Natureza e mercado imobiliário na redistribuição espacial da população metropolitana: notas a partir do eixo-sul de Belo Horizonte *



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Transcrição:

Natureza e mercado imobiliário na redistribuição espacial da população metropolitana: notas a partir do eixo-sul de Belo Horizonte * Heloisa Soares de Moura Costa Palavras-chave: urbanização; distribuição sócio-espacial; dinâmica imobiliária; qualidade ambiental Resumo O trabalho se propõe a discutir algumas tendências recentes de redistribuição espacial da população nas metrópoles, tendo como referência empírica a expansão metropolitana de Belo Horizonte, particularmente em sua região sul, caracterizada por algumas singularidades: trata-se de Área de Proteção Ambiental em conflituoso processo de institucionalização, com importantes mananciais de abastecimento de água, sendo também área historicamente ocupada pela mineração de ouro e de ferroe, nas últimas décadas vem se configurando como área preferencial de expansão habitacional das chamadas elites. Trata-se, por um lado, de um processo que apresenta interessantes especificidades, que serão discutidas no trabalho, particularmente no que diz respeito a uma comparação entre dois municípios - Nova Lima e Brumadinho - que abrigam processos semelhantes porém com estruturas fundiárias diferentes. Por outro lado, o trabalho traz à tona uma questão mais geral que transcende o caso estudado, qual seja, as implicações em termos de vida urbana/metropolitana, de uma diferente espacialidade da segregação sócio-espacial ("condomínios fechados", núcleos espontâneos recentes e tradicionais, centros de comércio e serviços, etc.). A qualidade ambiental e as possibilidades de manutenção de espaços exclusivos a partir do estabelecimento de unidades de conservação, são um ingrediente central e contraditório, pois na medida em que são apropriados pelo mercado imobiliário, tendem a transformar o valor de uso coletivo inerente à preservação ambiental, em valor de troca, materializado na elevação dos valores fundiários e na elitização do acesso à moradia. O tema é discutido a partir de dados provenientes das seguintes fontes: dados demográficos por setores censitários, pesquisa OD, pesquisa direta de atividades não residenciais e entrevistas com atores relevantes. O trabalho é parte de resultados da pesquisa em andamento intitulada "A expansão metropolitana de Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no eixo-sul", financiada pelo CNPq e PRPq/UFMG. Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu MG Brasil, de 20-24 de setembro de 2004. Professora do Programa de Pós-graduação em Geografia IGC/UFMG e pesquisadora do CNPq. 1

Natureza e mercado imobiliário na redistribuição espacial da população metropolitana: notas a partir do eixo-sul de Belo Horizonte * Heloisa Soares de Moura Costa Introdução Neste trabalho 1 são discutidas tendências recentes de redistribuição espacial da população nas metrópoles, em especial aquela tendência, cada vez mais frequente em cidades de variados portes, de expansão fragmentada do tecido urbano, sob a forma de assentamentos residenciais destinados às camadas de maior renda da população. Tais fragmentos da urbanização contemporânea constituem de fato um produto particular, de boa qualidade urbanística e ambiental, oferecido por um segmento do mercado imobiliário formal, o loteamento residencial unifamiliar exclusivo afastado das regiões centrais. A versão mais conhecida e recentemente bastante estudada de tais formas de produção do espaço, são os parcelamentos com portarias e restrição de acesso público, geralmente denominados de condomínios fechados, embora de fato raramente constituam condomínios e, em termos legais, dificilmente poderiam manter-se fechados da forma como o fazem (CALDEIRA, 1997; ANDRADE, 2002). Enquanto processos mais amplos, tais tendências trazem à tona o debate sobre as muitas formas de segregação sócio-espacial da população metropolitana e as implicações do aprofundamento da demarcação rígida de espaços excludentes, cada vez mais caracterizados pela homogeneização tanto das características sócio-econômicas e ocupacionais da população residente, como da paisagem arquitetônica e urbanística resultante. A discussão das implicações desse processo é fundamental, pois tal forma de moradia vem se tornando o desejo de consumo generalizado para as camadas de renda mais elevada da população, cada vez mais respaldado pelo temor à violência urbana e pela busca da segurança privada. O discurso que legitima tais aspirações, termina por naturalizar as relações sociais assimétricas e desiguais que estão na base mesmo da segregação sócio-espacial, contribuindo para tornar cada vez mais difícil a plena realização de ideais de justiça social e ambiental no espaço metropolitano. Apesar de tudo, busca-se argumentar que, ainda que reconhecendo as tendências gerais, os processos trazem consigo as especificidades dos respectivos lugares e das dinâmicas dos agentes que neles atuam, o que permite que a possibilidade de transformação seja uma alternativa sempre presente, embora nem sempre evidente. Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu MG Brasil, de 20-24 de setembro de 2004. Professora do Programa de Pós-graduação em Geografia IGC/UFMG e pesquisadora do CNPq. 1 Este trabalho é parte da pesquisa em andamento intitulada "A expansão metropolitana de Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no eixo-sul", financiada pelo CNPq, PRPq/UFMG e aprovada pela FAPEMIG. 2

