Sedação e Analgesia. Introdução
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- Rosângela Botelho Leveck
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1 Sedação e Analgesia Introdução Antes de aprender os esquemas de indução anestésica utilizados para a intubação traqueal, é importante saber diferenciar as medicações hipnóticas, analgésicas e que promovem imobilidade. Hipnóticos: são as medicações que induzem o sono, ou seja, a perda da consciência. Os exemplos clássicos são os benzodiazepínicos, o propofol, o etomidato, a cetamina e o tiopental. A cetamina é um antagonista glutamatérgico, enquanto os outros são agonistas GABA ("Gamma-AminoButyric-Acid"). Analgésicos: são aqueles que inibem a dor e os reflexos autonômos associados ao estímulo doloroso. Os exemplos clássicos são os opioides. Imobilidade: as medicações que promovem imobilidade são os bloqueadores neuromusculares, que podem ser despolarizantes (succinilcolina) ou adespolarizantes (rocurônio, pancurônio, cisatracúrio). A atuação é no nível da placa motora, inibindo a contração muscular. Para uma boa indução anestésica esses três componentes devem estar presentes. Nesse texto resumiremos as principais características dessas drogas que podem ser usadas no paciente crítico e na indução da intubação orotraqueal, além é claro do contexto anestésicocirúrgico. Hipnóticos Tiopental Era o agente hipnótico mais utilizado antes do propofol. Os barbitúricos são derivados do ácido barbitúrico. O mais utilizado é o tiopental, sendo diluído a 2,5% (1 g diluído em 40 ml - 25 mg/ml). O metabolismo é hepático, principalmente por oxidação, produzindo metabólitos inativos que serão excretados pela urina e bile. Através de estímulo ao ácido aminolevulínico há produção de porfirinas (evitar em pacientes com porfiria intermitente aguda). Efeito no sistema nervoso central (SNC): se dá pela ativação de receptores GABAa. Dependendo da dose utilizada, esse efeito pode variar de sedação a anestesia geral. Outros efeitos no SNC são a redução do fluxo sanguíneo cerebral (FSC), do volume cerebral e da pressão intracraniana (PIC). Efeito no sistema cardiovascular: consiste na redução da pressão arterial sistêmica, venodilatação com redução do retorno venoso, redução do débito cardíaco, e taquicardia reflexa.
2 Efeito no sistema respiratório: reduz o volume/minuto por depressão do volume corrente e da frequência respiratória. Doses de indução anestésica levam à apneia transitória. As respostas ventilatórias à hipóxia e hipercarbia também são reduzidas. Efeitos colaterais: o mais comum é a dor à injeção, principalmente quando é acidentalmente injetado por via arterial (nesse caso há vasoconstrição importante, podendo causar necrose). As reações alérgicas graves são muito raras. Indução anestésica: o início de ação é rápido quando utilizado em doses de indução anestésica (3-5 mg/kg), com perda da consciência em aproximadamente 30 segundos. O paciente pode sentir gosto de alho ou de cebola durante a indução. Propofol Atualmente é o agente hipnótico mais utilizado no mundo para indução anestésica. Além disso, pode ser usado também para manutenção de anestesia geral ou sedação, quando utilizado em infusão contínua. Após o uso do propofol o paciente não acorda com a "ressaca" típica do tiopental, o que fez com que esse fármaco dominasse o mercado da cirurgia ambulatorial, possibilitando alta hospitalar no mesmo dia do procedimento. Sua formulação é uma emulsão lipídica com 10% de óleo de soja, 2,25% de glicerol e 1,2% de lecitina (componente do ovo). Sua cor branca típica o diferencia dos outros fármacos. Essa formulação é muito propensa ao crescimento bacteriano, que é um problema para o armazenamento. As soluções devem ser utilizadas até, no máximo, 6 horas após a abertura do frasco ou ampola. Sua formulação pode ser a 1% ou 2% (10 mg/ml e 20 mg/ml respectivamente). O metabolismo é hepático e pulmonar e a excreção renal. Efeito no sistema nervoso central (SNC): se dá pela ativação de receptores GABA. Dependendo da dose utilizada, esse efeito pode variar de sedação (25-75 mcg/kg/min) a anestesia geral (indução 1-2,5 mg/kg - manutenção mcg/kg/min). Outros efeitos no SNC são a redução do fluxo sanguíneo cerebral (FSC), do volume cerebral, perfusão cerebral e da pressão intracraniana (PIC). O propofol também pode ser utilizado como anticonvulsivante em casos extremos. Efeito no sistema cardiovascular: redução acentuada da pressão arterial sistêmica, venodilatação com redução do retorno venoso, depressão da contratilidade miocárdica, e redução do débito cardíaco sem taquicardia reflexa (bloqueia o reflexo baroceptor). Por esses motivos, o propofol deve ser utilizado com cautela em pacientes hemodinamicamente instáveis, sendo preferível a escolha de outro fármaco hipnótico. Efeito no sistema respiratório: reduz o volume/minuto por depressão do volume corrente (mais importante) e da frequência respiratória. Doses de indução anestésica levam à apneia transitória. As respostas ventilatórias à hipóxia e hipercarbia também são reduzidas. Tanto em pacientes saudáveis quanto em asmáticos, o propofol está associado à menor incidência de sibilos após indução anestésica e intubação orotraqueal.
