ASSEMBLEIA PARLAMENTAR PARITÁRIA ACP-UE. Documento de sessão. Comissão dos Assuntos Sociais e do Meio Ambiente
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1 ASSEMBLEIA PARLAMENTAR PARITÁRIA ACP-UE Documento de sessão ACP-EU/ /B/2007/fin RELATÓRIO sobre a migração de trabalhadores qualificados e as suas consequências para o desenvolvimento nacional Comissão dos Assuntos Sociais e do Meio Ambiente Co-relatores: Sharon Hay Webster (Jamaica) e Luisa Morgantini PARTE B: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS PR\ doc APP/ /Bv01-00 Tradução Externa
2 EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS (Os) benefícios potenciais (da migração internacional) são superiores aos benefícios potenciais de um comércio internacional mais livre. Kofi Annan, "Migração internacional e desenvolvimento: relatório do Secretário-Geral", 18 de Maio de 2006 A gestão mais eficaz da migração tornou-se uma das grandes prioridades políticas dos países mais desenvolvidos e dos países em desenvolvimento. Este facto assume especial relevância à luz das perspectivas de uma migração internacional continuada, induzida pelo envelhecimento da população dos países da OCDE, pela crescente escassez de mão-de-obra em muitos países desenvolvidos e por persistentes e substanciais diferenças de rendimentos e de níveis de vida entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento (OCDE, 2006). Existe um crescente consenso quanto ao facto de a migração, se bem gerida, poder produzir benefícios importantes, não só para os próprios migrantes, mas também para os seus países de origem e de acolhimento. Para tal, é necessária uma relação mais consistente entre migração e desenvolvimento. Nos últimos tempos, o debate internacional sobre as questões inerentes à migração tem vindo a evoluir consideravelmente nessa direcção. Das muitas questões levantadas pela gestão da migração, uma que tradicionalmente atrai muita atenção é a questão da mobilidade internacional dos trabalhadores qualificados e altamente qualificados, e do impacto desta mobilidade no desenvolvimento, normalmente referida como o problema da fuga de cérebros. Como o conceito sugere, este fenómeno tem sido observado, predominantemente, numa óptica negativa. Com efeito, a Declaração Conjunta África-UE sobre Migração e Desenvolvimento, adoptada pela UE e por representantes dos governos africanos em Tripoli, em de Novembro de 2006, reconhece que as abordagens em relação à migração selectiva dos países desenvolvidos pode constituir uma ameaça adicional ao desenvolvimento económico e social de África e manifesta preocupação com as perdas de importantes investimentos realizados pelos governos africanos na formação e no desenvolvimento de recursos humanos em sectores prioritários e com o impacto negativo da fuga de cérebros nestes sectores. Não existe consenso, a nível internacional, em relação ao impacto real da migração de trabalhadores (altamente) qualificados para os respectivos países de origem, tendo especialistas e instituições de méritos firmados publicado estudos com conclusões contraditórias. O debate sobre a fuga de cérebros é ainda marcado por uma carga importante de confusão e frustração, devido, especialmente, à ausência de dados estatísticos fiáveis, bem como de estudos de avaliação de impacto sobre as potenciais recomendações políticas a formular para contrariar o fenómeno da fuga de cérebros. APP/ /Bv /5 PR\ doc
3 A Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais (CMMI) 1 vai mais longe, e afirma que a noção de fuga de cérebros está [ ] um pouco fora de moda, na medida em que implica que os migrantes abandonam os seus países de origem para nunca mais voltar. Nos tempos que correm, é necessário valorizar o crescimento da mobilidade humana, promovendo a noção de circulação de cérebros, em que os migrantes regressam aos seus países de origem regular ou pontualmente, partilhando os benefícios das competências e recursos que adquiriram enquanto viveram e trabalharam no estrangeiro. Como também se recomenda [ ], os países de destino podem promover a migração circular, prevendo mecanismos e canais que permitam aos migrantes mover-se com relativa facilidade