O REPENSAR DO FAZER DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR NO PROCESSO DE REFLEXÃO COMPARTILHADA COM PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA

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1 O REPENSAR DO FAZER DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR NO PROCESSO DE REFLEXÃO COMPARTILHADA COM PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA Lenice Heloísa de Arruda Silva (UFGD) RESUMO No trabalho investigou-se, em um processo de formação continuada, se a reflexão compartilhada entre professores da educação básica e professores universitários pode promover o repensar sobre as ações docentes no ensino superior. Para tal, foram realizadas entrevistadas do tipo semi-estruturada, gravadas em áudio, com professores universitários participantes desse processo. Tais entrevistas foram transcritas e submetidas à análise de seus conteúdos. Os resultados revelaram que a participação de professores universitários nesse processo propiciou que estes repensassem o seu fazer docente. Revelaram, também, a necessidade de formação continuada também para a docência universitária, para uma reflexão sobre a prática pedagógica nesta e as concepções que as orientam. Palavras-chave: 1) formação continuada de professores 2) reflexões sobre a prática pedagógica 3) docência universitária INTRODUÇÃO O presente estudo considera críticas apontadas por autores que abordam a área de formação de professores, de que formadores/professores universitários, particularmente os das áreas científicas (Biologia, Física e Química), não têm se comprometido com a formação pedagógica de seus alunos e nem com a sua própria formação nessa questão. Seus interesses estão voltados usualmente às atividades de pesquisa científica, embora a docência ocupe uma considerável parcela de seu tempo na universidade (PAGOTTO, 1998; MARCELO, 1999; MALDANER, 2000). Sobre essas questões Pimenta e Anastasiou (2002, p. 36) reiteram que: há certo consenso de que a docência no ensino superior não requer formação no campo do ensinar". Assim, para essa docência seria suficiente o domínio de conhecimentos específicos, pois o que a identifica é a pesquisa e/ou o exercício profissional no campo. Na docência universitária, essa fragilidade da concepção de ensino com a ação de ensinar, segundo Pimenta e Anastasiou (2002, p. 228), é reveladora da incapacidade de associação da ação de pesquisar com a ação de ensinar, o que conduz a docência a ser identificada muito mais com a atividade de pesquisa do que com a de ensino"

2 2 Nesse sentido, é que a literatura tem apontado críticas quanto à efetividade dos cursos de licenciatura no preparo dos futuros professores para atuarem de modo adequado no exercício da docência, devido entre outras causas, a de que formadores/professores universitários atuantes nesses cursos necessitam de uma formação adequada. No entanto, conforme aponta Marcelo (1999), parece não haver uma preocupação em apoiar a formação dos formadores de professores, pois a formação de professores é concebida como um processo que afeta somente os docentes do ensino fundamental e médio e pouco tem a ver com os professores universitários. Sem ignorar as condições sociais reais que envolvem a formação de professores, o foco atualmente se coloca no refletir sobre o processo de formação dos formadores, pois como diz Tardif (2002, p. 276): É tempo de os professores universitários começarem a realizar pesquisas e reflexões críticas sobre suas próprias práticas de ensino. A partir dessas ideias este trabalho teve como objetivo investigar, se a reflexão compartilhada com professores de ciências da educação básica sobre suas práticas pedagógicas podem promover o repensar sobre o fazer docente de professores universitários. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A investigação aqui proposta implicou na realização de entrevistas do tipo semiestruturada com cinco professores universitários das áreas de Ciências Biológicas, Ciências Exatas e Tecnologia e Ciências Agrárias, participantes de uma proposta de formação continuada para professores da educação básica de escolas públicas, que teve como base a reflexão compartilhada entre pesquisadores/professores universitários e professores de ciências daquelas escolas. Tal reflexão teve como base a prática pedagógica cotidiana desenvolvida nas escolas, mediada pelas teorias educacionais, referentes especialmente aos saberes docentes, teorias de aprendizagem e problemáticas do ensino. Os professores universitários, denominados aqui com nomes fictícios de Beatriz, Léo, João, Fábio e Miriam, possuem doutorado em suas áreas de atuação, com tempo de docência no ensino superior variando entre cinco e vinte e seis anos. Trabalham em uma universidade pública federal, localizada em um município do Estado de Mato Grosso do Sul. Destacamos que tais professores atuaram nas ações de formação continuada como ministrantes e, também, participantes ativos das discussões ocorridas durante a realização destas ações. Destacamos, ainda, que quatro deles atuam em cursos de licenciatura e que nenhum desses professores havia participado de ações de formação continuada como a que foi proposta. A opção pela entrevista semi

