Simpósio Satélite: O que acontece nos primeiros dias: pode-se mudar o que parece imutável?

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1 Simpósio Satélite: O que acontece nos primeiros dias: pode-se mudar o que parece imutável?

2 Prof. Dr. Raphael Del Roio Liberatore Jr. Endocrinologista Pediátrico Livre Docente em Pediatria Professor Associado do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo O que acontece nos primeiros dias: pode-se mudar o que parece imutável? A programação metabólica definida como a resposta metabólica a um estímulo ou insulto durante o período crítico ou sensível, com o estabelecimento de alterações de longo prazo no organismo é o processo pelo qual a nutrição no início da vida tem efeitos de longo prazo na saúde. A influência da restrição alimentar durante o período crítico e seus efeitos de longo prazo no organismo foi comprovada inicialmente por estudos epidemiológicos e observacionais, com o acompanhamento de indivíduos gerados durante e logo após o período de fome que sucedeu à Primeira Guerra Mundial. Quanto menor era o peso de nascimento desses indivíduos, maior o risco de desenvolvimento de síndrome metabólica na idade adulta. Outros estudos populacionais demonstraram efeito semelhante em vários países e por causas diversas. Dessa forma, situações restritivas ocorridas no início da vida de um indivíduo provocarão efeitos de longo prazo por toda a sua existência. QUAL É A FISIOPATOLOGIA ACEITA NO QUE SE REFERE A ESSES EFEITOS METABÓLICOS? Estudos realizados no final do século passado mostraram que, em decorrência da restrição intrauterina, instala-se um estado de estresse metabólico crônico. Recém-nascidos que sofreram tal restrição apresentam elevação dos níveis de cortisol sérico em comparação a recém-nascidos adequados para a idade gestacional e com o mesmo tempo de gestação. Esses indivíduos também apresentam redução dos níveis séricos de IGF-1 e insulina. Após o término do período de restrição, com a oferta de nutrientes em quantidade, esse sistema seria novamente ligado e, desta vez, hiperligado, promovendo enorme estado de anabolismo. O anabolismo exagerado pelo aumento de IGF-1 e insulina promoveria ao longo do tempo condição para a ocorrência de ganho de peso. O ganho de peso, associado ao aumento dos níveis de cortisol sérico, levaria ao estabelecimento de variados graus de resistência insulínica e paulatinamente ao diabetes tipo 2, à dislipidemia e à hipertensão arterial.

3 QUAIS SERIAM ESSES EFEITOS METABÓLICOS? Obesidade Dislipidemia Diabetes Tipo 2 Hipertensão arterial Adrenarca precoce/ puberdade precoce Redução da fertilidade Hipospadia e criptorquidia Depressão Essas são constatações epidemiológicas não totalmente explicadas pela fisiopatologia conhecida até o momento. Chama a atenção a presença de efeitos aparentemente não relacionados. COMO MUDAR A INSTALAÇÃO DESSES EFEITOS METABÓLICOS? Embora pareçam uma evolução inexorável, da restrição para a síndrome metabólica, os efeitos metabólicos podem ser evitados ou mitigados por algumas mudanças de postura. Estudos populacionais que envolveram coortes de acompanhamento indicam a existência de uma associação do parto operatório à instalação de síndrome metabólica no futuro. Adultos jovens que nasceram de parto cesáreo apresentam índice de massa corporal mais elevado em comparação aos nascidos de parto vaginal. O aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida e mantido até os 2 anos de idade se relaciona positivamente com a redução da prevalência de obesidade em crianças, adolescentes e adultos jovens. A correta introdução da alimentação complementar previne o desenvolvimento de sobrepeso e obesidade. O QUE É A HIPÓTESE DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO? A hipótese de aceleração do crescimento propõe que os benefícios do aleitamento materno relacionados ao risco futuro de doença cardiovascular (DCV) e obesidade podem estar ligados ao crescimento mais lento observado com o aleitamento materno em comparação à alimentação com fórmula infantil de alto teor de proteína. Por isso, o crescimento pós-natal mais rápido (cruzamento ascendente do percentil de peso ou altura) programa os componentes mais importantes da síndrome metabólica, inclusive pressão arterial mais alta, obesidade e disfunção endotelial. A hipótese também poderia explicar, em parte, os efeitos de programação adversos em lactentes que nasceram pequenos para a idade gestacional e apresentam recuperação (o chamado catch-up) do crescimento imediatamente após o nascimento. O REBOTE DE ADIPOSIDADE AFETA A SAÚDE NO LONGO PRAZO? O rebote de adiposidade é um fenômeno fisiológico que ocorre de forma diferente em meninos e meninas e antecede o início da puberdade. É o peso que principalmente as meninas ganham, mas também os meninos, antes da puberdade. Quanto mais precoce e mais intensa for a instalação do rebote de adiposidade, maior será o efeito no longo prazo. Mais de 30 estudos identificaram a associação entre rebote de adiposidade mais intenso e/ou precoce e risco maior de obesidade futura, inclusive uma metanálise de nível individual realizada com participantes de dez coortes. MATERIAL DESTINADO EXCLUSIVAMENTE AO PROFISSIONAL DE SAÚDE. PROIBIDA A DISTRIBUIÇÃO AOS CONSUMIDORES.

