O USO DO HEURÍSTICO DA CODOCÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE FÍSICA
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1 O USO DO HEURÍSTICO DA CODOCÊNCIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE FÍSICA Glauco Santos Ferreira da Silva - CEFET/RJ-Campus Petrópolis, glauco.silva@cefetrj.br Marcos Corrêa - CEFET/RJ-Campus Petrópolis, marcos.silva@cefet-rj.br RESUMO: A relação entre a pesquisa e a formação de professores promove diversos modelos investigativos (pesquisa sobre/do/com professor), por um lado, e por outro, diferentes modelos formativos (racionalidades técnica, prática e crítica). O objetivo deste trabalho é apresentar os primeiros resultados de um projeto de pesquisa em andamento que analisa a prática da codocência na formação inicial de professores de Física. A codocência é o processo pelo qual dois ou mais professores juntos planejam e ministram aulas em conjunto. Dessa forma, vamos mostrar neste trabalho o uso Heurístico da Codocência. Trata-se de um conjunto de afirmações sobre ações relativas à codocência, em forma de questionário com respostas do tipo likert. Serão apresentados dois casos de uso do Heurístico. O primeiro para dois estagiários que ministraram uma aula de Física juntos e o outro para bolsistas do Pibid que preparam e ministraram uma sequência didática sobre aquecimento global, ambos relativos ao curso de Licenciatura em Física do CEFET/RJ. Nossos resultados indicam que Heurístico pode funcionar como instrumento de coleta de dados, ao mesmo tempo, que promove uma intervenção formativa. Esse duplo papel, parece ser um vínculo importante entre a formação docente e a pesquisa, contribuindo então para o desenvolvimento de uma racionalidade colaborativa. Palavras-chave: Ensino de Física, Formação de professores, Codocência 1. Introdução A relação entre a pesquisa e a formação de professores promove diversos modelos investigativos, por um lado, e por outro, diferentes modelos formativos. Considerando os primeiros, Mizukami (2002) classifica as pesquisas no campo da formação docente em pelo menos três tipos: a pesquisa sobre o professor, a pesquisa do professor e a pesquisa com o professor. Quanto aos modelos formativos podemos destacar pelo menos três: racionalidade técnica; a racionalidade prática e a racionalidade crítica. A pesquisa sobre o professor está relacionada a um modelo positivista, no qual se busca informações detalhadas sobre o professor, sua prática docente e os resultados dos alunos. Há, portanto, uma relação estreita com o modelo formativo da racionalidade técnica, na medida em que se busca enxergar o trabalho do professor através da lógica da aplicação de técnicas em sala de aula com o objetivo de melhorar os resultados dos alunos. Em contrapartida, a pesquisa do professor surge em contexto de conceber o professor como profissional crítico-reflexivo. A pesquisa do professor busca, então, romper com a perspectiva positivista e vincular a prática docente à prática investigativa, introduzindo uma epistemologia da prática. Por fim, a pesquisa com o professor visa 9852
2 2 estabelecer um modelo colaborativo de formação inicial e continuada, que coloca os saberes docentes no mesmo patamar dos conhecimentos trazidos pela universidade. A ideia da pesquisa colaborativa pode fundar, então, um modelo formativo baseado em uma racionalidade colaborativa, a qual nos parece mais adequada para a desejada aproximação entre a universidade e a escola no processo de formação de professores. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar os primeiros resultados de um projeto de pesquisa em andamento que analisa a prática da codocência desde o ponto de vista dos participantes: professores universitários, professores da educação básica, estagiários e bolsistas do Pibid. Dessa forma, vamos apresentar o Heurístico da Codocência usado para coletar dados que nos auxiliam tanto na pesquisa quanto no estabelecimento de um modelo formativo baseado na colaboração docente. Mostraremos neste artigo dois casos em que o Heurístico foi usado: (i) dois estagiários que ministraram uma aula de Física juntos; (ii) alunos do Pibid que planejaram e ministraram uma sequência didática em conjunto, entre eles bolsistas e o professor supervisor (NETO, 2014). 2- Codocência e Heurístico O termo codocência vem sendo usado pelo nosso grupo de pesquisa para designar a situação em que dois ou mais professores participam da docência em conjunto, planejando as aulas e mesmo ministrando-as para uma classe. Em especial, os nossos trabalhos estão mais voltados para a inserção do licenciando na Escola de Educação Básica no momento do Estágio Supervisionado. Paralelamente, o Pibid também se apresenta como uma forma especial de observar os fenômenos da codocência, na medida em que os bolsistas de Iniciação à Docência, licenciandos, atuam junto com o supervisor, professor da Escola de Educação Básica e um coordenador, professor da Universidade. Assim, nas duas situações, do Estágio e do Pibid, a codocência se apresenta como uma forma de colaboração entre a Escola e a Universidade. Roth, Tobin e Zimmermann (2002) apresentam a ideia da codocência como uma possibilidade de formação de professores no próprio ambiente profissional, na tentativa de minimizar a brecha entre teoria e prática e de providenciar um tipo de formação baseada na experiência de tornar-se professor em sala de aula. Nessa mesma direção, os autores definem a codocência como um "método para lidar com o problema criado pela separação entre teoria e pesquisa do ensino" (p.3). 9853
3 3 Silva (2013), em seu trabalho de doutorado, introduz pela primeira vez no Brasil o Heurístico da Codocência, que fora desenvolvido pelo grupo do Prof. Kenneth Tobin da City University of New York (CUNY). Trata-se de um conjunto de afirmações sobre ações relativas à codocência, em forma de questionário com respostas do tipo likert. O Heurístico é composto por 50 itens com afirmações pareadas, relacionando "eu" e o "outro". De acordo com Neto (2014), o Heurístico possui três características básicas: (i) observação (como os participantes são atentos às situações), por exemplo, os itens A1 a A4 ou A16 e A17; (ii) colaboração (como os participantes se dispõe a ajudar um ao outro), por exemplo, os itens A5 e A6, A9 e A10. (iii) sintonia (como os participantes se propõem atuar de forma harmônica), por exemplo, os itens A7 e A8, A18 e A19. A seguir apresentamos uma pequena amostra do Heurístico: A1- Eu escuto atentamente o meu colega de codocência 5: Sempre/ Muito frequentemente; 4: Frequentemente; 3: Algumas vezes; 2: Raramente; 1: Nunca. A2-Meu colega de codocência me escuta atentamente. A3-Eu tenho noção quando o meu colega de codocência quer contribuir. A4- Meu colega de codocência percebe quando eu tenho algo para contribuir. A5-Quando o meu colega de codocência quer contribuir, eu torno isso possível. A6-Quando eu quero contribuir, meu colega de codocência torna isso possível. A7-Eu estou em sintonia com o meu colega de codocência. A8-Meu colega de codocência está em sintonia comigo. A9-Eu coparticipo com o meu colega de codocência. A10- Meu colega de codocência coparticipa comigo. A16-Durante a codocência, eu posso antecipar o que o meu colega está prestes a fazer. A17-Durante a codocência, meu colega pode antecipar o que eu estou prestes a fazer. A18-Eu tenho noção das maneiras pelas quais eu estou me tornando como meu colega de codocência. A19-Eu tenho noção das maneiras pelas quais meu colega de codocência está se tornando como eu. Powietrzynska, Tobin & Alexakos (2015) apontam algumas formas de uso para o Heurístico: (i) pequenas e contínuas intervenções com o objetivo de promover a reflexão sobre e na ação a partir do questionamento do que acontece na aula; (ii) auxílio no planejamento da aula; (iii) coleta de dados para analisar a percepção dos participantes no ato da codocência. Em resumo, "o heurístico da codocência pode ser um instrumento útil para a tomada de consciência sobre certos aspectos da prática de compartilhamento do processo do ensino e do aprendizado" (SILVA, 2013). 3-Os usos do Heurístico O primeiro caso que vamos apresentar está relacionado a dois estagiários cursando a disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado II, do curso de Licenciatura em Física do CEFET/RJ - Campus Petrópolis. Vamos identificá-los como E1 e E2. Como parte da atividade de Estágio, E1 e E2 ministraram uma aula de Física para o primeiro ano do Ensino Médio. Estavam na sala o supervisor e o orientador de 9854
4 4 Estágio, um dos autores. A aula foi filmada, tendo como foco apenas os estagiários, os quais concordam em participar da pesquisa. Após esta aula, já no contexto da universidade, os estagiários responderam o Heurístico e comentaram sobre a aula. Com base nessas informações, os pesquisadores entre os quais o orientador de estágio, analisou as respostas dos estagiários e separou alguns trechos do vídeo que correspondiam às contradições nas respostas de E1 e E2. Em seguida, o orientador do estágio, professor da disciplina, mostrou o vídeo para E1 e E2. Assim, devido a limitação de espaço vamos nos focar apenas no item A19 do heurístico: eu tenho noção das maneiras pelas quais meu colega de codocência está se tornando como eu. E2 indicou '1-nunca' enquanto E1 marcou '3-algumas vezes'. O trecho do vídeo mostrado aos estagiários correspondente ao item A19 indica outra postura. Trata-se do uso de uma mesma estratégia de ensino que E1 e E2 utilizaram para explicar o conceito de quantidade de movimento linear. Após assistirem o vídeo da aula e confrontarem com as suas respostas no Heurístico os estagiários perceberam que haviam tido a mesma atitude e concluíram que, nesse caso, aprenderam um com o outro. O segundo caso a ser analisado é o uso do Heurístico para um grupo de bolsistas do Pibid, trabalho de mestrado de Neto (2014). Nesse caso, o Heurístico foi usado ao longo de toda a sequência didática realizada pelos bolsistas e o supervisor, cujas respostas eram usadas para melhoria das aulas seguintes. A sequência didática tratava do tema do aquecimento global e foi desenvolvida em uma turma do segundo ano do Ensino Médio ao longo do mês de outubro de Ao todo, foram quatro aplicações do Heurístico, sendo três durante a sequência didática e uma ao final do ano letivo e de encerramento das atividades do Pibid. Escolhemos mostrar aqui a análise apenas dos itens A18 e A19, indicado como. Como vemos nos gráficos em anexo, a sintonia parece ser uma das características mais difíceis de operacionalizar na codocência. Mesmo assim, Thallyta, quando entrevistada, apresenta uma forma interessante de aprender com o outro (NETO, 2014): Eu vi sim. Comecei a enxergar algumas coisas parecidas. Quando você convive muito com outra pessoa você naturalmente acaba fazendo [isso] e ao ensinar não foi diferente. Mas eu coloquei no 1º heurístico frequentemente (5)... É porque teve dias em que o Kaique [o meu parceiro de codocência] estava bem calmo explicando e eu fiquei pensando: isso aí é muito bom, porque ajuda as pessoas, aos alunos a aprenderem, ter calma ao explicar... E pensei em fazer isso também. E, quando chegou a minha vez de explicar, eu expliquei, eu falei bem devagar, com toda calma. Então eu acho que isso é um exemplo do que vocês estão falando. (grifos nossos). 4-Considerações finais 9855
5 5 O nosso trabalho apresentou dois casos relacionados ao uso do Heurístico da Codocência na formação inicial de professores de Física. Em ambos os casos, escolhemos como foco a questão da sintonia entre os participantes da codocência, marcada pelos itens A18 e A19 do Heurístico. Com base nas análises podemos apresentar duas ideias conclusivas. A primeira está relacionada às características da codocência propostas no Heurístico, cujas respostas possibilitam a reflexão dos participantes antes de sua ação docente e mesmo durante, como revela Thallyta em sua fala. Nesse sentido, o Heurístico parece ser um instrumento eficaz para o desenvolvimento de um modelo formativo que propõe o professor como profissional reflexivo. Por outro lado, o Heurístico pode funcionar como instrumento de coleta de dados, ao mesmo tempo, que promove uma intervenção formativa. Esse duplo papel, parece ser um vínculo importante entre a formação docente e a pesquisa, contribuindo então para o desenvolvimento de uma racionalidade colaborativa, tanto na formação docente quanto na pesquisa, na medida em que se escolhe pesquisar com o professor. Os dois casos apresentados seguem exatamente essa direção. 5-Referências NETO, C. J. O ensino colaborativo e o Pibid: aspectos da codocência na formação de professores de Física. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) - CEFET/RJ, MIZUKAMI, M. G. N. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigações e formação. São Carlos-SP: EdUFSCar, POWIETRZYNSKA, M., TOBIN, K., ALEXAKOS, K. Facing the grand challenges through heuristics and mindfulness. Cult. Stud of Sci Educ v10, n1, p.65-81, ROTH, W-M., TOBIN, K., ZIMMERMANN, A. Coteaching/cogenerative dialoguing: learning environments research as classroom praxis. Learning Environment Research, v5, p. 1-28, SILVA, G. S. F. A formação de professores de Física na perspectiva da Teoria da Atividade: análise de uma disciplina de Práticas em Ensino e suas implicações para a codocência, Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, USP, Instituto de Física. São Paulo, SP, Brasil, ANEXO: Gráficos dos itens A18-A19 relativos aos bolsistas do Pibid. 9856
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