-1- EMENTA: ANULATÓRIA ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO INTEGRAÇÃO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ENCARGOS LIMITAÇÃO CLÁUSULA MANDATO VALIDADE APORTE FINANCEIRO OBTIDO NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. As empresas administradoras de cartão de crédito não têm autorização de funcionamento e nem são fiscalizadas pela autarquia responsável, BACEN, nos termos da Lei 4595/64. Portanto, não integram o sistema financeiro nacional. Diante disso, estão sujeitas às limitações impostas pela Lei de Usura. Para que tenham direito de repassar o custo do financiamento obtido junto às instituições financeiras, em face da cláusula mandato, que é válida, devem as empresas administradoras de cartão de crédito comprovarem os aportes financeiros obtidos. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível Nº 460.698-6 da Comarca de, sendo Apelante(s): BANCO CREDIBANCO S/A e Apelado (a)(s): JOÃO INÁCIO DA SILVA NETO, ACORDA, em Turma, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais NEGAR PROVIMENTO.
-2- Presidiu o julgamento o Juiz JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES (Revisor) e dele participaram os Juízes MOTA E SILVA (Relator) e GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES (Vogal). O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado, na íntegra, pelos demais componentes da Turma Julgadora. Belo Horizonte, 26 de agosto de 2004. JUIZ MOTA E SILVA Relator
-3- V O T O O SR. JUIZ MOTA E SILVA: Trata-se de recurso de Apelação interposto por Banco Credibanco S/A em face da sentença de f. 87-94 proferida pelo juízo a quo, que julgou parcialmente procedente a Ação Anulatória de Cobrança movida por João Inácio da Silva Neto contra o apelante. O autor/apelado ajuizou a ação aduzindo que o réu/apelante vem lhe cobrando débito oriundo de Contrato de Cartão de Crédito, entretanto entende ser tal cobrança indevida, tendo em vista haver capitalização de juros e excessividade, sendo que o valor das compras efetivamente feitas pelo apelado com o cartão de crédito em questão já foi pago ao apelado. Requer seja concedida antecipação de tutela e, ao fim, declarado inexistente o débito, condenando o apelante à repetição do indébito. Liminar de expedição de ofícios ao SPC e SERASA deferida às f. 34 e verso-ta. Em sua defesa (f. 41-61), o réu/apelante suscita preliminares de ilegitimidade passiva, bem como de impossibilidade jurídica do pedido e falta de interesse de agir. No mérito, afirma que o autor/apelado confessa não haver pago integralmente algumas parcelas, sendo que os encargos incidem sobre a diferença entre o valor total e o efetuado. Diz não estar sujeito à limitação de juros por integrar o Sistema Financeiro Nacional, tecendo comentários sobre a legislação pertinente. Requer a
-4- extinção do processo sem julgamento de mérito, frente às preliminares levantadas, ou a improcedência do pedido. Na sentença, o MM. Juiz a quo rejeitou as preliminares e julgou parcialmente procedente o pedido, revisando o contrato firmado entre as partes a fim de incidir taxa de juros de 1% ao mês, compensando os débitos e créditos. Às f. 105-111 o Banco Credibanco S/A interpôs Apelação, aduzindo que as alegações do apelado não restaram comprovadas nos autos, tecendo novas considerações acerca da inaplicabilidade da limitação de juros aos contratos de cartão de crédito, reportando-se à Súmula 596 do STF. Dessa forma, requer seja dado provimento ao recurso para reformar a decisão de 1º grau. Contra-razões as f. 114-115. É o relatório. PASSO A DECIDIR. Embora este Juiz tenha sempre pautado suas decisões em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento pacificado pela Súmula 283, de que as empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura, não merece respaldo, data venia. Estabelece a Lei n. 4.595 64, em seu art. 17: Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de
-5- recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual. À primeira vista, a abrangência do dispositivo inserem as empresas administradoras de cartão de crédito entre aquelas submetidas ao referido diploma legal. Entretanto, a mesma Lei n.º 4.595/64, em seu art. 10, inc. IX e X, e art. 18, assim dispõem: "Art. 10 - Compete privativamente ao Banco Central do Brasil: IX - exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; X - conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam: a) funcionar no País; b) instalar ou transferir suas sedes, ou dependências, inclusive no Exterior; c) ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas; e d) praticar operações de câmbio, crédito real e venda habitual de títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal,
-6- ações, debêntures, letras hipotecárias e outros títulos de crédito ou imobiliários; e) ter prorrogados os prazos concedidos para funcionamento; f) alterar seus estatutos; g) alienar ou, por qualquer outra forma, transferir o seu controle acionário; Anterior item IX acrescentado pelo Decreto nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, passado a X pela Lei nº 7.730, de 31 de janeiro de 1989. XI - estabelecer condições para a posse e para o exercício de quaisquer cargos de administração de instituições financeiras privadas, assim como para o exercício de quaisquer funções em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes, segundo normas que forem expedidas pelo Conselho Monetário Nacional; XII - efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais; XIII - determinar que as matrizes das instituições financeiras registrem os cadastros das firmas que operam com suas agências há mais de 1 (um) ano. Os itens III a XII foram renumerados para IV a XIII por determinação da Lei n.º 7.730, de 31 de janeiro de 1989. 1º - No exercício das atribuições a que se refere o inciso IX deste artigo, com base nas normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do
