Saem os BRICS entram os MINT: afinal, o que são os BRICS?
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- Valentina Fagundes Silveira
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1 44 COMÉRCIO EXTERIOR Saem os BRICS entram os MINT: afinal, o que são os BRICS? Lia Valls Pereira Jim O Neill, o criador do acrônimo BRIC (que depois virou BRICS com a inclusão da África do Sul), identificou um novo grupo entre os países em desenvolvimento: MINT (México, Indonésia, Nigéria e Turquia). Da mesma forma que o BRIC, os países MINT foram escolhidos porque se espera que trilhem uma trajetória de taxas elevadas de crescimento que os levaria ao grupo das 15 maiores economias do mundo em O maior salto seria o da Nigéria que passaria da 39 a posição para a 13 a no ranking dos PIBs (Produto Interno Bruto) de todos os países do mundo, conforme mostra o quadro BRIC e MINT. No momento surgem dúvidas quanto às projeções sobre os BRICS. Todos os países do grupo passam por um momento de menor crescimento e enfrentam uma agenda de reformas para que seja assegurada a previsão de O Neill. País BRIC e MINT: ascensão dos PIBs Posição em 2012 Posição em 2050 China 2 1 Brasil 7 5 Rússia 8 6 Índia 10 3 Turquia México 14 8 Indonésia 16 9 Nigéria Fonte:
2 COMÉRCIO EXTERIOR 45 O nosso foco não é se as previsões sobre os BRICS ou os MINT estão corretas. Uma das principais contribuições desses acrônimos foi a de ressaltar algo que os estudiosos sobre os países em desenvolvimento já chamam a atenção há muito tempo: os países em desenvolvimento não formam um grupo homogêneo e possuem características econômicas, sociais e culturais que levam a diferentes caminhos na trilha para o crescimento. Além disso, ao agrupar Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países com regimes políticos distintos (a China não é uma democracia), pesos políticos diferenciados no cenário mundial (dois países pertencem ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e três são potências nucleares), trajetórias históricas muito diferentes, sendo que algumas de conflitos, O Neill estimulou uma agenda de pesquisas sobre: o que são os BRICS? Para ser precisa, a agenda ganhou força quando os países passam a identificar possíveis interesses comuns. Assim, em 2006, os países realizam sua primeira reunião como grupo BRIC. E, depois irão criar um mecanismo institucional de encontros por meio das reuniões de Cúpulas. No ano de 2011, a África do Sul entrou no grupo que passou a se chamar BRICS. Os países em desenvolvimento não formam um grupo homogêneo e possuem características econômicas, sociais e culturais que levam a diferentes caminhos ao crescimento Existe uma vasta literatura sobre o papel dos BRICS e não há consenso sobre o que os Gráfico 1: participação (%) no PIB mundial BRICS África do Sul Rússia Índia China Brasil Fonte: FMI. Obs.: 2013 e 2018 são projeções do FMI
3 46 COMÉRCIO EXTERIOR Todos os BRICS desejam uma ordem na qual possam ter maior poder de decisão (voto) e que acomode com um maior grau de liberdade a autonomia das políticas nacionais BRICS representam. A nossa perspectiva é que os BRICS, apesar de suas diferenças econômicas, sociais e culturais, trouxeram algumas novas questões e reforçam velhas questões relativas a desenvolvimento econômico, governança global. A seguir destacamos algumas questões. 