3 Outros efeitos: o propofol tem propriedades antieméticas (10 a 20 mg em bolus, ou 10 mcg/kg/min em infusão). Efeitos colaterais: pode precipitar reações alérgicas em pacientes com alergia ao ovo. O efeito colateral mais grave, porém, mais raro, é a síndrome de infusão do propofol. Consiste no desenvolvimento de acidose metabólica grave, hipercalemia, hipertrigliceridemia, hepatomegalia, insuficiência renal e rabdomiólise, entre outros achados, relacionados à infusão superior a 4 mg/kg/h por mais de 24 horas. Benzodiazepínicos Ganharam fama nos centros cirúrgicos e de terapia intensiva como fármaco para a sedação de pacientes submetidos a procedimentos sob anestesia local, ou para pacientes intubados. Sua meia vida longa, principalmente após infusão contínua fez com que perdesse espaço para fármacos de duração mais curta, como o propofol. Apesar disso, continua sendo o fármaco de escolha em cenários diversos, como na crise convulsiva, ou como medicação ansiolítica (Ex: préanestésico). Os benzodiazepínicos mais utilizados atualmente são o midazolam e o diazepam, além do antagonista flumazenil (8-15 mcg/kg). O Efeito no sistema nervoso central (SNC) se dá pela ativação de receptores GABAa. Dependendo da dose utilizada, esse efeito pode variar de sedação a anestesia geral (indução 0,1-0,4 mg/kg - manutenção 0,5-1,5 mcg/kg/min). Outros efeitos no SNC são a promoção de relaxamento muscular e amnésia anterógrada (a partir do momento que começa o efeito do fármaco). A redução do metabolismo cerebral e do FSC são menos importantes que para o propofol e os barbitúricos. Podem causar um quadro clínico de delirium, principalmente nos pacientes idosos. Efeito no sistema cardiovascular: consiste na redução da pressão arterial, por efeito vasodilatador, principalmente em pacientes hipovolêmicos. O midazolam promove mais vasodilatação que o diazepam. Não há mudanças significativas no débito cardíaco. Efeito no sistema respiratório: seus efeitos são pouco relevantes, a não ser que seja administrado em conjunto com opioides (efeito sinérgico). Podem causar depressão ventilatória, e reduzir a resposta ao CO 2. Efeitos colaterais: as reações alérgicas são muito raras, praticamente inexistentes. Dor à injeção e tromboflebite são mais comuns com o diazepam. Na intoxicação pelos benzodiazepínicos, o Flumazenil é o tratamento de escolha. Cetamina Começou a ser utilizada em 1965, e chamou a atenção por dois motivos: é o único agente indutor com potente ação analgésica, e promove um estado chamado de anestesia dissociativa, ou estado cataléptico.
4 Efeito no sistema nervoso central (SNC): se dá pela inibição de receptores NMDA. Dependendo da dose utilizada, esse efeito pode variar de sedação (0,1-0,8 mg/kg) a anestesia geral (indução 0,5-2,0 mg/kg - manutenção mcg/kg/min). Outros efeitos no SNC são o aumento do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e da pressão intracraniana (PIC), portanto está contraindicada nos quadros confirmados ou suspeitos de hipertensão intracraniana. Efeito no sistema cardiovascular: consiste no aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e débito cardíaco, por estímulo central ao sistema nervoso simpático. O efeito direto do fármaco é de depressão miocárdica, porém, esse efeito é mascarado pela ativação simpática e liberação de catecolaminas. Isso se torna um risco em pacientes críticos que perderam a capacidade de aumentar o tono simpático, podendo prevalecer o efeito depressor miocárdico, e o paciente evoluir com parada cardiorespiratória. Efeito no sistema respiratório: não produz depressão ventilatória significativa. Possui capacidade de broncodilatação importante, sendo um fármaco útil na indução anestésica de pacientes com broncoespasmo. Outros efeitos: aumenta a salivação de forma significativa, sendo benéfico em alguns casos o uso de medicação anticolinérgica antes da cetamina. Efeitos colaterais: por inativar a atividade cortical preservando a atividade do sistema límbico, a cetamina pode causar sonhos vívidos e alucinações. Em alguns casos esse efeito colateral pode não ser significativo, porém, em outros o paciente vive experiências extremamente desagradáveis e fica agitado, o que pode limitar o uso do fármaco. A administração concomitante de outro hipnótico (ex: propofol, midazolam) pode ajudar nesses casos. Etomidato É considerado o agente de escolha para pacientes hemodinamicamente instáveis. Seu uso se popularizou nos pacientes com doença cardiovascular grave (infarto agudo, insuficiência cardíaca, cirurgia cardíaca) e choque séptico. Efeito no sistema nervoso central (SNC): se dá pela ativação de receptores GABAa. Dependendo da dose utilizada, esse efeito pode variar de sedação a anestesia geral. Possui um efeito vasoconstritor cerebral importante, levando à redução do fluxo sanguíneo cerebral e da pressão intracraniana. Efeito no sistema cardiovascular: é o fármaco que apresenta o maior grau de estabilidade hemodinâmica, com efeitos mínimos na contratilidade, pressão arterial sistêmica e frequência cardíaca. Efeito no sistema respiratório: Doses de indução anestésica levam à apneia transitória, principalmente quando associado aos opioides. Efeitos colaterais: o mais comum é a dor à injeção. Ocorre também uma inibição da enzima 11- beta-hidroxilase na adrenal, levando à redução do cortisol sérico nas próximas 4-8 horas. Esse efeito colateral é o mais marcante, e impossibilita o uso do fármaco em infusão contínua. Estudos científicos demonstraram que não há aumento da mortalidade quando o paciente é exposto ao fármaco apenas na indução anestésica, mesmo nos pacientes sépticos. Indução anestésica: o início de ação é rápido quando utilizado em doses de indução anestésica (0,2-0,4 mg/kg), com perda da consciência em aproximadamente 50 segundos.
5 Analgésicos Atualmente o médico tem à disposição um grande leque de medicações analgésicas, desde os analgésicos comuns, como a dipirona, paracetamol e antiinflamatórios não esteroidais, até fármacos mais fortes, como os opioides. Nesse capítulo vamos falar apenas dos opioides, pois são os mais prevalentes em provas. A morfina é o opioide mais antigo, e ainda é muito utilizada na analgesia de quadros agudos, pacientes críticos, ou no pós-operatório. Opioides sintéticos, como o fentanil e a meperidina, ganharam muito espaço por possuir perfis farmacocinéticos e farmacodinâmicos diferentes. Além disso, existem diversas vias de administração para os opioides, cada uma com um perfil farmacocinético diferente (endovenosa, intratecal, subcutânea, etc). Os opioides produzem seu efeito analgésico se ligando aos receptores opioides, acoplados à proteína G inibitória. A sequência de reações leva à hiperpolarização do neurônio e redução da excitabilidade. Existem 3 tipos de receptores opioides: mu, kappa e delta. Os efeitos terapêuticos ocorrem em diversos locais - liberação de substância P nos neurônios do corno posterior (dorsal), vias descendentes inibitórias, etc. Metabolismo: geralmente são metabolizados no fígado, e excretados no rim após conjugação. Efeito no sistema nervoso central (SNC): analgesia supraespinal, sedação, euforia, náusea e vômito. Efeito no sistema cardiovascular: Podem causar bradicardia e hipotensão por vasodilatação arterial e venosa. Efeito no sistema respiratório: depressão ventilatória com redução do volume x minuto, podendo levar à apneia. O aumento do tempo expiratório e a redução da frequência respiratória são características marcantes. Efeitos no sistema gastrointestinal: Aumento da pressão na vesícula biliar, constipação, íleo paralítico. Outros efeitos: prurido, rigidez muscular (a rigidez da musculatura laríngea pode promover o fechamento da glote, dificultando a ventilação manual), redução da imunidade celular, retenção urinária, supressão do reflexo de tosse, etc. O potencial de adição (vício) deve ser pesado no uso de opioides, principalmente com a meperidina. Esse último vem caindo em desuso, pois o potencial de adição é muito alto, e apresenta poucos benefícios em relação aos outros, como o fentanil. Bloqueadores Neuromusculares Os curares são drogas utilizadas em cenários em que a imobilidade e o relaxamento muscular provêm vantagens para o paciente, como na cirurgia, na IOT por sequência rápida, na assincronia paciente-ventilador mecânico ou em condições como tétano ou hipertensão intracraniana grave e refratária. Duas famílias de bloqueadores neuromusculares (BNM) formam o leque de opções que o médico vai encontrar para promover relaxamento muscular total do seu paciente: bloqueadores despolarizantes e adespolarizantes.