-7- Brasil estudará os pedidos que lhe sejam formulados e resolverá conceder ou recusar a autorização pleiteada, podendo (Vetado) incluir as cláusulas que reputar convenientes ao interesse público. Citado inciso IX passou a X por determinação da Lei nº 7.730, de 31 de janeiro de 1989. 2º - Observado o disposto no parágrafo anterior, as instituições financeiras estrangeiras dependem de autorização do Poder Executivo, mediante decreto, para que possam funcionar no País (Vetado)". Não é difícil de se verificar que compete privativamente ao Banco Central do Brasil, autorizar o funcionamento das instituições financeiras no território nacional, bem como fiscalizá-las. Em todos os processos que este Juiz sentenciou, como Juiz de 1ª instância, quando oficiado ao Banco Central do Brasil, para que este informasse se as empresas administradoras de cartão de crédito integravam o sistema financeiro nacional, a resposta era sempre a mesma. Afirmava referida autarquia que as empresas administradoras de cartão de crédito não se enquadram nos dispositivos da Lei 4.595/64. Em outras palavras, afirmava taxativamente o Banco Central do Brasil que as empresas administradoras de cartão de crédito não integravam o sistema financeiro nacional. Ora, com o devido respeito ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, não se pode conceder às empresas administradoras de cartão de crédito o privilégio de não necessitarem de autorização
-8- para funcionamento e de funcionarem sem qualquer fiscalização da autarquia responsável pelo sistema financeiro nacional. Ao Judiciário não é dado legislar. Portanto, enquanto o Poder Competente não regulamentar as atividades das empresas administradoras de cartão de crédito, determinando sua integração ao sistema financeiro nacional e, via de conseqüência, sua subordinação aos preceitos da Lei 4.595/64, estarão as empresas administradoras de cartão de crédito sujeitas à Lei de Usura. Por fim, é de esclarecer que a Lei Complementar n. 105, de 10.01.2001, equiparou as empresas administradoras de cartão de crédito às instituições financeiras tão-somente, única e exclusivamente, para fins de sigilo das operações realizadas pelos usuários de cartão de crédito, tendo em vista que tais operações movimentam valores, tais quais as realizadas junto às instituições financeiras. É dizer, a equiparação, conforme o próprio texto da lei, alcança os efeitos exclusivos da referida norma geral, que é o sigilo das operações, nada mais. Não se pode imprimir uma interpretação extensiva com escopo de se chegar a errônia conclusão de que as empresas administradoras de cartão de crédito integram o sistema financeiro nacional, permissa venia. Art 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. 1º. São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar: VI administradoras de cartões de crédito. (destaquei).
-9- Com efeito, não podem as empresas administradoras de cartão de crédito cobrarem encargos superiores a 1% ao mês, além de repassar o custo do financiamento obtido junto à instituição financeira para saldar o valor inadimplido pelo usuário do cartão de crédito, conforme lhe autoriza a cláusula mandato estipulado nestas espécies de contrato. É que a cláusula mandato, por si só, não representa qualquer abusividade. As empresas administradoras de cartão de crédito firmam contrato com comerciantes ou prestadores de serviços, com os quais firmam o compromisso de honrar o pagamento dos produtos ou serviços adquiridos por seus clientes (usuários de cartões de crédito), até o limite previamente estabelecido e mediante remuneração, normalmente denominada anuidade, concedendo-lhes prazo para saldar a dívida, que na hipótese de restar inadimplida, resulta em saldo devedor sobre o qual faz incidir encargos. Para saldar o débito de seus clientes, as administradoras de cartão de crédito, buscam financiamento junto às instituições financeiras. Conforme se verifica, as administradoras de cartão de crédito somente buscam aportes financeiros junto às referidas instituições, no caso de inadimplência de seus clientes e tão-somente no valor inadimplido. Ora, se não existisse referida cláusula, inviabilizada estaria a atividade da ré, pois, em face da inadimplência de seus clientes, não teria como honrar os compromissos firmados com os comerciantes ou prestadores de serviços. Ademais, nas faturas mensais enviadas aos usuários de cartão de crédito, consta o valor máximo dos encargos incidentes para o próximo período. Portanto, têm os usuários de cartão de crédito ciência prévia do percentual máximo a incidir sobre o saldo que eventualmente não adimplir.
-10- Entretanto, no caso dos presentes autos, deixou o apelante de comprovar os aportes financeiros obtidos junto às instituições financeiras e, assim agindo, deixou de dar contas de sua gerência ao mandante/recorrido, nos termos do art. 668, Código Civil (art. 1.301, CC/1916). Ora, o fato constitutivo do direito do autor/recorrido, invocado na inicial, é a incidência de juros superiores ao percentual legal. Diante disso, caberia ao apelante/réu provar o fato impeditivo do direito do autor, ou seja, o aporte financeiro obtido junto às instituições financeiras, mediante os poderes que lhe foram conferidos pela cláusula mandato. Assim sendo, não provado o aporte financeiro obtido, não pode o apelante repassar o custo do financiamento ao recorrido. Pelo exposto, considerando tudo quanto foi visto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se inalterada a bem lançada sentença hostilizada. ed/mps