entre os seus países de origem e os seus países de acolhimento. (CMMI, p. 31). A Comissão recomenda aos governos e aos empregadores que conjuntamente, analisem os actuais obstáculos à mobilidade dos profissionais com educação superior, a fim de remover aqueles que dificultam, desnecessariamente, a competitividade económica. (CMMI, p. 79). Quanto à questão de saber se a migração de profissionais é uma perda ou um benefício para os países relativamente menos desenvolvidos, a resposta depende do nível e da perspectiva da análise (Wets, 2007). A um nível individual, a migração de trabalhadores qualificados não apenas constitui um direito humano inalienável, como se afigura uma situação vantajosa para todos, excepto quando os indivíduos não conseguem um trabalho ao nível das suas qualificações (desperdício de capacidades intelectuais). A nível nacional e regional, a migração de trabalhadores (qualificados) tem efeitos positivos incontestáveis para os seus países de origem: redução do desemprego, papel positivo desempenhado pelas diásporas, efeitos positivos das remessas de fundos, incentivo às novas gerações para investirem na educação. Não obstante, a migração de trabalhadores qualificados pode representar uma perda significativa para os países que investiram seriamente na educação, e a situação pode mesmo ser dramática em alguns países e sectores. O debate resume-se a uma questão de limiares: há um limite inferior abaixo do qual a sociedade sofre as consequências da migração de trabalhadores qualificados e altamente qualificados, por carecer de capacidade de substituição (desertificação de cérebros). Acima deste limiar, a migração pode ser positiva, até o número de trabalhadores migrantes atingir o limite superior, acima do qual a emigração de profissionais altamente qualificados volta a tornar-se problemática, devido à muito limitada capacidade de substituição. Entre os dois limites, é possível falar de transferência de cérebros, de circulação de cérebros e mesmo de ganho de cérebros. Acima e abaixo dos limiares, é preferível falar de fuga de cérebros. A situação varia entre os países, entre as regiões e entre sectores (Wets, 2007). 1 A CMMI é um grupo interagências composto por especialistas da Organização Internacional para as migrações, da Comissão das Nações Unidas para os Direitos do Homem, do Banco Mundial, da Organização Internacional do Trabalho, da Organização Internacional de Saúde e da Agência das Nações Unidas para a Sida. PR\ doc 3/5 APP/ /Bv01-00
4 O sector da saúde pode ser apresentado como exemplo em diversas partes do mundo. A migração de profissionais de saúde tem um enorme impacto no sector da saúde na África subsariana. Por exemplo, desde 2000, obtiveram vistos de trabalho no Reino Unido quase enfermeiras africanas. Apenas 50 dos 600 médicos formados desde a independência da Zâmbia ainda exercem neste país. Estima-se que, actualmente, haja mais médicos do Malawi a exercer na cidade de Manchester, no Nordeste de Inglaterra, do que em todo o Malawi (CMMI, 2005, 24). Também no Zimbabué, a fuga de cérebros afectou muito seriamente o sector da saúde. Mais de 80% dos médicos, enfermeiros e terapeutas formados na Faculdade de Medicina da Universidade do Zimbabué desde a independência, em 1980, foram trabalhar para o estrangeiro, principalmente para o Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos, de acordo com estudos recentes (The Observer, domingo, 10 de Agosto de 2003). Cálculos diferentes do limiar superior referido no parágrafo anterior 1, baseados em análises econométricas de dados da OCDE, concluíram que uma fuga de cérebros moderada, da ordem de 5 a 10% da população qualificada, tem mais efeitos positivos do que negativos nos países de origem. Na maior parte dos países, a emigração de trabalhadores qualificados situa-se nesta faixa de 5 a 10%. No entanto, em muitos países pobres, os valores da emigração de trabalhadores qualificados são francamente superiores. A perda de trabalhadores qualificados é superior a 80% em pequenos países como a Guiana, o Suriname e a Jamaica, entre outros. A situação é igualmente alarmante na África subsariana e na América Central. Países como Moçambique, Uganda