fls. 349 SENTENÇA Processo Digital nº: Classe - Assunto Requerente: Requerido: 1021814-23.2015.8.26.0100 Procedimento Ordinário - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro Erivaldo (Omitido) e outro Calgary Investimentos Imobiliarios Ltda. (Tecnisa) Juiz(a) de Direito: Dr(a). Anna Paula Dias da Costa Vistos. Trata-se de ação de rescisão contratual c.c. indenização por danos materiais, sob a alegação que o requerente, em 23 de janeiro de 2011, firmou instrumento particular de compromisso de venda e compra de unidade autônoma, referente à casa nº 158, 2ª Fase, integrante do empreendimento "Condomínio Bosques da Vila", com data de entrega prevista para o mês de fevereiro de 2013 e pelo preço total de R$ 183.322,89. Deste valor, alegam, os autores quitaram a importância de R$ 26.493,04, bem como desembolsaram R$ 7.833,12 a título de comissão de corretagem, totalizando o montante de R$ 34.326,16. Ademais, afirmam que ainda não receberam o imóvel, sendo que somente receberam carta da ré convocandoos para participarem de assembleia de instalação do condomínio marcada para o dia 02/03/2015. Diante dessa situação, tentaram solicitar o distrato do negócio e a restituição dos valores pagos. Aduzem, os autores, que a incorporadora somente restituiria o correspondente a 5% dos valores pagos em contrato, recusando-se na restituição das comissões de corretagem. Os autores relatam que foi realizada notificação extrajudicial informando à requerida que a partir do recebimento da referida notificação, suspenderiam, em definitivo, todo e qualquer pagamento referente ao imóvel. Acrescentam que diante da privação de seu imóvel, foram obrigados a continuar pagando aluguel durante o prazo de atraso na entrega do bem. Pretendem com esta ação a rescisão do contrato, a restituição de 100% das quantias pagas, o reembolso referente à comissão de corretagem e indenização pelos danos materiais sofridos durante o período de atraso na entrega do imóvel. Regularmente citada, a requerida contestou o pedido e pugnou pela sua improcedência. (fls. 158/227). Em sede de preliminar arguiu 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 1
fls. 350 ilegitimidade passiva para a restituição dos valores referentes à comissão de corretagem, bem como a prescrição da pretensão formulada pela parte autora em relação a estes valores e inépcia da inicial, sob alegação de que possui pedidos incompatíveis e pela falta de interesse de agir dos autores. No mérito, alega ausência de culpa da ré pela rescisão em virtude de inexistência do atraso na entrega da obra. Aduz culpa dos demandantes por prévia inadimplência e desistência. Assevera a impossibilidade de devolução de 100% das parcelas pagas diante da incidência da cláusula penal prevista em contrato. Réplica a fls. 229/347. Vieram documentos. É o relatório. D E C I D O. Conheço do pedido nesta fase. Faço-o com supedâneo no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. A matéria ventilada é unicamente de direito. Preambularmente, rejeito a preliminar arguida pela ré. Com efeito, em relação aos serviços de corretagem, independentemente de o valor não ter sido pago à requerida, a discussão que se coloca é a de que é a construtora que deve arcar com o preço do serviço de corretagem. Ora, se a discussão posta é a quem incumbe a obrigação de pagamento da comissão de corretagem, pleiteando, os autores, o ressarcimento dos valores dispendidos a esse título, verifica-se que, de fato, a ré possui legitimidade para responder a esse pedido. Ademais, em se tratando de relação de consumo, há solidariedade entre todos os fornecedores em relação aos serviços prestados de forma conjunta, como é o caso dos autos (CPC, art. 14, caput). 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 2
fls. 351 Com relação à alegada prescrição da pretensão dos autores, não se trata de pretensão ao ressarcimento do enriquecimento sem causa, como sustenta a ré, e sim, nitidamente, da cobrança de dívida líquida que deve constar em instrumento particular, cujo prazo é o quinquenal, regido pelo art. 206 5º, inc. I, do Código Civil. Concretizado o negócio jurídico em 23/01/2011 (fls. 81) e ajuizada a presente ação em 10/03/2015, não há que se falar, portanto, em prescrição da pretensão dos autores. Rejeito a preliminar de inépcia da inicial, uma vez que esta preenche todos os requisitos legais, sendo compreensível a causa de pedir e o pedido, inclusive no que tange ao suposto dano material, tanto assim que a ré apresentou defesa especificada e justificadamente nos autos. No mérito, o pedido é procedente. É incontroverso nos autos que as partes celebraram entre si um contrato de promessa de venda e compra de bem imóvel, descrito na inicial. Certo também é que, no curso da relação contratual, não houve a entrega do imóvel em questão, bem comos autores ficaram inadimplentes após notificação extrajudicial à requerida. Dessa forma, pretendem a rescisão do pactuado, a devolução das quantias pagas e indenização por danos materiais. Em relação à rescisão, de rigor o seu reconhecimento, quer pela manifestação de vontade dos compradores, devidamente externada através da notificação extrajudicial de fls. 86/91, quer pelo inadimplemento manifesto, exposto na preambular e na notificação. No tocante à devolução de quantias pagas, entendo que estas devem ser devolvidas aos autores em sua integralidade. É certo que o consumidor está autorizado pelo ordenamento jurídico pátrio a pleitear a rescisão contratual e a devolução imediata dos valores pagos, considerando-se abusiva e, portanto, nula, toda e qualquer cláusula que exclua o direito à devolução das parcelas pagas, que imponha dedução de elevado percentual ou, ainda, que 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 3
fls. 352 condicione a forma de devolução, já que evidentemente colocam o consumidor em situação de desvantagem exagerada (CDC, art. 51, IV). No caso, a inadimplência da construtora está caracterizada, uma vez que o contrato foi firmado em 2011, com previsão de entrega para fevereiro de 2013 e obtenção do "habite-se parcial" apenas em agosto de 2014 (fls. 225), o que ensejou aos autores ao pedido de rescisão do contrato. Assim, a ré não demonstrou nos autos que edificou a obra em prazo razoável e adequado, tratando-se de contrato em que os desembolsos foram motivados pelo interesse na aquisição de imóvel para moradia, o que indica, senão a urgência, uma expectativa de evolução do empreendimento que não foi atendida nos autos. Logo, na hipótese dos autos, caracterizado o inadimplemento por parte da alienante, justifica-se a rescisão do contrato e a conseqüente devolução integral das parcelas pagas (CDC, art. 53). Nesse contexto, a devolução integral das parcelas pagas seria mera consequência do inadimplemento, e assim tem decidido o Egrégio Tribunal de Justiça. Neste sentido, o seguinte julgado: COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Negócio jurídico sob a forma de associação cooperativa - Incidência do Código de Defesa do Consumidor - Resolução do contrato por falta de entrega da obra - Inadimplemento da empreendedora - Efeito "ex tunc" da sentença resolutória Restituição integral, atualizada e imediata das parcelas pagas - Sentença de improcedência modificada - Recurso do autor provido (Apelação Cível n. 422.729.4/9-00 Santo André 4ª Câmara de Direito Privado Relator FRANCISCO LOUREIRO 05.03.2009 V.U. Voto nº 6538). É caso, ainda, de devolução das parcelas pagas de uma só vez, sob pena de colocar-se o consumidor em situação de desvantagem exagerada (art. 53 e 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 4
fls. 353 art. 51, inc IV, CDC), conforme a Súmula nº 2, editada pelo Egrégio Tribunal de Justiça, a qual dispõe que: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição. Assim, considerando que os autores adimpliram a quantia de R$ 26.493,04, valor este não refutado pela ré, verifica-se que deverá ser devolvido aos autores o valor integral despendido por eles. comissão de corretagem, passo a declinar. Quanto à devolução da quantia paga a título de De acordo com o princípio da transparência elencado no Código de Defesa do Consumidor, as informações a respeito dos produtos e serviços oferecidos para o consumidor devem ser claras e precisas, não podendo gerar confusão a ele. Vale dizer, não basta a mera cognoscibilidade do conteúdo do contrato para que se tenha por cumprida a parte do fornecedor (...) é preciso que tenha havido efetivo conhecimento de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, principalmente sobre as cláusulas restritivas de direitos, que, a propósito, deverão vir em destaque nos formulários de contrato de adesão (NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed, RT, 2003, p. 942). Nesta órbita, havendo cobrança de taxa de comissão, não devidamente prevista em contrato, deve a parte ré devolver tal valor. Como adverte o Desembargador Ênio Santarelli Zuliani, tais valores integram o patrimônio a ser devolvido por culpa de quem fez ruir a confiança, o que tanto mais se impõe quando se tem em consideração, ainda nos termos do mesmo aresto ora invocado que, usualmente, tratando-se de imóveis em construção, os interessados buscam a negociação nos próprios locais dos empreendimentos. Não há opção dos compradores quanto à empresa que realiza a corretagem e o contrato é feito com a vendedora. Desse modo, não pode a autora ser prejudicada por pacto celebrado entre ela e as corretoras que são, forçosamente impostas aos consumidores (TJSP, Ap. Cív. Nº 0012025-80.2008.8.26.0223, j. 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 5
