Olhar do especialista Opinião do especialista sobre a sua prática clinica ou acerca de um tema relevante OSTEOPOROSE: UM PROBLEMA COM INÍCIO NA INFÂNCIA Osteoporosis: a problem that starts in childhood Guido de Paula Colares Neto Endocrinologista Pediátrico. Pós-graduando da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Médico do Centro de Referência em Triagem Neonatal do ABC Paulista. RESUMO Nos últimos anos, a osteoporose na criança e no adolescente tem sido amplamente discutida a fim de definir conceitos para seu diagnóstico. Devido à falta de uma clínica evidente na maioria dos casos, a redução de massa óssea deve ser suspeitada diante de fatores de risco intrínsecos e extrínsecos presentes na infância, tendo a densitometria óssea como aliada na confirmação dos casos. O objetivo deste artigo é revisar a literatura disponível, referente à etiologia, diagnóstico e tratamento da osteoporose na faixa etária pediátrica. Abstract In the past few years, osteporosis in childhood and adolescence has been discussed to define criteria for diagnosis. In most cases, there is a lack of evident symptoms, so the low bone mass must be suspected by the risk factors and confirmed by the bone densitometry. This article reviews the literature available about the etiology, diagnosis, and treatment of osteoporosis in pediatrics. Palavras-chave: Osteoporose, Doenças Ósseas, Distúrbios do Metabolismo do Cálcio, Criança. Keywords: Osteoporosis, Bone Diseases, Calcium Metabolism Disorders, Child. 52 Rev. Saúde Criança Adolesc., 3 (1): 52-57, jan./jun., 2011
Colares Neto GP INTRODUÇÃO A base para a saúde vitalícia do esqueleto humano é estabelecida durante a infância e adolescência 1. Aproximadamente, 90% do pico de massa óssea é adquirida nas duas primeiras décadas de vida, sendo que 25% são adquiridos durante os dois anos de estirão pubertário devido aos esteróides sexuais 1,2. A aquisição de massa óssea depende de inúmeros fatores 3. Os fatores intrínsecos estão relacionados com a constituição genética do indivíduo (raça, sexo, fatores hormonais, fatores de crescimento e esteróides sexuais), sendo responsáveis por 80% do pico final de massa óssea. Os fatores extrínsecos são os aspectos nutricionais, fatores mecânicos, hábitos (fumo, álcool), presença de doenças crônicas e uso de medicamentos 2,3. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a osteoporose é definida como uma doença metabólica óssea sistêmica, caracterizada por diminuição da massa óssea e deterioração da microarquitetura do tecido ósseo, levando à fragilidade do osso e à suscetibilidade a fraturas 5. Durante o crescimento, as variações antropométricas (estatura e peso), do estadiamento puberal e da maturidade óssea influenciam as mensurações da densidade mineral óssea (DMO), dificultando o diagnóstico de osteoporose. Portanto, na infância, utiliza-se o termo redução da massa óssea para a idade cronológica, quando o z-score for menor que 2 para a idade e sexo. É necessária a comprovação de baixa DMO e a presença de, pelo menos, uma fratura para o diagnóstico de osteoporose 1,2,4. ETIOLOGIA As principais causas de osteoporose na infância são secundárias a doenças crônicas e/ou seus tratamentos, sendo as causas primárias mais raras. As formas primárias são hereditárias ou determinadas geneticamente. Suas principais representantes são a osteogenesis imperfecta e a osteoporose juvenil idiopática (Quadro 1). Quadro 1. Principais causas de osteoporose primária e secundária na infância. Primária Secundária Doenças Neuromusculares Doenças crônicas Doenças crônicas Distúrbios Endocrinológicos Doenças nutricionais Osteogenesis imperfecta Osteoporose idiopática juvenil Paralisia cerebral Paraplegia Doença inflamatória intestinal Doenças hepatobiliares Insuficiência renal,acidose tubular renal e hipercalciúria idiopática Fibrose Cística e asma Leucemias, linfomas e neuroblastoma Artrite reumatóide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico, dermatomiosite juvenil Síndrome de Cushing Hiperparatireoidismo Hipertireoidismo Deficiência de hormônio do crescimento Hipogonadismo Desnutrição e má absorção Corticoesteróides Metotrexato Medicamentos Anticoagulantes Anticonvulsivantes Fonte: Shaw NJ. Osteoporosis in paediatrics. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2007;92: 169-175. Rev. Saúde Criança Adolesc., 3 (1): 52-57, jan./jun., 2011 53
