Política Monetária no G3 Estados Unidos, Japão e Área do Euro Nos primeiros anos desta década, os bancos centrais, em diversas economias, introduziram políticas monetárias acomodatícias como forma de evitar a consolidação de ambiente deflacionário e/ou para contrabalançar os impactos de choques adversos. O ativismo monetário, conjugado a estímulos fiscais em muitas economias, impulsionou, desde então, o consumo privado, o comércio internacional e a elevação dos preços internacionais das matérias-primas. O incremento continuado da liquidez internacional favoreceu, ainda, a melhoria consistente dos fundamentos de economias emergentes e o saneamento financeiro ordenado de corporações, após a desinflação da chamada bolha tecnológica em 2000, nos Estados Unidos. Conseqüentemente, observou-se a redução generalizada e consistente dos spreads nos mercados de crédito corporativo e do custo de financiamento para tomadores emergentes. Acrescente-se a esse cenário, o efeito-riqueza decorrente da valorização sustentada de ativos imobiliários e mobiliários a partir do biênio 2002-2003 que se tornou mais um fator de impulso da economia mundial. Não obstante a trajetória global da inflação permaneça relativamente benigna, fortalece-se a percepção de reversão progressiva do ciclo de ampla liquidez internacional. Nesse sentido, contribuem as preocupações explicitadas por diversas autoridades monetárias em relação aos impactos da persistente elevação dos preços do petróleo e das commodities sobre a trajetória de preços, prenunciando o aumento, em geral, do conservadorismo dos bancos centrais. Desde março último, os mercados financeiros internacionais refletem o realinhamento generalizado de expectativas sobre as trajetórias das taxas de juros, 60 Relatório de Inflação Junho 2006
em virtude do esperado sincronismo de políticas monetárias mais restritivas nas três maiores economias mundiais: Estados Unidos, Japão e Área do Euro, que compõem o chamado G3. Política monetária nos Estados Unidos No segundo trimestre de 2004, verificou-se maior volatilidade nos mercados financeiros internacionais, em virtude das sinalizações oficiais de que a política monetária nos Estados Unidos convergiria da instância acomodatícia para uma gestão mais neutra, dadas a consistência da retomada da atividade econômica e a eliminação do risco de deflação. As incertezas dos mercados manifestaram-se, então, pela elevação acentuada dos rendimentos dos títulos governamentais das economias centrais, pela volatilidade nas bolsas de valores e pela elevação dos indicadores de risco soberano das economias emergentes. A remoção do impulso monetário, que encerraria o período das taxas de juros básicas mais reduzidas em 25 anos, iniciou-se em junho de 2004. Desde então, o banco central dos Estados Unidos, Federal Reserve (Fed), promoveu dezesseis elevações consecutivas de sua meta para a taxa de juros básica anual (Fed Funds), que aumentou de 1% para 5%, ao ritmo comedido de 0,25 p.p. em cada reunião do Federal Open Market Committee (FOMC). Nesse sentido, os expressivos ganhos de produtividade observados na economia, ao amortecerem pressões inflacionárias, favoreceram a normalização suave das taxas de juros. Recentemente, entretanto, o Fed sinalizou que o encerramento do ciclo de aperto monetário está condicionado ao arrefecimento da atividade econômica e ao retorno da inflação ao consumidor ao intervalo considerado confortável para a autoridade monetária 1. Nesse sentido, a elevação dos preços da energia e o aumento das taxas hipotecárias têm contribuído para a desaceleração do consumo. 1/ O Personal Consumption Expenditures Index (PCE) acumulou variação de 2,9% em doze meses até abril, acima do que os analistas supõem como teto para o Fed: 2%. Junho 2006 Relatório de Inflação 61
Assinalem-se, entretanto, dois aspectos: i) os impactos, ainda que limitados, dos elevados custos da energia e das commodities já são perceptíveis nos índices de preços; e ii) o Fed também alertou que a volatilidade dos preços das matérias-primas tende a impactar negativamente as perspectivas para a inflação. A persistência desse cenário sugere que o Fed poderá prolongar sua política restritiva, mas o tom gradualista do ajuste tende a ser mantido, uma vez que o Fed explicitou que monitorará as condições de convergência do ritmo da atividade para patamares mais reduzidos. Política monetária no Japão Com vistas a reverter o ambiente deflacionário, o banco central do Japão (BoJ) introduziu, ao fim da década de noventa, a chamada política monetária de taxa de juros nominal zero (overnight call rate). Em março de 2001, novo arcabouço foi introduzido: a política de afrouxamento monetário (quantitative monetary easing policy), na qual: i) a meta operacional passou a ser o saldo dos depósitos em conta-corrente mantido por instituições financeiras no BoJ 2 ; e ii) a autoridade monetária proveria liquidez em nível bem superior ao exigido pelos recolhimentos compulsórios. Em resumo, o novo arcabouço também induzia, por meio da oferta abundante de liquidez, a permanência da taxa de juros básica nominal em torno de zero. À época, o BoJ estabeleceu que a condição necessária, mas não suficiente, para a redução do excesso de liquidez seria que a variação em doze meses do núcleo de inflação ao consumidor se mantivesse, de forma sustentada, em nível igual ou superior a zero. 3 Dadas a própria confiança na sustentabilidade da retomada da economia e a trajetória recente do índice de preços ao consumidor, o BoJ considerou recentemente que o cenário macroeconômico passou a justificar a transição para uma política monetária progressivamente mais restritiva. Nesse sentido, em março de 2006, alterou 2/ Current account balances (CAB): compreendem o saldo do total de reservas mantidas no BoJ por instituições financeiras sujeitas e não sujeitas ao recolhimento compulsório de depósitos. 3/ A meta para o saldo da conta-corrente, que foi inicialmente fixada em 5 trilhões, foi elevada progressivamente até atingir a faixa de 30 trilhões a 35 trilhões, no início de 2004. 62 Relatório de Inflação Junho 2006
novamente o arranjo para a condução da política monetária: a meta operacional voltou a ser a taxa de juros básica e o excesso de liquidez no saldo da contacorrente começou a ser reduzido. Ressalte-se que o BoJ divulgou que, após a convergência do saldo em conta-corrente para o nível de reservas bancárias compulsórias, não pretende promover de imediato a elevação da taxa de juros básica 4. Concomitantemente, com o objetivo de elevar o grau de transparência, a autoridade japonesa divulgou o que entende por estabilidade de preço: o intervalo de 0% a 2% para a variação do núcleo de inflação ao consumidor. Considerando-se o padrão histórico da taxa de inflação no Japão, esse intervalo apresenta amplitude razoável, de forma que tende a não coibir o eventual prolongamento da gestão acomodatícia do BoJ, mas oferece um parâmetro para o grau de acomodação. Nesse cenário, fortaleceram-se as expectativas de elevação gradualista dos juros básicos no médio prazo, caso a aceleração da economia se confirme e a taxa de inflação se mantenha em território positivo, como já ocorre desde novembro de 2005. Política monetária na Área do Euro Entre o início de 2000 e meados de 2003, a economia da Área do Euro manteve-se abaixo de sua trajetória potencial, observando-se inclusive recessão em economias-chave. Para reverter esse quadro, a política monetária implementada pelo Banco Central Europeu (BCE) assumiu caráter expansionista: a taxa de juros básica (refi rate) anual foi progressivamente reduzida de 4,75%, ao fim de 2000, para 2%, em meados de 2003, e permaneceu nesse patamar por trinta meses. Recentemente, o BCE deu início a um ciclo de aperto monetário, pois avaliou que, dada a aceleração da atividade na região, a tendência atual de elevação do núcleo do Índice de Preços ao Consumidor Harmonizado (IPCH) reflete o recrudescimento de pressões inflacionárias. Considerando-se que o objetivo formal é manter a 4/ Entre março e maio de 2006, o BoJ, na trajetória de convergência para o saldo de reservas compulsórias ( 6 trilhões), chegou a reduzir o saldo da conta-corrente de 33,1 trilhões para 15,2 trilhões. Junho 2006 Relatório de Inflação 63
variação acumulada em doze meses do IPCH em torno de 2%, e que esse índice mantém-se acima desse patamar desde meados de 2005, o BCE estima que a inflação ao consumidor tende a permanecer elevada em 2006 e 2007. Nesse contexto, a refi rate anual foi elevada de 2% para 2,25%, em dezembro de 2005. Em 2006, duas elevações de 0,25 p.p., em março e em junho, situaram a taxa no patamar de 2,75%. A autoridade monetária da Área do Euro também alertou que o grau de acomodação monetária ainda permanece elevado, dadas as atuais tendências de crescimento do M3 e do volume de crédito. Fortaleceram-se, nesse contexto, as expectativas de continuidade do processo de aperto monetário, dadas as sinalizações mais contundentes do BCE quanto à intensificação: i) do repasse das elevações do preço do petróleo para os preços ao consumidor; e ii) dos efeitos de segunda-ordem das elevações anteriores do preço do petróleo. Conclusão Gráfico 1 Taxas de juros oficiais nominais % a.a. 1/ 7 6 5 4 3 2 1 0 1999 2000 2001 EUA Japão 2002 2003 2004 2005 Área do Euro Média G3 Fonte: Federal Reserve, BCE e Banco do Japão 1/ EUA Meta para a taxa dos fed funds, Área do Euro Taxa mínima de referência e Japão Overnight call rate. 2006 A abundância de liquidez dos últimos cinco anos condicionou o mais longo e rápido ciclo de crescimento da economia mundial nos últimos trinta anos, mas levou ao surgimento de desequilíbrios variados. Nesse sentido, a despeito da volatilidade que possa prevalecer nos mercados financeiros pelo período de assimilação das novas condições de liquidez, a normalização das políticas monetárias nos países do G3 tende a promover resultados positivos no médio prazo, uma vez que poderá favorecer: i) a redução progressiva dos desequilíbrios nos balanços de pagamentos; ii) a contenção das pressões e das expectativas inflacionárias; e iii) a menor exposição a risco. O crescimento da economia mundial deverá apresentar arrefecimento, mas ainda assim tende a se manter em patamares historicamente elevados, em ambiente de expectativas de inflação bem ancoradas. Nesse contexto, economias emergentes que apresentam melhora nos fundamentos macroeconômicos, como é o caso do Brasil, tendem a ser beneficiadas. 64 Relatório de Inflação Junho 2006