VIVÊNCIAS ESPACIAIS E A PERCEPÇÃO DO LUGAR PELAS PESSOAS DEFICIENTES SPATIAL EXPERIENCES AND THE CONSTRUCTION OF THE PLACE BY THE DEFICIENT PERSONS
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- Evelyn Santos Belo
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1 Revista Tecnológica 16: 37-43, VIVÊNCIAS ESPACIAIS E A PERCEPÇÃO DO LUGAR PELAS PESSOAS DEFICIENTES SPATIAL EXPERIENCES AND THE CONSTRUCTION OF THE PLACE BY THE DEFICIENT PERSONS Vanessa Carla Moschetta 1, Gislaine Elizete Beloto 2 Resumo: Visando fomentar o desenvolvimento de uma visão mais humanística do espaço, este artigo apresenta a importância da relação entre os deficientes físicos e visuais, os elementos arquitetônicos e a apropriação do espaço. O conhecimento das necessidades e percepções espaciais das pessoas deficientes é considerado premissa fundamental do projeto arquitetônico, levando à propostas arquitetônicas que promovam a inclusão espacial. Para tanto, buscou-se através de entrevistas, desenhos mentais e maquete, a representação imagética do espaço por eles vivenciado, a fim de se obter diretrizes projetuais para a concepção de espaços que aproximem o usuário do ambiente construído. Palavras-chave: deficientes físicos e visuais. percepção espacial. projeto arquitetônico. Abstract: Aiming to foment the development of more humanistic vision of the space, this article presents the importance of the relation between the deficient physicists and visual, the elements architectural and the appropriation of the space. The knowledge of the necessities and space perceptions of the deficient people is considered basic premise of the project architectural, leading the proposals architectural that promote the inclusion space. For both, is sought through interviews, drawings and mental model, the representation of space imagery they lived in order to obtain project guidelines for the design of spaces closer to the user of the built environment. Key words: deficient persons. spatial perception. planning of the space. 1. Introdução A produção arquitetônica traz como referenciais o chamado homem padrão, pouco considerando a diversidade de usuários. Esse fato tem gerado projetos homogêneos, sem uma reflexão crítica a respeito das experiências espaciais das pessoas portadoras de alguma deficiência. O Desenho Universal 3 e a Arquitetura Inclusiva vão além do atendimento às normas. Segundo Cambiaghi (2007) a arquitetura e o design inclusivos partem do pressuposto dos dados antropométricos e buscam compreender as medidas do corpo humano para o dimensionamento do ambiente e diz ainda que a essência do desenho universal está no propósito de estabelecer acessibilidade integrada a todos, sejam ou não pessoas com deficiências. Para Cohen e Duarte (2003) o conceito de desenho universal traz a idéia de produtos, espaços, mobiliários e equipamentos concebidos para uma maior gama de usuários. A mera normatização 4 do projeto arquitetônico, sem a preocupação quanto à inclusão, acaba determinando rotas e ambientes separados, pois se preocupa apenas em promover o acesso ao edifício. Além disso, muitos estudos se baseiam em propostas de readequação de edifícios para pessoas deficientes e apontam a construção de rampas, de vagas especiais nos 1 Universidade Estadual de Maringá,Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Autora Correspondente. vanemoschetta@yahoo.com.br 2 Universidade Estadual de Maringá,Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Autora Correspondente. gebeloto@uem.br 3 Refere-se à concepção de espaços e produtos que visam atender não somente as pessoas deficientes, mas a diversidade de usuários, com variações de tamanho, peso, sexo ou limitações, de forma autônoma, segura e confortável. 4 ABNT NBR 9050
2 38 Vivências espaciais e a percepção do lugar pelas pessoas deficientes estacionamentos e de banheiros adaptados às pessoas deficientes como suficientes para dizer que o projeto é inclusivo. Por isso questiona-se: até que ponto essas medidas contribuem para a inclusão espacial das pessoas deficientes? A aplicação dos conceitos mencionados leva em consideração a universalidade, ou seja, a concepção não apenas de espaços destinados às pessoas especiais, mas dotados de qualidades, de modo a facilitar as diferentes capacidades de uso de cada pessoa. Nesse sentido, o artigo discute a relação entre os deficientes físicos e visuais, os elementos arquitetônicos e a apropriação do espaço. Optou-se em analisar os deficientes físicos e visuais e suas maneiras de experenciar o espaço. Segundo Tuan (1980), experenciar é aprender; compreender; significa atuar sobre o espaço e poder criar a partir dele. Com isso é possível mostrar a multiplicidade na apreensão espacial, pois ambos estão condicionados a diferentes ângulos de visão, o que conduz ao reconhecimento de diferentes elementos de composição arquitetônicos. Pressupõe-se que o reconhecimento do lugar se dá pelo afeto 5 adquirido através das experiências, de modo que, para os deficientes visuais se dá a partir da experiência tátil e auditiva e, para deficientes físicos, a partir de imagens mentais. 2. Materiais e Métodos Para a compreensão da percepção e da vivência do espaço pelas pessoas deficientes, utilizou-se de entrevista semi-estruturada e desenhos mentais (Figura 1) ou maquete (Figura 2) com alunos portadores de deficiências físicas e visuais de duas escolas públicas da cidade de Maringá/PR. Tendo-se em vista que as escolas da rede municipal atendem cerca de 36 deficientes visuais, a porcentagem de deficientes visuais entrevistados foi 14% e de deficientes físicos foi 100%. 6 Figura 1. Desenhos mentais mostrando como a sala de aula atual é, e como gostaria que a escola fosse. Fonte: Arquivo da autora 5 Refere-se a Topofilia, conceito proposto pelo professor de geografia Yi-Fu Tuan, como sendo o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. 6 A porcentagem considerou apenas os alunos com deficiência física, na faixa etária de 8 a 14 anos e incluídos na rede municipal de ensino de uma instituição especializada para deficientes físicos que possui 197 alunos.
3 Revista Tecnológica 16: 37-43, Figura 2. Maquete Fonte: Arquivo da autora. A entrevista semi-estruturada seguiu um roteiro de seis perguntas cujo objetivo era entender como os alunos se relacionavam com os elementos arquitetônicos e se apropriavam do edifício escolar. A representação imagética dos espaços por eles vivenciados ficou por conta de desenhos mentais 7 ou maquetes. Foi solicitado que desenhassem sua escola e sua sala de aula supondo que mostrariam-na a alguém que não a conhecesse, e um terceiro desenho onde deveriam expressar a sala de aula de seus desejos. Entretanto, devido à dificuldade, e em alguns casos a impossibilidade de representar os espaços por meio do desenho, os deficientes visuais com cegueira total utilizaram de maquete para expressar suas experiências espaciais, tendo em vista que, nesses casos, a orientação e a mobilidade ocorrem através da percepção tátil e da relação temporal. Isso quer dizer que o espaço, as distâncias, os percursos, o longe e o perto passam a ser medidos pelo esforço, sendo o meio-ambiente o elemento essencial para a estruturação mental da relação entre a distância a ser percorrida e o tempo gasto. Segundo TUAN, o tempo está implícito em todos os lugares, nas idéias de movimento, esforço, liberdade, objetivo e acessibilidade. 3. Resultados e Discussão A análise dos esquemas apresentada nesse trabalho baseia-se no reconhecimento dos elementos de composição arquitetônica pelos deficientes. Para isso, tomou-se como base os princípios de simetria, hierarquia e eixo; elementos de circulação, organizações e formas lineares, entre outros elementos, conforme Ching(2002) descreve em sua obra Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem. 7 Metodologia proposta por Kevin Lynch em seu livro A imagem da cidade.
4 40 Vivências espaciais e a percepção do lugar pelas pessoas deficientes As entrevistas permitiram compreender a relação do deficiente com o espaço físico da escola, ou seja, os elementos que conduziam ao reconhecimento de determinado ambiente, dotando-lhe de um significado. No caso dos deficientes físicos o pátio é citado por 60% dos entrevistados como espaço que mais gostam e, nos desenhos aparece como espaço comum e de convergência das pessoas, além de articulador entre os setores da escola. Para facilitar a compreensão dos resultados obtidos, elaborou-se um quadro síntese das entrevistas que juntamente com os desenhos mentais e a experiência tátil através da maquete, originou esquemas que permitiram analisar os elementos arquitetônicos reconhecidos. Para essa análise foram considerados elementos como: circulação, pontos de encontro, delimitação do espaço e o conjunto percebido. Quadro 1. Síntese das entrevistas Fonte: autora. A sala de fisioterapia é observada como um elemento arquitetônico tão importante quanto à sala de aula, sendo caracterizada também como um espaço de encontro. O corredor promove clareza no reconhecimento do espaço, já que articula o conjunto arquitetônico (Figura 3). Quanto ao deslocamento, a totalidade de deficientes físicos diz não encontrar nenhuma dificuldade.
