O Avestruz Nihilista. Guido Imaguire Universidade Federal do Rio de Janeiro
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- Isaque Carvalhal Cesário
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1 33 O Avestruz Nihilista Guido Imaguire Universidade Federal do Rio de Janeiro guido_imaguire@yahoo.com Abstract: There are two independent debates in contemporary metaphysics: (1) one about the existence or non-existence of universals in the traditional dispute between Platonism and nominalism, and (2) one about the status of complexes in relation to their parts in the dispute between mereological universalism and mereological nihilism. My aim in this paper is to connect nominalism and nihilism in a metametaphysical perspective. Thus, the present paper is not a defense of ostrich nominalism, nor a defense of mereological nihilism. I just want to show that if someone defends this brand of nominalism, in order to be coherent he also should defend nihilism. To put it in the form of a slogan: every ostrich should be a nihilist. Key words: mereological nihilism; problem of universals; nominalism; constitution. Resumo: Duas discussões acontecem de modo independente na metafísica contemporânea: (1) acerca da existência ou não de universais, na tradicional disputa entre Platonistas e Nominalistas, e (2) acerca do universalismo ou nihilismo mereológico, onde se discute o estatuto dos complexos em relação às suas partes constituintes. Pretendo aqui fazer uma conexão meta-metafísica entre nominalismo e nihilismo. O presente artigo não é uma defesa do nominalismo de avestruz. Também não é uma defesa do nihilismo mereológico. Pretendo apenas mostrar que, se alguém defende essa forma crua de nominalismo, deveria, para ser coerente com seus princípios, defender o nihilismo. Dito numa simples fórmula: todo avestruz deveria ser um nihilista. Palavras-chave: nihilismo mereológico; problema dos universais; nominalismo; constituição.
2 34 1. Nominalismo de Avestruz O nominalismo de avestruz é uma forma peculiar de nominalismo. 1 Sua característica definidora é a rejeição de qualquer tentativa de reduzir fatos predicativos a fatos mais fundamentais. Tome-se, p.ex. o fato expresso pela sentença Fa. Para o nominalista de classes, a é F em virtude de um fato conjuntista: a é um elemento da classe F. Para o nominalista de similaridade, a é F em virtude de um fato relacional: a é similar ao particular b (que também é F). Para o nominalista de predicados, a é F em virtude de um fato lingüístico: ao objeto a pode-se atribuir verdadeiramente o predicado F. Para o avestruz, ao contrário de todos eles, a é F em virtude de nada mais fundamental: a é F, ponto final. Como colocou Quine (1948: 81), o pai dos avestruzes: That the houses and roses and sunsets are all of them red may be taken as ultimate and irreducible. A não existência de universais é defendida com base no princípio de comprometimento ontológico via análise da quantificação. Uma vez selecionada nossa melhor teoria global, verificamos sobre qual domínio quantificamos nas sentenças que a compõem. Somos então compelidos a aceitar a existência das entidades que nossas teorias pressupõem existir. A rigor, trata-se de um princípio de coerência: não podemos dizer, ao mesmo tempo, que Fa e que a não existe. Afinal, na lógica de predicados de primeira ordem (que faz parte da nossa melhor teoria) vale o princípio de generalização existencial: Se Fa, então existe um particular que é F. Ou seja, da verdade de Fa conclui-se a existência de um particular, mas não a existência de um universal (F-idade). Mas o Platonista, inimigo natural do avestruz, reage. Suponha que dois particulares, a e b, são ambos F. Assim, pelos menos três sentenças são verdadeiras 1 O termo avestruz foi introduzido, de modo pejorativo, por Armstrong 1978 para caracterizar a posição de Quine que, segundo ele, não levava o comprometimento ontológico de predicados a sério. Devitt responde em defesa a Quine em Ostrich Nominalism or Mirage Realism em 1980, e tem uma réplica de Armstrong no mesmo ano.
3 35 (1) a é F (2) b é F (3) a e b têm F-idade em comum. Aplicando o princípio de generalização existencial, deveríamos concluir, insiste o Platonista, que existe algo que a e b têm em comum. Esse algo não é um particular, mas a propriedade F-idade. Se queremos ser coerentes, como podemos negar a verdade de (3) e, pela generalização existencial, a existência da F-idade? conclui o Platonista triunfante. A resposta de Quine aqui é um pouco elusiva: dizer que a e b têm algo em comum é apenas uma maneira popular e enganosa de expressar (1) e (2): One may admit that there are red houses, roses and sunsets, but deny, except as a popular and misleading manner of speaking, that they have something in common (Quine 1948: 81) Ao avestruz esclarecido cabe uma resposta mais principiada. Não se trata de negar a verdade de (3). O fato é que, ao decidir sua ontologia, o avestruz recorre ao minimalismo descritivo. Uma teoria T que contém as sentenças (1) e (2) é completa. (3) é apenas uma re-descrição redundante dos fatos expressos por (1) e (2). Nesse momento, o avestruz vira o jogo contra o Platonismo: Se devemos admitir redescrições redundantes na nossa teoria, então (1)-(3) não compromete apenas com duas entidades, a e com a F-idade, mas também com infinitas outras. Afinal, todas as seguintes sentenças são verdadeiras no Platonismo: (4) F-idade é instanciada por a (5) Instanciação ocorre entre a e F (6) A relação triádica de instanciação de segunda ordem ocorre entre instanciação, a e F etc. Isso nos comprometeria não apenas com F-idade, mas com a instanciação, a relação triádica de instanciação de segunda ordem, etc. O avestruz, como todo nominalista, é um minimalista. A navalha de Ockham é aplicada logo no nível basilar. Temos (1) e (2) todo resto é barba platônica.
4 36 O Platonista ainda poderia resistir. Se a questão é evitar redundâncias, então por que não tomar (3) como única sentença de T? Afinal, se (3) é verdadeiro, então (1) e (2) são redundantes. T ficaria ainda mais minimalista: ela seria composta por uma única sentença. E, novamente, de (3) se conclui a existência da F-idade. O avestruz finalmente mostra sua verdadeira natureza e enfia sua cabeça na areia. Mas não para fugir do problema. Essa é apenas a sua maneira de investigar relações ontológicas fundamentais. De fato, ele concede que (3) é uma descrição completa, assim como (1) + (2). Mas o que é mais fundamental? Quais são os fatos primitivos, quais os derivados? Para ele é claro que a e b têm F-idade em comum porque a é F e porque b é F, e não vice-versa. É claro que a pode ser F, sem que b seja F, e vice-versa. Dito numa terminologia ontológica: a e b têm algo em comum em virtude de a ser F e de b ser F e não vice-versa. O fato de a e b terem F-idade em comum simplesmente deriva dos fatos de a ser F e b ser F. A discussão poderia continuar, mas, para o propósito deste artigo, basta destacar o procedimento de decisão ontológica do avestruz manifesto até aqui: existência se decide via quantificação das sentenças não redundantes e que expressam os fatos mais fundamentais da nossa teoria. Trata-se, portanto, de um procedimento com 3 ingredientes: quantificação, não-redundância e fundamentalidade. 2. Nihilismo Mereologia é o estudo da relação entre o todo e suas partes. Existem diferentes sistemas axiomáticos que tentam capturar as intuições de diferentes teorias filosóficas a respeito dessa relação. Os diferentes sistemas em geral concordam quanto a três características formais da relação ser parte de ( < ): Reflexividade: x (x<x) Transitividade: x y z (x<y y<z x<z)
5 37 Anti-simetria: x y (x<y x y (y<x)) Mas há também princípios controversos: Composição irrestrita: Se existem alguns X, então existe a soma de X. Unicidade da composição: Se x e y são somas dos mesmos X, então x=y (O X maiúsculo é uma variável de quantificação plural: para os x s ). Estes dois últimos merecem nossa atenção agora. Acrescentemos, todavia, antes a definição de átomo. Um átomo pode ser definido como entidade que não tem parte própria. Átomo: x é átomo = df. y (y<x y x) Um composto é uma entidade que tem pelo menos uma parte própria. Note que isso não implica que o composto tem no mínimo duas partes. Se a é parte própria de b, e mais nada é parte própria de b, então b é um composto com uma única parte. O atomismo é a tese genérica que afirma a prioridade dos átomos. Essa prioridade pode ser compreendida de várias formas, p.ex. como prioridade numa cadeia de dependência ontológica (compostos dependem dos átomos, átomos não dependem dos compostos para existir) ou como prioridade existencial (apenas os átomos existem num sentido filosófico estrito). Essa última tese, o atomismo existencial, também é chamada de nihilismo mereológico. A disputa gira em torno da aplicação, irrestrita ou não, do princípio de composição. Três posições são defensáveis: Universalismo: Dadas duas entidades quaisquer, sempre existe sua soma mereológica. Assim, existe p.ex. a soma mereológica do meu nariz e da Torre Eifel. Exclusivismo: Apenas algumas somas mereológicas formam novas entidades genuínas. Alegadamente, apenas algumas entidades compostas têm um princípio de unidade que lhes confere o estatuto de existência real. Inwagen (1991) p.ex. defende que apenas organismos vivos são compostos reais. Nihilismo: Nenhum composto existe realmente; apenas átomos existem num sentido filosófico estrito.
6 38 Como disse no início do artigo, a pretensão dele é mostrar que todo avestruz deveria ser um nihilista mereológico. Estamos agora em condições de entrar no argumento do artigo. 3. O Avestruz Nihilista Apresentamos a posição do avestruz como possível solução ao Problema dos Universais. Mas alguém poderia perguntar com toda razão: se o avestruz é tão restritivo na atribuição de existência na discussão sobre universais, ele não deveria ser igualmente restritivo na atribuição de existência a particulares? Não seria injusto, ou até incoerente, aplicar diferentes critérios para diferentes categorias? De fato, se parcimônia ontológica é o princípio do avestruz, ela deve ser aplicada com equidade. Uma possível estratégia para ser parcimonioso na mereologia é defender a tese proposta por David Lewis (1991) de que a mereologia é ontologicamente inocente. Diferente da teoria de conjuntos, que gera infinitos novos conjuntos a partir de uma base qualquer (inclusive nula), a mereologia não cria novas entidades. Isso é assim porque composição nada mais é que ou é formalmente similar à identidade. Ou seja, dadas duas entidades a e b, a soma mereológica a+b não é nenhuma nova entidade: a+b é simplesmente a e b juntos. Embora Lewis não defenda o princípio forte composição é identidade, ele defende o que se costuma chamar de princípio fraco composição é formalmente similar à identidade. Lewis apresenta quatro motivos para fundamentar a similaridade formal entre identidade e composição: 1. Irrestrição: Identidade: Tudo é idêntico a algo. x y (x=y) Composição: Dados quaisquer X eles sempre compõem algo. 2. Unicidade da Descrição: X y (X=y)
7 39 Identidade: Se descrevemos x totalmente, descrevemos qualquer coisa idêntica a x. Composição: se descrevemos os X totalmente, descrevemos a soma de X totalmente. 3. Coincidência espaço-temporal: Identidade: se x = y, então x e y ocupam a mesma posição. Composição: se y é a soma dos X, então y ocupa a mesma posição que os X. 4. Unicidade: Identidade: nada pode ser idêntico a dois objetos distintos, Composição: não pode haver duas somas das mesmas partes. Penso que esse último princípio mereceria uma formulação mais precisa. Podemos distinguir dois princípios diferentes: 4a. Unicidade de decomposição Identidade: nada pode ser idêntico a dois objetos distintos. Se x y, então z (z=x z=y) Composição: nada pode ser a soma de partes diferentes. Se X Y, então z (z é soma dos X z é soma dos Y) 4b. Unicidade de composição Identidade: não pode haver duas coisas distintas que são idênticas ao mesmo objeto. Se x=y, então z=x w=y z=w. Composição: não pode haver duas somas distintas compostas das mesmas partes. Se X=Y, então x é soma dos X y é soma dos Y x=y. Mas eis que surgem as dúvidas. Os princípios 4a e 4b são realmente válidos? Vários contra-exemplos podem ser aduzidos contra 4a. Figuras geométricas podem ser decompostas de diferentes maneiras. A substituição de uma molécula em uma mesa não parece afetar em nada a identidade da mesa. E quanto a 4b: Qualquer criança que brinca com pecinhas de Lego sabe que pode montar, com as mesmas peças, diferentes brinquedos.