O trabalho tem como referência empírica a expansão metropolitana de Belo Horizonte, particularmente em sua região sul, caracterizada por algumas singularidades que contribuem para tornar a discussão geral mais complexa: trata-se de Área de Proteção Ambiental em conflituoso processo de institucionalização, com importantes mananciais de abastecimento de água, sendo também área historicamente ocupada pela mineração de ouro e de ferro e, nas últimas décadas vem se configurando como área preferencial de expansão habitacional das chamadas elites. Uma breve comparação entre dois municípios - Nova Lima e Brumadinho - que abrigam processos semelhantes porém com estruturas fundiárias diferentes, ilustram o peso da propriedade da terra enquanto elemento determinante das possibilidades de localização da população em assentamentos formalmente produzidos pelo mercado imobiliário ou não, com importantes conseqüências em termos de perspectivas para o futuro. Por outro lado, o trabalho traz à tona uma questão mais geral que transcende o caso estudado, qual seja, as implicações em termos de vida urbana/metropolitana, das muitas manifestações da segregação sócio-espacial ("condomínios fechados", núcleos espontâneos recentes e tradicionais, centros de comércio e serviços, entre outras). A qualidade ambiental e as possibilidades de manutenção de espaços exclusivos a partir do estabelecimento de unidades de conservação, são um ingrediente central e contraditório no caso do eixo-sul, pois na medida em que são apropriados pelo mercado imobiliário, tendem a transformar o valor de uso coletivo inerente à preservação ambiental, em valor de troca, materializado, por exemplo, na elevação dos valores fundiários e na elitização do acesso à moradia. Os conflitos de uso associados à mineração, à produção imobiliária para assentamentos residenciais ou à preservação do patrimônio natural metropolitano são o pano de fundo que dão especificidade - e também crescente complexidade - a este caso. O projeto de pesquisa que referencia a discussão proposta encontra-se em andamento e tem produzido resultados na forma de artigos, monografias e dissertações. As fontes mais comumente utilizadas por eles são dados censitários, principalmente agregados por setores; dados provenientes de pesquisa origem-destino (OD), feita para a região metropolitana de Belo Horizonte; resultados de pesquisa direta realizada no âmbito do projeto eixo-sul, com aplicação de questionário padrão em todos os estabelecimentos onde se desenvolvem atividades não residenciais de localidades selecionadas; entrevistas com agentes sociais relevantes. Urbanização e distribuição espacial da população no eixo-sul Há já uma produção relativamente extensa sobre urbanização e distribuição espacial da população na região de influência do chamado eixo-sul de expansão metropolitana de Belo Horizonte. A ela podem-se somar trabalhos anteriores que buscavam de forma mais ampla compreender a produção do espaço metropolitano, assim como identificar os elementos que o condicionaram espacialmente. A região metropolitana de Belo Horizonte, assim como grande parte das metrópoles brasileiras, apresenta um padrão centro-periferia de urbanização, identificado por áreas centrais de maior densidade demográfica, construtiva e de investimentos públicos, que vão se tornando mais rarefeitos à medida que se tornam mais distantes. Além das áreas centrais, tal padrão também se repete ao longo dos principais eixos viários, particularmente aqueles que concentram maior infra-estrutura econômica e industrial, seguida de perto pela intensa dinâmica imobiliária e fundiária que historicamente acompanha os investimentos públicos (e 3

privados) deles de beneficiando 2. Este padrão, entretanto, é rompido no crescimento urbano que ocorre na direção sul que, mesmo nos espaços mais centrais, já era constituído por bairros onde se localizaram os extratos de renda média e alta, configurando o que simbolicamente é conhecido como zona sul em algumas cidades brasileiras, ou seja, a mistura de bairros residenciais, comércio e serviços elitizados, intensa valorização imobiliária, crescente verticalização e, muitas vezes, como é o caso de Belo Horizonte, grandes concentrações de populações em favelas que resistem em espaços claramente delimitados. O eixo-sul de expansão metropolitana, recorte espacial do projeto, representa a continuidade deste tipo de ocupação e corresponde grosso modo à expansão urbana que se desenvolve a partir de Belo Horizonte rumo ao sul, englobando integralmente o município de Nova Lima e partes dos municípios de Brumadinho, Rio Acima e Raposos, com efeitos também já claramente identificáveis nos municípios de Moeda e Itabirito, estes não pertencentes, em termos institucionais, à Região Metropolitana de Belo Horizonte (ver mapa 1 no Anexo 2). Trata-se portanto de uma região não comprometida com a localização industrial, com tendências a elevados preços da terra, bem como inegáveis atributos ambientais, como se discutirá mais adiante. Desde o início do processo de metropolização, registra-se uma intensa atividade imobiliária no eixo-sul, na forma de empreendimentos associados ao parcelamento do solo, particularmente no município de Nova Lima e, com menor intensidade, nos municípios limítrofes de Brumadinho e Rio Acima. A tabela 1 a seguir exemplifica a intensidade do processo no município de Nova Lima. Neste município, pode-se observar também uma mudança progressiva nas características físicas dos loteamentos ao longo das décadas, desde um expressivo aumento no número absoluto de lotes na década de 50, que detém o maior volume de lotes já lançados numa única década (11.629) a um aumento substancial na área total parcelada ocorrido a partir dos anos setenta. 2 Tal processo já foi objeto de análise mais detalhada em Costa (1994). Para uma análise pioneira, ver PLAMBEL (1978). Para uma evolução da expansão urbana e do processo do processo de parcelamento do solo no município de Nova Lima, ver Pires (2003). 4