4 O QUE É A HIPÓTESE DA PROTEÍNA? Cinco estudos randomizados e controlados demonstraram que a ingestão menor de proteínas muda a evolução da saúde das crianças. Estudos epidemiológicos mostraram que o uso de fórmulas com 2,5 gramas de proteínas para cada 100 calorias acarretava maior índice de massa corporal, contribuindo para o adiantamento do rebote de adiposidade e maior chance de instalação de obesidade, em comparação ao aleitamento materno e a fórmulas com 1,8 grama de proteínas para cada 100 calorias. Os lactentes pré-termo randomizados para receber uma dieta enriquecida com proteínas que promovia ganho de peso acelerado nas primeiras semanas após o nascimento apresentaram pressão arterial mais alta e maiores concentrações em jejum de insulina, colesterol e proteína C reativa, além de maior risco de obesidade na adolescência, em comparação aos controles. Da mesma forma, os lactentes nascidos a termo e pequenos para a idade gestacional randomizados para receber uma fórmula enriquecida com nutrientes que aumentou o ganho de peso apresentaram, em comparação aos controles, pressão arterial diastólica mais alta dos 6 aos 8 anos de idade e, em dois estudos, de 18% a 38% mais massa gorda entre 5 e 8 anos de idade. No maior estudo, o Ensaio Europeu sobre Obesidade Infantil, os lactentes randomizados para receber uma fórmula infantil com conteúdo mais alto de proteínas (3,0 g/100 kcal até os 6 meses de idade, seguidos de 4,8 g/100 kcal até os 12 meses) apresentaram risco de obesidade 2,4 vezes maior aos 6 anos em comparação àqueles que receberam fórmula infantil padrão (1,8 g/100 kcal até os 6 meses e depois 2,4 g/100 kcal até os 12 meses). PODERIA A REDUÇÃO DA CONCENTRAÇÃO DE PROTEÍNAS NA FÓRMULA INFANTIL MUDAR A EVOLUÇÃO DA PROGRAMAÇÃO METABÓLICA? Levando-se em conta o fato de que a ingesta proteica pode modular a ocorrência de obesidade e consequentemente a síndrome metabólica, sim, existem evidências de que a redução da ingesta proteica pode mudar a evolução da programação metabólica. As evidências também apontam não apenas a quantidade de proteínas como também o tipo de aminoácido. A ingesta de aminoácidos insulinogênicos poderia elevar o nível de insulina sérica e da mesma forma atuar como estímulo anabólico, promovendo ganho de peso e seus efeitos futuros. CONSIDERAÇÕES FINAIS O aleitamento materno exclusivo por no mínimo seis meses, ou o consumo de fórmulas infantis de baixo teor de proteínas para lactentes que não são amamentados, previne o ganho de peso acelerado durante a infância, o que ajuda a reduzir o risco de obesidade na idade adulta e gera diminuição de custos com saúde pública para a sociedade.