OSTEOPOROSE : UM PROBLEMA COM INÍCIO NA INFÂNCIA A osteogenesis imperfecta (OI) é uma doença genética causada por mutação nos genes COL1A1 e COL1A2, responsáveis pela síntese do colágeno tipo 1, essencial para a formação da matriz óssea. As características clínicas são fragilidade óssea com fraturas por trauma mínimo, baixa estatura, deformidades ósseas, esclera azulada, alterações dentárias (dentinogenesis imperfecta) e hiperelasticidade da pele. Defeitos quantitativos ou qualitativos no colágeno originam diferentes tipos de OI com gravidade variada. A OI tipo I é a forma mais branda, geralmente não deformante, devido a um defeito quantitativo do colágeno. O tipo II apresenta letalidade perinatal por múltiplas fraturas intra-útero e insuficiência respiratória. O tipo III é o mais grave dentre os sobreviventes do período neonatal, enquanto o tipo IV é intermediário com clínica moderada a grave. Os tipos II, III e IV representam defeitos qualitativos do colágeno. Existem, ainda, outros 3 tipos de OI (V, VI e VII) com deformidades moderadas a graves devido à mutações de outros fatores ósseos 6. A osteoporose idiopática juvenil (OIJ) apresentase, caracteristicamente, no pré-púbere saudável com dor lombar insidiosa, artralgias em joelhos e tornozelos, dificuldade para deambulação e fraturas metafisárias de ossos longos, com deformidades ósseas. A etiologia é desconhecida, mas suspeita-se de mutações no gene LRP5. Geralmente evolui com remissão espontânea após a puberdade 2,7. A osteoporose secundária ocorre nas doenças crônicas, sendo causada por diversos mecanismos, atuando isoladamente ou em combinação 7. A imobilização prolongada interfere no mecanismo do mecanostato, ou seja, diminui a tensão mecânica sobre os ossos. A redução da tensão mecânica sobre os ossos resulta, na faixa etária pediátrica, em redução da modelação óssea (processo de mudanças no tamanho e forma ósseos em diferentes locais durante o crescimento) e em aumento da reabsorção óssea pelos osteoclastos (células ósseas responsáveis pela reabsorção). As doenças neuromusculares, como a paralisia cerebral e a distrofia muscular de Duchenne, são representantes desta classe 2,7. Nas doenças inflamatórias - artrite reumatóide juvenil (AIJ), lúpus eritematoso sistêmico (LES) e a dermatomiosite juvenil, a presença de citocinas (IL-1,IL-6, IL-7, TNFa e TNFβ) suprime o recrutamento de osteoblastos (células responsáveis pela formação óssea) e promove a osteoclastogênese, alterando o turnover ósseo. As citocinas também estimulam o catabolismo por diminuírem a ingestão de nutrientes importantes para a formação óssea 7. O excesso de corticosteróides sistêmicos (por exemplo, uso prolongado ou na síndrome de Cushing) diminui a formação de osteoblastos e aumenta a diferenciação de osteoclastos por inibição da osteoprotegerina (protéina inibidora da osteoclastogênese). Há uma diminuição da absorção intestinal e da reabsorção tubular de cálcio, promovendo hiperparatireoidismo secundário e aumento da reabsorção óssea. Os efeitos deletérios ocorrem, principalmente, no osso trabecular durante os primeiros seis meses da introdução da corticoterapia 2,3,7. Os pacientes com hipogonadismo primário ou secundário têm menor DMO por falta do estímulo dos esteróides sexuais sobre a formação do osso. Nestes casos, a reposição do esteróide sexual resulta em melhora do quadro 7. No hipertireoidismo, os hormônios tireoidianos em excesso levam ao aumento da reabsorção óssea. Na deficiência de hormônio do crescimento, há falta de produção de IGF-1, importante fator trófico para o osso 8. Doenças disabsortivas doença inflamatória intestinal, fibrose cística, doenças hepatobiliares e anorexia nervosa diminuem a ingestão e absor- 54 Rev. Saúde Criança Adolesc., 3 (1): 52-57, jan./jun., 2011