Década Tabela 1 Características dos loteamentos em Nova Lima por década No. de loteamentos N total de lotes Número de loteamentos de acordo com o tamanho médio dos lotes (m²) abaixo de 500 Entre 500 e 1.500 Entre 1.500 e 3.000 Acima de 3.000 Área total parcelada 30 3* 285 1 1 140.630 40 5 798 4 1 308.820 50 11 11.629 4 6 1 4.704.345 60 19 3.657 12 4 2 2.103.244 70 30 8.863 9 3 8 10 19.805.802 80 11 1.388 4 2 5 10.966.619 90 13 3209 1 2 4 4 9.089.334 Até 2001 2 231 1 1 2.143.224 Total 94 30.060 35 19 21 15 49.262.019 * Não há informações sobre tamanho médio dos lotes para um dos loteamentos. Fonte: Prefeitura Municipal de Nova Lima. Secretaria de Desenvolvimento e Política Urbana. Cadastro de Parcelamento da RMBH - Dados trabalhados. In: Rezende (2004). Assim, nos anos 50, a maioria dos parcelamentos apresenta o tamanho dos lotes variando entre 500 e 1500 m². Nos anos 60, apesar de terem surgido alguns núcleos residenciais isolados, com características iniciais de sítios de recreio, predominaram os pequenos parcelamentos, de lotes abaixo de 500 m², pois apesar do número de parcelamentos ter quase dobrado em relação ao da década anterior, o número de lotes e a área total parcelada foram significativamente menores. Este período é tido como de retração imobiliária em toda a RMBH, enquanto as décadas de cinquenta e setenta são caracterizadas por intensa expansão, principalmente em termos espaciais (PLAMBEL, 1978). A partir dos anos setenta, há uma mudança no padrão dos loteamentos, passando a prevalecer os loteamentos de lotes maiores, destinados chácaras, sítios de recreio e os chamados condomínios fechados. A região sul da região metropolitana passa a constituir o local preferencial destes empreendimentos, reproduzindo, em escala metropolitana, a elitização e segregação já apontada da região sul da área central. A importância deste tipo de parcelamento é de tal ordem que representa 62% dos lotes produzidos nas décadas de 80 e 90 nos municípios de Nova Lima e Brumadinho (Mendonça, 2002: 168). O Anexo 1 sintetiza, em termos demográficos, algumas das tendências de crescimento metropolitano, que permanecem ao longo da década de noventa. Uma discussão mais detalhadas de tais tendências pode ser encontrada Costa (2003). No que se refere à caracterização da distribuição desta população, do ponto de vista espacial, a urbanização é fragmentada, dispersa pelo território em inúmeros parcelamentos, reagrupando-se às vezes ao longo das principais vias de acesso como a MG-010 que liga Belo Horizonte a Nova Lima, ou ao longo de alguns vales como as regiões do Mutuca e do Jambreiro, beneficiando-se dos generosos atributos da paisagem e da topografia. Conforme já apontado previamente em Mendonça e Costa (2003), uma particularidade desta região, do ponto de vista socioespacial, é a crescente polarização social. 5

