PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Assis, em que é apelante MARIA CRISTINA DOS SANTOS BUENO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao apelo defensivo, mantendo, in totum, a r. decisão atacada, por seus próprio e jurídicos fundamentos. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E NEWTON NEVES. São Paulo, 1 de setembro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: Assis Apelante: MARIA CRISTINA DOS SANTOS Advogado: Herbert David VOTO Nº Apelação. Falso testemunho. Pleito objetivando a absolvição, por ausência de dolo, decorrente do desconhecimento da lei. Inviabilidade. Recorrente devidamente advertida pelo magistrado quanto ao dever de dizer a verdade. Acervo probatório suficiente à condenação. Versão apresentada em juízo flagrantemente distinta da versão fornecida na fase inquisitorial e desmentida pela própria apelante. Dolo evidente. Condenação mantida. Reprimenda devidamente fixada no patamar mínimo legal. Regime inicial e substituição acertadamente fixados. Improvido. Trata-se de recurso de apelação interposto por MARIA CRISTINA DOS SANTOS contra sentença de primeiro grau (fls. 133/136), prolatada em 11 de outubro de 2013, pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Thiago Baldani Gomes de Filippo, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Assis, que o condenou às penas de 1 ano e 2 meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 11 dias-multa, substituída por restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade, por semelhante prazo, e prestação pecuniária no importe de 1 salário mínimo, ambas em favor de entidade assistencial, declarando-a incursa no art. 342, 1º, do Código Apelação nº

3 Penal. Irresignada, interpôs recurso de apelação objetivando, a absolvição por insuficiência de provas quanto ao dolo, pelo fato de ser pessoa humildade e analfabeta. Em suas contrarrazões, o Ministério Público bateu-se pelo acerto do decisum, inclusive no tocante à fixação da reprimenda. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, endossou as contrarrazões ministeriais, opinando pelo improvimento ao apelo. É o relatório. Em que pesem os fundamentos lançados nas razões recursais, o apelo defensivo não comporta provimento, merecendo subsistir a r. decisão atacada. Consoante descreve a denúncia, no dia 31 de maio de 2011, na sala de audiências da 2ª Vara Criminal daquela Comarca, a apelante, na qualidade de testemunha, fez afirmação falsa, nos autos da ação criminal (processo nº. 1761/2009) movida em face de Rafael Fagner Alves Leme, para apurar a prática de vias de fato e ameaça. A materialidade e a autoria restaram amplamente demonstradas no decorrer da instrução processual, respaldadas nas provas carreadas, todas produzidas em perfeita consonância, sendo de rigor a condenação da recorrente. Inquirida nos autos do inquérito policial, a apelante afirmou (fl. 22) ter presenciado várias vezes Rafael estacionar o veículo bruscamente defronte sua residência, Apelação nº

4 agarrando a ofendida Gislaine pelos cabelos, desferindo-lhe chutes e ameaçando-a de raspar a cabeça, bem como de matála. Quanto à pratica investigada, declarou que estava em uma festa, de escola, quando Rafael surgiu e jogou Gislaine para dentro do carro, arrancando em seguida. Após algumas horas, identificou o veículo de Rafael estacionado em via pública e avistou Gislaine caindo. Em outra ocasião, Rafael ficou rondando a casa da ofendida e, visivelmente, portava uma arma. Assim que Gislaine apareceu, Rafael a agarrou e disse que a mataria. Porém, com a chegada da polícia, acionada pela recorrente, Rafael efetuou dois disparos para cima e fugiu. Em juízo, como testemunha de acusação na ação penal, a apelante declarou (fl. 53) jamais ter visto Rafael agredir Gislaine, apenas sabendo através de relatos pela ofendida. Negou ter acionado a polícia e afirmou não ter visto Rafael proferir ameaças de morte em face da vítima. Disse não ter comparecido à festa de escola, tampouco ter visto Rafael puxar a ofendida pelos cabelos. Instaurado o presente feito para a apuração de falso testemunho, durante a instrução criminal, além da apelante, foram ouvidas três testemunhas. Gislaine asseverou a presença da recorrente na festa da escola, ocasião em que teria assistido às agressões e ameaças perpetradas por Rafael. No mesmo sentido, seguiu o depoimento da testemunha Eva. Rafael obviamente tentou amortizar a Apelação nº

5 situação da apelante, afirmando não se recordar se a mesma estava presente na festa da escola. A recorrente, em seu interrogatório, confessou ter feito falsa afirmação, porém reputando como verdadeira àquela prestada em juízo, devendo assim prevalecer sobre seu depoimento prestado em solo policial. Malgrado pouco importe qual das versões prestadas pela apelante é inverídica em vista do compromisso prestado em ambas às ocasiões, mais uma vez sua palavra não convence, restando isolada e descreditada, em ampla dissonância com os testemunhos de Eva e Gislaine. No mesmo passo, ao contrário do sustentado nas razões recursais, o acervo probatório é coeso e suficiente à manutenção do édito condenatório. Da simples leitura do termo de depoimento prestado perante a autoridade policial, percebe-se evidente a contradição existente com a variante ofertada em juízo. Enquanto na fase inquisitorial asseverou minuciosamente ter visto Rafael agredir e ameaçar Gislaine, puxando-a pelos cabelos, inclusive com emprego de arma de fogo, em juízo, conferiu outra versão, deveras genérica, negando peremptoriamente os fatos e, inclusive, a responsabilidade quanto ao acionamento da polícia. Com efeito, a variante apresentada pela apelante, na qualidade de testemunha, restou isolada e desamparada até mesmo em face de seu interrogatório, nestes Apelação nº

6 autos, no qual confessou a falsidade de suas declarações. Em vista das provas, emerge-se intangível o pleito quanto ao aventado erro de proibição, cujo conceito, segundo defendemos: É erro incidente sobre a ilicitude do fato. O agente atua sem consciência da ilicitude, servindo, pois, de excludente da culpabilidade 1. Com efeito, diante do quadro esposado, não se demonstra crível a ausência de consciência de ilicitude, porquanto a apelante foi devidamente advertida pelo magistrado a quo, quanto ao compromisso em dizer a verdade, superando eventual dificuldade de compreensão decorrente de analfabetismo. Não fosse suficiente, há de se ressaltar que o art. 21 do Código Penal é expresso ao disciplinar que o desconhecimento da lei é inescusável. Neste sentido, estando ao pleno alcance da apelante a ciência do dispositivo legal, cujas implicações foram inclusive reafirmadas pelo juiz, tem-se evidente a potencial consciência da ilicitude praticada. Ademais, apenas à guisa de esclarecimento, insta observar que o tipo penal do art. 342 do Código Penal é formal, ou seja, à testemunha basta, tão somente, fazer falsa declaração, negar ou calar a verdade, para a caracterização do crime, não se exigindo que implique absolvição do sujeito processado. 1 NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Forense, 14ª ed., nota 92 do art. 21 Apelação nº

7 In casu, certamente, a declaração da recorrente feita em juízo, a qual se reputa falsa, foi devidamente cotejada pelo magistrado, durante a instrução criminal, afinal, foi testemunho relevante e significativo. Entretanto, não sendo tal versão suficientemente corroborada pelas demais provas, permaneceu isolada e desconexa do restante do acervo e, portanto, não foi capaz de combalir a condenação do réu naqueles autos, em primeira instância. De fato, a apelante falseou a verdade, apresentando variantes díspares e incongruentes, entre si, não sendo, contudo, irrelevante, restando evidente a prática do delito capitulado pelo art. 342, 1º, do Código Penal, cuja reprimenda aplicada igualmente dispensa reparos. Na dosimetria da pena, consoante o art. 59 do Código Penal, ante a ausência de circunstâncias judiciais negativas aptas a majorar quantitativamente, nas primeira e segunda etapas do sistema trifásico, o magistrado sentenciante manteve a reprimenda no patamar mínimo legal, perfazendo 1 anos de reclusão e pagamento de 10 dias-multa. Na etapa final, presente a causa de aumento prevista no 1º, do art. 342, a pena foi acertadamente exasperada ao montante final de 1 ano e 2 meses de reclusão, bem como o pagamento de 11 dias-multa, no piso legal. Por fim, a quantidade de pena estabelecida, aliada às condições pessoais da apelante primária e com bons antecedentes, permitiu a imposição do regime mais brando, bem como a substituição das reprimendas Apelação nº

8 por restritiva de direitos, suficientes à reprovação dos delitos, consoante devidamente fundamentado pelo juiz sentenciante. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo defensivo, mantendo, in totum, a r. decisão atacada, por seus próprio e jurídicos fundamentos. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº