PODER JUDICIÁRIO RELATÓRIO

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1 APELAÇÃO CÍVEL N ( ) COMARCA DE GOIÂNIA APELANTE : FEDERAL DE SEGUROS S/A APELADO : ESTADO DE GOIÁS RELATOR : DR. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES - Juiz Substituto em 2º grau RELATÓRIO FEDERAL SEGUROS S/A, interpõe apelação cível da sentença de fls. 216/227, proferida nos autos dos embargos à execução fiscal opostos por ela em desproveito do ESTADO DE GOI- ÁS, apelado. Ao sentenciar, o Magistrado a quo julgou improcedentes os embargos à execução fiscal, sob o fundamento de que (...) a imposição de multa, pelo PROCON, no caso de cláusulas contratuais abusivas, não significaria, de modo algum, a usurpação de função que seria exclusiva do Poder Judiciário, porquanto competirá justamente a este Poder julgar se os atos administrativos praticados por aqueles órgãos são ou não conforme o direito (fls. 224). Em razão da sucumbência, condenou a embargante ao pagamento de custas do processo e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$1.000,00 (mil reais). Nas razões do recurso (fls. 229/240), a recor- 1

2 rente bate-se pela reforma do comando judicial invectivado, alegando, em síntese, que (...) o título que instrui a execução fiscal ora embargada é nulo, em virtude da nulidade do procedimento administrativo que lhe deu origem, pois o órgão que instaurou o citado procedimento, o PROCON, não tinha competência para tanto. (fls. 234). Invocando o Código de Defesa do Consumidor e o Decreto Federal n /97, sustenta que, a despeito de ser possível a aplicação de penalidade administrativa pelos órgãos de defesa do consumidor, o PROCON não detém competência para intepretar e revisar cláusulas contratuais, na medida em que, a seu ver, tal função seria exclusiva do Poder Judiciário. Por tais razões, pede o conhecimento e o provimento deste apelo, a fim de que seja reformada a sentença recorrida, declarando-se a (...) nulidade do título executivo que instrui a Execução Fiscal nº , invertendo-se, de conseguinte, os ônus sucumbenciais (fls. 240). O preparo é visto a fls Não houve contrarrazões. Eis, em suma, o relatório, que submeto à revisão. Goiânia, 29 de novembro de

3 EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES Juiz Substituto em 2º Grau 3

4 APELAÇÃO CÍVEL N ( ) COMARCA DE GOIÂNIA APELANTE : FEDERAL DE SEGUROS S/A APELADO : ESTADO DE GOIÁS RELATOR : DR. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES - Juiz Substituto em 2º grau VOTO do recurso, dele conheço. Presentes os pressupostos de admissibilidade Pois bem. Cuida-se, como visto, de apelação cível interposta da sentença de fls. 216/227, por meio da qual o Julgador de 1º grau julgou improcedentes os embargos à execução fiscal, sob o fundamento de que (...) a imposição de multa, pelo PRO- CON, no caso de cláusulas contratuais abusivas, não significaria, de modo algum, a usurpação de função que seria exclusiva do Poder Judiciário, porquanto competirá justamente a este Poder julgar se os atos administrativos praticados por aqueles órgãos são ou não conforme o direito (fls. 224). Extrai-se dos autos, que a multa em discussão fora imposta à ora recorrente em processo administrativo instaurado pelo Procon-GO, em virtude de reclamação formalizada pelo consumidor Antônio Borges Vieira referente a contrato de vida entabulado com a Seguradora apelante. O Superintendente do Procon-GO, ao julgar o 1

5 processo administrativo n /98, cuja cópia encontra-se a fls. 31/139 (1º volume), assim decidiu: (...) julgo PARCIALMENTE PROCE- DENTE a reclamação do consumidor em apreço, declarando seu direito em face da empresa Reclamada, a qual deve pagar-lhe os valores de resgaste conforme Tabela Transcrita nas Condições Gerais do Seguro Dotal 80, corrigido monetariamente, no prazo máximo de 10 (dez) dias a contar do recebimento do presente decisum. Ainda, nos termos do Art. 18, do Dec. Fed. Nº 2.181/97, o qual determina que a inobservância das normas contidas na Lei nº 8.078/90, sujeitará o fornecedor a sanção administrativa, entre outras, a de multa. À empresa FEDERAL SEGU- ROS S/A, devidamente qualificada, por haver infringido às normas do direito do consumidor anteriormente mencionadas, aplica uma sanção administrativa de multa, correspondente a (cinco mil) UFIR, conforme determina o Art. 57, único do CDC, devidamente regulamentada pelo Dec. Fed. Nº 2.181/97 c/c Art. 56, inciso I, do mesmo Diploma Legal (sic - f. 124 grifo no original). Dessa decisão, a ora apelante interpôs recurso à Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás que, no entanto, foi desprovido (vide fls. 126/129 e 131/135). 2

6 logo, que razão assiste à recorrente. Feitas tais ponderações, assevero, desde Isso porque, este Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que, (...) muito embora o PROCON detenha poderes para aplicar multas e penalidades pelo descumprimento de normas consumeristas, a este é limitado o poder de revisar cláusulas contratuais ou declará-las abusivas, mesmo que estejam em confronto com o Código de Defesa do Consumidor, pois trata-se de competência exclusiva do Poder Judiciário (TJGO, 5ª C.C, DGJ n , ac. unânime de 30/06/2011, DJ 869 de 28/07/2011, Rel. Des. Hélio Maurício Amorim) Assim, em que pese a função fiscalizatória do Procon, visando à proteção aos direitos do consumidor, parte hipossuficiente das relações de consumo, noto que, neste caso, o referido órgão extrapolou os limites de sua função, ao emitir juízo de valor acerca dos termos pactuados entre a embargante/apelante e o consumidor Antônio Borges Vieira, tal qual defendido pela ora recorrente. Como se sabe, apesar de ser garantido ao Procon a aplicação de multas e penalidades pelo descumprimento de normas consumeristas, a este não é cabível proceder à interpretação ou revisão de cláusulas contratuais, mesmo que estejam em confronto com o Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, conquanto o Procon tenha competência para aplicar penalidades a quem infrinja as normas de defesa do consumidor (inteligência do artigo 56, I, do CDC), ao determinar o pagamento dos (...) valores de resgate conforme Tabela Transcrita nas Condições Gerais do Seguro Dotal 80, corri- 3

7 gido monetariamente, o aludido órgão não agiu de acordo com a competência que lhe fora atribuída pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, bem como pelo Decreto Federal nº 2.181/97, realizando verdadeira interpretação e revisão do contrato, o que não lhe é permitido. Deveras, os artigos 105 e 106 do Código de Defesa do Consumidor que instituem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, bem como o Decreto nº 2.181/97, que criou o Departamento de Proteção e Defesa ao Consumidor, são claros ao fixarem a atuação dos órgãos governamentais de defesa do consumidor, limitando-se ao planejamento, elaboração, coordenação e execução da política nacional de proteção a defesa ao consumidor, a prestar informações aos consumidores e provocar outros órgãos para o cumprimento de seus objetivos, sem, contudo, prever a expedição de decisões com o intuito de regulamentar as relações de consumo ou qualquer ato assemelhado. Sendo assim, verifica-se que ao proferir decisão revisando o contrato de seguro de vida estabelecido entre a embargante/apelante e o consumidor Antônio Vieira Borges, o Procon/GO acabou por imiscuir-se no mérito da avença, bem como emitiu juízo de valor acerca das cláusulas que o compõem, o que lhe é vedado. Destarte, é indiscutível que compete ao Procon proteger o consumidor de eventuais abusividades cometidas por fornecedores e prestadores de serviços, todavia a análise de cláusula contratual compete exclusivamente ao Poder Judiciário, por intermédio de ação apropriada, assegurados os princípios da ampla defesa e 4

8 do contraditório. Sobre o tema, confira-se o entendimento pacificado por esta Corte de Justiça: APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMI- NISTRATIVO. MULTA IMPOSTA PELO PROCON (...). INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRA- TUAL. TAREFA RESERVADA AO PODER JUDICIÁ- RIO. (...). 1 - Mesmo possuindo o PROCON atribuição para aplicar penalidades administrativas (art. 18 do Decreto 2.181/97 c/c arts. 57, 105 e 106, incisos VIII e IX do CDC), na hipótese de desrespeito às normas protetivas ao consumidor, expondoo a situações de vulnerabilidade, a ele não se confere o poder de interpretar e/ou revisar cláusula do contrato e, a partir de tal interpretação, impor sanção, pois tal tarefa está reservada ao Poder Judiciário. 2 -Omissis. APELO CO- NHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS. (TJGO, 1ª C.C, A.C. n , DJe 1052 de 27/04/2012, Rel. Dr. Gerson Santana Cintra Juiz Substituto em 2º Grau). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. MULTA APLICADA PELO PRO- CON DECORRENTE DE REVISÃO DE CONTRATO E RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS A CON- SÓRCIO. 1 - Embora o Procon tenha competência para aplicar as penalidades administradas inseridas no artigo 18 do decreto c/c artigos 105 e 106, in- 5

9 cisos VII e IX do Código de Defesa do Consumidor quando verificada a situação de respeito as normas do CDC, não tem ele poder de interpretar e ou revisar as cláusulas do contrato que se insurge, função esta, exclusiva do Poder Judiciário. Apelo conhecido e provido. Sentença reformada. (TJGO, 4ª C.C., A.C. n /188, DJ nº 321, de 27/04/2009, Rel. Des. Almeida Branco). DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍ- VEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA. I OMIS- SIS. II - MULTA APLICADA PELO PROCON. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. LIMI- TAÇÃO DE JUROS. O Procon não tem competência para revisar contratos e muito menos para limitar juros, função esta que compete, exclusivamente, ao Poder Judiciário. No caso ora focado, observa-se que, apesar da mencionada Superintendência não ter tentado impor a revisão do contrato às partes envolvidas no processo administrativo, o fato é que a multa fixada decorreu dessa revisão, ou seja, foi uma consequência da revisão do contrato, pois ela não seria imposta se o Procon não tivesse analisado suas cláusulas e considerado que as mesmas impunham juros abusivos. Remessa conhecida e improvida. Apelo conhecido e improvido. (TJGO, 2ª C. Cível, Duplo Grau de Jurisdição nº /195, Rel. Des. João Waldeck Felix de Sousa, in DJ nº 344, de 29/05/2009). Relaciono, ainda, outros precedentes desta 6

10 Corte Estadual: 1) TJGO, 1ª C.C., A.I. n , ac. unânime de 22/02/2011, DJ 772 de 03/03/2011, Rel. Des. João Ubaldo Ferreira; 2) TJGO, 6ª C.C, A.I. n , ac. Unânime de 22/02/2011, DJ 772 de 03/03/2011, Rel. Des. Fausto Moreira Diniz. Feitas tais ponderações, não vejo outra alternativa senão dar provimento a este apelo para reformar a sentença invectivada e, por conseguinte, declarar a nulidade do processo administrativo em epígrafe, na medida em que, como dito alhures, o Procon procedeu à verdadeira revisão do contrato especificado na exordial, interpretando cláusulas contratuais, praticando, dessa forma, função típica e exclusiva do Poder Judiciário. Ao teor do exposto, dou provimento à apelação cível aviada por FEDERAL DE SEGUROS S/A para, em reforma à sentença hostilizada, julgar procedente os embargos à execução, declarando, de conseguinte, a nulidade do processo administrativo n /98, instaurado junto ao PROCON, bem como das penalidades dele decorrentes. Em razão da sucumbência, condeno o embargado ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em R$1.000,00 (mil reais). É, pois, como voto. Goiânia, 15 de janeiro de DR. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES Relator Juiz Substituto em 2º grau 7

11 APELAÇÃO CÍVEL N ( ) COMARCA DE GOIÂNIA APELANTE : FEDERAL DE SEGUROS S/A APELADO : ESTADO DE GOIÁS RELATOR : DR. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES - Juiz Substituto em 2º grau EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA IMPOSTA EM PROCESSO AD- MINSTRATIVO. PROCON. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBI- LIDADE. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO PODER JUDICIÁRIO. NULIDADE RECONHECIDA. 1 - Ao revisar um contrato firmado entre o consumidor e a seguradora, o Procon extrapola a competência que lhe fora atribuída pelo CDC, bem como pelo Decreto nº 2.181/97 e realiza ato afeto ao Poder Judiciário, pois imiscuiu-se do mérito da avença, emitindo juízo de valor, o que lhe é vedado. 2 Corolário lógico da inobservância do Procon à sua competência e à função jurisdicional inerente ao Poder Judiciário é a nulidade do processo administrativo e da penalidade por ele imposta. Apelação provida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes da Segunda Turma Julgadora da 2ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM CONHECER DO RECURSO E DAR- 1

12 LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do RELATOR. VOTARAM com o RELATOR, os Desembargadores CARLOS ALBERTO FRANÇA e JOÃO WALDECK FELIX DE SOUSA, que completou a Turma Julgadora em razão das férias do Vogal Desembargador AMARAL WILSON DE OLIVEIRA. Presidiu a sessão o Desembargador ZACARIAS NEVES COÊLHO. PRESENTE a ilustre Procuradora de Justiça, Drª. ELIETE SOUSA FONSECA SUAVINHA. Custas de lei. Goiânia, 15 de janeiro de EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Relator 2