1 participação. Os outros países registram aumentos de participação, mas a partir de 2012 muda o comportamento. O ritmo do crescimento diminui e pela previsão do FMI até 2018, cai a participação do Brasil, da Índia e da África do Sul, que mantém os mesmos percentuais de 2012, e apenas crescem os percentuais da Rússia e da China. Logo, a primeira velha questão sobre os determinantes do crescimento econômico: o que levou ao otimismo do grupo BRICS e o que mudou após 2012? As histórias dos países são diferentes, mas têm em comum uma agenda de reformas que assegure uma nova etapa Importações agrícolas Exportações agrícolas de expansão. Algumas são peculiares a cada país, como o estímulo ao consumo na China, o aumento do investimento no Brasil, redução da desigualdade de renda na Índia e África do Sul. Em cada caso, são discutidas questões relativas ao desenho das políticas públicas (previdência social, sistema educacional e de saúde, construção da infraestrutura), políticas industriais e de inovação. Como assegurar que os países passem do grupo de renda média para renda média alta e renda alta são questões que o intercâmbio de ideias e de estudos entre os países BRICS pode estimular. O conceito BRICS ajuda como mecanismo Gráfico 2: participação (%) dos BRICS nos fluxos mundiais Os BRICS na economia e comércio mundial A pesquisa econômica sobre os BRICS tende a enfatizar as diferenças entre os países, como a participação no PIB mundial. Entre 2000 e 2012, a participação dos BRICS no PIB mundial passou de 8,3% para 20,4% (gráfico 1). No entanto, somente a China explica mais da metade dessa Importações de manufaturas Exportações de manufaturas Importações de mercadorias Exportações de mercadorias Fonte:
4 COMÉRCIO EXTERIOR 47 de análise e intercâmbio de experiências entre os países. No comércio mundial, os resultados dos BRICS impressionam, mas novamente a China lidera com vários pontos percentuais acima dos outros países. Assim, a participação dos BRICS nas exportações mundiais passou de 7,5% para 17,4% em 13 anos, sendo que, na China, o aumento foi de 3,9% para 11%. Observa-se que exceto a África do Sul, todos aumentam sua participação, mas de forma modesta na comparação com a China: Brasil de 0,9% para 1,3%; Índia de 0,7% para 1,6%; e Rússia de 1,6% para 2,9%. O gráfico 2 mostra que em todos os principais grupos de exportações e importações, o percentual dos BRICS aumentou. No grupo dos agrícolas, a contribuição do Brasil foi importante, pois a participação do país nas exportações agrícolas mundiais passou de 2,8% para 5,2%, entre 2000 e Registra-se, porém, que também os outros países contribuíram para esse aumento: China (3% para 4%); Índia (1,1% para 2,6); e Rússia (1,4% para 1,9%). As exportações de manufaturas explicam 65% das exportações mundiais e as agrícolas, 9,2% (ano 2012). Logo o crescimento da parti- Os BRICS se colocam no desenho de uma nova ordem multipolar, o que seria um fato novo na história mundial do capitalismo, que tendeu sempre a se organizar em sistemas unipolares ou bipolares África do Sul Rússia Gráfico 3: participação (%) nas exportações mundiais de manufaturas China Índia Brasil Fonte: cipação de um país no comércio mundial requer melhor desempenho das manufaturas. Nesse caso, como mostra o gráfico 3, a distância da China para os seus parceiros BRICS é marcante. Além disso, somente a Índia tem uma participação acima de 1%. O Brasil se mantém estagnado em 0,7%, assim como a África do Sul (gráfico 3). Exportações e importações tendem a caminhar juntas, como mostra o aumento da participação das importações de manufaturas pela China no gráfico 4. A baixa participação nas importações de manufaturas dos outros BRICS está de acordo com o desempenho das suas exportações.
5 48 COMÉRCIO EXTERIOR Os BRICS atuam em conjunto, quando identificam questões comuns, no diálogo com outros países, em especial, no tema da nova governança global. Em geral são proposições genéricas, mas que têm ampla divulgação O que mostram os dados? Novamente que se formos procurar similaridades nos indicadores econômicos para concluirmos que os BRICS podem formar um grupo coeso, estaríamos com dificuldades. Mecanismos de cooperação e troca de experiências entre países não exigem indicadores econômicos similares. Os BRICS, exceto a Rússia de alguma forma, possuem em comum o tema da superação do em desenvolvimento para uma etapa de país consolidado como desenvolvido. Podem ser identificadas três linhas gerais de análise sobre esse tema. A primeira considera que os BRICS não possuem e não querem (caso da China) exercer liderança na reforma do sistema multilateral. Estão interessados em demandas específicas e, além disso, não têm interesses comuns. Na Organização Mundial do Comércio o exemplo citado é a defesa da liberalização agrícola e a postura defensiva do Brasil na abertura para os mercados industriais versus o protecionismo agrícola indiano e chinês, além da demanda por acesso a mercados industriais da China. China África do Sul Rússia A segunda postula que existem interesses comuns na reforma do sistema multilateral. Todos os BRICS desejam uma ordem na qual possam ter maior poder de decisão (voto) e que acomode com um maior grau de liberdade a autonomia das políticas nacionais. Por exemplo, mais flexibilidade na interpretação do que são subsídios industriais e nas leis de propriedade intelectual. A terceira enfatiza que qualquer reforma no sistema multilateral terá agora que levar em conta os interesses dos BRICS, configurando um sistema multipolar. Aqui fica a dúvida: qual é a capacidade Gráfico 4: participação (%) nas importações mundiais de manufaturas Índia Os BRICS no tema da governança global Podem os BRICS influenciar a reforma das instituições multilaterais econômicas e políticas? Brasil Fonte:
6 COMÉRCIO EXTERIOR 49 dos BRICS atuarem de forma conjunta? A nova questão que os BRICS colocam é, portanto, no desenho de uma nova ordem multipolar, o que seria um fato novo na história mundial do capitalismo, que tendeu sempre a se organizar em sistemas unipolares ou bipolares. Aqui o debate se direciona para a questão da possível hegemonia da China, o que vai além do campo de estudo dos BRICS. Em adição, indica que a reforma do sistema multilateral de governança criado no pósguerra terá que acomodar os novos emergentes, embora ainda não sejam claras as suas demandas, além do maior poder de voto e estabelecimento de regras que atendem ao interesse de países que estão numa trajetória de desenvolvimento. O que são os BRICS? Os BRICS não formam um bloco econômico. O único mecanismo institucional que os une até o momento são as Cúpulas anuais. A primeira foi em 2009 na cidade de Ecateremburgo (Rússia), seguida de quatro Cúpulas: Brasília, Brasil (2010); Sanya, China (2011); Nova Deli, Índia (2012); e Durban, África do Sul (2013). A Cúpula de 2014 será em Fortaleza, Brasil, sem data definida. As declarações divulgadas após cada Cúpula mostram sempre o compromisso dos países com a reforma do sistema multilateral e o compromisso com a melhora dos indicadores econômicos e sociais dos países. Os BRICS, portanto, possuem um diálogo interno de cooperação que resultou na proposta de criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS que irá operar em projetos de infraestrutura. Ressalta-se, porém, que ainda não foram definidos os critérios de operação do banco, logo sua existência não está confirmada. Os BRICS atuam em conjunto, quando identificam questões comuns, no diálogo com outros países, em especial, no tema da nova governança global. Em geral são proposições genéricas, mas que têm ampla divulgação. E m su m a, o c onceito BR ICS saiu da esfera do campo econômico em termos de crescimento do PIB e passou a ser utilizado como categoria de análise para trajetórias de desenvolvimento. As distintas experiên cias dos países com resultados também heterogêneos (a história não é tão simples como O Neill pensou) têm estimulado uma vasta literatura sobre as armadilhas do desenvolvimento econômico e social. Além de ser uma categoria de análise, porém, o diálogo intra-bcris e dos BRICS para fora do grupo O conceito BRICS saiu da esfera do campo econômico em termos de crescimento do PIB e passou a ser utilizado como categoria de análise para trajetórias de desenvolvimento pode ser um mecanismo de cooperação relevante para os países e para a governança global. É preciso, porém, adensar o conteúdo das propostas e priorizar os temas para que as Cúpulas BRICS não se resumam a um encontro, que embora ajude os governos e as sociedades a se conhecerem, rendam apenas manchetes de jornais durante as suas realizações. Lia Valls Pereira é economista da Economia Aplicada da FGV/IBRE e professora adjunta da Uerj. 1 Para uma análise sobre artigos acadêmicos sobre os BRICS ver Os BRICS em revisão de literatura de Monica Hertz e Antônio Dutra, Working Paper, abril BRICS Policy Center, Rio de Janeiro.
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