Colares Neto GP ção de nutrientes importantes para a formação óssea, como cálcio e proteínas. Doenças hepáticas e renais crônicas diminuem a conversão da vitamina D em sua forma ativa, contribuindo para o desenvolvimento de osteoporose 2,7. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Na infância e adolescência, a osteoporose costuma ser assintomática. Por isso, é necessário suspeitar de quadros sugestivos para evitar possíveis deformidades e perdas de habilidades 3. São sinais indicativos: fraturas após traumas leves durante atividades diárias, dor aguda e espamos musculares nos locais de fratura, deformidades músculoesqueléticas por fraturas frequentes, além da presença de fatores de risco como doenças crônicas e uso de corticoesteróides 2,3,4. Além de uma anamnese e exame físico detalhados, a investigação deve incluir o perfil osteometabólico com dosagem de cálcio e fósforo séricos, calcidiol sérico, fosfatase alcalina, paratormônio e calciúria de 24 horas para excluir raquitismos e osteomalácia. Deve-se investigar causas secundárias através de hemograma completo, velocidade de sedimentação, proteína C reativa, anticorpos para doença celíaca, função tireoideana e IGF-1 (Insulin like Growth Factor-1). Os marcadores de formação (osteocalcina e fosfatase alcalina específica do osso) e reabsorção (deoxipiridinolina, NTX interligadores amino terminais das piridinolinas do colágeno tipo I, avaliado em urina, CTX interligadores carbóxi terminais das piridinolinas do colágeno tipo I, avaliado no sangue) ósseas devem ser usados para monitorização do tratamento, sendo pouco úteis no diagnóstico etiológico devido à falta de valores de referência na faixa etária pediátrica 7. Na osteoporose os exames de imagem são fundamentais. O raio-x simples de ossos longos mostra uma cortical fina, rarefação óssea, além de deformidades. O raio-x de coluna vertebral pode mostrar alterações de tamanho e forma das vértebras, com padrão em cunha por fraturas de compressão. Além disso, rarefação óssea, cifose e escoliose são características presentes 7. No raio-x de crânio pode haver a presença de ossos wormianos geralmente em número maior que 10 e/ou maiores que 4 x 6mm, sugerindo o diagnóstico de osteogenesis imperfecta 6. O principal método utilizado para a comprovação de osteoporose na infância é a densitometria óssea, através da verificação da atenuação de raios X de dupla energia (DXA) 1,9. Enquanto o raio-x simples detecta perdas ósseas de aproximadamente 30 a 50%, a DXA permite uma avaliação mais acurada, detectando perdas menores que 5% 2,9 São utilizados dois tipos de densitometria: corpo inteiro que mede, predominantemente, o osso cortical, e a de coluna lombar (L1-L4) que mede, principalmente, o osso trabecular 1. O valor de referência usado para o diagnóstico de redução da massa óssea para a idade cronológica é o z-score menor que -2 7,9,10. Apesar de muito útil a DXA não é um exame muito acurado na infância, pois sofre influências da antropometria e do tamanho dos ossos (por exemplo, crianças com baixa estatura podem ser diagnosticadas, erroneamente, com osteoporose), além da imaturidade esquelética 2,4,9. Por isto é necessário ter cautela durante a análise da DMO isoladamente, devendo-se avaliar, também, possíveis fatores de risco para osteoporose 9. É indicado nos pacientes com causas primárias ou secundárias a realização de DXA anual. Nos casos de corticoterapia crônica, a DXA deve ser realizada a cada 6 meses 7,9. PREVENÇÃO E TRATAMENTO A ingesta adequada de nutrientes essenciais para o osso é mandatória para a prevenção da osteoporose. As grandes fontes dietéticas de cálcio biodisponível são o leite e seus derivados, enquanto as fontes de vitamina D são os peixes gordurosos, óleo de fígado de bacalhau, vegetais, cogumelos Rev. Saúde Criança Adolesc., 3 (1): 52-57, jan./jun., 2011 55
OSTEOPOROSE : UM PROBLEMA COM INÍCIO NA INFÂNCIA e lacticíneos 7. A correta suplementação de cálcio e vitamina D, além de oferta calórica balanceada, em pacientes com deficiências nutricionais deve ser feita precocemente para o crescimento ósseo atingir seu pleno potencial 10. As necessidades diárias de cálcio elementar variam de acordo com a idade do paciente (Tabela 1) 2,10. A principal forma de suplementação é através do carbonato de cálcio, que apresenta 40% de cálcio elementar em sua composição 10. Tabela 1. Quantidades diárias de cálcio elementar recomendadas por faixa etária. Idade Ingestão adequada de cálcio (mg/dia) 0 6 meses 400 7 12 meses 600 1 10 anos 800 11 14 anos 1200 15 18 anos 1300-1500 Gestantes ou lactantes < 18 anos 1300-1500 Fonte: Campos LMA et al. Osteoporose na Infância e na adolescência. J. Pediatr. 