AS QUESTÕES SANITÁRIAS E O COMÉRCIO INTERNACIONAL
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- Ana Laura Caires Marroquim
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1 AS QUESTÕES SANITÁRIAS E O COMÉRCIO INTERNACIONAL Sílvia H. Galvão de Miranda Fabrizio Galli Cláudio F.G. de Almeida Junior Heloísa Lee Burnquist Artigo elaborado em outubro/2003 Atualmente, pode-se afirmar que alguns temas das relações de comércio internacional já transcendem o patamar diplomático, para o técnico e científico. Este é o caso quando se tratam das questões sanitárias, técnicas e ambientais e de seus efeitos sobre o comércio internacional, tanto em termos econômicos, como pela forma como afetam o estabelecimento de políticas. Tem-se constatado que o desempenho comercial vem sendo progressivamente influenciado por medidas dessa natureza. O setor exportador de carnes ilustra bem este entendimento, bastando mencionar as questões envolvendo a febre aftosa e a doença da vaca louca.. Diferentemente do que se verifica quando se discutem os efeitos das barreiras tarifárias, a imposição de uma medida sanitária está intrinsecamente ligada a questões como saúde pública e proteção da fauna e flora de um dado território. O mesmo pode ser dito sobre a aplicação de uma exigência ambiental ou técnica. Portanto, outros valores estão em discussão, além dos estritamente econômicos. Tratando particularmente das medidas sanitárias e diante do escopo, entrou em vigor a partir de 1995, após a Rodada Uruguai, o Acordo para aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias - SPS/OMC, que dispõe sobre todas as medidas sanitárias e fitossanitárias (MSFs) que se propõem a proteger: a saúde humana e animal dos riscos associados aos alimentos; a saúde humana das doenças transmitidas por plantas e animais; animais e plantas de pragas e doenças, seja por meio de exigências técnicas ou não. O sentido de "proteção" no âmbito desse Acordo é o mais amplo possível, uma vez que
2 procura abranger os mais diversos riscos associados à saúde humana, vegetal e animal, desde pragas e doenças dos alimentos às suas consequentes contaminações. O Acordo SPS da OMC é formado por 14 artigos e 3 anexos. As principais provisões do Acordo, ou seja, os princípios preconizados como norteadores da normatização sanitária nos países signatários estão resumidos no Quadro 1, destacando-se a busca da harmonização das normas sanitárias entre países, da equivalência, transparência, da não-discriminação, do embasamento científico e do apoio técnico e financeiro aos países menos desenvolvidos no processo de adoção do Acordo. Quadro 1 - Principais determinações contidas no Acordo SPS/OMC * Artigo 1 - Disposições Gerais: o Acordo aplica-se a medidas sanitárias e fitossanitárias que afetam o comércio. * Artigo 2 (Disposições e direitos básicos) - Artigo 2.1: os membros do Acordo têm o direito de adotar medidas SPS necessárias para proteção da vida e saúde humana, animal e vegetal. - Artigo 2.2: as medidas devem ser aplicadas somente no grau necessário para atender a seus objetivos, fundamentadas cientificamente, e aquelas já implementadas não devem ser mantidas sem evidências científicas suficientes. - Artigo 2.3: as medidas SPS adotadas pelos países não devem discriminar entre os seus membros quando prevalecem condições idênticas ou similares, seja dentro de seu território ou do de outros membros. * Artigo 3 - Harmonização - Artigo 3.1 : As medidas SPS serão baseadas em padrões internacionalmente aceitos (se existirem), estabelecidos pelo Codex, OIE ou pela IPPC; - Artigo 3.3: Medidas SPS que resultem na adoção de níveis superiores aos estabelecidos internacionalmente para proteção ambiental e a saúde podem ser adotadas;