8 40 Mas, então, o que devemos concluir? Que a mereologia não é ontologicamente inocente? Se assim for, perdeu-se o alvo que se buscava: a parcimônia. A solução do avestruz, treinado para sobreviver na aridez do deserto, porém, é outra: a mereologia não é inocente, ela é super-inocente! Não é verdade que as composições não são nada mais que as partes. De fato, as composições são diferentes das partes. Mas o fato é que as composições não têm o mesmo estatuto de existência que as partes últimas, os átomos. Por isso sempre uso acima a expressão sentido filosófico estrito de existência. O avestruz aplica a lição que ele aprendeu na investigação sobre universais e acrescenta uma distinção mereológica importante. Comecemos por esta última. A distinção mereológica proposta é entre fusão e composição. Por fusão se entende a mera operação mereológica arbitrária de formação de complexos. Essa operação é universal, i.e. vale para qualquer coleção de partes. Ela é a simples contraparte da formação de conjuntos na teoria de conjuntos, que também vale irrestritamente (claro, sempre obedecendo princípios para evitar paradoxos). Ela é, por assim dizer, uma operação meramente formal, não ontológica no sentido de que ela não cria nenhuma entidade adicional. Composição, por outro lado, é uma operação complexa de organização, não arbitrária. Esta é uma operação genuinamente ontológica, na qual se cria uma entidade adicional. Como somente esta operação cria novas entidades, somente ela deve nos preocupar. Tome-se como exemplo uma totalidade T, composta das partes a, b e c. Para meros fins de ilustração, suponha que T é uma taça, composta da haste (a), da base (b) e do cálice (c). Se existe uma taça sobre a mesa, a sentença S1 Existe uma taça sobre a mesa é verdadeira. Aplicando o critério quantificacional do avestruz, a conclusão parece ser que o composto, a taça, existe. Logo, deveríamos aceitar que existem complexos. Mas eis que o avestruz se lembra que seu procedimento de decisão
9 41 ontológica tem 3 ingredientes: quantificação, não-redundância e fundamentalidade. Existência se decide via quantificação das sentenças não redundantes e que expressam os fatos mais fundamentais da teoria que considera verdadeira. A paráfrase ontologicamente perspícua não redundante e fundamental de S1 para avestruz nihilista é: S2 a, b e c estão organizados em forma de taça sobre a mesa. Essa paráfrase é, claro, complexa. Aplicando o critério quantificacional temos finalmente o comprometimento ontológico: nosso quantificador percorre apenas um domínio de átomos. Se alguém desejasse uma explicitação lógica de S2, teríamos provavelmente algo como: (i) a, b e c existem. (ii) a b b c a c (iii) a.b.c estão organizados em forma de taça sobre a mesa. A primeira parte (i) simplesmente explicita o comprometimento existencial de S1. Note que a atribuição de existência deve ser compreendida distributivamente (ou seja, como mera conjunção): a existe, b existe e c existe. A segunda parte (ii) garante que temos três partes distintas. Finalmente, (iii) explicita a composição mereológica: a, b e c poderiam estar sobre a mesa sem estarem organizados em forma de taça. Neste caso, não diríamos que a taça existe. Diferente de (i), (iii) tem a forma de predicação não distributiva: não é o caso que a está organizado em forma de taça, b está organizado em forma de taça e c está organizado em forma de taça. De qualquer forma, na descrição perspícua, ontologicamente fundamental e não redundante, o quantificador percorreu apenas um domínio de átomos. No sentido filosófico estrito, apenas eles existem. Note que o avestruz nihilista não nega que existe uma taça sobre a mesa seja verdadeiro. Apenas não é uma sentença fundamental de descrição da realidade, assim como há algo que a e b têm em comum não era fundamental no seu tratamento das propriedades.
