ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA PROGRAMA DE INICIAÇÃO A PESQUISA CIENTÍFICA KATHERINY MENDES BATISTA
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- Branca Flor Domingues Pinhal
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1 ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA PROGRAMA DE INICIAÇÃO A PESQUISA CIENTÍFICA KATHERINY MENDES BATISTA RETRATOS DO HÁBITO O CORPO COMO REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO CURITIBA PR 2011
2 ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA PROGRAMA DE INICIAÇÃO A PESQUISA CIENTÍFICA KATHERINY MENDES BATISTA RETRATOS DO HÁBITO O CORPO COMO REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO Pesquisa apresentada ao Departamento de Artes Visuais da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, pelo programa de desenvolvimento à pesquisa científica da Fundação Araucária, sob a orientação da Profª. Drª. Bernadette Panek. CURITIBA-PR
3 SUMÁRIO Introdução Identificação de gênero feminino Símbolos no campo social e artístico Corpo como meio estruturante das ações vivenciadas Vídeo Arte Considerações Finais Referências Bibliográficas Anexos
4 Introdução A arte tem que ser uma ferramenta para conectar ou questionar ou criar consciência no público, como qualquer outra coisa. Marina Abramovic O interesse em estudar a manifestação do feminino no meu dia-a-dia e nas artes surgiu quando minha feminilidade foi questionada por não aderir a certos estereótipos do universo da mulher. Por meio do estudo social e comportamental do homem, considerando a teoria da coesão social de Durkhein, e da análise da obra de artistas contemporâneos como Louise Bourgeois, foi possível identificar quais são os símbolos de nossa sociedade ocidental que se relacionam com o feminino. Quais deles atuam no meu universo. E como através das mídias contemporâneas estes estereótipos interferem na percepção, concepção e construção do gênero feminino. No Capítulo I trato da identificação de gênero feminino por meio das ideias do sociólogo Durkhein e utilizo o trabalho de Louise Bourgeois para analisar o perfil da mulher contemporânea. No Capítulo II identifico quais símbolos no meio social e artístico estão relacionados ao universo da mulher e como estes símbolos interferem na construção do feminino. Utilizo as fotografias da artista Cindy Sherman como referencial. Em suas fotos ela questiona os ideais de beleza. No Capitulo III eu trato da relação entre o feminino, o corpo e a imagem. Descrevo a experiência de usar o corpo como um suporte, tanto na vídeo-arte como no trabalho fotográfico, a partir das relações que Lygia Clark estabelece entre o objeto e o corpo. No Capitulo IV eu descrevo os processos de desenvolvimento do vídeo. E no Capitulo V faço as considerações finais sobre minha experiência com a pesquisa, até que ponto pude desenvolvê-la e meus interesses futuros neste assunto. 4
5 1 Identificação de gênero feminino Você pode aguentar qualquer coisa, desde que a ponha no papel, tem de fazer para poder segurar. Louise Bourgeois Ao longo da pesquisa levanto uma série de reflexões sobre o meu posicionamento frente ao universo da mulher. Dessa forma interpreto as sensações que a figura masculina de meu pai manifesta na minha personalidade. Para mim, o corpo se tornou um universo que abriga e transmuta as sensações do meu dia-a-dia. Tais entendimentos só se tornaram possíveis, através do estudo do termo gênero. Considero a problemática de gênero pela perspectiva do sociólogo Émilie Durkheim, ( ). O qual é considerado um dos criadores da sociologia moderna e reconhecido teórico no conceito da coesão social. Na sociologia a coesão social é o estudo do desenvolvimento e comportamento do humano quando em sociedade. 1 Em sua teoria o sociólogo estabelece a existência de uma consciência individual. Ela é designada às emoções, às memórias e às ações que se limitam somente ao próprio bem estar do indivíduo, como se alimentar e vestir-se por exemplo. Durkheim também estabelece a existência de uma consciência que chama de coletiva. A qual significa a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas, princípios morais, religiosos, éticos e de 1 DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico.sp, Ed. Martin Claret, 2002.Pg.91 5
6 comportamento, que permitem a conduta do indivíduo na sociedade. A essa série de princípios, Durkheim chamou de fatos sociais. Em minha pesquisa evidencio um dos fatos sociais, em que o sociólogo analisa as questões referentes à compreensão de gênero. Para Durkheim gênero é a diferença sexual entre os seres 2. Ele parte do princípio lógico de que o homem é o gênero masculino e a mulher é o gênero feminino. Esta pesquisa porém pretende tratar, a princípio, do feminino enquanto elemento que independe do sexo. Isto é, a identificação social de um feminino, através da compreensão de elementos visuais, como os tons de cor, que variam do azul ciano ao carmim, as formas que podem expressar delicadeza e as que possuem sinuosidades. Como também elementos sensitivos, como os gestos e as ações. Estes elementos podem se manifestar tanto no homem, quanto na mulher contribuindo na construção de uma identidade feminina. Considero o perfil da mulher contemporânea e sua repercussão nas artes plásticas fazendo uma análise dos trabalhos da artista Louise Bourgeois ( ), francesa radicada em Nova York. O modo como Louise exterioriza suas memórias serve como fundamentação para as discussões que serão levantadas referentes ao sujeito feminino e seu universo. O trabalho da artista reflete a densidade de suas emoções enquanto filha, mulher e artista. Sua obra fortemente autobiográfica segue pulsões que por vezes se confrontam, tais como a solidão, a família, o medo, a ternura, a proteção e a agressão. É na escultura que ela encontra um corpo para abrigar o seu sujeito. Em sua obra Ode à ma mère (1995), uma série de nove águas-fortes, a qual vem acompanhada de um texto, a artista desenvolve representações de aranhas. Em tal momento ela expressa as relações que estabelece entre a aranha e sua própria mãe: Minha melhor amiga era minha mãe. Ela era decidida, inteligente, paciente, tranquilizadora, racional, delicada, refinada, indispensável, ordenada e útil, como uma aranha 3. Além disso, Louise escreve sobre este aracnídeo como um símbolo supremo da infinidade da vida, que se renova constantemente. Assim como uma teia de aranha que é tecida pouco a pouco. Em entrevista ao Museu de Cincinnati (1997) 3, a artista fala sobre sua obra Maman (1999), uma aranha feita em bronze, de escala monumental. 2 DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico.sp, Ed. Martin Claret, 2002.Pg.10 3 Entrevista á Louise Bourgeois. Ohio: The fact Museum Cincinnati, 1997, s/n. 6
7 Mamam Louise Bourgeois - National Gallery of Canada, Revela assim, que sua escultura, transmite tanto a sensação de proteção e acolhimento quanto de ataque. Bourgeois acomoda sob algumas de suas Aranhas, uma estrutura feita de tela metálica e retalhos de tapeçaria antiga. Dentro dessa estrutura existe uma cadeira que está posicionada em abaixo do centro da aranha. Ao ver essa obra exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (nov./2011), pude compreender a natureza das sensações que a artista procurou transmitir. Falo do acolhimento e o do ataque. A grade de metal que cerca a cadeira junto às tapeçarias, cria no espaço, um tempo de memórias. Creio que os retalhos de tapeçaria fazem menção a sua infância e família, afinal Louise morava com sua família no interior de Paris, onde possuíam uma oficina de restauração de tapetes que era gerenciada pela mãe. Seu pai, Louis Bourgeois passava mais tempo em Paris gerenciando a galeria de tapetes. Por meio da tela de metal, das tapeçarias, e do posicionamento da cadeira, Louise traz ao observador um sentimento de desconforto. As sensações de dor, de buscar as memórias, de transmitir a angustia e ao mesmo tempo a calma são recorrentes na obra. Em suas representações da aranha, Louise muitas vezes a trata como sendo sua própria mãe. A obra da Aranha, a qual tive a oportunidade de ver na exposição no MAM/RJ, associei ao texto de Bourgeois da obra Ode à ma mère, quando a artista trata da comparação entre a aranha e sua mãe e de suas próprias memórias. Nesse momento, percebi que a aranha abraça e protege a própria Louise por entre suas patas de mais de dois metros cada. A obra é perturbadora, aliás naquela cadeira a única pessoa que pode ali sentar é a própria artista. Na verdade, Bourgeois cria um ninho de proteção, tem a cadeira e a grade que separa a artista do mundo exterior, não basta apenas a grade de proteção ainda existe a aranha. 7
8 Em sua infância Louise teve de deixar o Lycée Fénelon, liceu de estudos, para ajudar na oficina de sua mãe, desenhando os tapetes e aprendendo a manusear a lã e os pigmentos. Só mais tarde ingressou na Sorbonne para realizar uma graduação em geometria e filosofia. Estes estudos influenciaram fortemente seu trabalho por toda a vida. Tanto através da geometria na construção e ordenação do espaço, como em seus estudos psicanalíticos. A artista expressa em sua obra o interesse por exorcizar suas memórias, emoções e pensamentos. A manifestação do masculino é muito recorrente em seu trabalho. Através de escritos e também nas esculturas com formas fálicas como Sleep 2, e Destruction of the Father Bourgeois trabalha intensamente por meio de metáforas a relação que existe entre ela e seu pai. Sleep II Louise Bourgeois Mam RJ 2011 Destruction of the Father Louise Bourgeois Mam-RJ 2011 Toda sua obra, como menciona em um de seus escritos psicanalíticos é um pedido de desculpas ao pai. 4 O medo do abandono e a rejeição pela figura masculina é uma presença constante. O Abandono ao qual ela mesma considera estar relacionado às frequentes ausências do pai, devido à guerra, ao trabalho e as amantes. Em um texto de seu diário ela se compara ao pai: Meu padrão de me apaixonar é o mesmo de meu pai em busca de compaixão. Em ambos os casos nos entregamos completamente, em ambos os casos é uma espécie de oração patética. E então tanto eu como meu pai nos sentimos rejeitados. Há um terrível sentimento de frustração e às vezes ódio. 5 Louise amava seu pai, e sentia culpa pelo sofrimento que ele causava a sua mãe. Não queria amar o homem que nunca estava presente. 4 BOURGEOIS, Louise. O Retorno do Desejo Proibido Escritos Psicanalíticos. SP, Instituto Othake, LB-0029 p.5 5 BOURGEOIS, Louise. O Retorno do Desejo Proibido Escritos Psicanalíticos. SP, Instituto Othake, LB-0450 p.29 8
9 Em meu trabalho também desenvolvo minha relação com a figura masculina paterna. A qual teve grande importância durante minha formação. Primeiramente na construção de um ideal feminino. E mais tarde na exigência em manter esse ideal. Como sempre, meu pai e eu fomos muito próximos, posso dizer que todos os questionamentos que uma menina tem na adolescência e pergunta à mãe, na minha vida foram respondidos por ele, meu pai. A figura de minha mãe sempre foi para mim a de uma pessoa forte e independente. No entanto ao se tratar de assuntos mais íntimos, eu sempre a vi como uma mulher recatada. Que preservava ao máximo sua integridade, e a pureza feminina. Meu pai era o homem, era o liberal, conversávamos de igual para igual, para mim ele parecia mais real do que ela. O divórcio de meus pais não prejudicou nossa relação. E assim eu cresci desenvolvendo pensamentos e valores muito próximos aos dele. Meu pai foi claro ao me dizer uma vez que enquanto mulher eu deveria seguir os seguintes valores: ser inteligente, culta, persistente, me dar ao respeito, ser forte e acreditar em mim. No entanto só mais tarde percebi que estes valores só lhe interessavam enquanto lhe convinha a minha dependência. No momento em que contrariei sua posição, e decidi ganhar autonomia nas minhas decisões, comecei a manifestar no modo de ser, vestir e falar, um perfil de mulher diferente do que ele esperava que eu fosse. Sua reação foi de desaprovação. Na verdade, avaliou minha feminilidade. Compreendi, nesse momento, que a imagem que meu corpo manifestou, projetou um estereótipo de sujeito. Esse fato gerou em mim o interesse pelo estudo de gênero, então procurei entender quais são esses símbolos conectados às questões do feminino e do masculino. E como se manifestam na construção de uma identidade feminina. Assim por meio da produção fotográfica e de um vídeo-experimental tenho a intenção de desconstruir essa identidade feminina. Desejo para mim, assim como Bourgeois deseja em sua obra, eliminar o supérfluo, a fim de estabelecer relações nítidas e fundamentais. Interpreto essa frase como sendo a busca em compreender a manifestação do meu feminino que independe de elementos externos para existir. Enquanto mulher eu compreendo que possuo a feminilidade no âmago interior. Porém é comum que as mulheres se esqueçam disso. E coloquem a feminilidade como dependente da existência de elementos externos, supérfluos. Digo, a mulher deve perceber que sem usar o salto alto, sem estar de saias, 9
10 mesmo sem cabelo, ainda é mulher. Acredito que essa compreensão de si, é o que estabelece as relações nítidas e fundamentais que Louise Bourgeois cita. No trabalho audiovisual utilizo filmagens antigas da minha família, situações como uma viagem no fim de semana, o meu aniversário de três anos, uma festa na escola. Essas imagens quando apresentadas não seguem uma linearidade. A intenção do vídeo é transportar quem o assiste para o meu universo pessoal onde memórias de família e ações do cotidiano atual se fundem na construção do meu sujeito. 2 Símbolos no campo social e artístico "Todos somos vulneráveis de alguma maneira, todos somos homem-mulher" Louise Bourgeois Sigo com a perspectiva da coesão social de Durkheim, cuja teoria trata do estudo comportamental do homem quando em sociedade. A teoria leva em consideração as questões políticas, sociais e econômicas da localidade onde o ser humano vive. Através de uma análise social busco identificar quais são os símbolos de nossa sociedade ocidental que se relacionam com o feminino, quais deles atuam no meu universo e como através das mídias contemporâneas eles interferem na percepção, concepção e construção do feminino. Através de uma análise da situação social da mulher ocidental, percebo que as mulheres hoje ocupam as mesmas funções dos homens. Mesmo não sendo remuneradas da mesma forma sustentam famílias sozinhas. Em comparação a décadas passadas, o número de mulheres que buscam sua independência aumentou. Possuem leis em sua defesa e lutam pelo respeito ao seu corpo. Diferente das gerações passadas onde a mulher não tinha voz e suas escolhas eram feitas primeiramente pelo pai e depois pelo marido. Algumas mulheres hoje se sentem preparadas para enfrentar o mundo sem que o homem as ajude. Essa força feminina se tornou clara para mim já na infância, quando meus pais se divorciaram. Eu continuei morando com minha mãe, que foi referência de proteção e determinação. Eu a via cuidando de mim e de minha irmã, da casa, das contas, trabalhando e ainda assim disposta a nos ver crescer. Eu a via como uma super-mulher que era capaz de tudo. Minha mãe até hoje é uma mulher vaidosa. Lembro-me de quando era mais nova, as 10
11 unhas dela sempre estavam impecáveis, variavam nas semanas, do rubi ao rosa claro. Também variava o tom do seu cabelo, que foi loiro, ruivo e castanho até ela se encontrar no tom natural. Recordo que quando eu era mais nova ela escova o meu cabelo antes de dormir para deixá-lo macio. No verão ela sempre estava de saia ou vestido estampado. Dizia-me para não ralar as pernas, para evitar cicatrizes. Até hoje ela é adepta aos hidratantes e filtros do sol e repete como em um mantra que eu devo proteger o rosto e as mãos do sol, pois as mãos revelam a idade da mulher. Neste universo social encontro a identidade feminina ocidental, que engloba diversos símbolos. Alguns deles são códigos visuais como a moda, as formas sinuosas, flexíveis, que se abrem criando um núcleo, as flores e os tons de cor que variam dos azuis aos vermelhos. Outros são símbolos sensíveis como a delicadeza, a sensualidade e a fragilidade. E também os objetos como o salto alto, a maquiagem e o soutien. Este perfil é destinado diretamente ao sujeito feminino. Frequentemente a mulher incorpora e reproduz estes símbolos como parte de sua identidade, sem questionar sobre a necessidade de tomar para si estes valores. Muitas aderem estas informações à sua imagem sem ter consciência do que eles representam. É comum apenas transportarem para suas vivências pessoais, o modelo que lhes é imposto socialmente, de como uma mulher deve parecer e se comportar. Certos padrões de comportamento ocidentais como sentar com as pernas cruzadas, não roer as unhas, manter os cabelos penteados, já estão implícitos no nosso inconsciente coletivo 6. Não são os gestos ou a forma como se apresenta que irão qualificar o sujeito enquanto sexo feminino. Outro referente para minha pesquisa são as fotografias da artista Cindy Sherman. A artista iniciou seu trabalho através do formato autorretrato. Ela é a modelo de suas imagens. Nas quais desenvolve temas como os papéis sexuais, a desmitologização do corpo, andrógina, os estereótipos sociais da mulher americana e os ideais de beleza. Assim como Sherman também uso meu corpo como modelo para a realização das fotografias. No momento que me aproprio destes elementos, diferente da artista não perco a identidade pessoal, ou seja, meu trabalho é realmente autobiográfico. Os símbolos escolhidos por mim para o trabalho fotográfico são o sapato de salto alto, os seios e a imagem da mulher na publicidade. 6 DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico.sp, Ed. Martin Claret, p.10 11
12 Untitled Film Still 6 Cindy Sherman- Na série Untitled Film Stills 1977, Cindy Sherman representa e questiona, em forma de autorretrato, ícones da feminilidade construídos ao longo dos anos pelo cinema e pela televisão. Os estereótipos variam desde a jovem estudante à prostituta. Em suas fotos a artista não está presente propriamente, ou seja, ela apenas representa um personagem, como afirma em entrevista ao New York Times : Eu estou anônima em meu trabalho. Quando olho para as imagens, eu nunca me vejo, elas não são autorretratos meus. 7 Como já foi dito anteriormente, ao contrário da artista eu me identifico nas fotos que faço. Não posso anular minha identidade nas imagens, pois meu trabalho é pessoal. Exponho minhas próprias reflexões sobre o feminino, minhas interpretações dos objetos e símbolos escolhidos. Trato de minhas vivências familiares. Utilizo meu próprio corpo como modelo para a execução das fotografias. Meu corpo representa meu universo, que abriga e transmuta as sensações do meu dia-a-dia. A decisão em usar meu corpo como suporte individualiza minha experiência existencial. Origina-se do meu desejo em exteriorizar as memórias e questionamentos que compõem minha identidade feminina. Em meu trabalho fotográfico, me caracterizo de maneira próxima a uma modelo de revista. Durante a realização das fotos para o trabalho aproprio-me dos padrões de beleza da mídia, maquiagem e cabelo. Aliás, faço questão de intensificar a ação da maquiagem e cabelo. 7 Entrevista ao jornal New York Times, 01/02/1990, A Portraitist s Through Art History. 12
13 Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Perfil Estes elementos devem ser percebidos pelo observador, desejo que esse excesso fique aparente, pois acredito que dessa maneira quem vê a fotografia pode perceber como os efeitos de maquiagem se manifestam no corpo. É comum a mulher ser representada na mídia com feição sensual, mãos no cabelo ou na boca, feição nostálgica olhando para o lado e para cima, ou incrivelmente feliz, exibindo o sorriso perfeito. Eu desqualifico as expressões habituais. Assim ao posar para as fotos uso um adaptador bucal que força o sorriso e deforma a expressão. O adaptador não permite o movimento com a boca, a saliva escorre, os dentes e a gengiva estão expostos mostrando o corpo além da superfície maquiada. As sensações transmitidas são as de sofrimento, submissão a estes padrões e repúdio para quem as observa. Todos os símbolos da beleza estão aplicados no corpo. Porque ele não consegue ser belo? Na foto em que uso o adaptador bucal minha intenção é a de questionar nossos ideais de beleza. O sorriso quando levado aos seus extremos, assusta. A feiura é manipulada através da alteração da expressão pelo uso do adaptador. Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Imagem da mulher na publicidade Desejo que este choque questione o observador sobre as relações que nossa sociedade afirma entre o belo e o feio. Nesta pesquisa eu coloco o meu corpo como suporte na atuação destes símbolos, que operam na representação do sujeito feminino. Minhas indagações frente ao modelo criado e imposto pelas mídias de comunicação como a 13
14 televisão, os filmes, as revistas, originou-se quando minha feminilidade, de uma mulher real foi comparada a este padrão artificial. A intenção, dos questionamentos de meu pai, era a de reformular o meu entendimento sobre o feminino. Houve situações em que ele analisou, a roupa, os sapatos, o cabelo e me disse que eu não parecia uma mulher. Questionou-me do porque não estar de saia, do porque não usar salto alto, do porque não estar de brincos. E me pediu uma justificativa. Acredito que estas convenções sociais sobre o feminino, não respeitam a integridade da mulher, pois a maioria das mulheres sofre ao tentar cumpri-las. Como mulher eu me sinto exposta e atacada em todas as minhas complexidades físicas e morais ao simples ato de sair de casa. Quando as mulheres se expõem ao convívio social tem suas expressões e vontades reprimidas. Por todos os meios recebem estímulos sobre como devem parecer e agir. A mulher sofre, pois não é incentivada a aceitar sua beleza natural, o seu ser feminino. Ela se torna escrava de si, buscando uma perfeição inalcançável. As reflexões que surgem frente aos questionamentos de meu pai, são necessárias para encontrar um feminino cuja existência independe da relação objeto-imagem. Sendo objeto um elemento externo, um adereço que a mulher decide colocar em seu corpo, e a imagem é oque este corpo projeta no espaço. Acredito que a beleza e a feminilidade da mulher se manifestam no espaço por si só, não devem estar relacionadas à necessidade de sobrepor ao corpo brincos, maquiagens e acessórios. Falo de um feminino enquanto essência. 8 No vídeo, eu me aproprio de cenas de desfiles retirados da internet que mostram a reprodução de um padrão de beleza e também cenas de comerciais antigos como o Meu primeiro soutien da Valisére. Marca a qual considero ser um símbolo da sensualidade feminina. Tal comercial valoriza o momento de passagem da puberdade, quando a menina ganha seu primeiro soutien de presente do pai. A propaganda enfatiza a importância deste objeto. A partir desse comercial o símbolo dos seios é trabalhado na fotografia que produzo. Na imagem tenho os seios comprimidos por faixas de atadura, e no vídeo registro esta ação. 8 BUARQUE, Aurélio. Dicionário Aurélio. SP, Positivo,2010. p s.f. É o que constitui a natureza de um ser, de uma de uma coisa, natureza divina.filosofia. Natureza ideal de um ser: para o existencialismo, a existência precede à essência. 14
15 Série Retratos do Hábito Katheriny Batista 2011 Seios Mesmo quando me aproprio de trechos de comerciais o faço na intenção de transportar o público para o meu campo íntimo. Acredito que a identificação do observador com essas imagens, que já caíram em domínio público, podem trazer à aproximação entre tal universo e o que discuto na obra. A familiaridade que proponho através das imagens de comerciais e filmes pode aproximar quem as assiste de meu trabalho. O observador reconhece, toma para si e obtém o percebimento das situações que exponho sobre o feminino. Afinal compreendo que os mesmos assuntos com que lido nesta pesquisa podem ser temas de reflexão para outras pessoas. A partir destes aspectos, social, familiar e pessoal, desejo compreender como o feminino se expressa no dia-a-dia e nas artes. Para que consiga identificar estes códigos implícitos no modo como penso e ajo. E assim questionar através de meu trabalho artístico, este universo associado à mulher. Parto da compreensão das subjetividades existentes entre o feminino, o corpo e a imagem que este representa. Através de produção fotográfica e de um vídeoexperimental tenho a intenção de desconstruir essa identidade feminina. 3 - Corpo como meio estruturante das ações vivenciadas Nós somos os propositores: Nós somos o molde, cabe a você soprar dentro dele o sentido da nossa existência. Lygia Clark Eu acredito que cada pessoa deve ter plena consciência e percebimento do que é, e de suas próprias ações. Para que consequentemente, também tenha consciência do que representa 15
16 no espaço. Isto é, tenha consciência da imagem que representa. Durante a produção fotográfica fiz algumas cenas que aparecem no vídeo. Elas são o registro da minha vivência com os símbolos que escolhi. São eles, o salto alto, os seios e a imagem da mulher na publicidade. Ao escolher me apropriar de um destes símbolos, os qualifico junto ao corpo. Assim, altero o modo como meu corpo se projeta no espaço, e consequentemente as interpretações que provém desta nova imagem criada. Durante a construção das imagens estabeleci que o foco seria transmitir a experiência entre o corpo e o objeto. A relação entre corpo e objeto fica clara quando trabalho o símbolo do salto alto. Na fotografia meus pés estão em primeiro plano. Um deles veste um laço de fita rosa. O laço remete aos arranjos de um sapato, e traz a sensação de delicadeza e sensualidade. Os calcanhares estão apoiados sobre a ponta de um prego que representa o salto alto. Trata-se de sacrifício. Trata-se da tortura consentida. As sensações da dor, do desconforto na posição dos pés, da imposição social e do sofrimento pela beleza estão projetadas na fotografia. Imóvel. Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Salto Alto Nesta imagem, o corpo está preso ao objeto. A ponta do prego está comprimida contra os calcanhares. É como se ele entrasse nos pés tornando o corpo tragicamente imóvel. O delicado e o abrasivo se contrapõem. Estas noções transportam-se da plasticidade da fotografia para a realidade do cotidiano feminino. Esse ato de desapego aos estereótipos e costumes socialmente impostos e transmitidos de geração a geração, é um desafio para mim. Pois considero que ainda hoje vivemos em um mundo onde o pensamento masculino a saber, da inferioridade da mulher prevalece. A mulher está sujeita às imposições, mesmo que sutis, de nossa sociedade patriarcal. Seja por meio de uma capa de revista feminina, onde é comum a imagem da mulher estar vinculada ao estereótipo magro aliado à expressão de felicidade. Ou em comerciais publicitários, percebo a abordagem destes veículos de comunicação na indução do meu ser, sentir e agir. Busco me desapegar 16
17 destes costumes, pois não desejo me sentir feminina somente quando possuo ou ajo conforme estes estereótipos. No âmago artístico também estão presentes os elementos que expressam a relação entre o feminino, o corpo e a imagem. A obra da artista Lygia Clark ( ) rompeu com o espaço bidimensional do quadro, aboliu a moldura e se aproximou mais do mundo em terceira dimensão. Seus trabalhos, em maioria interagem com o público. Eles tratam do corpo como meio estruturante das ações vivenciadas. 9 O Objeto não esta mais fora do corpo, mas sim é o próprio corpo. Em sua obra, que pertence a uma série Roupa-Corpo- Roupa: O Eu e o Tu 1967, Lygia Clark desenvolve a temática da dessexualização por meio da figura simbólica de dois corpos que vestem macacões e possuem capacetes. É impossível identificar o sexo das pessoas, exceto por elementos vermelhos em um deles, que tende a ser o da mulher. Roupa-Corpo- Roupa: O Eu e o Tu Lygia Clark- Assim, o homem e a mulher interagem através do toque por meio de aberturas nas roupas, idealizadas pela artista. Ela desnaturaliza o corpo ligado ao sexo em sua instalação Roupa Corpo: o Eu e o Tu A sensação de dessexualização é evidente. Ambos têm bolsos e cavidades com fechos. Usam capacetes que escondem os rostos. Esses elementos, o azul e o azul com vermelho se tateiam, se reconhecem. Encontram os bolsos e estendem-se às cavidades do outro, trocam suas sensações como se aos poucos se tornassem um só. Ambos estão conectados por um tubo /06/2011 às 22:00 p.m 17
18 Este tubo permite que se escute a respiração do outro. No trabalho áudio-visual faço menção a esta obra. Utilizo as cores. O vermelho é utilizado como filtro sobre a imagem do perfil de um rosto masculino. O azul respectivamente para o perfil do rosto feminino. As imagens estão sobrepostas. Ocupam o mesmo lugar no espaço e em alguns momentos um perfil se manifesta mais que o outro. Assim no vídeo, esta sobreposição da cabeça masculina com a feminina traz também uma aproximação. No trabalho de Louise também encontro a personificação do masculino e do feminino. O Ativo e o passivo. O destrutivo e o sedutor. 10 Sua escultura Femme Couteau 1969 é feita em mármore rosa. A forma sinuosa remete à sensação de leveza, e de delicadeza. Bem como a fusão do masculino e do feminino. Por sua gestualidade, assemelha-se a forma de uma faca. Na Femme Couteau, como Louise Bouegeois diz em entrevista a revista New York 1974, A mulher se torna uma lâmina, ela está na defensiva. Ela se identifica com o pênis para se defender. 11 A curva e a ponta colocadas em extremidades opostas do mármore, representam como diria ela: a polaridade das mulheres. Também na escultura a simbologia da forma fálica se confunde com um volume de quadril. A mulher transformase em uma faca, na defensiva. Bourgeois justifica afirmando que a mulher no início de sua vida sexual se sente vulnerável, tem medo de ser machucada pelo pênis, então se apropria dele para se sentir segura. É sobre vulnerabilidade e proteção. Desde cedo fui acostumada com um mundo masculino, fui acostumada a perceber o feminino em pequenos gestos, e também seu lado misterioso, o masculino BOURGEOIS, Louise. Reconstrução do pai destruição do pai. SP, Cosa&Naify Edições, p BOURGEOIS, Louise. Reconstrução do pai destruição do pai. SP, Cosa&Naify Edições, p BOURGEOIS, Louise. Reconstrução do pai destruição do pai. SP, Cosa&Naify Edições, p
19 Femme Couteau ( 1969 ) Louise Bourgeois Destruição do Pai Reconstrução do Pai 4 Vídeo Arte Os homens olham as mulheres. O fiscal que existe dentro da mulher é masculino: a fiscalizada, feminino. Desse modo, ela vira um objeto - e mais particularmente um objeto da visão: um panorama Cindy Sherman Durante a pesquisa teórica pude esclarecer e aprofundar meus conhecimentos referentes as questões do gênero e do universo feminino. Tomar para si essas questões que habitam o espaço social e das artes, vivencia-los e experimenta-los, tendo meu corpo como objeto participativo da obra ilustra minha intenção de usar essa temática como ferramenta para o entendimento das verdades pessoais que foram levantadas ao longo da pesquisa. As percepções e entendimentos que venho construindo durante a pesquisa manifestam-se também por meio da vídeo-arte. Utilizei este veículo, pois acredito que me permite expressar com maior clareza os pensamentos, as memórias, as ações, e os sentimentos frente a este tema. Escolhi o título O corpo como representação do sujeito, pois essa foi a metodologia que utilizei durante as filmagens. Apropriei-me do meu corpo como um suporte na atuação dos símbolos. Bem como me apropriei de sujeitos imaginários. Personagens de comerciais e modelos de desfiles. Com a intensão de atuarem na representação do sujeito feminino. No vídeo, tanto trechos de comerciais antigos, como filmagens antigas da família, compõem juntas a representação do meu universo. Desejo que o observador compartilhe de meus pensamentos e se identifique com as questões que levanto sobre o feminino e seu universo. O vídeo foi feito em etapas. Desde a identificação dos elementos presentes em meu cotidiano que se relacionam com o feminino, a experimentação destes, a compreensão de 19
20 seus valores. Até a discussão sobre o gênero. Expresso em imagens meu processo íntimo de reformulação da identidade feminina. Durante este trabalho procurei compreender a simbologia do feminino para não utiliza-la sem consciência desse ato. Busquei me tornar uma mulher mais livre. 5- Considerações Finais Durante este ano de pesquisa pude esclarecer e a profundar minha compreensão sobre a manifestação do feminino, no campo social e das artes. Também pude conhecer com maior propriedade a vida e obra das artistas Louise Bourgeois, Lygia Clark, Cindy Sherman e Marina Abramovich. O que com toda certeza fortalece o desenvolvimento de minha pesquisa pessoal. Percebi como essas artistas trabalham temas que muitas vezes se assemelham, como o corpo, o feminino, o objeto e o intimo nas mais diferentes áreas. Essa percepção ampliou minha visão das possibilidades em transpor meus pensamentos do âmbito das ideias e reflexões para o âmbito material e plástico. Minha experiência em desenvolver um trabalho autobiográfico e expressa-lo em diferentes meios, da fotografia e da vídeo-art, me fez repensar sobre o modo como lido com as minhas relações familiares, o modo como me relaciono com o meu feminino, e sua manifestação no espaço. O fato de usar o meu corpo como um suporte nessa experiência ampliou minha percepção dos gestos e ações e me proporcionou perceber o corpo como um universo que abriga minhas reflexões, emoções e ações. Sinto-me um mulher mais consciente de minha manifestação no espaço, sou uma mulher mais livre. Tenho a intenção de continuar a pesquisa explorando mais o corpo no trabalho autobiográfico, penso em futuramente contemplar nos estudos de gênero, o masculino. 20
21 Referências Bibliográficas Entrevista á Louise Bourgeois. Ohio: The factmuseum Cincinnati, 1997, s/n. BOURGEOIS, Louise. Reconstrução do pai Destruição do pai. SP, Cosa&Naify Edições, BIDEGAIN, A. M. (Org.) Mulheres: autonomia e controle religioso na América Latina. Petrópolis: Vozes/Cehila, Texto: MAPA SOLTO, Profa. Dra. Ana Cristina de Rezende Chiara (UERJ) Texto: A PROJEÇÃO DO CORPO NO CONTEXTO DA OBRA - UMA REFLEXÃO A PARTIR DA INSTALAÇÃO A CASA É O CORPO DE LYGIA CLARK, Dione Veiga Vieira Webgrafia html
22 Anexos Mamam ( ) Louise Bourgeois - National Gallery of Canada, Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Salto Alto Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Salto Alto publicidade Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Imagem da mulher na 22
23 publicidade Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Imagem da mulher na Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Seios Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Perfil Série Retratos do Habito Katheriny Batista 2011 Perfil 23
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