5 Revista Tecnológica 16: 37-43, Figura 3. Esquema ilustrando a percepção dos deficientes físicos. Fonte: autora. Segundo 60% dos deficientes visuais a sala de aula, mais especificamente o Centro de Atendimento Especializado para Deficientes Visuais (CAE-DV), é caracterizado como local de encontro e que mais gostam. A esse respeito formula-se a hipótese de que a preferência acontece porque a maioria deles está incluída na rede regular de ensino em outras escolas e nesta só freqüentam o espaço do CAE-DV. Além disso, os deficientes visuais com baixa visão enfrentam alguns problemas de deslocamento, pelo fato de sair de um ambiente externo bem iluminado e entrar num ambiente interno mais escuro. A descrição da sala de aula por eles acontece a partir dos objetos que eles conseguem perceber através do tato. A estrutura simples permitiu que os ambientes fossem percebidos enquanto conjuntos e identificados através dos elementos arquitetônicos e da relação temporal, que se refere ao tempo gasto pelo deficiente visual ao se deslocar por um ambiente até alcançar o seu objetivo. A circulação, elemento que permite clareza na orientação e mobilidade, foi facilmente percebida como elemento arquitetônico linear e articulador que conduz o usuário aos diversos ambientes. As dificuldades enfrentadas no deslocamento não se dão devido a barreiras físicas, mas a pouca experiência na orientação e mobilidade. Figura 4. Localização da parte da escola utilizada para aplicação da metodologia e esquema ilustrando a percepção dos deficientes visuais. Fonte: autora.
6 42 Vivências espaciais e a percepção do lugar pelas pessoas deficientes Contudo é relevante destacar que ambos os edifícios seguem o tipo arquitetônico de unidades escolares: forma geométrica simples, composta por blocos de salas de aulas articulados, apresentando em seus interiores circulações lineares ou corredores que unem tais salas. A forma é reconhecida pelas crianças, cujos desenhos apresentam a compreensão da geometria da escola e da articulação entre os blocos. Sendo assim, a percepção global da escola se dá pelos vários espaços que, relacionados pela função, proximidade ou circulação, compõem o edifício. A circulação, enquanto elemento arquitetônico linear e organizador do conjunto arquitetônico é o principal elemento que emite clareza ao conjunto edificado. Da mesma forma que o pátio como espaço intermediário e articulador entre diferentes setores do edifício, apresentou-se como um lugar comum e de encontro, especificamente na escola onde foram entrevistados os deficientes físicos, a articulação se dá mais claramente. Quanto à delimitação do espaço, se torna claro a compreensão da sua forma geométrica pelos deficientes. No caso dos cegos, os planos verticais na maquete, quando agrupados, adquirem uma forma com funções específicas, caracterizando um determinado ambiente da mesma maneira em que a delimitação é percebida nos desenhos mentais, através das linhas horizontais no papel. A presença de aberturas nos planos da maquete não enfraqueceu o sentido de fechamento do espaço, permanecendo a forma intacta e perceptível. Figura 5. Esquema ilustrando a síntese das duas percepções (deficientes físicos e visuais). Fonte: autora. Constata-se assim que a legibilidade do ambiente construído, sob a ótica dos deficientes físicos e visuais, é proporcionada pelas simplificações da organização espacial e da forma geométrica, da mesma forma que a presença de elementos arquitetônicos lineares como a circulação são importantes na compreensão da relação entre os diversos ambientes do edifício. 4. Conclusão Os resultados desse estudo mostraram que a presença de quatro planos verticais delimitando o espaço tem um impacto importante na percepção dos deficientes físicos e visuais. A princípio, entende-se que, quanto mais simples a forma geométrica e a estrutura de composição arquitetônica, mais legível será o edifício para os deficientes. Dessa forma, a circulação, como partido arquitetônico, é um elemento importante para a compreensão e articulação entre os diversos ambientes do objeto arquitetônico. Ao contrário, os blocos isolados dificultam a compreensão do todo. Por fim, sugere-se que sejam realizadas novas pesquisas a fim de se ampliar o conhecimento e o debate sobre o assunto, incluindo diferentes edifícios de composições arquitetônicas variadas, com o intuito de reafirmar ou não as considerações deste trabalho.
7 Revista Tecnológica 16: 37-43, Sobretudo, faz-se importante o reconhecimento dos elementos arquitetônicos mais facilmente percebidos pelos deficientes a partir de suas vivências espaciais. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, CAMBIAGHI, S. Desenho Universal: Métodos e Técnicas para arquitetos e urbanistas. São Paulo: Senac, CHING, F. D. K. Arquitetura, Forma, Espaço e Ordem. São Paulo: Martins Fontes, DUARTE, C. R. S. ; COHEN, R. O Ensino da Arquitetura Inclusiva como Ferramenta par a Melhoria da Qualidade de Vida para Todos. In: PROJETAR (Org.). Projetar: Desafios e Conquistas da Pesquisa e do Ensino de Projeto. Rio de Janeiro: Virtual Científica,2003, p TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: A Perspectiva da Experiência. Tradução: Lívia de Oliveira, São Paulo: Difel, Topofilia: Um estudo da percepção, atitudes e valores do Meio Ambiente. Tradução: Lívia de Oliveira, São Paulo: Difel, LYNCH, K. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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