PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, em que é apelante HERMENEGILDO PESSOA NOBRE, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao apelo defensivo. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E OSNI PEREIRA. São Paulo, 23 de fevereiro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação nº Comarca: Santa Rica do Passa Quatro Apelante: Hermenegildo Pessoa Nobre Advogado: Dalson dos Santos Junior VOTO Nº Apelação. Receptação. Bicicleta adquirida pelo valor de R$ 30,00. Bem avaliado em R$ 150,00. Pleito objetivando a absolvição por atipicidade da conduta. Impossibilidade. Provas suficientes para a condenação. Dolo comprovado. Réu que responde a inúmeros processos pelo mesmo crime, tendo duas condenações anteriores transitadas em julgado. Penas dosadas nos mínimos legais. Suspensão condicional da pena. Juíza sentenciante que deixou de considerar os antecedentes, de maneira injustificada. Ausência de recurso ministerial. Proibição da reformatio in pejus. Decisão mantida na íntegra. Apelo desprovido. A MM. Juíza a quo, Dra. Nélia Aparecida Toledo Azevedo, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, em sentença datada de 22/08/2014 (fl. 210), julgou procedente a ação penal, para condenar Hermenegildo Pessoa Nobre às penas de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, em regime aberto, suspendendo condicionalmente a privativa de liberdade pelo prazo de 2 anos, mediante as condições de (i) não se ausentar da Comarca onde reside, sem prévia autorização judicial, (ii) comparecimento mensal, por infração ao artigo 180, caput, do Código Penal. Apelação nº

3 Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, arguindo, em sede preliminar, a nulidade do feito decorrente de irregularidade insanável do auto de avaliação, acostado a folha 29, por não constar a qualificação técnica dos peritos, tampouco os critérios utilizados pelos experts. No mérito, requer a absolvição pautada na atipicidade da conduta, por ausência de dolo, ou na fragilidade probatória. Em suas contrarrazões o Ministério Público bateu-se pelo acerto do decisum; a douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, endossou as contrarrazões ministeriais, opinando pelo desprovimento ao apelo. É o relatório. A preliminar invocada pela defesa é descabida e reveste-se, à evidência, de caráter procrastinatório. A priori, insta ressaltar que eventuais irregularidades ocorridas em sede extrajudicial não gera a nulidade do processo, visto tratar-se de procedimento inquisitorial, não vigente os princípios do contraditório e da ampla defesa, o que não contamina a ação penal. O auto de avaliação, encartado a folha 29, reveste-se de todas as formalidades exigidas, tendo sido lavrado por dois peritos nomeados pela autoridade policial, a qual deferiu aos mesmos o compromisso formal de avaliar o bem apreendido. No mais, caso fosse legítima a irresignação da defesa quanto ao resultado da perícia produzida Apelação nº

4 na delegacia, certamente apresentaria a sua própria ou peticionaria para que nova perícia fosse realizada, o que não ocorreu in casu. Devidamente processado, o apelo defensivo não comporta provimento, conservando-se, na íntegra, a decisão atacada. Segundo descreve a inicial acusatória, no dia 22 de setembro de 2009, na Rua Petrolina de Simone Bello, nº 279, o denunciado adquiriu, pelo valor de R$ 30,00, do menor inimputável Moisés Silvestre Patriota, uma bicicleta Caloi Aluminum aro 26, 21 marchas, furtada no ano de 2009, de propriedade de Alexandre Calheiros Meinicke, avaliada em R$ 150,00 (fl. 29), ocultando-a em proveito próprio. O policial civil Edson André de Francischi, inquirido em sede judicial, disse existir denúncias de que o réu estaria com objetos produto de furto em sua residência. Em buscas realizadas pelo imóvel, foram apreendidos vários objetos, dentre eles botijões de gás e bicicletas. Uma das bicicletas foi reconhecida pelo proprietário a partir de alguns detalhes, como parafusos amassados no quadro. O investigador de polícia Marco Moyses Teotonio, em sede judicial, confirmou ter participado da busca e apreensão realizada na residência do réu. Posteriormente, Alexandre, proprietário da bicicleta, compareceu à delegacia e procedeu ao reconhecimento do objeto, apresentando cópia do boletim de ocorrência lavrado pela polícia militar, por meio do qual constava como autor do furto a pessoa de Rodrigo Sabará. Apelação nº

5 Além disso, havia informações de que o adolescente Moisés Patriota, conhecido nos meios policiais pela prática de furtos, vendeu a bicicleta ao acusado. A testemunha de defesa Israel da Silva Bispo, em juízo, declarou ter presenciado uma conversa entre o réu e Rodrigo Sabará, o qual ofereceu uma bicicleta para quitar a sua dívida. O réu pediu para que Sabará trouxesse a bicicleta para ser analisada. Dias depois, o réu disse ao depoente riscar a dívida de Sabará do caderno. Por fim, a testemunha disse ter escutado Sabará mencionar que a bicicleta lhe pertencia. Interrogado, o réu declarou ter 53 anos de idade e trabalha com carrinho de lanches, tendo sido processado e condenado pelo crime de receptação. Quanto aos fatos, disse ter recebido a bicicleta como forma de pagamento por uma dívida de Móises em seu carrinho de lanches. Negou ter ciência de que o objeto era produto de crime. Não obstante a insurgência da combativa defesa, extraem-se dos autos provas suficientes de que o réu agiu com dolo, a partir do instante em que recebeu, como forma de pagamento, uma bicicleta pelo valor irrisório de R$ 30,00, sem exigir ou preocupar-se em descobrir a origem do bem, mormente quando este objeto adveio de indivíduo conhecido pela prática de furtos na região. O réu possui inúmeros processos pelo mesmo delito, alegando a defesa a necessidade de reconhecimento de crime continuado. Porém, consoante bem consignado pela magistrada sentenciante, os delitos de Apelação nº

6 receptação foram praticados em datas variadas, contra vítimas distintas e em diversos contextos, não havendo se falar na hipótese do artigo 71, do Código Penal, e sim, em habitualidade criminosa. Destarte, a condenação é mantida nos moldes da r. sentença. Malgrado possua o réu duas condenações anteriores transitadas em julgado pelo crime de receptação (fls. 198 e 199), a juíza sentenciante, de maneira equivocada, fixou as penas nos mínimos legais, tornando-as definitivas em 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, em regime aberto. Em seguida, ainda, suspendeu condicionalmente a pena, pelo prazo de dois anos, nos termos do artigo 78, 2º, alíneas b e c. Ausente recurso ministerial, em respeito a non reformatio in pejus, mantém-se as penas inalteradas. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo defensivo, mantendo-se, in totum, o decisum a quo. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº