A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA: HIATOS EM UM CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS

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1 A FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA: HIATOS EM UM CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS Maximiano Martins de Meireles/UEFS Resumo: Este trabalho trata de uma temática que vem sendo objeto de estudo de diversas pesquisas no campo da formação professores, no contexto do Brasil: a formação para a docência em cursos de Licenciatura. Assim, partindo de uma problemática nacional, realizamos uma análise da formação para docência em um curso específico de Licenciatura em Letras, a partir de depoimentos de seis estudantes. Os dados foram coletados e produzidos durante nossa pesquisa de Mestrado em Educação, mediante o uso de entrevistas e memoriais produzidos pelos sujeitos. Os dados foram analisados mediante a análise do discurso de linha francesa, em interface com o referencial teórico na área de formação docente. No processo de problematização e análise, estabelecemos, ainda, diálogos com alguns autores discutidos na disciplina Formação do Educador - em um Programa de Pós-graduação em Educação - devido nossa experiência como aluno especial. Em relação aos resultados da pesquisa, os depoimentos dos estudantes apontaram que na formação existe uma valorização da pesquisa em detrimento da docência e, portanto, a ausência de saberes didáditopedagógicos. Isto gera um hiato entre a formação disciplinar e a formação pedagógica, ao tempo em que marginaliza a formação para o trabalho docente. Os indicativos levantados pelos estudantes do curso de Letras apontam a necessidade de se pensar em mudanças efetivas, revendo o currículo vigente, bem como as práticas dos professores formadores, de modo que a pesquisa seja utilizada como um princípio formativo e cognitivo na formação do professor. Ademais, é preciso que o curso trabalhe os conhecimentos didáticos e pedagógicos, tendo em vista um processo que potencialize a formação para docência. Palavras-chave: Formação inicial. Docência. Licenciatura em Letras. 1 Formação de professores no brasil: problematizações iniciais O estado do conhecimento acerca da temática da formação de professores no Brasil (1990 a 1998) revela que a Formação Inicial tem se configurado como eixo de discussão com maior visibilidade nos estudos de teses e dissertações, em Programas de Pós-graduação, uma vez que dentre os 284 trabalhos produzidos entre 1990 a 1996, 216 (76%) tratam da Formação Inicial, ficando a temática da formação Continuada (14,8%) e a Identidade e Profissionalização Docente (7,4%) com menor ênfase (ANDRÉ, 2002). Em se tratando das produções em períodicos nacionais, conforme levantamento realizado por Marli André (2002, p.11), dentre os conteúdos focalizados nas produções sobre Formação Inicial, articulados a seis eixos principais, destaca-se: a) a busca da 00912

2 articulação entre a teoria e a prática ou a busca da unidade no processo de formação docente, temática que se aproxima da presente discussão. Dentre os 70 os artigos apresentados no Grupo de Trabalho (GT) Formação de Professores, da ANPEd, no período de , os trabalhos sobre a Formação Inicial se sobressaem com um total de (41,4%), enfantizando a dicotomia entre a formação específica e a formação pedagógica nos cursos de Licenciatura (ANDRÉ, 2002). A partir do levantamento dessas pesquisas, algumas limitações relativas às licenciaturas emergem: a dicotomia entre conteúdos específicos e pedagógicos e/ou isolamento de cursos e de conteúdos; a ênfase ao bacharelato, em detrimento da licenciatura; o distanciamento entre os cursos de Licenciatura e as escolas do ensino fundamental e médio; a fraca demarcação da identidade e do objeto epistemológico dos cursos de Formação de Professores; as faculdades mesmo nas boas universidades não estão formando bons professores para o ensino fundamental e médio. Ademais, outro estudos têm apontado que o processo de formação tem se configurado como descontínuo, fragmentado, repleto de dilemas e desvinculado de qualquer propósito no sentido de que futuros professores se apropriem de competências para a docência; à fragilidade da formação pedagógica e à descaracterização das faculdades de educação, constituindo mais uma (de)formação do que um preparo qualificado para atuar no magistério (GATTI, 2010). Assim, frente à esta problemática de âmbito nacional, trataremos das questões relativas à formação de professores para a docência, a partir de dados coletados e produzidos em em um curso de Licenciatura em Letras, coletados durante nossa pesquisa de Mestrado em Educação/UEFS, mediante o uso de entrevistas e memoriais produzidos pelos sujeitos. Os dados foram analisados mediante a análise do discurso de linha francesa (ORLANDI, 2008), em interface com o referencial teórico na área de formação docente que fez parte deste estudo. No processo de problematização e análise, estabelecemos diálogos com alguns autores discutidos na disciplina Formação do Educador, do Programa de Pós-graduação em Educação/PPGeduc-UNEB, devido nossa experiência como aluno especial no doutorado. Neste artigo, estamos entendendo a formação para a docência como condição para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, a partir da relação teoria-prática na aquisição, produção e socialização do conhecimento (Encontro Nacional da Anfope, 1996). Isto implica também na perspectiva de avançar da concepção de docência como 00913

3 dom, vocação, missão, para compreender que ser docente envolve um conjunto de conhecimentos e saberes necessários ao exercício profissional, o que requer uma formação inicial consistente que ofereça condições de profissionalidade (RAMALHO, NUÑEZ E GAUTHIER, 2003). 2 A formação para a docência: depoimentos de estudantes de Licenciatura em Letras Os estudantes acreditam que a formação no curso de Letras não oferece condições para o exercício da docência, uma vez que prioriza a formação do pesquisador. Os depoimentos dos estudantes trazem reflexões sobre o Curso, demarcando que a ênfase, no processo formativo, recai sobre a formação do pesquisador, mas não do professor. Segundo eles, os professores formadores se voltam muito para área da pesquisa, ao tempo em que buscam persuadir os estudantes para que se tornem pesquisadores, inclusive na área de Linguística. Nessa perspectiva, as práticas dos professores formadores ao tempo em que dissociam pesquisa/profissão docente, pesquisa/sala de aula, pesquisa/ensino, supervalorizam a pesquisa como componente constitutivo da formação do sujeito, gerando, de certa maneira, um silenciamento (ORLANDI, 1997) das identidades docentes. No interdiscurso dos estudantes emerge a voz dos professores formadores, sobretudo dos doutores, que os incentivam a continuar pesquisando, pois a pesquisa seria um modo de sair da sala de aula. No discurso dos professores formadores, emerge o interdiscurso que concebe o papel do pesquisador como superior ao papel do docente (LUDKE, 2004; PIMENTA e ANASTASIOU, 2010). Essa representação pode está relacionada à voz do interdiscurso que afirma ser a profissão docente desvalorizada em comparação a outras que o curso de Letras pode formar (PERES, 2007). Desse modo, os professores formadores, por meio de suas práticas discursivas, assim como o próprio currículo do Curso, com pouca ênfase no pedagógico, acabam por constituir o silenciamento e a não identificação do estudante com a docência, sobretudo na educação básica. Os estudantes teceram considerações sobre o currículo, evidenciando que existem poucas disciplinas voltadas à docência, ao ensino. A partir do relato dos estudantes, podemos inferir que há uma dicotomia pesquisa versus docência, o que aponta para o desperdício da pesquisa como princípio cognitivo, como compreensão da realidade educativa e das atividades docentes, como princípio formativo da docência (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010)

4 Isso leva-nos a pensar que embora o curso de Letras em questão seja uma licenciatura cujo objetivo é a formação básica de profissionais para o magistério (conforme Projeto Pedagógico), a formação docente não se constitui, de fato, como prioridade, revelando contradições. Nesse cenário, considerarmos pertinente trazer as seguintes questões: Como formar o professor para o magistério sem o contato com a sala de aula? Como formar o professor para o magistério sem a experiência com ambiente de trabalho docente? Superando a dicotomia entre pesquisa e ensino, acreditamos que os estudantes podem se constituir professores pesquisadores a partir da investigação sistemática sobre a prática escolar e suas próprias práticas, com a contribuição da teoria pedagógica. Desse modo, se tomarmos a pesquisa como princípio cognitivo para compreensão da realidade educacional e como instrumento formativo da docência, poderemos superar a dicotomia professor versus pesquisador, tornando as fronteiras cada vez mais porosas. Os estudantes revelaram, ainda, insatisfação em relação ao modo como o curso de Letras é oferecido uma vez que não se volta para a licenciatura, não oferece estágios ao longo da formação, impossibilitando o contato com a realidade da escola, da sala de aula. Nesse contexto, o estágio é oferecido ao final do curso, ao final da trajetória da formação inicial. Essa perspectiva de formação revela relações de poder, sendo que o papel do pesquisador é considerado diferente, e, ao mesmo tempo, superior ao papel do docente. Assim, conforme depoimento dos sujeitos, as atividades de pesquisa são priorizadas em detrimento das atividades didático-pedagógicas, sendo que a formação de professores ocupa lugar secundário o foco é a pesquisa, a produtividade, o currículo lattes, havendo uma clara dicotomia entre o ensino e a pesquisa (LUDKE, 1994). A partir dos depoimentos dos estudantes podemos inferir que o curso de Letras silencia a formação docente, preocupando-se com a formação da identidade de sujeitos pesquisadores, mas, não necessariamente, sujeitos professores. Nesse sentido, as identidades docentes dos estudantes, constituem-se na falta: na falta de saberes didáticos e pedagógicos. Diante do importante papel da Didática na formação do futuro professor da educação básica e, principalmente, considerando que a atuação desse profissional se dá em escolas situadas em contextos sociais, econômicos e culturais diversos, o contato com essa realidade desde a formação na universidade é condição necessária para a formação docente

5 3 Algumas inferências conclusivas Considerando a identidade profissional como processo epistemológico que reconhece a docência como campo de conhecimentos específicos (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010), podemos inferir, a partir dos relatos dos estudantes, que ao privilegiar a pesquisa, bem como os conhecimentos disciplinares (relacionados à Linguística e à Literatura), o curso de Letras marginaliza a formação docente. Os indicativos levantados pelos estudantes do curso de Letras apontam a necessidade de se pensar em mudanças efetivas, revendo o currículo vigente, bem como as práticas dos professores formadores, de modo que a pesquisa seja utilizada como um princípio formativo e cognitivo na formação docente. Ademais, é preciso que o curso trabalhe os conhecimentos didáticos e pedagógicos, tendo em vista um processo que potencialize a formação para docência. Referências BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Políticas e práticas de formação de professores no Brasil: um panorama nacional. In: Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE). Editora: Maria Beatriz Luce. Porto Alegre: ANPAE, 2011, v. 13, n.1. GATTI, Bernadete. Formação de professores no brasil: características e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p , out.-dez ORLANDI, Eni Puccinelli. Identidade lingüística escolar. In: Lingua(gem) e identidade. SIGNORINI, Inês (org.) Campinas, SP: Mercado de Letras, ORLANDI, Eni. P. Discurso e texto: formulação e circulação de sentidos. Campinas, SP: Editores, PERES, Aparecida de Fátima. Saberes e identidade profissional em um curso de formação de professores de Língua Portuguesa. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Londrina, PIMENTA, S.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, RAMALHO, B.L.; NUÑEZ, I.B.; GAUTHIER, C. Formar o professor, profissionalizar o ensino. Porto Alegre: Sulina,