A CONSTITUIÇÃO DO INTÉRPRETE-HISTORICIZADO POR MEIO DAS PRÁTICAS DE ENSINO DOS ESTÁGIOS CURRICULARES
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1 A CONSTITUIÇÃO DO INTÉRPRETE-HISTORICIZADO POR MEIO DAS PRÁTICAS DE ENSINO DOS ESTÁGIOS CURRICULARES Érica Mancuso Schaden Filomena Elaine Paiva Assolini FFCLRP/USP Apresentaremos um recorte da pesquisa de mestrado em andamento, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, que visa investigar as (im)possibilidades de graduandos do curso de Pedagogia constituírem-se como sujeitos intérpretes-historicizados (ASSOLINI, 2003), em situação de estágio curricular supervisionado. Baseamo-nos nas premissas teóricas e metodológicas da Análise de Discurso Francesa, desenvolvida por Michel Pêcheux, na abordagem Sócio-Histórica do Letramento, enfatizando-se os estudos teóricos sobre autoria, bem como nos estudosdas Ciências da Educação, a respeito da temática de formação de professores, sobretudo os que envolvem a investigação da formação inicial do docente, enquanto sujeito graduando de licenciatura. O corpus desta pesquisa é constituído por meio de depoimentos e questionários, respondidos por graduandos do curso de Pedagogia, de três instituições brasileiras de ensino superior (USP, UNICAMP e UFSCAR), que cursam disciplinas de estágio curricular supervisionado para o ensino fundamental, na área da Língua Portuguesa. A análise preliminar dos dados mostra-nos que experiências positivas no estágio curricular são assim consideradas quando o sujeito-estudante ocupa o lugar de intérpretehistoricizado, requisito essencial para que aprenda a argumentar, pensar e refletir sobre os sentidos concernentes aos saberes e fazeres docentes, de maneira ampla, e ao estágio de forma particular. Ocupar a posição de intérprete-historicizado proporciona ao graduando oportunidades para se entender como sujeito capaz de se deslocar do lugar de sujeito-enunciador de sentidos legitimados para a posição de sujeito-autor de seu próprio dizer, basilar para o exercício crítico e responsável da docência. Palavras-chaves: Estágio curricular; Análise de Discurso Francesa; Formação de professores Por ser um pilar essencial para a formação profissional do graduando de cursos de licenciatura, que poderá se tornar docente no futuro, a questão dos estágios curriculares merece ser constantemente investigada, já que se constitui em um dos momentos mais importantes da formação inicial. Por isso, é importante refletirmos como são as experiências de estágios curriculares vividas por graduandos, em diferentes universidades e faculdades brasileiras. Isso porque cabe ao estágio curricular entrelaçar dois campos de produção e reflexão de conhecimentos, mas que, por terem suas próprias configurações, muitas vezes não dialogam: a universidade e a escola. Compreendido como um rito de 00148
2 2 passagem (LIMA, 2008), é durante a vivência nos estágios curriculares - que podem se constituir por propostas de docência, de intervenção, de elaboração de projetos etc. que o graduando assume uma identidade liminar, em transformação, em formação. Aberto aos questionamentos e a novos olhares, o graduando pode, durante a prática de docência nos estágios, formar sua própria concepção e sua convicção do que é ser professor. Resgatando de sua memória pessoal lembranças de professores que teve ao longo de sua formação escolar, bem como da memória discursiva, que nos proporciona saberes socio-historicamente determinados do que é ser professor. O graduando de cursos de licenciatura constitui, ao longo da graduação, sua identidade docente, mesmo se já tenha tido experiência profissional docente anterior. Isso porque as experiências do trabalho docente não são, necessariamente, as mesmas sobre o trabalho docente. Refletir intensamente sobre o trabalho do professor, muitas vezes, não é possível durante o próprio exercício da prática docente,devido à configuração e às necessidades da jornada de trabalho na escola. Isso nos faz acreditar que seja importante estreitar os elos entre os dizeres advindos das universidades e o que tem sido desenvolvido nas escolas. Além disso, concordando com Charlot (2006), defendemos que osescassos momentos para se refletir durante a jornada da docência do