6 Esses fármacos bloqueiam a transmissão na junção neuromuscular, causando paresia ou paralisia da musculatura esquelética. Despolarizantes O fármaco que representa essa família é a succinilcolina (suxametônio), pois é o único BNM despolarizante de uso clínico. Sua vantagem é o rápido início de ação (até 1 minuto) e curta duração. Não deve ser a escolha quando a ideia é um bloqueio prolongado, pois seu tempo de ação não ultrapassa os 10 minutos. Seu efeito colateral mais importante é a hipercalemia, devido à proliferação de receptores extra-juncionais, em alguns cenários clínicos: queimados, pacientes críticos, etc. Outra complicação conhecida, porém, muito rara, é o desenvolvimento de hipertermia maligna. Esse quadro clínico tem como etiologia uma alteração gênica no receptor da rianodina, sendo desencadeado pela exposição à succinilcolina ou aos derivados halogenados. Por fim, a conformação estrutural da succinilcolina se assemelha à da acetilcolina, e a ativação pós-ganglionar autonômica muscarínica pode ser um efeito colateral da droga (bradicardia, ritmo juncional, parada sinusal). Adespolarizantes Podemos dividir essa família em dois grupos: esteroidais como o rocurônio e pancurônio, e os benzilisoquinolínicos como o atracúrio. A divisão mais importante é a clínica, onde separamos os BNM adespolarizantes em de curta, de média e de longa duração. O de curta duração é o mivacúrio, dificilmente encontrado no mercado por seus efeitos colaterais pronunciados, principalmente a liberação maciça de histamina. Atracúrio e rocurônio são os mais utilizados como BNM de média duração. O rocurônio ganhou importância por dois motivos, primeiro por ter a capacidade de iniciar sua ação em aproximadamente 1 minuto quando sua dose é dobrada (1,2 mg/kg), e segundo por existir um reversor específico que engloba a molécula e a inativa, o sugammadex. Quem representa os BNM de longa duração é o pancurônio, que vem sendo menos utilizado. Indicações A primeira indicação desses fármacos é na indução anestésica, para promover adequado relaxamento e intubação orotraqueal. Os de curta latência (succinilcolina e rocurônio em altas doses) são utilizados nos pacientes de estômago cheio, em que se realiza uma indução anestésica em sequência rápida (evita a ventilação sob máscara para reduzir a incidência de vômito e broncoaspiração). Atualmente não se indica o uso indiscriminado de bloqueador neuromuscular em pacientes submetidos à ventilação mecânica (VM) no CTI. O atraso na extubação, e aumento da incidência de complicações pulmonares nos pacientes que ficam mais tempo em ventilação mecânica, limitaram o uso dos BNM apenas àqueles que têm uma indicação precisa, como alterações importantes na mecânica pulmonar. Cada vez mais se preconiza a interrupção diária da sedação nos pacientes em VM, o que seria impossível com o paciente sob efeito de BNM.
7 Esqueça Tudo Menos Isto! ü Hipnóticos promovem INCONSCIÊNCIA. Principais exemplos: Tiopental, Propofol, Benzodiazepínicos, Cetamina e Etomidato. ü Propofol: Agente hipnótico mais usado na indução anestésica. Ação anticonvulsivante, bom para pacientes neurológicos, pois permite reavaliação neurológica seriada. Efeito adverso temido: Síndrome da infusão do Propofol (RARA). ü Etomidato: Escolha na instabilidade hemodinâmica. Somente para indução. Efeito adverso temido: insuficiência suprarrenal. ü Cetamina: Propriedades broncodilatadoras e analgésicas. Anestesia dissociativa. Aumenta PA. ü Benzodiazepínicos: efeito pode ser prolongado. Muito usados na sedação procedural e como medicação pré-anestésica (ansiólise). ü Opioides são os analgésicos utilizados para o manejo da dor aguda intensa, como a dor pós-operatória. Principais agentes: morfina, fentanil, meperidina. ü Bloqueadores neuromusculares: podem ser despolarizantes como a Succinilcolina ou adespolarizantes, como o Rocurônio e o Pancurônio. ü Sugammadex: inativador específico do Rocurônio. Reverte os efeitos do curare.
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