fls. 354 03.02.2011). De outra banda, não há nos autos qualquer prova de que a parte ré tenha prestado qualquer serviço de assessoria aos autores, ao revés, afirma que na hipótese de cobrança deste tipo de despesa, esta seria de responsabilidade dos requerentes (fls. 74). Ora, a explicação a respeito dos termos do contrato nada mais representa do que o dever de prestação de informação devido por todo e qualquer fornecedor. Desta feita, irrelevante se os autores assinaram documentos nos quais constava a ciência a respeito desta cobrança; cabia ao fornecedor demonstrar que, efetivamente, prestou a eles algum serviço que se diferenciasse da simples aproximação entre comprador e vendedor e da explanação dos termos do contrato. Nesse sentido: TJSP. Apelação 0022882-40.2011.8.26.0011, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Donegá Morandini, j. 29.01.2013). Ou seja, razão assiste ao autor com relação à cobrança da chamada cobrança de "serviços de corretagem", porque esse valor não está devidamente discriminado, impedindo o consumidor de saber a que efetivamente se refere à cobrança. A ausência de informação clara quanto à contratação desse serviço e a discriminação da cobrança suprimiu a análise e exercício do direito de escolha do consumidor quanto à sua aceitação, tudo indicando que ela de fato foi imposta à parte vulnerável do negócio. Por outro lado, assevera-se que configurada está, a chamada venda casada, tendo em vista que de forma obscura foi imposta ao consumidor autor a contratação do serviço de assessoria. Com efeito, a cobrança foi camuflada na contratação, sendo suprimida ao consumidor a faculdade de optar ou não pela contratação desse serviço, cuja efetiva prestação sequer foi demonstrada. Cabível, portanto, a restituição do valor pago a 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 6
fls. 355 título de corretagem. A despeito da não entrega do imóvel aos autores pela ré, em tese, eles têm interesse no ressarcimento dos danos ocasionados pela requerida pela demora, inclusive, ainda não entregue a eles mesmo após o ajuizamento da presente demanda. Conforme se verifica nos autos, a ré, em momento algum, defendeu-se quanto ao inequívoco atraso na entrega do empreendimento, cujo prazo máximo estava contratualmente previsto para ocorrer até o mês de julho de 2013, já inclusa a cláusula de tolerância de cento e oitenta dias. A ré não refutou a afirmação da ocorrência do enorme atraso para a entrega do imóvel aos autores. O atraso ensejou gastos aos demandantes, que continuaram a locar imóvel apontado a fls. 106/111, pelo período de 18 meses, computados os meses de março de 2013 (data prevista para entrega do imóvel) a agosto de 2014 (data da obtenção do habite-se parcial), cujos valores devem ser ressarcidos aos demandantes desde que comprovados nos autos o desembolso, evitando-se enriquecimento sem causa. Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido (CPC, art. 269, I) para determinar a rescisão do contrato entabulado entre as partes. CONDENO a ré à devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem no valor de R$ 7.833,12; à devolução integral das parcelas pagas no total de R$ 26.493,04, bem como ao ressarcimento por danos materiais, devendo a ré reembolsar integralmente os locativos pagos pelos autores pelo período de 18 meses, com incidência de correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, atualizados a partir da data do desembolso até o efetivo pagamento. Incidirão juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, desde que comprovado nos autos o desembolso pelos autores, na liquidação de sentença. A ré arcará com as despesas processuais, incluídos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação atualizada. Transitada em julgado, certifique-se. Nada requerido, arquivem-se; se juntada a memória do débito, com indicação de bens à penhora, bem 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 7
fls. 356 como recolhida a condução do oficial de justiça, expeça-se mandado de penhora, nos moldes do artigo 475-J, do CPC. Em caso de recurso, deverá ser recolhido 2% do valor da condenação, correspondente ao valor de R$ 686,53 (seiscentos e oitenta e seis reais e cinquenta e três centavos), sendo que o mínimo são 05 UFESP's ( Lei 11608, artigo 4 º, inciso II, 1º). P.R.I. São Paulo, 23 de abril de 2015. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA 1021814-23.2015.8.26.0100 - lauda 8