5 REFERÊNCIAS 1. Dewey KG, Heinig MJ, Nommsen LA, Peerson JM, Lönnerdal B. Breast-fed infants are leaner than formula-fed infants at 1 y of age: the DARLING study. Am J Clin Nutr. 1993;57: Druet C, Stettler N, Sharp S, Simmons RK, Cooper C, Smith GD, et al. Prediction of childhood obesity by infancy weight gain: an individual-level meta-analysis. Paediatr Perinat Epidemiol. 2012;26(1): European Food Safety Authority (EFSA). EFSA Panel on Dietetic Products, Nutrition and Allergies (NDA). Scientific opinion on the essential composition of infant and follow-on formulae. EFSA Journal. 2014;12(7): Inostroza J, Haschke F, Steenhout P, Grathwoul D, Nelson SE, Ziegler EE. Low-protein formula slows weight gain in infants of overweight mothers. JPGN 2014;59: Michaelson KF, Greer FR. Protein needs early in life and longterm health. Am J Clin Nutr. 2014;99(Suppl):718S-722S. 6. Singhal A, Cole TJ, Fewtrell M, Kennedy K, Stephenson T, Elias- Jones A, et al. Promotion of faster weight gain in infants born small for gestational age: is there an adverse effect on later blood pressure? Circulation. 2007;115: Singhal A, Kennedy K, Lanigan J, Fewtrell M, Cole TJ, Stephenson T, et al. Nutrition in infancy and long-term risk of obesity: evidence from two randomised controlled trials. Am J Clin Nutr. 2010; 92: Singhal A. Does early growth affect long-term risk factors for cardiovascular disease? In: Lucas A, Makrides M, Ziegler EE [editors]. Importance of growth for health and development. Nestec Ltd., Vevey/S: Karger AG Press, Basel. Nestle Nutr Inst Workshop Ser Pediatr Program. 2010;65: Singhal A, Lucas A. Early origins of cardiovascular disease: is there a unifying hypothesis? Lancet. 2004;363: Vickers MH. Early life nutrition, epigenetics and programming of later life disease. Nutrients 2014;6: Weber M, Grote V, Closa-Monasterolo R, Escribano J, Langhendries JP, Dain E, et al. Lower protein content in infant formula reduces BMI and obesity risk at school age: follow-up of a randomized trial. Am J Clin Nutr. 2014;99: Ziegler EE, Fields DA, Chernausek SD, Steenhout P, Grathwohl D, Jeter JM, et al. Adequacy of infant formula with protein content of 1.6 g/100 kcal for infants between 3 and 12 months: a randomized multicenter trial. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;61: MATERIAL DESTINADO EXCLUSIVAMENTE AO PROFISSIONAL DE SAÚDE. PROIBIDA A DISTRIBUIÇÃO AOS CONSUMIDORES.

6 Nota importante: O aleitamento materno é a melhor opção para a alimentação do lactente proporcionando não somente benefícios nutricionais e de proteção, como também afetivos, demonstrando sua superioridade quando comparado aos seus substitutos. É fundamental que a gestante e a nutriz tenham uma alimentação equilibrada durante a gestação e amamentação. O aleitamento materno deve ser exclusivo até o sexto mês e a partir desse momento deve-se iniciar a alimentação complementar mantendo o aleitamento materno até os 2 anos de idade ou mais. O uso de mamadeiras, bicos e chupetas deve ser desencorajado, pois pode prejudicar o aleitamento materno e dificultar o retorno à amamentação. No caso de utilização de outros alimentos ou substitutos de leite materno, devem-se seguir rigorosamente as instruções de preparo para garantir a adequada higienização de utensílios e objetos utilizados pelo lactente, para evitar prejuízos à saúde. A mãe deve estar ciente das implicações econômicas e sociais do não aleitamento ao seio. Para uma alimentação exclusiva com mamadeira será necessária mais de uma lata de produto por semana, aumentando os custos no orçamento familiar. Deve-se lembrar à mãe que o leite materno não é somente o melhor, mas também o mais econômico alimento para o bebê. A saúde do lactente pode ser prejudicada quando alimentos artificiais são utilizados desnecessária ou inadequadamente. É importante que a família tenha uma alimentação equilibrada e que, no momento da introdução de alimentos complementares na dieta da criança ou lactente, respeitem-se os hábitos culturais e que a criança seja orientada a ter escolhas alimentares saudáveis. Em conformidade com o Decreto nº8552/15; a Lei 11265/06; Resolução ANVISA n 222/02; OMS - Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (Resolução WHA 34:22, maio de 1981); e Portaria M.S. n de 08 de novembro de MATERIAL DESTINADO EXCLUSIVAMENTE AO PROFISSIONAL DE SAÚDE. PROIBIDA A DISTRIBUIÇÃO AOS CONSUMIDORES.