Educar para as relações étnicorraciais: o que a escola tem a ver com isso?

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Transcrição:

Educar para as relações étnicorraciais: o que a escola tem a ver com isso? Rosemeire dos Santos Brito 1 (UNICENTRO) roseje4@yahoo.com Área Temática da Extensão Universitária: Cultura Linha Temática da Extensão Universitária: Direitos individuais e coletivos Palavras-chaves: raça; racismo; relações raciais. 1. Introdução Seja por força de mudanças na legislação 2, seja por meio de reivindicações do movimento negro organizado, há na atualidade, certo consenso sobre a necessidade de promoção de uma educação comprometida com a valorização da diversidade étnico-racial, tarefa que não é simples e que, certamente requer um leque amplo e diversificado de iniciativas de intervenção no cotidiano escolar. Nesse texto, pretendo destacar reflexões promovidas junto a acadêmicos do curso de História da Unicentro; campus de Irati, como parte das atividades do Projeto de Extensão Educação para as relações étnicorraciais, no que se refere à necessidade de conhecermos os mecanismos que permitem a manutenção da ideologia do chamado mito da democracia racial 3, como forma de enfrentamento dos discursos racistas presentes nas relações escolares. 2. Metodologia O projeto Educação para as relações étnicorraciais prevê a realização de atividades de formação e de caráter crítico-reflexivo junto aos licenciandos(as) em História, de forma a torná-los multiplicadores na promoção e desenvolvimento de atividades de intervenção nas escolas em que realizam estágio curricular. Essas atividades estão concentradas em três momentos específicos do calendário escolar: dia 13 de maio (Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo), dia 19 de Abril (Dia do Índio) e dia 20 de novembro (Dia da Consciência negra). Apresento a seguir, reflexões teóricas, conceituais e analíticas promovidas com o propósito de promover a sensibilização para o novo significado do dia 13 de maio, tendo em vista o fomento ao não silenciamento dos racismos populares presentes no dia-a-dia das escolas. 1 Professora-colaboradora da Universidade Estadual do Centro-Oeste, co-coordenadora do Projeto de Extensão Educação para as relações étnicorraciais, que conta com apoio financeiro da Fundação Araucária na concessão de duas bolsas de estudo a estudantes participantes do Programa de Apoio à Inclusão Social Pesquisa e Extensão da Unicentro. 2 Refiro-me às Leis 10.639/03 e 11.645/08. 3 Guimarães (2002).

3. Resultados obtidos Estatisticamente, está demonstrado, desde os anos 1950, que a pobreza atinge mais negros que os brancos, no Brasil, dados que são confirmados e analisados na demografia, na sociologia, na economia ou na antropologia (Guimarães, 2002). Como a escola auxilia a manutenção dessa relação? Antes de destacar como podemos responder à essa indagação, convém destacar que entendo por racismo a prática de elaboração de discursos sobre a existência de diferenças inatas e hereditárias, consideradas como elementos decisivos na atribuição de caracteres psíquicos, intelectuais e morais diferentes aos sujeitos considerados como portadores daqueles diferenciais biológicos. Tal produção discursiva, conforme Guimarães (2004) teve sua origem nas doutrinas individualistas e igualitárias do século XVIII na Europa e, na passagem do século XIX para o XX, no Brasil. Nesse momento histórico, pensadores estavam às voltas com a responsabilidade de engendrar os destinos da nação brasileira, ao mesmo tempo em que constatavam a realidade da miscigenação (Schwartz, 1993). Com a proximidade da abolição da escravatura, tratava-se também de pensar a respeito da possível igualdade política, legal e formal entre todos os brasileiros, segundo princípios do liberalismo clássico. As elites nacionais, especialmente as localizadas no Nordeste do país, também produziam conhecimento que pudesse dar conta de seus anseios frente às desigualdades regionais cada vez mais crescentes entre o Norte e o Sul, como consequência da decadência do açúcar e do boom de desenvolvimento econômico, tecnológico, urbano e cultural trazido pelo café. Foi nesse contexto histórico e político que as construções sociais sobre a ideia de raça passaram a fundamentar uma doutrina ideológica, o chamado racismo brasileiro, que atribuía aos negros, mestiços e seus descendentes, inferioridade intelectual, psíquica e moral, com base em suas diferenças biológicas em relação à população branca. Os cientistas dessa geração dedicaram-se, então, à elaboração das chamadas teorias raciais brasileiras 4, inspirados nas ideias debatidas no contexto europeu. Essas teorias serviram para fundamentar estudos e práticas racistas que definiram de forma extremamente rígida os limites da incorporação dos negros, mestiços e seus descendentes à condição de cidadãos, principalmente após a libertação formal dos escravos. Contudo, como já descoberto pela pesquisa em genética no início do século XX, não há nada que possa confirmar a existência de raças biológicas, ou seja, a raça não tem uma existência real no patrimônio genético e nas características físicas de grupos distintos. Se essa ideia permanece como um elemento estruturante de nossas relações sociais, atuando como categoria que ajuda a manter quadros de desigualdade, isso ocorre apenas em função de sua existência nominal, sua eficácia no mundo social. 4 Sobre as teorias raciais brasileiras ver Schwarz (1993), Guimarães (2002).

Desse modo, a raça permanece como elemento mantenedor de discursos racistas populares, inclusive daquelas que permeiam o universo da escola. O racismo brasileiro é de natureza regional e se alimenta de práticas discriminatórias, ou seja, de uma cultura racista permeada de atribuições negativas aos não brancos 5, geralmente por meio da desvalorização de suas características fenotípicas, como a cor da pele e o tipo de cabelo. Essa cultura racista, segundo Hasenbalg (1987) resulta na existência de diferenças expressivas na apropriação de oportunidades educacionais, no acesso ao mercado de trabalho, nos salários etc. Para nosso autor, negros estariam expostos a desvantagens cumulativas 6 ao longo das fases de sua vida. Essas desigualdades tendem a se transmitir de geração em geração, de forma a perpetuar a condição de marginalidade social dos negros. A reprodução cíclica desse quadro tem como resultados maiores taxas de mortalidade infantil, menos anos de escolarização, trajetórias escolares mais intermitentes, discriminações no mercado de trabalho e diferenças salariais. Considero que essa manifestação macroestrutural; evidenciada em estatísticas recentes 7 se mantém graças ao racismo presente em escalas microssociológicas, ou seja, no plano das relações sociais vivenciadas nas diferentes esferas e instituições da sociedade brasileira, entre elas a escola, especialmente quando o patrimônio cultural de negros e de seus ancestrais africanos não é valorizado, pelo silenciamento da escola em relação ao racismo presente nos intramuros, pelas múltiplas formas de manifestação de preconceito racial fundamentadas na corporeidade negra e pela promoção de uma profecia autorrealizadora que permite que alunos (as) negros (as) sejam vistos majoritariamente na condição de não educáveis, ou seja, como aqueles que são portadores do destino do fracasso e da exclusão escolar. Outros mecanismos intraescolares de discriminação racial também se fazem presentes, contudo tendem a ser mais sutis por exemplo, a pouca incorporação da história de luta dos negros na sociedade brasileira, o que acaba impondo o ideal do branqueamento nas narrativas históricas e nos padrões de estética. As sutilezas do discurso racista escolar também se manifestam na adoção de um discurso que afirma o tratamento igualitário por parte dos profissionais da educação, independente do pertencimento racial dos alunos/as; algo que pesquisas recentes não confirmam 8, assim como esforços pedagógicos desastrosos, que folclorizam a produção cultural da população negra. É importante também mencionar os instrumentos de exclusão presentes nos livros didáticos (Rosemberg et al, 2003). 5 Ver Guimarães (2006). 6 Grifos meus. 7 Conforme dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (2008) e também do IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, na terceira edição do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça (2009). 8 Hasenbalg (1987), Rosemberg (2004).

E para finalizar, acredita-se que as relações escolares são também relações raciais, na medida em que interações amistosas entre estudantes são, muitas vezes, permeadas pela atribuição de características negativas aos alunos negros, constituindo assim a prática do abuso verbal, fenômeno difícil de ser combatido por estar situado no terreno da jocosidade. E assim sendo, entende-se que o desconhecimento de tais práticas constitui uma das formas de articulação entre o que ocorre no plano microssociológico e as desigualdades raciais produzidas e mantidas em escala macroestrutural. 4. Considerações Finais Com base em tais constatações, é possível supor que, no interior das instituições escolares, pode se estabelecer um conjunto de práticas sociais que influenciam negativamente as condições de acesso e permanência nas escolas do segmento racial negro, por meio da manutenção de um ciclo de desvantagens cumulativas inserido na trama das relações de sociabilidade. E por tal razão, é preciso que a reflexividade sobre a invisibilidade do racismo e seus efeitos se torne cada vez mais presente nas escolas, retirando a discriminação racial do terreno seguro da jocosidade. Acredita-se que uma das formas de promoção dessa reflexão se dá exatamente por meio da compreensão articulada entre o que ocorre no dia-adia e as consequências de práticas discriminatórias na configuração de acesso desigual à cidadania. 5. Referências Bibliográficas Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar. Brasília, 2008. Brasil. Presidência da República. Lei 11645/08. Altera a Lei 10639/03. Torna obrigatório o ensino de História da África, Cultura Afro-brasileira e cultura indígena em todo o currículo escolar. Brasília, Diário Oficial da União, 10 de março, 2008. Dias, Lucimar Rosa. No fio do horizonte: educadoras da primeira infância e o combate ao racismo. 2007. São Paulo: USP-FEUSP, Tese de Doutorado, 2007. Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002. Guimarães, Antonio Sérgio Alfredo. Entrevista com Carlos Hasenbalg. Tempo Social, São Paulo, v.18, n.2, p.259-268, 2006. Hasenbalg, Carlos A. Desigualdades sociais e oportunidade educacional: a produção do fracasso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.63, p.24-26, 1987. IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça. 3ª. Ed. Brasília, 2009. Rosemberg, Fúlvia. Desigualdades de raza y género en el sistema educativo brasileño, 2004a, (mimeo). Rosemberg, Fúlvia; Da Rocha, Edmar José. Autodeclaração de cor e/ou raça entre escolares paulistanos(as). Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.37, n.132, p.759-

799, set./dez. 2007. Schwarcz, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.