A população residente no município de Nova Lima apresentava, nos anos oitenta, alta densidade das duas extremidades da hierarquia social: elites empresariais e profissionais liberais, de um lado, e trabalhadores menos qualificados de outro 3. Os profissionais liberais eram a categoria mais fortemente representada em 1991, com uma densidade quatro vezes maior do que a média metropolitana, sendo também significativa a sobre-representação dos dirigentes privados. Trata-se de uma região heterogênea, onde há população rural, um segmento cada vez menor de trabalhadores vinculados à mineração e população de alta renda, composta de dirigentes e profissionais de nível superior, moradora de condomínios fechados que se estendem pelo vetor sul de expansão metropolitana. Ao mesmo tempo, o esgotamento da produção aurífera e a modernização da mineração de ferro vem provocando uma drástica diminuição dos postos de emprego industrial 4. O mesmo trabalho aponta, por outro lado, que a intensificação da produção imobiliária de loteamentos fechados, exclusivamente residenciais, orientados para o mercado de alta renda, tem sido acompanhada há já algum tempo, pelo adensamento de áreas ocupadas por uma população prestadora de serviços braçais e domésticos. Esse processo de adensamento populacional socialmente polarizado pode ser observado a partir de dados sobre a mobilidade residencial em Nova Lima, disponibilizados por uma Pesquisa de Origem e Destino (O/D) realizada em 1992 na Região Metropolitana de Belo Horizonte 5. Assim, dos 19.579 grupos familiares pesquisados na OD-92 que efetuaram mudança de domicílio, 462 vivem no município de Nova Lima. Embora a amostra seja relativamente pequena, a observação dos dados relativos à origem destas famílias permite identificar tendências. Tabela 2 Região de origem das famílias pesquisadas que efetuaram mudança de residência Nova Lima Local de moradia Centro/ Zona Sul de BH Restante de Belo Horizonte Região de origem Outros municípios vizinhos Nova Lima Sede Nova Lima Expansão Sede 0 11 6 190 12 219 Expansão Condomínios da 25 10 2 36 35 108 MG-30 Condomínios da 19 1 0 0 7 27 BR-040 Povoados 2 6 4 23 60 95 Loteamento 0 7 0 1 5 13 (Jardim Canadá) Total / Expansão 46 24 6 60 107 243 TOTAL DE NOVA LIMA 46 35 12 250 119 462 Fonte: Fundação João Pinheiro, Pesquisa Origem/Destino 1992 dados trabalhados. In Mendonça; Costa (2003) Total 3 Ver Mendonça (2002) para um detalhamento das categorias sócio-ocupacionais e da metodologia utilizada na análise. 4 A Mineração Morro Velho, principal base econômica do Município de Nova Lima, que já teve 7 mil empregados, atualmente tem cerca de 1200, segundo informações da área de desenvolvimento econômico da Prefeitura de Nova Lima. 5 Pesquisa de Origem e Destino (Pesquisa O/D), promovida pela Transmetro, e pelo Plambel (órgãos metropolitanos, respectivamente de transportes e de planejamento, já extintos), e processada no final dos anos noventa pela Fundação João Pinheiro. Embora tenha sido realizada com objetivos de informar o planejamento de transportes da região metropolitana, a pesquisa traz importantes dados sócio-econômicos, tais como local de moradia atual, local de moradia anterior, tempo de residência, renda familiar e ocupação do chefe da família. 6

O trabalho demonstrava que sede do município constitui uma área estagnada, com crescimento demográfico anual abaixo de 1%. Entre as 219 famílias pesquisadas, que mudaram de domicílio, quase todas realizaram mudanças dentro da própria sede. Na área de expansão, ao contrário, embora cerca de 2/3 tenham realizado mudança domiciliar dentro do município, há um movimento significativo de saída da sede para a área de expansão e um grande número de famílias oriundas de Belo Horizonte. Especialmente no caso dos condomínios, a zona sul da capital aparece como a origem predominante das famílias. Estudos mais recentes feitos dentro da pesquisa vem mostrando que a expansão demográfica de alta renda no eixo-sul, tida pelo senso comum como a região dos condomínios, encobre uma dinâmica demográfica e social bastante mais complexa, na qual há um crescimento já significativo, embora ainda não muito expressivo em termos absolutos mas que permite identificar claras tendências, de uma população com níveis de renda bastante baixos, migrantes recentes, que começa a ocupar os espaços de urbanização não controlada pelos proprietários de grandes glebas e/ou pelos empreendimentos imobiliários elitizados. Conforme apontam Mendonça, Perpétuo e Vargas (2004), apoiados nos dados do Censo Demográfico de 2000 e em nova pesquisa de Origem e Destino 6, há indícios de que o alto crescimento populacional dos municípios que compõem o eixo sul de expansão da RMBH (Nova Lima e Brumadinho) não se restringe às chamadas elites belo-horizontinas Em Nova Lima, o baixo crescimento demográfico até os anos oitenta, segundo os autores preservou a região para um mercado imobiliário que, nos anos recentes, transformou a natureza (ou o seu fake), a tranqüilidade e a segurança em itens de consumo vendidos junto com o lote. Nas décadas de oitenta e de noventa, embora o município de Nova Lima como um todo tenha crescido a taxas próximas da média metropolitana (2,2% e 2,3% respectivamente), excluindo-se a sede municipal, cujo crescimento situou-se próximo de zero, as taxas anuais de crescimento do restante do município são significativamente altas: 6,9% e 5,2% respectivamente (ibid, 2004). Já Brumadinho apontou um crescimento demográfico de 3,6% ao ano na década de noventa, após duas décadas de crescimento próximo de zero, vinculado tanto à intensificação da implantação de loteamentos fechados, como também a várias formas de ocupação recente evidenciadas pelo aparecimento de novas construções. Os dados trabalhados apontam que dentre os migrantes recentes mais da metade reside nas sedes municipais, em povoados e em loteamentos abertos (idem). E ainda que considerando apenas os migrantes recentes ocupados quase um terço deles são constituídos pela elites dirigentes e profissionais de nível superior e quase a metade é composta por trabalhadores manuais, grande parte de baixa qualificação, muitos dos quais em atividades de serviço doméstico. No que se refere à ocupação, o trabalho traz ainda evidências daquilo que já era perceptível em campo, os proprietários das moradias em condomínio trabalham predominantemente em Belo Horizonte, em ocupações ligadas ao setor terciário moderno. Quem trabalha no próprio local (Área Homogênea) de residência, são os prestadores de serviços, que moram nos próprios condomínios ou em loteamentos populares nas proximidades (idem). Neste quadro, a expansão metropolitana recente do eixo-sul aponta a consolidação de segmentos bastante distante do espectro social e ocupacional, com pouca presença das faixas 6 Realizada pela Fundação João Pinheiro em 2001/2002 e disponibilizada pela Prefeitura de Belo Horizonte. 7