2003;79 (6):481-8. A maior parte da vitamina D circulante é sintetizada na pele através dos raios UV a partir do seu precursor 17-dehidrocolesterol. Portanto, a exposição solar diária deve ser realizada em face e membros sem protetores solares ou roupas, que podem bloquear a produção. O tempo é 1/4 do necessário para produzir um eritema leve na pele. A necessidade diária de vitamina D em crianças e adolescentes é de 400 a 800UI/dia 8. As atividade físicas de impacto, como a caminhada, corrida e fisioterapia com pesos devem ser estimuladas. A frequência é de 3 a 4 vezes por semana por aproximadamente 30 minutos/dia 2. O fumo e a ingesta de álcool devem ser proscritos 4. As causas secundárias de osteoporose devem ser corrigidas, como, por exemplo, através das reposições androgênica e estrogênica nos hipogonadismos 7. Na infância as drogas utilizadas com o intuito de aumentar a DMO e diminuir as dores ósseas e fraturas são os bisfosfonatos, análogos dos pirofosfatos. Os bisfosfonatos estimulam a apoptose de osteoclastos, inibindo o processo de reabsorção óssea. O principal bisfosfonato usado é o pamidronato dissódico endovenoso, e o seu uso já é bem estabelecido em algumas patologias como a osteogenesis imperfecta. O estabelecimento da segurança do uso de bisfosfonatos na faixa etária pediátrica ainda depende de estudos controlados envolvendo maior número de pacientes. Antes da prescrição dos bisfosfonatos é importante a avaliação da função renal e hepática, bem como avaliação do hemograma. Os principais efeitos colaterais do pamidronato de sódio são a síndrome flu-like com febre (principalmente durante a primeira infusão da droga), hipocalcemia e hipofosfatemia (geralmente assintomáticas), e dores ósseas, e linfocitopenia 11,12. Nos pacientes com hipercalciúria os diuréticos tiazídicos podem auxiliar na redução da calciúria e no aumento da massa óssea 3. Outras drogas como o paratormônio recombinante, flúor e calcitonina não estão padronizadas para o uso em crianças e adolescentes 10. CONCLUSÃO Uma adequada massa óssea é adquirida desde a infância. Portanto, o pediatra geral é responsável pela identificação de possíveis fatores de risco para uma baixa densidade mineral óssea, estimulação de uma dieta balanceada rica em cálcio e vitamina D, além da orientação de hábitos saudáveis para a prevenção da osteoporose. AGRADECIMENTO Ao Dr. Hamilton Cabral de Menezes Filho pela contribuição na revisão final deste artigo e pelo incentivo nos conhecimentos do metabolismo ósseo e mineral. 56 Rev. Saúde Criança Adolesc., 3 (1): 52-57, jan./jun., 2011
Colares Neto GP REFERÊNCIAS 1. Borges JLC, Brandão CMA. Low bone mass in Children and adolescents. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2006; 50(4):775-82. 2. Campos LMA et al. Osteoporose na Infância e na adolescência. J. Pediatr. 2003;79 (6):481-8. 3. Campos LMA et al. Osteoporose na infância e na adolescência. Pediatria (São Paulo) 2004;26 (3):137-9. 4. Bianchi ML. Osteoporosis in children and adolescents. Bone (NY) 2007; 41: 486-495. 5. World Health Organization (WHO). Assessment of fracture risk and its application to screening for postmenopausal osteoporosis: report of a WHO study group, WHO Technical Report Series 843. Geneva: WHO, 1994. 6. Glorieux FH. Osteogenesis imperfecta. Best pratice and research clinical rheumatology 2008; 22(1): 85-100. 7. Shaw NJ. Osteoporosis in paediatrics. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2007;92: 169-175. 8. Damiani D. Endocrinologia na prática pediátrica In: Schvartsman BGS, Maluf Jr, PT, (editores ). Baueri: Manole ;2008:281-309. 9. Bachrach LK. Osteoporosis and measurement of bone mass in children and adolescents. Endocrinol Metabol Clin N Am. 2005;34: 521-35. 10. Pinto Neto AM, Soares A, Urbanetz AA, Souza ACA, Ferrari AEM, Amaral B. et al. Consenso brasileiro de osteoporose 2002.Rev Bras Reumatol. 2002;42:343-54. 11. Russell RGR. Bisphosphonates: mode of action and pharmacology. Pediatrics. 2007;119:S150-162. 12. Papapoulos SE. Bisphosphonates: how do they work? Best pract. res. clin. endocrinol. metab. 2008;22:831-47. Conflito de Interesse: Não declarado CORRESPONDÊNCIA: Guido de Paula Colares Neto E-mail: guidocolares@yahoo.com.br Rev. Saúde Criança Adolesc., 3 (1): 52-57, jan./jun., 2011 57