PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante MARCELA DE SOUSA ALVES, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E OSNI PEREIRA. São Paulo, 23 de fevereiro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: São Paulo Apelante: MARCELA DE SOUZA ALVES Advogada: Juliana Oliveira VOTO Nº Apelação. Falso testemunho. Pleito objetivando a absolvição por atipicidade da conduta ou por insuficiência de provas. Inviabilidade. Delito formal, cuja configuração independe da absolvição daquele em favor do qual foi proferida a falsa declaração. Acervo probatório suficiente à condenação. Versão apresentada em juízo flagrantemente distinta das demais provas coligidas e desmentida pela própria apelante. Dolo evidente. Reprimenda acertadamente fixada no patamar mínimo. Regime e substituição escorreitos. Improvido. Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCELA DE SOUZA ALVES contra sentença de primeiro grau (fls. 116/120), prolatada em 21 de maio p.p., pela MM. Juíza de Direito, Dra. Tânia Magalhães Avelar Moreira da Silveira, da 8ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que a condenou às penas de 1 ano e 2 meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 11 dias-multa, no piso legal, substituída por restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços Apelação nº

3 à comunidade, por igual período, e prestação pecuniária, no valor de 1 salário mínimo, ambas em favor de entidade assistencial, declarando-a incurso no art. 342, 1º, do Código Penal. Irresignada, interpôs recurso de apelação objetivando, a absolvição por atipicidade da conduta ou insuficiência de provas. Em suas contrarrazões, o Ministério Público bateu-se pelo acerto do decisum, salientando a divergência da versão ofertada pela apelante nos autos da ação anterior. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, endossou as contrarrazões ministeriais, opinando pelo improvimento ao apelo. É o relatório. Em que pesem os fundamentos lançados nas razões recursais, o apelo defensivo não comporta provimento, merecendo subsistir a r. decisão atacada. Consoante descreve a denúncia, no dia 23 de novembro de 2011, na sala de audiência da 26ª Vara Criminal desta Comarca, na qualidade de testemunha, a apelante fez afirmação falsa, nos autos da ação criminal (processo nº ) movida em face de Paulo Aparecido do Nascimento, para apurar o crime de tráfico de entorpecentes e porte ilegal de munições. A materialidade e autoria restaram amplamente demonstradas no decorrer da instrução processual, Apelação nº

4 respaldadas nas provas carreadas, todas produzidas em perfeita consonância, sendo de rigor a condenação do apelante. O policial Fabricio afirmou, naqueles autos, ter abordado Paulo, em via pública, com o qual foi encontrada uma mochila, onde estavam acondicionadas munições e cocaína. Informou que Paulo foi detido defronte ao imóvel onde residia, no interior do qual havia uma jovem, cujo vínculo desconhece. Esclareceu que, na ocasião da abordagem, terceiros se aproximaram para visualizar a ação. Em igual sentido seguiu o depoimento do policial Ricardo, o qual apenas acrescentou que, conduzido ao distrito policial, foi apurado que Paulo era foragido do sistema penitenciário. Em seu interrogatório, Paulo informou que as munições e o entorpecente somente foram apresentados pelos milicianos no distrito policial. Em juízo, como testemunha na ação penal, a apelante declarou ser amásia do irmão de Paulo, cuja abordagem acompanhou desde o início. Informou que voltava do serviço, quando avistou Paulo saindo da residência e sendo revistado pelos policiais. Afirmou que a mochila foi encontrada no interior da residência, em um guarda roupas, e não em posse de Paulo. Relatou que na mala não havia drogas, tampouco munições, mas somente documentos, como cédulas de identidade, exames médicos e cartões de saúde. Por fim, questionada, não soube informar a cor da mochila apreendida. Instaurado o presente feito para a Apelação nº

5 apuração de falso testemunho, durante a instrução apenas a recorrente foi ouvida. Em seu interrogatório, a apelante se retratou, esclarecendo que, ao contrário do afirmado na versão anterior, desconhecia o conteúdo da mochila apreendida em poder de Paulo. Informou que já estava na residência, participando de um culto, quando se deu a abordagem. Questionada quanto aos motivos pelos quais mentiu em juízo, a recorrente afirmou que, cerca de 30 minutos antes da abordagem, teria conferido o interior da mochila, porém não visualizou munições ou drogas. Diante do quadro, diferentemente do sustentado nas razões recursais, o acervo probatório é coeso e suficiente à manutenção do édito condenatório em desfavor do apelante. Da simples reprodução da mídia contendo as gravações da audiência de instrução e julgamento daquele feito (fl. 3), percebe-se evidente a contradição existente entre o depoimento prestado pela apelante com o restante dos demais testemunhos. A recorrente foi incisiva ao mencionar, por repetidas vezes, ter acompanhado a abordagem policial desde o início, posto que chegava do serviço no exato momento em que Paulo saiu da casa. Assim, informou que mochila apreendida não estava em poder de Paulo, mas no interior da residência, e nela não estariam acondicionadas as munições e o entorpecente. Apelação nº

6 A frágil versão, todavia, restou descreditada, não apenas pelo firme e uníssono relato dos policias militares, como pelo auto de exibição e apreensão (fls. 19/20). Quanto aos depoimentos dos policias militares, devem ser analisados sob o mesmo prisma de quaisquer outras testemunhas, não tendo seu valor diminuído pelo fato de serem servidores públicos. A esse respeito, valioso mencionar decisão do Superior Tribunal de Justiça, in litteris: Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal. (HC /SP. Min. Rel. Jorge Mussi. 5ª Turma. DJe ) Ademais, sendo agentes públicos, gozam de presunção de legitimidade, não se podendo, em princípio, considerá-los inidôneos ou suspeitos para prestar depoimentos, exclusivamente por sua condição funcional, na ausência de quaisquer elementos concretos aptos a eivar sua credibilidade, os quais, in casu, inexistem. De outra banda, além de não produzir qualquer prova nestes autos, a própria recorrente desmentiu seu depoimento anterior, apresentando novel versão, segundo a qual, já estaria no imóvel no momento da abordagem e, inclusive, teria visto a mochila, cerca de 30 minutos antes da Apelação nº

7 chegada dos milicianos. Nesse passo, nem se olvide que a retratação conferida durante a fase instrutória do presente feito, não se presta mais como excludente de punibilidade, porquanto tardia, uma vez superveniente à prolação de sentença nos autos da ação originária, portanto, extrapolando o limite temporal disciplinado pelo 2º, do art. 342, in verbis: O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente retrata ou declara a verdade. In concreto, a apelante deixou de ofertar retratação prévia à decisão do magistrado daquele feito, não havendo que se falar em incidência da causa extintiva da punibilidade. Em verdade, a tardia retificação de seu depoimento somente se presta para corroborar a materialidade delitiva, ilidindo quaisquer dúvidas quanto à falsidade das declarações anteriormente prestadas. Outrossim, igualmente não assiste razão o pleito de atipicidade, posto que, como cediço, o tipo penal do art. 342 do Código Penal é formal, ou seja, à testemunha basta, tão somente, fazer falsa declaração, negar ou calar a verdade, para a caracterização do crime, não se exigindo que implique absolvição do sujeito processado. In casu, certamente, a declaração da apelante feita em juízo, a qual se reputa falsa, foi devidamente cotejada pelo magistrado, durante a instrução criminal, afinal, foi Apelação nº

8 testemunho relevante e significativo. Entretanto, não sendo tal versão suficientemente corroborada pelas demais provas, permaneceu isolada e desconexa do restante do acervo e, portanto, não foi capaz de combalir a condenação do réu naqueles autos, em primeira instância. De fato, a apelante falseou a verdade, apresentando variante díspar e incongruente inclusive em face de seu atual interrogatório, não sendo, contudo, irrelevante, restando evidente a prática do delito capitulado pelo art. 342, 1º, do Código Penal, cuja reprimenda aplicada igualmente dispensa reparos. Na dosimetria da pena, consoante o art. 59 do Código Penal, ante a ausência de circunstâncias judiciais negativas aptas a majorar quantitativamente, nas primeira e segunda etapas do sistema trifásico, a magistrada sentenciante manteve a pena no patamar mínimo legal, perfazendo 1 ano de reclusão e pagamento de 10 dias-multa. Na etapa final, presente a causa de aumento prevista no 1º, do art. 342, a juíza exasperou a pena em 1/6, totalizando a reprimenda final de 1 ano e 2 meses de reclusão, e pagamento de 11 dias-multa, no piso legal. Por fim, a quantidade de pena estabelecida, aliada às condições pessoais da apelante primária e possuidora de bons antecedentes, permitiu a fixação do regime mais brando, bem como a substituição por restritiva de direitos, suficientes à reprovação do delito, devidamente fundamentados pela magistrada a quo. Apelação nº

9 Ante o exposto, nego provimento ao apelo defensivo, mantendo-se, in totum, a r. sentença atacada, por seus próprios e jurídicos fundamentos. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº