de interação dos colegas mais do que tomavam a iniciativa de interagir. Algumas das características das interações sociais apresentadas pelas crianças cegas foram significativamente diferentes. A criança cega com estimulação espontânea (H) não iniciou nenhuma interação enquanto que a criança cega que recebeu estimulação especializada (L) apresentou 36% de iniciativas de interação do total das interações das quais participou. Além disso, durante as sessões analisadas a criança cega com estimulação especializada (L) participou de 100 episódios de interação enquanto que a criança cega com estimulação espontânea (H) participou de apenas sete episódios de interação. Com base nestes resultados é possível supor que a estimulação especializada desempenha um papel relevante na promoção de interações sociais da criança cega e

possibilita uma real inclusão na rede regular de ensino. A criança cega que apresenta apenas comprometimento visual não terá dificuldades para aprender e interagir se lhe for propiciada estimulação em tempo a par de um ambiente rico em experiências onde ela possa desenvolver suas capacidades. Com estimulação especializada as crianças cegas apresentam comportamentos semelhantes aqueles das crianças videntes que interagem a maior parte do tempo com outras crianças no ambiente escolar. As crianças cegas que, de algum modo, foram privadas de estimulação especializada ou que apresentam outros déficits sensoriais ou síndromes associadas têm oportunidades de interação bastante aquém das suas próprias possibilidades e das interações efetivas dos seus colegas. É possível supor que procedimentos de estimulação da criança deficiente visual que levem em conta características das interações entre crianças cegas e videntes, e as promovam, tenham a possibilidade de contribuir para o desenvolvimento não apenas da sociabilidade, mas para o desenvolvimento global da criança cega. Avanças na investigação das características das interações sociais de crianças cegas com e sem estimulação especializada com as crianças videntes poderá contribuir para a criação de estratégias que propiciam interações significativas entre estas crianças no contexto escolar. Referências Bibliográficas BRAMBRING, M. Integration of children with visual impairment in regular preschools. Child:Care, Health and Development, 27, 5, 425-438, 2001. BRUNO, M. M. G. Desenvolvimento integral do portador de deficiência visual: da intervenção precoce à integração escolar. Rio de Janeiro: Laramara, 1993. CARVALHO, A. M. A., BRANCO, A. U. A., PEDROSA, M. I. & GIL, M. S. C. A. Dinâmica interacional de crianças em grupo: um ensaio de categorização. Psicologia em Estudo, 7, 2, 91-99, 2002. CROCKER, A. D. & ORR, R. R. Social behaviors of children with visual impairments enrolled in preschool programs. Exceptional Children, 62, 5, 451-462, 1996. D ALLURA, T. Enhancing the social interaction skills of preschoolers with visual impairments. Journal of Visual Impairment & Blindness, 96, 9, 577-584, 2002. ERWIN, E. J. Social participation of young children with visual impairment in specialized and integrated environments. Journal of Visual Impairment & Blindness, 87, 5, 138-142, 1993.

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