XXVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música B. Horizonte
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- Walter Bandeira Carmona
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1 A transcrição para a viola de arco do prelúdio n.6, Marcha Fúnebre, de Flausino Vale ( ) e a relação com elementos musicais identificados em obras fúnebres de compositores como Beethoven, Chopin e Guerra- Peixe MODALIDADE: COMUNICAÇÃO SUBÁREA: PERFORMANCE Vítor Chagas de Abreu Universidade do Estado de Minas Gerais- UEMG Carlos Aleixo dos Reis Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Resumo: Este presente trabalho visa demonstrar referências que nortearam a transcrição do Prelúdio n 6, Marcha Fúnebre, de Flausino Vale, para a viola de arco. Foram escolhidas obras fúnebres de obras de L.V. Beethoven ( ), de F. Chopin ( ), e de César Guerra- Peixe ( ). Excertos foram exemplificados para identificarmos elementos encontrados em gêneros musicais fúnebres, justificando nossas escolhas interpretativas para a transcrição desta obra. Palavras-chave: Flausino Vale. Prelúdio. Viola de Arco. Marcha Fúnebre. Reza-de-Defunto. Use of Musical Elements Identified in Funeral Works by Beethoven, Chopin and Guerra- Peixe in the Transcription for the Viola from the Prelude n.6, Marcha Fúnebre, by Flausino Vale ( ) Abstract: This presente work aims to demonstrate references that guided the transcription, for the viola, of the Prelude n.6, Marcha Fúnebre, by Flausino Vale ( ). There were chosen funeral works by L.V. Beethoven ( ), F. Chopin ( ) and César Guerra-Peixe ( ). Excerpts were taken as examples to identify elements found in the funeral musical genres Marcha Fúnebre and Reza-de-Defunto, justifying our interpretive choices for the transcription of this work. Keywords: Flausino Vale. Prelude. Viola. Funeral March. Reza-de-Defunto. 1. Flausino Vale ( ) e sua obra 26 Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só Flausino Rodrigues Vale foi um violinista e compositor nascido em 6 de janeiro de 1894, na cidade de Barbacena, Minas Gerais. A partir de 1912, mudou-se para Belo Horizonte, onde graduou-se em Direito e viveu até o final de sua vida. Conciliou as carreiras nas áreas do Direito e da Música. Foi professor de História da Música no Conservatório Mineiro de Música, e atuou como violinista em grupos como orquestras e também como solista. Iniciou a composição de seus Prelúdios característicos e concertantes para violino só em Inicialmente, compôs um conjunto de nove prelúdios intitulado Suíte Mineira,
2 iniciado em 1922 e concluído em A partir do início da década de 1930, ele optou por incluir mais peças que, ao fim de sua vida, totalizaram 26 prelúdios. (FRÉSCA, 2007: p ). Há, neste conjunto de 26 prelúdios a identificação de recursos idiomáticos para o violino, como: cordas soltas; cordas dobradas ou acordes em três e quatro cordas; arpejos; harmônicos; registros distintos; variações de texturas e de timbres; e tonalidades específicas. O compositor explorou nesta obra uma escrita para o violino com emprego de uma linguagem virtuosística, influenciada pelo estilo romântico e virtuosístico do século XIX, porém associado à utilização de elementos da música rural, especialmente daquela tocada em instrumentos como a viola-de-arame (ou viola caipira), instrumentos de percussão, e possivelmente também à rabeca e ao acordeom 1. Como alguns exemplos da emulação e referências a estes instrumentos, podemos citar: a simulação de rasgueados de viola caipira com o emprego de pizzicati com a mão esquerda e de acordes ritmados; referências a instrumentos de percussão, através de batidas na madeira do violino; entre outros recursos. 2. Da marcha à Marcha Fúnebre (Prelúdio no. 6) de Flausino Vale: escolhas interpretativas baseadas em gêneros fúnebres na transcrição para a viola de arco. Conforme o dicionário Oxford Music Online (SCHWANDT; LAMB, 2015) as marchas (March Fr. marche; Ger. Marsch; It. marcia) apresentam um estilo simples e fortes ritmos repetitivos e são utilizadas originalmente para acompanhar movimentos militares e procissões. A ocorrência de representações estilizadas de marchas é encontrada já em obras do século XVI. No século XIX, segundo os autores, as marchas funcionais teriam decaído, e as marchas estilizadas viriam a ser agregadas cada vez mais à música de concerto, se consolidando como um gênero artístico-musical. Já as marchas fúnebres, embora sem função militar, podem ou não ser influenciadas pelo contexto marcial, remetendo a situações de guerra, homenageando feitos de militares, ou usando elementos sonoros típicos do ambiente marcial, como tambores e instrumentações de sopros. Geralmente são escritas em tom menor e apresentam caráter pesante, embora às vezes haja contrastadas com passagens de caráter mais leve. Normalmente são em compasso 2/4 ou 4/4 e com andamento entre Lento e Andante. O prelúdio n.6, Marcha Fúnebre, é datado de 15 de junho de Existem duas dedicatórias nesta peça, como observa ABREU (2015: 110):
3 Conforme observado por Alvarenga (1993, p.85) e Frésca (2007, p.3-5), esse prelúdio apresenta duas dedicatórias, sendo uma em memória a um tio de Flausino Vale, Vicente, e outra em memória de Ernesto Ronchini (FRÉSCA, 2007). Ernesto Ronchini ( ) foi violinista, professor no INM (Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro), regente da orquestra dessa instituição de 1924 a 1928, além de compositor e violista do Quarteto Tatti. [...] 1927 é o ano em que o prelúdio Marcha Fúnebre foi concluído. [...] as datas das dedicatórias são diferentes porque a primeira foi escrita após a morte do tio de Flausino e a segunda foi escrita depois do falecimento de Ernesto Ronchini. Quando a primeira edição dos prelúdios, intitulada Suíte mineira, foi finalizada, em 1927, Ernesto Ronchini ainda era vivo. Flausino Vale teria feito uma alteração na dedicatória, após a morte de Ernesto Ronchini, que se deu em 1931, talvez para homenageá-lo por ter escrito a obra Dez estudos variados e progressivos para violino [...]. (ABREU, 2015). Além disso, no manuscrito encontrado em Alvarenga (1993: 85), nota-se que a dedicação ao tio Vicente foi riscada da partitura a mão e refeita, mas desta vez em referência a Ernesto Ronchini. O prelúdio apresenta compasso 2/4 e foi escrito originalmente para o violino em Sol menor. Em nossa transcrição do prelúdio n.6, Marcha Fúnebre, de Flausino Vale, para a viola de arco, escolhemos a tonalidade de Dó menor, situada uma quinta abaixo do original para o violino, por entendermos que esta tonalidade, na viola, evidencia o caráter pesante, sombrio e profundo característico deste gênero musical, reforçado ainda pela sonoridade de suas cordas mais graves, Dó2 e Sol2. A tonalidade de Dó menor, na viola, mantém as mesmas proporções de afinação e de distâncias físicas das notas pelo instrumento comparado ao original para o violino. Além disso, a mesma tonalidade foi empregada no segundo movimento da Sinfonia n.3, Eroica, de L. V. Beethoven ( ) e no terceiro movimento da Sonata op.72 n.2, de F. Chopin ( ), ambos movimentos escritos como marchas fúnebres. Ilustraremos em seguida exemplos que identificam alguns dos elementos musicais encontrados nos gêneros musicais abordados neste trabalho marcha fúnebre e reza-dedefunto, a partir de análises extraídas dos seguintes excertos musicais: segundo movimento da Sinfonia n.3, de L.V. Beethoven; Sonata op.72 n.2 e terceiro movimento da Sonata op.35 n.2, de F. Chopin; e segundo movimento da Pequena Suíte para Viola e Piano (1957), de C. Guerra-Peixe ( ). Foram identificados nas obras citadas a utilização pelos compositores de apojaturas, figuras rítmicas com pontos de aumento (ritmos pontuados como colcheia pontuada e semicolcheia, ou semicolcheia pontuada e fusa), movimentação de melodias em direção aos registros graves, recorrência de intervalos de quartas, quintas e oitavas, desenhos