3 3 estruturada para coleta de informações, as quais serviram de base para a construção dos dados da investigação, se fez porque ela é um instrumento no qual o entrevistador tem por objetivo obter informações do entrevistado relacionadas a uma finalidade específica e, apesar de observar um roteiro, ele pode acrescentar, reformular perguntas para esclarecer questões, buscando melhor compreensão do contexto (ANDRÉ e LUDKE, 1986). Assim, nas entrevistas procuramos obter informações referentes à formação acadêmica e tempo de atuação no ensino superior; questões específicas sobre a sua prática pedagógica na universidade e contribuições da reflexão compartilhada com professores da educação básica para a sua ação docente na universidade. Quanto a esta última, buscamos extrair informações se houve percepção de mudança em sua prática docente a partir dessa reflexão e em que sentido. Tais entrevistas, com a permissão dos professores universitários, foram registradas em um gravador digital, posteriormente transcritas e submetidas a várias leituras para construção e análise dos dados. Assim, os depoimentos foram recortados e submetidos à análise dos seus conteúdos. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DA INVESTIGAÇAO A análise dos conteúdos dos depoimentos dos professores universitários indica alguns aspectos importantes para compreensão da investigação proposta neste estudo. Para explicitação desses aspectos iniciamos apresentando o que foi dito por uma professora sobre a sua percepção do ensino no contexto universitário, após o processo de reflexão compartilhada com os professores da educação básica: - Acho que todos nós deveríamos rever o papel do ensino na universidade, porque eu acho que muitas vezes se deixa o ensino em segundo plano (profa. Beatriz.). Esse depoimento vem ao encontro das críticas apontadas pela literatura, que se refere ao fato de que o ensino tem sido considerado uma atividade secundária no contexto universitário. Nesse sentido, outro aspecto importante é o que os professores universitários expressaram sobre a necessidade de preparação para exercer a docência. Segundo os dizeres de dois professores: - é uma necessidade, não só para os professores de ciências, eu acho que deveria ter uma formação continuada para todos os professores universitários, porque a maioria dos colegas sabe demais a sua área, mas como transmitir o conhecimento é nulo (profa. Miriam.). - A universidade discute muito ensino médio, séries iniciais. Mas, aqui, onde se forma esses professores, a gente tem que pensar na formação não só para o licenciando, mas também, para o bacharel que, em algum momento, por mais que ele vá para a pesquisa, ele vai cair na sala de aula (prof. Léo)

4 4 Tais depoimentos indicam que a reflexão compartilhada, mediada pelas teorias educacionais, com professores da educação básica, explicitou aos professores universitários a necessidade de terem uma formação pedagógica, assim como possibilitar tal formação a seus alunos. Nessa perspectiva, a reflexão compartilhada parece ter incentivado nestes professores um repensar sobre a prática docente na universidade. Isso se confirma nos depoimentos a seguir. - Acho que o importante da reflexão foi deixar mais claro que existem coisas que nós trabalhamos no nosso currículo que, muitas vezes, a gente acha que é necessário, mas na verdade não é (prof. Fábio.). - A primeira coisa que me fez refletir foi: como eu estou dando aula? Muda o aspecto de você dar aula. É muito difícil um aluno aprender alguma coisa que pra ele não faça sentido. Tem uns aspectos da formação que para mim foi essencial: mostrar para o aluno a real importância daquilo que se quer ensinar. Como lidar com as frustrações e fazer com que você reveja tudo (profa. Miriam). - uma das mudanças foi: um cuidado com o emprego das palavras, em como elas aparecem ali nas explicações. Prestei mais atenção. Me policiei na forma como eu ia falar para eles [os alunos] (prof. Léo). - Eu acho que foi extremamente enriquecedor para mim. Eu não acho que seja só o conteúdo em si que nós temos que saber, mas a maneira como você vai trabalhar isso. Talvez a maneira como eles são passados, a gente precisa rever tudo isso (profa. Beatriz). Além das análises anteriores, esses depoimentos evidenciam que a reflexão compartilhada, parece ter promovido nos professores universitários repensarem, também, seus ensinos, e dentro destes, as suas práticas pedagógicas no contexto da universidade. Assim, mais um aspecto importante a ser considerado na investigação realizada é a percepção que os professores universitários parecem ter desenvolvido sobre o fato de que a formação de professores é um processo que afeta não somente professores da Educação Básica, mas, também a eles, assim como de que as dificuldades que permeiam o contexto de escolarização/formação, considerando as diferenças contextuais, são muito próximas, conforme pode ser observado nas falas abaixo transcritas. - Perceber que as dificuldades são as mesmas. Dificuldade com a classe. O papel do professor, seja na educação básica, seja na universitária é muito semelhante. Eu não pensei que fosse tão igual. O problema é que você não quer enxergar. (profa. Miriam). - Eles [os professores] têm as mesmas experiências quanto nós também no ensino superior. Passam pelas mesmas experiências. Eles têm com a realidade deles e nós temos como a nossa realidade. Mas, não muda muito (prof. João.)

5 5 Em face dos depoimentos apresentados acima, as contribuições da reflexão compartilhada entre professores da educação e professores universitários, permitiu a estes reverem/repensarem a docência no contexto universitário. Tal contribuição pode ser melhor evidenciada no depoimento abaixo transcrito. - A formação continuada dá autonomia aos professores da universidade também repensarem as suas próprias práticas. Foi uma coisa que aconteceu comigo em algumas situações de pontos de aulas que eu dei na formação e que depois refletiram muito mais para mim do que para eles [os professores]. É uma formação dos professores de ciências, do ensino médio, mas é uma formação para nós também, porque a todo instante a gente está se deparando e se debatendo com questões que o outro coloca, que em alguns momentos podem ser contundentes e em outros momentos ela tem o poder de disparar algumas reflexões. (prof. Léo.) CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apresentados acima nos leva a considerar que a reflexão compartilhada, mediada pelas teorias educacionais, com professores da educação básica, permitiu aos professores universitários reverem/repensarem sobre suas próprias práticas docentes. Nos leva a considerar, também, que uma proposta de formação continuada se faz uma questão fundamental também para os professores universitários. Pimenta e Anastasiou (2002: 89) reiteram as nossas análises ao inferirem que a reflexão realizada de modo compartilhado e mediada teoricamente sobre suas práticas pedagógicas, impõe aos professores a revisão dessas práticas e das concepções que as orientam. Assim, as transformações ou a ressignificação das práticas docentes podem se efetivar à medida que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula, a da universidade como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRÉ, M.; LUDKE, M. Abordagens Qualitativas em Educação. São Paulo: EPU/EDUSP, MALDANER, O. A. A formação inicial e continuada de professores de química. Ijuí: UNIJUÍ, MARCELO, C. G. Formação de Professores para uma mudança educativa. Barcelona: Porto Editora, PAGOTTO, M. D. S. A organização das licenciaturas: práticas atuais e perspectivas de mudanças. In: Anais do IX ENDIPE, pp , PIMENTA, S. G. e ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, (coleção docência em formação) TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,