ou Gana perdem quase metade da sua base de trabalhadores altamente qualificados para os países da OCDE (Docquier, a.o., 2007). Conclusões e recomendações dos co-relatores A mobilidade dos trabalhadores altamente qualificados não é necessariamente sinónimo de "fuga de cérebros". Num mundo globalizado, no contexto do envelhecimento da população dos países da OCDE, da crescente escassez de mão-de-obra em muitos países desenvolvidos e das persistentes e substanciais diferenças de rendimentos e de níveis de vida entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, a mobilidade dos trabalhadores qualificados terá, em princípio, mais vantagens do que desvantagens a nível internacional. Contudo, a nível nacional, a situação pode ser muito diversa. Há provas gritantes de situações dramáticas em países e sectores concretos, em que o desenvolvimento económico e social dos países é colocado em risco. Estas situações não podem ser ignoradas ou dissimuladas pelos efeitos benéficos globais de uma maior mobilidade dos trabalhadores qualificados a nível internacional. Os decisores políticos têm a obrigação de elaborar uma previsão fiável das consequências da migração de trabalhadores qualificados para o desenvolvimento nacional, em países e sectores concretos. Neste contexto, o apoio das redes de investigação sobre migração nos países em desenvolvimento, previstas no âmbito da Facilidade para a Migração ACP, contribuirá para 1 Docquier, Lohest e Marfouk (2007), Stark (2001). APP/ /Bv /5 PR\ doc
5 proporcionar aos decisores políticos dos países do Sul os instrumentos necessários. Incumbe, pois, aos decisores políticos darem uma resposta célere aos efeitos, por vezes devastadores, da emigração maciça de trabalhadores qualificados. Com a legitimidade de deputados eleitos da UE e de países ACP, os relatores procuraram contribuir para este esforço internacional, através de uma análise pragmática e objectiva dos dados disponíveis, e, o que é mais importante, formular recomendações políticas concretas, dirigidas aos países de origem e de acolhimento, tendentes a atenuar os efeitos negativos da migração de trabalhadores qualificados (fuga de cérebros, desertificação de cérebros, desperdício de capacidades intelectuais) e a potenciar os efeitos positivos (ganho de capacidades intelectuais, circulação de cérebros, capital intelectual, remessas de fundos, co-desenvolvimento e o papel das diásporas). Os relatores abordaram esta tarefa sem perder de vista que os objectos da discussão são seres humanos com laços culturais, famílias e aspirações individuais, e não meros bens económicos, e partindo do pressuposto de que os indivíduos têm o direito inalienável de decidir ir residir no estrangeiro (aliás, as tentativas de cercear este direito para limitar o fenómeno da fuga de cérebros revelaram-se infrutíferas e extremamente onerosas). Os benefícios de uma migração internacional bem gerida podem ser enormes, mas esta gestão só pode ser eficaz se levada a cabo num espírito de verdadeira parceria para o desenvolvimento, em que os países em desenvolvimento abandonem, definitivamente, a sua abordagem defensiva e de segurança em relação à migração e em que os países desenvolvidos deixem de contar exclusivamente com os recursos externos para responder às suas deficiências internas. As tendências recentes no debate internacional sobre migração e desenvolvimento afiguram-se promissoras, incluindo o próprio facto de migração e desenvolvimento surgirem agora inextricavelmente ligados (o que marca uma mudança em relação à situação de há três ou quatro anos). É, contudo, necessário permanecer vigilante, para evitar que iniciativas no âmbito da migração e desenvolvimento ocultem tentativas de desviar fundos de desenvolvimento para solucionar pressões migratórias imediatas. A migração internacional é um dos grandes desafios do século XXI. Como já se referiu, os seus benefícios potenciais são enormes. As consequências de um fracasso seriam igualmente enormes, tanto em termos de sofrimento individual como em termos de nações condenadas ao subdesenvolvimento permanente. PR\ doc 5/5 APP/ /Bv01-00
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