O COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE - AS DIVERSAS FACES DESSE BINÔMIO
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1 O COMÉRCIO E MEIO AMBIENTE - AS DIVERSAS FACES DESSE BINÔMIO Diego Castro Selene Castilho Silvia Helena Galvão de Miranda Heloísa Lee Burnquist Artigo elaborado em outubro/2003 Durante vários anos, a visão comum a respeito da proteção ao ambiente mantida pelo setor produtivo era a de que essa funcionava como um freio ao crescimento econômico, por elevar os custos de produção. Em período recente, no entanto, a proteção ao ambiente vem-se convertendo em oportunidades no contexto comercial, auxiliando tanto a expansão de mercados, como a prevenção contra possíveis restrições de acesso aos mercados externos (barreiras não-tarifárias). O foco das negociações nas rodadas do GATT, que antecederam a Rodada do Uruguai, era o emprego de barreiras tarifárias ao comércio. Medidas não-tarifárias, particularmente as restrições técnicas, sanitárias e ambientais, eram mantidas, de certo modo, à margem dos debates, embora, desde 1948, o GATT já tivesse se voltado à questão ambiental no comércio, criando o EMIT Group (Grupo em Medidas Ambientais e Comércio Internacional), que permaneceu pouco ativo até o caso da disputa atum-golfinho, entre os EUA e o México. Esse contexto permitiu que o emprego de exigências relacionadas ao ambiente e sanidade vegetal e animal como prática protecionista de mercados aumentasse consideravelmente. Isso tornou cada vez mais evidente a necessidade de avaliar se medidas identificadas como requisito para assegurar a proteção à saúde humana, animal, das plantas, e do meio ambiente cumpriam sua concepção original, ou se eram empregadas como instrumento protecionista. O EMIT Group, na Rodada Uruguai ( ), transforma-se em Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente (Committee on Environment and Trade - CTE). O CTE tem
2 como objetivo relacionar mercado e ambiente visando ao desenvolvimento sustentável. Outro objetivo desse Comitê é a elaboração, sempre que se fizer necessário, de recomendações sobre mudanças nas provisões do sistema multilateral de comércio compatíveis com a natureza aberta, equitativa e não-discriminatória do sistema. O acesso a mercado e os temas comuns às agendas de comércio e de ambiente, em âmbito multilateral, constituem-se nos itens fundamentais à composição do programa de trabalho do CTE. Mais recentemente, na Conferência Ministerial de Doha, em novembro de 2001, duas metas foram indicadas como prioritárias no tocante à questão ambiental no contexto do comércio mundial. A primeira delas refere-se à evolução das relações de negociações das normas e compromissos comerciais específicos da OMC, estabelecidos dentro dos Acordos Multilaterais de Ambiente (MEA). A segunda meta constitui-se em conduzir estudos relacionados aos efeitos das medidas ambientais sobre o acesso a mercado e também sobre a relação entre ambiente, TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) e as exigências ambientais de rotulagem (eco-labelling). A questão ambiental e sua interface com o comércio também é tratada no escopo do Código de Normas, criado em Ao final da Rodada Uruguai, esse Código evoluiu para Acordo sobre Barreiras Técnicas - TBT (veja nota abaixo*) da OMC. Neste, a proteção ambiental foi explicitamente destacada como um de seus objetivos legítimos, ou seja, aqueles que justificam a adoção de medidas técnicas pelos países. Uma grande dificuldade, no entanto, não só para os negociadores dos acordos internacionais, mas também para os exportadores e seus representantes, tem sido a diferenciação entre medidas de proteção ambiental exigidas pelos importadores, que são efetivamente necessárias e legítimas, daquelas empregadas com finalidade principal de restringir o comércio (protecionismo). Neste último caso, tais medidas estariam muito mais comprometidas com a proteção dos mercados internos frente à concorrência de produtos importados.
3 Geralmente, isso leva a um encarecimento do produto concorrente no país exportador, à medida que a adequação a novas exigências torna-se necessária. Procópio Filho (1994) denominou o uso de políticas ambientais que restringem o comércio de Ecoprotecionimo (barreiras não-tarifárias, técnicas, com justificativas relacionadas à proteção ambiental). De outro lado, há riscos como o "Ecodumping", entendido como uma política permissiva com relação às questões ambientais, objetivando o aumento da produção para o mercado externo. Essa "permissividade" e a liberação dos mercados pode trazer efeitos adversos ao ambiente, como o agravamento dos problemas ambientais à medida em que os países intensificam sua produção (poluidora) para aumentar as exportações. Um efeito esperado pela liberação dessas barreiras, conforme estudiosos do tema que defendem a abordagem centro-periferia, é a tendência das empresas poluidoras migrarem para os países com menor preocupação ambiental. A questão ambiental também pode ser associada ao tema subsídios. As políticas de subsídios promovem o incremento da produção interna e reduzem as possíveis importações, desviando o comércio em terceiros mercados em detrimento de exportações mais competitivas de outros países que não praticam os subsídios. Os agricultores dos países mais ricos acabam gerando excedentes, estimulados por tais políticas, que são comercializados no mercado internacional a preços mais baixos, prejudicando principalmente os países em desenvolvimento, produtores de commodities. Um dos possíveis efeitos atribuídos a essa política de subsídios e à queda nos preços associada é a indução dos agricultores nos países em desenvolvimento a produzir com o menor custo possível. Nesse processo, pode ocorrer a ocupação de áreas impróprias, em cultivo intensivo que, dissociado de práticas conservacionistas adequadas, pode gerar prejuízos para o solo, as florestas e os mananciais. Os problemas apontados não se restringem à produção com técnicas poluidoras e mais degradadoras do ambiente, mas também ao consumo de produtos, particularmente
4 quanto às embalagens (não-recicláveis ou não-biodegradáveis), de produtos tóxicos e de difícil degradação (as pilhas e baterias), e de produtos cujo consumo gera externalidade negativa (como os combustíveis fósseis), entre outros, com potencial de degradação do ambiente. A comercialização desses produtos pode ser limitada em países onde os consumidores têm se manifestado de forma mais efetiva sobre as preocupações ambientais. Dentre os diversos tipos de barreiras ambientais analisadas atualmente, a análise do ciclo de vida do produto pode vir a ser o grande problema para a exportação brasileira. A análise do ciclo de vida demanda um relatório completo do impacto ambiental em cada etapa do processo de produção, desde a exploração de matéria-prima até o descarte final de cada produto. Baseado nesse ciclo de vida surgem os selos verdes de certificação como o ISO, cada vez mais exigidos pelos consumidores dos países importadores. Esse programa de selos e certificações é chamado de "ecolabelling" e é representativo principalmente no mercado de papel e celulose, refletindo basicamente os métodos e processos de produção vigentes nos países desenvolvidos. Os produtos brasileiros que mais sofrem com essas barreiras ambientais são os provenientes dos setores agrícola, têxtil e siderúrgicos. Com a crescente demanda por alimentos e produtos, devido ao aumento desenfreado da população mundial, é muito importante lidar com questões ambientais o quanto antes. A própria OMC, em texto disponibilizado em sua página na Internet, afirma que oportunidades de garantir acesso a mercado são percebidas como essenciais para ajudar os países em desenvolvimento a buscarem um desenvolvimento sustentável. Por outro lado, há fortes pressões também de que os interesses e as regras comerciais não podem impedir a legítima defesa do ambiente. Muitas discussões ainda serão desencadeadas sobre este tema. No Brasil, atualmente, uma das mais controversas questões têm sido a dos transgênicos.
5 *Nota: Atualizado em 17/11/03 - Ao final da Rodada Uruguai, o Código referente às questões ambientais evoluiu para o Acordo sobre Barreiras Técnicas e não para Acordo sobre Barreiras Tarifárias e Não-Tarifárias (Technical Barrier to Trade - TBT), conforme citado neste artigo inicialmente.
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