médias e, portanto, com pouca diversidade típica do cotidiano metropolitano. Como em outros momentos da produção do espaço urbano, a racionalidade da ocupação de espaços pela população de baixa renda, acompanha, na medida do possível, aquela racionalidade que preside a localização dos extratos de renda alta, comandados pelo mercado imobiliário. Aparentemente, pelo menos por enquanto, as camadas de baixa renda vem estabelecendo seus locais de moradia na forma de assentamentos espontâneos, ou seja, não enquanto uma atividade imobiliária sistemática como foi a dos loteadores populares que caracterizaram a formação das periferias metropolitanas desde os anos cinquenta e particularmente nos anos setenta (Costa 1994). No caso do eixo-sul, a intensa valorização imobiliária tem, por enquanto, deixado poucas alternativas de produção formal de assentamentos populares. Tal valorização está intimamente ligada à discussão da preservação ambiental. Natureza e mercado imobiliário ou a naturalização do mercado e mercantilização dos atributos ambientais Também em trabalhos anteriores (Costa, 2003) decorrentes da presente pesquisa, buscamos enfatizar alguns dos condicionantes que permitiram e respaldaram a constituição do eixo-sul como o local da produção e reprodução do espaço urbano como canalizador dos investimentos imobiliários dos setores de alta renda, e como objeto de consumo desejado por grande parte da população e habilmente incorporado pelo capital imobiliário. Além dos elementos já apontados no item anterior, é importante destacar o papel do estado na valorização imobiliária do eixo-sul, principalmente mediado pela regulação urbanística e, posteriormente, também a ambiental. Remonta à década de setenta um amplo processo de planejamento metropolitano, com base em um diagnóstico extensivo da dinâmica urbana, do potencial de recursos naturais e das tendências de expansão. No que se refere à expansão metropolitana, que atinge mais diretamente nosso caso, o diagnóstico reforçava a necessidade premente de controle do parcelamento do solo, a ser feito por cada município porém orientado por diretrizes gerais que se materializaram, em 1976, no Plano de Uso e Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana, elaborado pelo então órgão de planejamento metropolitano, o PLAMBEL. Trabalhando com um horizonte temporal de dez anos foram definidos 22 mil hectares como áreas de expansão urbana, conforme se estimava então, suficientes para absorver um incremento populacional de 1.100.000. Localizadas nos interstícios vazios da metrópole ou em seu entorno, tais áreas foram definidas a partir dos seguintes critérios: tendências históricas de expansão urbana, recursos naturais e áreas de preservação ambiental. Em termos de operacionalização, deveriam ser adotadas por cada um dos municípios por meio de legislação específica. Este é um aspecto importante, pois só pode haver parcelamento formalizado do solo em áreas definidas como de expansão urbana. É sintomático que no momento atual, em que os grandes empreendimentos imobiliários vêm se tornando uma alternativa econômica à mineração 7, o Plano Diretor de Nova Lima (PMNL, 2002), ainda não aprovado pelo legislativo municipal, proponha a incorporação de parâmetros mais flexíveis na aprovação de parcelamentos, o que na prática significará analisar caso a caso. 7 As empresas mineradoras, principais proprietárias de terra no município de Nova Lima, de tempos em tempos vendem grandes glebas para empreendimentos imobiliários de grande porte, a exemplo do Condomínio Alphaville Lagoa dos Ingleses. Mais recentemente, elas próprias vem se transformando em incorporadoras e lançando empreendimentos no mercado. Esta descoberta da atividade imobiliária vem sendo chamada de A terceira safra do ouro: o ouro à flor da terra, e incorporada no discurso promocional dos empreendimentos. 8

O texto a seguir sintetiza a racionalidade urbanística contida então no plano bem como as diretrizes e resultados: O controle da expansão urbana pressupunha principalmente um controle de densidades, que por sua vez idealmente possibilitaria o planejamento da infraestrutura e serviços, do sistema viário e de transportes, e assim por diante. Para isto foram criadas zonas de expansão, às quais correspondiam modelos de parcelamento baseados em dimensões mínimas de lotes e quadras, características de infra-estrutura e condições de mercado ao qual se destinavam 8. Estava clara a associação entre tamanho do lote e nível de renda do comprador em potencial. A intenção era estimular o parcelamento e adensamento das áreas centrais, já providas de investimentos públicos, garantindo o retorno dos mesmos e evitando a expansão da periferia. Acreditava-se que o maior número de lotes no mercado poderia baixar o preço da terra, principalmente próximo às áreas industriais, tornando-a mais acessível à população de baixa renda. Dentro da mesma racionalidade, os modelos de lotes maiores seriam um impedimento ao parcelamento da periferia, pois seriam mais caros, logo haveria pouca demanda dados os níveis de concentração de renda prevalecentes. Aparentemente o tiro saiu pela culatra, segunda avaliação do próprio PLAMBEL, pois houve uma encarecimento generalizado da terra urbana, seguido da elitização do acesso à terra. As áreas de lotes menores sofreram grande valorização, em parte permanecendo desocupadas pois foram compradas como investimento e não diretamente para habitação, ou tendo sido habitadas por camadas de rendas mais elevadas. Já as áreas de lotes maiores de fato representaram um incentivo e não restrição ao parcelamento, principalmente por meio de chácaras, parcelamentos de recreio e segundas residências, provocando intensa valorização nas regiões onde ocorreram, além de expandir de forma fragmentada o tecido urbano/metropolitano. Neste caso as exigências em termos de qualidade da urbanização, determinadas pela legislação, foram transferidas para o preço do lote, contribuindo para agravar a elitização do mercado formal. (Costa, 2003). O eixo-sul assimilou exemplarmente esta forma de urbanização e de valorização fundiária. Apenas para exemplificar, pode-se apontar que ainda nos anos setenta, o preço da terra em Nova Lima experimentou o dobro do crescimento no preço da terra ocorrido nos demais municípios da região metropolitana. Naturalmente que o diagnóstico e as propostas feitas tinham como elemento central as características do quadro natural que se queria preservar. A paisagem natural exuberante, a forte presença da Serra do Curral tombada como patrimônio natural-cultural (Ferreira, 2003) e referência obrigatória na paisagem e no imaginário belorizontino, bem como a presença de importante recursos hídricos de importância metropolitana, são alguns dos fatores que respaldavam as propostas do planejamento metropolitano dos anos setenta e vieram a servir de base para o estabelecimento de unidades de conservação ambiental no eixo-sul. 8 Os modelos eram os seguintes: modelo 1 lote mínimo de 200 m2, localizado próximo às áreas industriais; modelo 2 lote mínimo de 360 m2, localizado nos espaços vazios no interior da aglomeração e áreas periféricas perto das concentrações industriais; modelo 3 lote mínimo de 525 m2, na zona sul, destinado às residências de alta renda; modelos 4, 5 e 6 lote mínimo de 1000, 2000 e 5000 m2, respectivamente, destinado às camadas de alta renda, onde a baixa densidade foi considerada desejável por razões de preservação ambiental ou topografia desfavorável (PLAMBEL, 1975 e 1978). 9

Há várias unidades de conservação no âmbito do recorte espacial da pesquisa: duas APAs, várias unidades de conservação de proteção integral e de proteção de mananciais, além de parques e um crescente número de RPPNs, já implantadas ou propostas (Camargos, 2001). A mais importante unidade de preservação no eixo-sul é a APA-SUL Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte, criada em 1994 e que ocupa uma área total de 165mil hectares, 45% dos quais estão dentro da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em municípios do eixo-sul e outros mais. São mais de 146 mil hectares de uso sustentável, uma vez retiradas as áreas de interseções de proteção integral e de proteção de mananciais nela inseridas. Segundo a Fundação Estadual de Meio Ambiente, esta é a única unidade de conservação criada com base em preocupações de cunho metropolitano e não pelo fato de um determinado bioma estar presente em território metropolitano. Criada há dez anos, apesar da ampla mobilização de movimentos dos movimentos ambientalistas e sociais que lhe deram suporte ser originário da década de oitenta, até hoje a APA-SUL permanece numa situação bastante indefinida quanto ao planejamento de usos. O atraso e constantes adiamentos na elaboração e discussão do zoneamento ecológico-econômico ZEE, constitui um claro indicativo da complexidades dos conflitos de interesse envolvidos. Há, no mínimo três grandes usos em conflito: a mineração, os recursos hídricos e o uso urbano, redefinindo o clássico conflito entre preservação e preservação presente nas relações entre sociedade e natureza (Diegues, 1998). O setor minerário é representada por vários órgãos como o IBRAM Instituto Brasileiro de Mineração, mas também pelo conjunto das mineradoras, algumas das quais de grande porte como a MBR e Anglo Gold que juntas detém significativa parcela do território de Nova Lima. Este município, por sua vez tem 93% de seu território dentro da APA-SUL. Por outro lado, aproximadamente 60% das terras da APA-Sul são de propriedade de mineradoras. Quanto aos recursos hídricos, a APA-SUL é o local de preservação e recarga de importantes mananciais de abastecimento metropolitano, abrigando portanto várias Áreas de Proteção Especiais, definidas desde o início da década de oitenta, que se superpõem a ela (Camargos, 2001). O uso urbano, compreende naturalmente as diversas formas assumidas pela expansão metropolitana, porém aparece mais claramente como conflito quando as necessidades de preservação impedem a utilização plena do potencial de renda da terra em áreas muito valorizadas. Um outro tipo de conflito diz respeito à permanente ameaça ao aqüífero, representada pelo adensamento populacional. Estas formulações genéricas para o conflito, aparecem com especificidades inusitadas no caso do eixo-sul. Começa a se estabelecer uma convergência entre interesses da mineração (das mineradoras, melhor dizendo) e de determinados tipos de uso urbano, na medida em que as mineradoras, enquanto grandes proprietárias fundiárias, começam a investir no parcelamento do solo, nos moldes já discutidos, para um mercado de alta renda. Um exemplo interessante é o do Vale dos Cristais, um grande empreendimento imobiliário, basicamente residencial e com alguns tipos de serviços, em processo de licenciamento ambiental, localizado em terras da Anglo Gold, que se utiliza de uma outra unidade de preservação, a RPPN Reserva Particular de Patrimônio Natural, para garantir a qualidade ambiental para todo o empreendimento e desta forma, sofisticar e aumentar a qualidade do produto oferecido (Nunes, 2004). Na urbanização elitizada do eixo-sul, o mercado imobiliário conseguir inventar mecanismos de se apropriar da preservação 10

ambiental, por definição um valor de uso coletivo, transformando-a em mercadoria e agregando valor à terra. Outro caso interessante refere-se à infindáveis discussões e formação de comissões sobre a elaboração de novas diretrizes de parcelamento urbano para as áreas de expansão urbana dentro da APA-SUL. Este e outros pontos em torno dos quais se articulam interesses divergentes encontram no ZEE um catalisador. Enquanto a materialização de um plano de ocupação para toda a área, ele evidencia a assimetria das relações de poder neste e em vários outros casos (Acselrad, 2002). A APA permite a coexistência de terras públicas e privadas, atuando no nível da regulação por meio da compatibilização do uso e ocupação do solo. Neste sentido, o ZEE constitui de fato instrumento central na definição de tais diretrizes. A gestão das APAs, por outro lado, pressupõe também a existência de um órgão colegiado, no caso o Conselho Consultivo da APA-Sul, que sem dúvidas constitui um fórum privilegiado de enfrentamento de interesses, mas também de negociação. Um estudo mais aprofundado das atas de reuniões deste conselho, ainda não efetuado de forma sistemática na pesquisa, certamente trará contribuições essenciais para a compreensão da prática política em torno dos conflitos sócio-ambientais no âmbito do eixo-sul. Há ainda muitos caminhos a serem explorados, inclusive a possibilidade de comparações com outros casos e regiões onde se verificam processos semelhantes. Entre as perspectivas que se colocam para o aprofundamento do debate, estão as possibilidades de atuação. Como utilizar os resultados até agora alcançados, alguns dos quais brevemente explicitados neste trabalho, para alterar as práticas públicas e privadas, individuais e coletivas em seus vários níveis? Até que ponto a regulação que temos, materializada na legislação ambiental e urbanística, nos conselhos e demais instâncias de deliberação são suficientes para dar conta de relações tão complexas? Há uma tentativa de utilização de instrumentos e ações previstas na legislação de forma inovadora por parte de alguns municípios, quando ameaçam utilizar princípios da economia ecológica e adotar medidas compensatórias, como por exemplo demandar que Belo Horizonte, o maior consumidor, pague pelo uso da água, como contrapartida pelo o uso de preservação a ser observado no município que abriga tal recurso. O trabalho, como sempre, termina abrindo novas questões, sem necessariamente ter conseguido esclarecer aquelas que o motivaram inicialmente. Espera-se, entretanto, ter contribuído para manter aceso o debate. Referências bibliográficas ACSELRAD, H. O Zoneamento Ecológico-Econômico na Amazônia e o panoptismo imperfeito. Planejamento e Território: Ensaios sobre a desigualdade. Cadernos IPPUR, ano XV, n.2, ago-dez 2001/anoXVI, n.1, jan.-jul 2002, p.53 75.. ANDRADE, L.T. Segregação socioespacial e vida cotidiana: o caso dos condomínios fechados. Anais do XXVI Encontro Anual da ANPOCS.Caxambu: ANPOCS, 2002. CALDEIRA, T.P. Enclaves Fortificados: A nova segregação urbana. In Novos Estudos, CEBRAP, n. 47, mar. 1997, p. 155-176. CAMARGOS, R.M Unidades de Conservação em Minas Gerais: levantamento e discussão. Belo Horizonte: Fundação Biodiversitas, 2001. 11

COSTA, H.S.M. Habitação e produção do espaço em Belo Horizonte. In MONTE-MÒR, R.L. (org.). Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte: PBH/ CEDEPLAR, 1994. P. -. Coleção BH 100 anos. COSTA, H.S.M Natureza, mercado e cultura: caminhos da expansão metropolitana de Belo Horizonte. In: MENDONÇA, J.G.; NAVARRO, M.H. População, espaço e gestão na metrópole: novas configurações, velhas desigualdades. Belo Horizonte: Pucminas, 2003. p.159 178. DIEGUES, A.C. O mito moderno da natureza intocada. In: CAVALCANTI, C. (org.). Sociedade e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1998 FERREIRA, M.B. A proteção do patrimônio natural urbano: estudo de caso sobre a Serra do Curral, Belo Horizonte/MG. Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2003 (dissertação de mestrado). LEFEBVRE, H. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. LEFF, E. La ecologia política en América Latina: un campo en construcción. Panamá: CLACSO, 2003 (texto apresentado à reunião do Grupo de Ecologia Política do CLACSO. mimeo.) MENDONÇA, J.G. Segregação e mobilidade residencial na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2002. (tese de doutorado). MENDONÇA, J. G.; COSTA, H.S.M. Entre a homogeneização e a diversidade: segregação sócio-espacial na metrópole belo-horizontina e as especificidades do eixo-sul. In Anais de Resumos do Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu: ANPOCS, 2003. MENDONÇA, J.G.; PERPÉTUO, I.H.O.; VARGAS, M.C. A periferização da riqueza na metrópole belo-horizontina: falsa hipótese? In Anais do XI Seminário sobre a Economia Mineira. Diamantina: CEDEPLAR/UFMG, 2004. NUNES, S.S. A convergência entre a legislação urbanística e ambiental no eixo no eixosul de Belo Horizonte. Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2003. (monografia de graduação). PIRES, C.T.P. Evolução do processo de ocupação urbana do município de Nova Lima: um enfoque sobre a estrutura fundiária e a produção de loteamentos. Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2003. (dissertação de mestrado - versão preliminar). PLAMBEL. O mercado da terra na Região Metropolitana. Belo Horizonte, 1978. PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA LIMA. Plano Diretor de Nova Lima. Nova Lima, 2002. REZENDE, L.N. Alphaville Lagoa dos Ingleses. Um novo cenário de um velho modo de vida. Belo Horizonte: IGC/UFMG, 2003. (monografia de graduação). SINGER P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In MARICATO, E. (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa-Omega, 1979. p.21-36. 12

Anexo 1 Municípios Tabela População e taxas de crescimento anual da população urbana Região Metropolitana de Belo Horizonte 1970-2000 População urbana Taxa de crescimento anual 1970 1980 1991 2000 70/80 80/91 91/00 Belo Horizonte Betim Brumadinho* Caeté Contagem Esmeraldas* Ibirité Sarzedo Mário Campos Igarapé São Joaquim Bicas* Lagoa Santa Confins Mateus Leme* Juatuba* Nova Lima Pedro Leopoldo Raposos Ribeirão das Neves Rio Acima Sabará Santa Luzia Vespasiano São José da Lapa 1228342 17536 9981 19663 108028 4098 3817 3755 9939 6012 27377 13498 9183 5547 3394 24977 19410 5281 1775082 76810 8611 25127 278081 5311 27429 11028 15395 12108 35050 20872 11058 61670 3463 58145 51813 21095 2013257 162143 11583 29115 419975 7044 91193 19909 27979 19580 44038 32891 13317 119925 5641 74757 130186 35390 2232747 298116 19367 31651 533119 38179 132262 14758 7945 22891 13720 35376 3130 20382 15942 63035 43426 13434 245143 6567 112630 184026 75220 8899 3.75 15.92-1.47 2.48 9.92 2.63 21.80 11.38 4.47 7.25 2.50 4.46 1.88 27.23 0.20 8.82 10.32 14.85 1.15 7,03 2.73 1.35 3.82 2.60 11.54 5.52 5.58 4.47 2.10 4.22 1.70 6.23 4.54 2.31 8.74 4.82 1.16 7.00 5.88 0.93 2.69 20.66 6.07 7.00 3.61 7.11 4.07 3.14 0.10 8.27 1.70 4.66 3.92 10.10 Total 1519838 2498148 3257923 4171965 5.10 2.44 2.79 Fonte: FIBGE Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000. Apud Mendonça (2002, p. 52). * Municípios que não faziam parte da RMBH em 1980 Municípios novos emancipados na década de noventa 13

Anexo 2 Mapa 1 Fonte: Costa, 2003 14