Necessidades e preocupações em doentes oncológicos
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- Samuel Lombardi Santiago
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1 Necessidades e preocupações em doentes oncológicos CLÁUDIA NG DEEP (*) ISABEL LEAL (*) o despertar da comunidade científica para a doença oncológica assenta no facto desta problemática constituir uma das principais causas de morte em todo o mundo (Mendelsohn, 1991). A Psicologia da Saúde surge como um ramo da ciência preocupada em estudar as componentes psicológicas inerentes à doença oncológica e é neste campo de investigação que o presente trabalho de investigação se insere. São várias e diversificadas as componentes psico-oncológicas presentes na pessoa que adoece, nomeadamente salientam-se as suas necessidades e preocupações. Constituindo-se as mesmas como imprescindíveis na elaboração de planos de intervenção mais ajustados ao doente e capazes de produzir melhores resultados terapêuticos. (*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.
2 4 CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE Neste sentido o presente trabalho de investigação tem como objectivo proceder ao levantamento de necessidades e preocupações do doente onco-lógico nomeadamente em dois contextos diferentes: em doentes que procuram reforçar as suas estratégias de adaptação à doença participando em chats de conversação via internet (Grupos de auto ajuda) e em doentes sem qualquer tipo de participação em grupos de auto-ajuda e apenas com o apoio clássico prestado pelos serviços de saúde. MÉTODO Participantes De forma a proceder ao levantamento de necessidades e preocupaçãoes do doente oncológico recorreu-se a um desenho de investigação obsevacional descritivo e a uma metodologia exploratória e comparativa de 108 doentes oncológicos distribuídos por duas amostras independentes (ainda que homogêneas quanto ao diagnóstico clínico). A primeira amostra foi retirada de uma população caracterizada pelo uso sistemático de grupos de auto-ajuda on-line e chats de conversação, sendo que 73,5% correspondem ao sexo feminino, com idade média de 44 anos e 6 meses e com um tempo médio de doença de 17 anos e 8 meses. Estes participantes desfrutam da possibilidade de encontros permanentes centrados na ajuda entre pares e através de mensagens escritas e partilhadas on-line trocam idéias, recebem e fornecem apoio mútuo e partilham estratégias de coping. A segunda amostra foi retirada de uma população caracterizada pelo uso das formas mais clássicas de apoio hospitalar e institucional disponíveis na sua área de residência. Esta amostra é composta, na sua maioria, por elementos do sexo feminino (80%) com idade média de 53 anos e com um tempo de doença médio de 4 anos e 7 meses. 336
3 NECESSIDADES E PREOCUPAÇÕES EM DOENTES ONCOLÓGICOS Procedimento Quanto ao procedimento poder-se-á dividir esta investigação em 3 principais momentos: num primeiro procedeu-se à recolha aleatória e análise de COnteÚllo do 106 discursos partilhados entre elementos da primeira amostra, assim como procedeu-se à construção de um questionário capaz de realizar o levantamento de necessidades e preocupações do doente oncológico. Num segundo momento aplicou-se o questionário à segunda mostra e procedeu-se à análise de resultados segundo uma metodologia estatística e descritiva. Num terceiro momento procedeu-se à análise comparativa das necessidades e preocupações presentes nas duas amostras. RESULTADOS Os resultados obtidos em ambas as amostras comprovam a existência de necessidades específicas e preocupações inerentes ao doente oncológico. Verificou-se que as relações familiares, em ambas as amostras, centram--se mais na família actual do que na família futuro (a qual constitui uma incógnita). A diferença entre amostras surge no falar ou não falar sobre a doença a familiares (e amigos). Efectivamente verificou-se que os indivíduos com participação no chat desejam mais partilhar afectos, diagnósticos e estados físicos do que os indivíduos sem experiência em grupos de auto--ajuda. Ballesteros e Garbe (1998) já haviam referido que alguns pacientes tendem a suprimir e inibir as suas emoções de forma a manter a harmonia sócio-familiar apesar da sua forte necessidade de suporte (Rose, 1990) e a sua satisfação reduzir os índices de mortalidade (Rutter, 1993) e favorecer a recuperação (Morgan, 1984). Comprovou-se que a expressão de sentimentos e estados físicos constitui uma estratégia de coping (Stool, 1986), tal como a inibição dos mesmos. Ao analisar as relações sociais, com outros pacientes, verificou-se que os sujeitos com experiência em auto-ajuda estabeleciam uma diferença mínima entre a necessidade de aconselhar e acompanhar outros doentes e a ne- 337
4 cessidade de receber apoio. Dar e receber estão muito próximo como se o resultado final de dar fosse similar ao resultado final de receber. Neste sentido uma baixa percentagem de sujeitos optou por apoio formal comprovando-se o aspecto terapêutico do altruísmo (Yalom & Greaves, 1977). Os pacientes sem experiência em auto-ajuda obtiveram diferentes resultados: a maioria preferia prestar apoio a outros pacientes do que receber apoio dos mesmos. Preferiam dar (prevalência do altruísmo ou adopção de um mecanismo defensivo) do que receber. Todavia os doentes que apresentavam um menor desejo de receber ajuda exprimiam uma maior necessidade de ajudar outros pacientes. 4 CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE No que diz respeito à relação entre espiritualidade e morte verificou-se que a suspeita da proximidade da morte leva o Homem a procurar Deus e segundo Dickson et ai. (1989) os cuidados de saúde devem abarcar a vertente espiritual de forma a obter-se melhores ajustamentos à doença. Em ambas as amostras comprovou-se a existência de necessidades espirituais, o desejo de Imortalidade Simbólica (Santos, 1994) através da religião. Igualmente comprovou-se que a espiritualidade visa prolongar a vida e não a preparar a morte: comprovando-se a dificuldade do Homem moderno em aceitar a sua mortalidade. Ao analisar a relação existente entre a preocupação com os efeitos secundários dos tratamentos (quimioterapia e radioterapia) e a preocupação com os exames a efectuar verificou-se que os cybernautas evidenciaram uma maior preocupação com os efeitos secundários dos tratamentos do que com os exames a efectuar. Os sujeitos sem experiência em auto ajuda apresentaram uma maior preocupação com os exames clínicos ainda a efectuar do que com os efeitos secundários dos tratamentos (diferença pouco expressiva). A diferença entre amostras explicar-se-á pelo tempo de doença, uma vez que os cybernautas têm um tempo médio de doença de 17 anos c Q meses (e uma situação clínica mais estável e mais centrada nos tratamentos) e o tempo médio da segunda amostra situa-se nos 4 anos e 7 meses (ainda sujeita a muitos exames). Em ambas as amostras verificou-se a necessidade de aprender a lidar com os medos e depressões. Nos cybernautas verificou-se que apesar desta 338
5 NECESSIDADES E PREOCUPAÇÕES EM DOENTES ONCOLÓGICOS realidade a necessidade de apoio psicoterapêutico formal não é relevante. Este facto reenvia-nos para a idéia de que o paciente tende a recorrer a um suporte formal quando as fontes informais não estão disponíveis (por exem-plo 3 ajllúa entre pares). Na situação em que não há a ajuda entre pares verificou-se que a mesma percentagem de pacientes que refere necessitar de aprender a lidar com os medos/depressões é a mesma percentagem de pacientes que refere não necessitar de apoio de um psicólogo. Segundo Bot-tomley (1997) uma intervenção psicoterapêutica orientada por psicólogos não é relevante nesta população. Partiu-se do princípio que a possível descrença na profissão médica e nos resultados terapêuticos poderia levar os pacientes a procurar obter mais informações sobre as medicinas alternativas. Em ambas as amostras verificou-se a satisfação face aos cuidados médicos prestados e a baixa necessidade de recorrer a medicinas alternativas. Saliente-se que ao relacionar a insatisfação face aos médicos e a necessidade de obter mais informação sobre os medicamentos, o número de manifestações, no grupo de auto--ajuda é igual, como se a insatisfação dos pacientes face aos médicos contribuísse para maior descrença face aos medicamentos e necessidade de informação sobre os mesmos. Verificou-se existir uma certa preocupação com a imagem corporal resultante da sua aparência e funcionalidade (Carver et ai., 1998) e em ambas as amostras verificou-se uma maior preocupação com a aparência física do que com a perda das funções corporais. Ao averiguar a sensação de controlo corporal, nas duas amostras, analisou-se a preocupação referente às dores sentidas e sua relação com a perda do controlo das funções corporais, e evidencia-se que quanto mais recente é o diagnóstico mais receio existe de perder o controlo das funções corporais. No geral, as necessidades alimentares, financeiras e de um seguro de saúde são mínimas. Através deste trabalho de investigação verificou-se que em situação de doença oncológica o paciente apresenta preocupações e necessidades, sobre as quais desenvolve estratégias de autogestão e as quais devem ser consideradas no sentido de promover a saúde e sua qualidade de vida. Estas diver- 339
6 4. CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE sificadas estratégias contribuem para a adaptação psicossocial à situação de doença e visam construir uma base que permita aos seus utilizadores um maior bem estar em meio sócio-familiar, face aos técnicos de saúde e ao próprio, face à espiritualidade e morte, face aos tratamentos, exames clínicos e medicamentos e face às condições econômicas. Comprovou-se a necessidade de uma intervenção mais abrangente, capaz de abarcar o doente na sua plenitude. REFERÊNCIAS Bottomley, A. (1997). Synthetizing câncer group interventions. A câncer group interventions in need of testing. Clinicai Psychology Psycotherapy, 4 (1), Carver, C. et ai. (1998). Concern about aspects of body image and adjustment to early stage breast câncer. Psychosomatic Medicine, 60, Dickson, D. A., Hargie, O., & Marrow, N. C. (1989). Communication skills trai-ning for Health Professionals. London: Chapman & Hall. Mendelsohn, J. (1991). Neoplastic diseases. In K. J. Wilson, E. Braunwald, Is-selbacher, R. Petersdorf, J. Martin, A. Fauci, & R. Root (Eds.), Principies of internai medicine (12th ed.). New York: McGraw-Ill, Inc. Morgan, M. et ai. (1984). Social networks and psychosocial suport among disabled people. Social Science Medicine, 19 (5), Rose, J. (1990). Social Support and câncer: Adult patients' desire for support from family, friends and health professionals. American Journal of Community Psychology, 18 (3), Rutter, D. et ai. (1993). Social psychological approaches to health. New York: Harvester Wheatsheaf. Santos, P. (1994). Ansiedade perante a morte e imortalidade simbólica (outro diálogo com os deficientes motores). Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Stoll, B. (1986). Psycossomatic aspects of câncer. The psychosomatic aproach: contemporary practice ofwhole person care. Chichesier: John Wiloy & Sons. Yalom, I. D., & Greaves, C. (1977). Group therapy with the terminal ill. American Journal ofpsychiatry, 134,
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