professor não significa que não haja uma teoria subsidiando esse fazer pedagógico e educativo. Dessa forma, coexistem uma teoria enraizada nas práticas e uma teoria que está se desenvolvendo na área da pesquisa e das próprias ideias entre os pesquisadores (CHARLOT, 2006, p.24). Este trabalho baseia-se nas premissas teóricas e metodológicas da Análise de Discurso Francesa, (AD), desenvolvida por Michel Pêcheux,dentre outros autores, na abordagem Sócio-Histórica do Letramento, enfatizando-se os estudos teóricos sobre autoria, bem como nas construções teóricas advindas das Ciências da Educação sobre formação de professores, que envolvem a investigação da formação inicial do docente, enquanto sujeito graduando de licenciatura. Esse arcabouço teórico nos é primordial para esta investigação. Por meio da Análise de Discurso de matriz francesa, (AD), destacamos o conceito de discurso, o qual remonta aos sentidos que nos constituem e nos atravessam, enquanto sujeitos. Dentro de determinadas condições de produção que, nesse caso, é o estágio curricular, buscamos compreender os sentidos dados pelos sujeitos graduandos a 00149
3 3 respeito de suas vivências em situação de estágio curricular, e quais saberes formados podem reverberar em suas práticas de ensino, de docência. Correlato a isso, é imprescindível que recorramos à abordagem Sócio-Histórica do Letramento, que se debruça sobre as práticas discursivas sociais, nas quais há um entrelaçamento da leitura, escrita e oralidade, que se apresentam em várias situações cotidianas da vida do sujeito e não somente dentro da escola. Destacamos,principalmente, os estudos sobre a autoria, desenvolvidos por Eni P. Orlandi, Leda V. Tfouni, Michel Foucault, bem como o conceito de intérprete historicizado, proposto por Filomena Elaine P. Assolini (2003). No conceito de intérprete-historicizado (ASSOLINI, 2003) o sujeito busca se contrapor à concepção de intérprete, em um movimento interpretativo meramente literal, direcionado, que o impossibilitariaocupar novas posições discursivas e romper com as formações ideológicas instituídas. Dessa maneira, não se permitiria dialogar com os outros sentidos do discurso, distanciando-se dos processos interpretativos, da leitura historicizada, das condições de produção que afetaram e afetam o discurso. Além de visar o rompimento do sentido instituído, o conceito de intérpretehistoricizado permite que o sujeito ocupe uma posição, na qual é autorizado a falar, a interpretar e a se expressar. Assim, a questão da autorização para interpretar pelos sujeitos a permissão para a emergência de suas subjetividades, desvinculando-os dos processos parafrásticos, dos sentidos cristalizados e legitimados, muito presentes no universo escolar (ASSOLINI, 2003), é um diferencial desta proposta, trazendo contribuições ao conceito de autoria, que tem sido desenvolvido por vários autores. Neste trabalho, além do objetivo exposto anteriormente, pretendemos analisar qual a importância e o impacto da vivência da prática docente, por meio das propostas de estágio curricular, buscando saber se o graduando se vê na posição de sujeito, capaz de desenvolver saberes e fazeres educacionais e pedagógicos, que contribuam para que seus futuros alunos posicionem-se, também, como intérpreteshistoricizados de seus dizeres. O corpus da pesquisa de mestrado em andamento é constituído por meio de depoimentos e questionários, respondidos por graduandos do curso de Pedagogia, de três instituições brasileiras de ensino superior (USP, UNICAMP e UFSCAR), que cursam disciplinas de estágio curricular supervisionado para o ensino fundamental, 00150
4 4 na área da Língua Portuguesa. A análise discursiva dos dados coletados será realizada por meio de recortes discursivos Para o presente evento científico,destacamos um depoimento realizado com um professor que leciona nos primeiros anos do ensino fundamental, para compor nossa investigação a respeito dos saberes pedagógicos e educativos, formados ao longo das experiências vivenciadas nos estágios curriculares, de um curso de Licenciatura. A sequência discursiva destacada do depoimento selecionada para este trabalho é de um sujeito professor, atuante nos primeiros anos do ensino fundamental que, na época, tinha entre 18 e 39 anos. As frases grifadas referem-se ao que pretendemos analisar. As minhas experiências melhores foram aquelas em que podíamos fazer algo... Hoje se fala em intervenção, imagino que seja isso. Nós tínhamos um professor que nos orientava e que nos ajudava a formular uma prática. Depois nós fazíamos com os alunos, procurávamos saber do que eles gostavam, o que tocavam eles, entende? Conversamos muito com os professores, eles nos amparavam e o mais importante: deixavam e nos incentivavam a pensar, a refletir. Eu conseguia fazer várias leituras dos acontecimentos de estágio. Isso tudo me ajudou a ser uma professora que recebe os estagiários bem, desde que eles tenham um planejamento. Sou contra essa história de observação. Estágio é prática (SUJEITO-PROFESSOR, ANOS). Inicialmente, é importante destacar que, segundo Eckert-Hoff (2002, p.17), o [...] falar da prática se constitui no discurso sobre a formação. Dessa maneira, podemos, pelo discurso desse sujeito-professor, compreender como reverbera em seus dizeres as práticas formativas durante a vivência no estágio curricular, ao longo de seu curso de graduação. As sequências discursivas sublinhadas nos mostram que esse sujeito-professor teve, durante sua formação inicial, um contato positivo com a proposta, a elaboração e a vivência da prática de estágio curricular. Esse sujeito nos aponta ter tido certa liberdade para propor sua prática docente ( As minhas experiências melhores foram aquelas em que podíamos fazer algo... ), no entanto, ele não era totalmente livre, já que era orientado, supervisionado por um professor que o auxiliava a refletir sobre suas propostas ( nos incentivavam a pensar, a refletir ). Esse movimento ressoava na própria prática do graduando, quando praticava seu exercício docente com os alunos na sala estagiada ( procurávamos saber do que eles gostavam, o que tocavam eles )
5 5 Isso nos permite considerar que a proposta do estágio curricular foi crucial para que esse sujeito-professor assumisse a posição de intérprete-historicizado (ASSOLINI, 2003), quando é autorizado pelo professor a fazer várias leituras dos acontecimentos de estágio, bem como poder fazer algo, ocupando, assim, o lugar de autor de suas próprias práticas pedagógicas. Se não houvesse essa possibilidade dada pelo docente, certamente, esse sujeito-professor não teria rompido as práticas instituídas, frequentemente formalizadas tanto pela universidade quanto pela escola. Ao final do recorte discursivo, podemos compreender que esse sujeito-professor por ter tido uma experiência positiva no exercício da prática docente e, por meio dos estágios curriculares, compreende ser esse um momento formativo importante também para os estagiários que desenvolvem práticas na sala de aula que leciona. Por isso, preza por tratá-los bem, porém, essa hospitalidade, não os eximem de cumprir os requisitos necessários, como o planejamento ( Isso tudo me ajudou a ser uma professora que recebe os estagiários bem, desde que eles tenham um planejamento ). Ter assumido a posição de intérprete-historicizado de suas práticas, enquanto graduanda, reverberou em sua prática como professora e, provavelmente, será uma agente formativa para que os graduandos, que estagiam na sala que leciona, também possam se constituir como intérpretes-historicizados de seus dizeres, de suas práticas docentes. Isso porque esse sujeito-professor é oposto à visão de que o estágio curricular restringe-se ao momento da observação. Para esse sujeito, o estágio é prática, o que podemos compreender ser, portanto, prática e teoria concomitantemente, já que há sempre uma teoria que subjaz à prática docente, que deve estar em diálogo constante com a teoria produzida nas universidades. Referências Bibliográficas ASSOLINI, Filomena E. P. Interpretação e letramento: os pilares de sustentação da autoria. FFCLRP. Tese de Doutorado, CHARLOT, Bernard. Formação de Professores: a pesquisa e a política educacional. In: PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, Sandro (orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez Editora, ECKERT-HOFF, Beatriz Maria. O dizer da prática na formação do professor. Chapecó: Argos,
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