3 * Artigo 4 - Equivalência: o acordo reconhece que diferentes medidas podem ser adotadas resultando em níveis equivalentes de proteção ambiental e de saúde. * Artigo 5 - Avaliação de Risco e Determinação de nível apropriado de proteção SPS - Artigo 5.1: Os membros são obrigados a basearem suas avaliações de risco, quando possível e apropriado, nas metodologias desenvolvidas pelas organizações internacionais; - Artigo 5.2: A avaliação de risco considera os fatores - evidência científica, métodos e processos de produção relevantes, inspeção, amostragem e testes; - Artigo 5.5: Cada membro é obrigado a não distinguir arbitrariamente e injustificadamente níveis de proteção considerados apropriados de tal forma que estas distinções possam resultar em uma forma mascarada de restrição ao comércio internacional, de maneira a conseguir o objetivo de consistencia na aplicação das medidas SPS; - Artigo 5.7: Um membro pode adotar medidas temporárias para minimizar riscos desconhecidos enquanto coleta informações adicionais que permitam uma avaliação de risco objetiva e reavaliação do gerenciamento da medida temporária de risco; * Artigo 6 - Adoção de Condições regionais, incluindo Áreas livres de Febre Aftosa, Áreas de baixa incidência de doença ou prevalência de doenças; * Artigo 7 - Transparência: os membros notificarão mudanças em suas medidas SPS e fornecerão informações de acordo com as normas definidas junto à OMC. * Artigo 9 - Assistência Técnica; - Artigo 9.1: países membros concordam em facilitar a promoção e assistência técnica de outros membros, de forma bilateral ou por meio de instituições internacionais apropriadas.
4 * Artigo 10 - Tratamento especial ou diferenciado: aos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos na aplicação e preparação de medidas sanitárias e fitossanitárias. Entre os preceitos do SPS, destaca-se o exposto no Artigo 7, referente à transparência, cujo principal instrumento é o das notificações. A alteração de qualquer regulamentação, seja pela inclusão, ou pela modificação de alguma disposição, deverá ser previamente notificada à OMC, que, por sua vez, submete a mesma à apreciação pelos demais países-membros para esses que possam se manifestar sobre a medida. Outro ponto a destacar é que a harmonização tem sido perseguida por meio da ação de três instituições internacionais científicas. São elas: o Codex Alimentarus (Codex), no âmbito de segurança alimentar; a Organização Internacional de Epizootias (OIE), que trata das questões pertinentes à saúde animal; e a Convenção Internacional para Produção Vegetal (IPPC), no que tange aos vegetais. As normas avalizadas por essas instituições garantem os níveis de segurança necessários, embora muitos países venham adotando padrões diferentes. Mais do que harmonizar as políticas, a equivalência entre as normas dos países tende a ser uma solução mais viável para facilitar o comércio. Ou seja, as medidas adotadas devem garantir um nível de segurança considerado adequado, mesmo que difiram nos métodos e procedimentos. Isso permite que os países adotem procedimentos diferentes, desde que comprovada a equivalência de seus resultados. Alguns efeitos negativos sobre o comércio podem ser mencionados quando as medidas sanitárias são adotadas e geram conflitos entre os países. Na história recente do comércio internacional, casos clássicos podem ser citados, como o da proibição da importação de carne norte-americana, de animais criados com hormônio, pela UE; e o caso da febre aftosa.
5 Além da possibilidade de interromper ou inviabilizar o comércio de produtos agroindustriais entre os países, outro efeito que essas medidas podem ter estão associados aos custos adicionais de produção ou comercialização acarretados pelas exigências distintas entre países. Admitem-se, ainda, prejuízos relacionados aos processos de disputas junto ao Acordo, considerados demorados, caros e burocráticos. Além disso, tem inibido a contestação de medidas indevidas e prejudiciais ao seu comércio pelos países em desenvolvimento e mais pobres. Uma norma sanitária ou fitossanitária não se configura, necessariamente, como uma barreira comercial. Alguns critérios para identificar o seu uso com finalidade de restringir comércio podem ser apontados de pronto, como a discriminação entre países, sem justificativa científica; a arbitrariedade na aplicação das medidas; a discriminação no tratamento entre produtos nacionais e internacionais. Uma questão que permanece, no entanto, é como identificar se a demora em um processo de avaliação de conformidade para equivalência pode, ou não, ser caracterizada como uma barreira ao comércio? A resposta a esta questão exige estudos mais profundos sobre o tema.
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