4 melódicos descendentes em terças, e presença de sustentação de notas em pedais harmônicos. Em muitas situações encontradas, as apojaturas antecedem figuras pontuadas, o que concluímos se tratar de uma característica destes gêneros fúnebres. Além disso, a textura musical se apresenta densa, com melodias situadas em região entre médio-grave e médioagudo. Acreditamos que as já citadas células rítmicas com pontos de aumento sejam características herdadas de cortejos de marcha, executadas por instrumentos como percussão e sopros. No Ex.1, abaixo, ritmos pontuados são encontrados no tema executado pelos primeiros violinos, no 2.º movimento da Sinfonia n.3, Eroica, de Beethoven, nos c.1-8. A apojatura no 2º. tempo do 2º. compasso antecede uma das figuras com pontos de aumento. Exemplo 1: 2.º movimento da Sinfonia n.3, Eroica, de Beethoven, c.1-8. Figuras representando notas pontuadas são bastante presentes em gêneros de marchas. Muitas vezes, apojaturas antecipam algumas dessas notas, como se vê no 2º. tempo do compasso 2. (Elaborado pelo autor). Na Marcha Fúnebre op.72 n.2, de F. Chopin, encontramos direção melódica descendente (nos c.4-9) e dobramentos dos baixos (nos c.6 e 9), que reforçam o peso do caráter da peça. No Ex.2, abaixo, as melodias descendentes são indicadas pelas setas:
5 Exemplo 2: Melodias em sentido descendente na Marcha Fúnebre, op.72 n.2, de Chopin. (CHOPIN, 1963: 38). Para demonstrar a ocorrência de intervalos de quartas, quintas e oitavas em marchas fúnebres, separamos, no Ex.3, abaixo, o trecho dos compassos 5 a 8 do 3º movimento da Sonata op.35 n.2, de Chopin. Na imagem, os intervalos de quartas estão assinalados por colchetes pretos, os intervalos de quintas por colchetes cinzas e de oitavas por arcos cinzas. Entre os compassos 2-4, demonstramos como as apojaturas superiores antecedem ritmos pontuados em melodias descendentes, circulando essas figuras. Exemplo 3: Sonata op.35 n.2, de Chopin, 3.º movimento. c.5-8: No primeiro acorde, presença de intervalos de quartas (colchetes pretos), quintas (colchetes cinzas) e oitavas (arcos cinzas). Nos compassos 2-4, as apojaturas superiores (circuladas) antecedem ritmos pontuados em melodias descendentes. (CHOPIN, 1837: 3). Assim como nas marchas fúnebres já citadas, também encontramos apojaturas, ritmos pontuados e terças descendentes no segundo movimento (Reza-de-Defunto) da Pequena Suíte para Viola e Piano (1957), de C. Guerra-Peixe ( ). No Ex.4, da referida obra, setas indicam o movimento descendente das melodias (compassos 2-3, 4-5 e 7-
6 8), a elipse demonstra terças descendentes em figuras com ponto de aumento (compasso 5) e a apojatura que antecede uma figura pontuada está contornada por um retângulo (compasso 7). Exemplo 4: Reza-de-defunto, c Como nas marchas fúnebres, na reza-de-defunto há terças descendentes, ritmos pontuados e apojaturas. (GUERRA-PEIXE, 1957, p.3-4). (Elaborado pelo autor). Em seguida, no Ex.5, apresentamos excertos de nossa transcrição da Marcha Fúnebre de Flausino Vale, baseadas nos exemplos demonstrados anteriormente neste trabalho. Foram sugeridas apojaturas nos compassos 11, 15, 21, 29 e 31, sendo que no compasso 11 sugerimos um mordente e nos compassos 29 e 31, elas também reforçam os intervalos de uníssono e de segunda menor. No exemplo, também se pode encontrar os já citados intervalos de quartas, quintas e oitavas. Exemplo 5: Propostas incluídas em nossa transcrição, baseadas nos exemplos anteriores: mordente, no c.11, e apojaturas, nos c.15, 21, 29 e 31. Nos 29 e 31, as apojaturas reforçam os intervalos de uníssono e de segunda menor. (Elaborado pelo autor).