10 42 4. Conclusão: A Dura Sobrevivência no Deserto O avestruz conclui feliz que apenas particulares atômicos existem num sentido estrito. Na sua ontologia não há espaço para universais e particulares compostos. Ele está em boa companhia: dentre os vários nominalistas e atomistas, Leibniz se destaca como nominalista atomista, ou, se preferir, como avestruz nihilista. Para ele, universais não existem, e existência plena só têm as mônadas, verdadeiros átomos da natureza. Mas o deserto não é um lugar fácil para viver. Há muitos predadores que espreitam o avestruz. Um deles é o puma argentino que acusa o avestruz nihilista de realismo ingênuo. 2 Afinal, o avestruz parece falar da realidade, suas entidades complexas e simples, como na era pré-kantiana. Mas, na verdade, o puma confunde o avestruz com o nandú 3, que certamente lhe assemelha um pouco. O verdadeiro avestruz nihilista, note-se, decide questões de existência a partir da análise da quantificação nas sentenças da sua melhor teoria. Ele não pretende investigar a realidade em si mesma e independente das nossas teorias. Ele também não precisa adotar (embora possa) uma atitude realista com respeito às teorias, à escolha da melhor teoria, nem precisa aceitar uma teoria da verdade realista. Seria no mínimo surpreendente se o avestruz, da linhagem de Quine, se filiasse a uma posição realista ingênua. Claro, ele também reconhece a superação da superação da (e assim o retorno à) metafísica após os anos 70. Assim, é permitido a ele usar análises não puramente semânticas ou epistêmicas que dizem respeito à relação de dependência ontológica, superveniência e fundamentalidade ( grounding ). Outra crítica poderia emergir contra o uso que o avestruz faz da noção de átomos. Não seria ingênuo, após os avanços da física quântica, falar de modo 2 Agradeço ao Prof. Abel Lassalle Casanave, nosso puma argentino, por indicar essa possível linha de crítica. 3 Ave da ordem dos Struthioniformes, típica da Argentina, também conhecido como avestruz americano.
11 43 desqualificado de átomos? 4 Quais são os verdadeiros átomos? As partículas subatômicas? Existe algo que não tenha mesmo parte alguma, um último indivisível? A resposta do avestruz nihilista, porém, não é difícil. Em nenhum momento ele pressupõe a existência de átomos em algum sentido metafísico ou mesmo físico absoluto. Assim como na resposta anterior, ele aponta para o quadro teórico da sua proposta. Sentenças verdadeiras são itens de teorias, e diferentes teorias podem ter seus próprios átomos, que não precisam ser átomos no sentido absoluto da palavra. Eu sou parte da comunidade brasileira, que é parte da comunidade sul-americana, que é parte da comunidade mundial. Meu nariz é parte de mim. Devo concluir, pela transitividade da relação mereológica, que meu nariz é parte da comunidade mundial? Existem diferentes níveis teóricos, com diferentes granularidades. Para uma teoria sociológica, um ser humano pode ser um átomo, as partes de seu corpo já não mais o são. Muito menos as moléculas que compõem o nariz. Cada teoria tem direito a seus próprios átomos. Aliás, um critério de decisão de atomicidade já é implícita no exemplo: a falha da transitividade indica o fim da cadeia de decomposição, portanto, os átomos relativos à teoria em questão. Mas novos desafios surgem no deserto: Há teorias com diferentes decomposições atômicas? Ou até mesmo teorias sem átomos? Como decidir nesses casos, o que existe genuinamente? Talvez essas questões assustem o avestruz mas dizem que ele é um exímio corredor. Referências Armstrong, D. M., 1978, Universals and Scientific Realism, vols. I and II, Cambridge: Cambridge University Press. 4 Agradeço ao Prof. Décio Krause por essa possível linha de crítica. De fato, a física contemporânea nos coloca frente a uma série de novos desafios ontológicos, em particular às nossas intuições mereológicas fundamentais. Esses desafios constituem um verdadeiro novo programa de investigação.
12 44 Armstrong, D. M. (1980) Against Ostrich Nominalism A Reply to Michael Devitt, in Pacific Philosophical Quarterly, 61. Reimpresso em Mellor, D.H. & Oliver, A. Properties. Oxford: Oxford University Press, Devitt, M. (1980) Ostrich Nominalism or Mirage Realism in Pacific Philosophical Quarterly, 61. Reimpresso em Mellor, D.H. & Oliver, A. Properties. Oxford: Oxford University Press, Inwagen, P. v. (1991) Material Beings. Ithaca e Londres: Cornell University Press. Lewis, D. (1991) Parts of Classes. Oxford: Oxford University Press. Quine, W.v.O 1948 On What There Is. In From a Logical Point of View, Cambridge, Harvard University Press, 1953.
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