7 Conclusões Este trabalho buscou evidenciar características presentes no gênero marcha, especialmente no gênero marcha fúnebre, com a intenção de fornecer subsídios de interpretação para o prelúdio n.6, Marcha Fúnebre (1927), de Flausino Vale ( ). Realçamos a importância desse compositor para o repertório violinístico brasileiro e consequentemente para a escrita de música brasileira voltada para instrumentos de arco. Dessa forma, a transcrição da peça abordada nesse trabalho, juntamente com outras transcrições ainda a serem publicadas em caderno de partituras, reforçam a necessidade de ampliar a literatura de música brasileira para a viola de arco e valorizar a obra de um compositor mineiro cujo nome vem, finalmente, ganhando maior destaque no cenário musical. Referências: - Livro FRÉSCA, Camila. Uma extraordinária revelação de arte: Flausino Vale e o violino brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Annablume, p. - Capítulo de livro ou verbete assinado em enciclopédia SCHWANDT, Erich; LAMB, Andrew. March. In: Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press, Disponível em: < Acesso em: 26 de maio de Dissertações ou Teses ABREU, Vítor Chagas de. Prelúdios característicos e concertantes para violino só, de Flausino Vale: cinco transcrições e análise interpretativa para a viola de arco. Belo Horizonte, f. Dissertação (Mestrado em Música). Escola de Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, ALVARENGA, Hermes Cuzzuol. Os 26 prelúdios característicos e concertantes para violino só de Flausino Vale: aspectos da linguagem musical e violinística f. Dissertação (Mestrado em Música) Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Trabalho em Anais de Evento FRÉSCA, Camila. Flausino Vale e os 26 prelúdios característicos e concertantes para violino só. In: XVII Congresso da ANPPOM, 2007, São Paulo, SP. Anais...Teoria e Análise Musical São Paulo, SP: Instituto de Artes da UNESP, Disponível em: ca.pdf. Acesso em: 30 de março de 2015.
8 ABREU, Vítor Chagas de; REIS, Carlos Aleixo dos. Transcrição para viola de arco do Prelúdio n.º1, Batuque, da obra 26 Prelúdios Característicos para Violino Só, de Flausino Vale. In: Guerra-Peixe: 100 anos, Seminário sobre vida e obra do compositor, 2014, Belo Horizonte. Anais...Revista eletrônica. Belo Horizonte: Selo Minas de Som (ESMU-UFMG), p Partitura publicada BEETHOVEN, Ludwig van. Symphonies Nos. 1, 2, 3 and 4 in Full Score. Publicação original: Symphonies de Beethoven. Braunschweig: H. Litolff s Verlag, [18-- ] Re-impressão. New York: Dover Publications, Ind., partituras (256p.). Orquestra. CHOPIN, Frederic. Minor Works for piano. Cracow: Polish Music Publications, partituras (72p.) Piano. CHOPIN, Frédéric. Sonata op. 35 no (3.º mov.), 1839 (movimentos restantes). 1 partitura (5p.). Piano. Disponível em: Acesso em: 16 de janeiro de Partitura manuscrita GUERRA-PEIXE, César. Três Peças para Viola e Piano. São Paulo partitura (13p.). Viola e Piano. Fotocópia de manuscrito. Notas 1 Mais informações em Abreu (2015: 48).
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