A IDENTIDADE DO AUTOR NEGRO NO CONTO ADVERSÁRIO ÍNTIMO DE ADEMIRO ALVES
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- Thalita Pinho Castro
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1 A IDENTIDADE DO AUTOR NEGRO NO CONTO ADVERSÁRIO ÍNTIMO DE ADEMIRO ALVES Rafaella de Queiroz Mendes (Letras-IC/UEL) 186 Maria Carolina de Godoy (UEL/CNPq/Fundação Araucária) RESUMO O presente artigo é resultado dos estudos desenvolvidos nas reuniões e orientações do projeto de pesquisa Literatura afro-brasileira e sua difusão em rede. Procuramos analisar o conto Adversário Íntimo de Ademiro Alves (Sacolinha), obtendo enfoque na temática da busca pela construção da identidade das personagens do conto. Como pressupostos teóricos, utilizaram-se os estudiosos Eduardo de Assis Duarte (2011), Maria Nazareth Soares Fonseca (2011) e Octávio Ianni (2011), porque contribuem para os estudos da afro-brasilidade presente no conto. A respeito das personagens foram utilizados para pesquisa os seguintes estudos: A personagem de Beth Brait (1985) e A personagem de ficção de Antonio Candido (1970). A leitura de Stuart Hall (2000) foi realizada para buscar compreender a identidade da personagem negra na narrativa. PALAVRAS-CHAVE: identidade; literatura afro-brasileira. 186 Bolsista de Iniciação Científica/UEL participante do projeto Literatura afro-brasileira e sua divulgação e rede financiado pela Fundação Araucária-PR e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 898
2 INTRODUÇÃO O objetivo desse artigo é expor resultados parciais da pesquisa desenvolvida no projeto Representações da personagem negra em contos de Cadernos Negros a respeito da construção da identidade das personagens no conto Adversário íntimo, de Ademiro Alves (Sacolinha), publicado em 2011 nos Cadernos Negros, volume 34, evidenciando alguns trechos da narrativa em que é possível a reflexão do conceito de literatura afrobrasileira. A literatura negra ou literatura afro-brasileira são termos que, para alguns críticos e teóricos, descrevem a literatura escrita por um autor negro que busque expor em seus textos uma espécie de resgate sobre a cultura e ideias dos afro-brasileiros e/ou negros, como também é uma literatura produzida por um autor ou autora que se assuma propriamente negro. Para Maria Nazareth Soares Fonseca em seu artigo Literatura negra, literatura afro-brasileira: como responder à polêmica? inserido no livro Literatura afrobrasileira (2006) organizado por Florentina Souza e Maria Nazaré Lima, editado pela Fundação Cultural Palmares e disponível no site do Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, apesar de muitos teóricos e escritores do Brasil e dos Estados Unidos, entre outros, considerarem os termos mencionados excludentes porque não levam em conta a cultura de um modo geral, [...] outros teóricos reconhecem que a particularização é necessária, pois quando se adota o uso de termos abrangentes, os complexos conflitos de uma dada cultura ficam aparentemente nivelados e acabam sendo minimizados. Nessa lógica, o uso da expressão literatura brasileira para designar todas as formas literárias produzidas no Brasil não conseguiria responder à questão: por que grande parte dos escritores negros ou afro-descendentes não é conhecida dos leitores e os seus textos não fazem parte da rotina escolar? (FONSECA, 2006, p.12) Nessa mesma perspectiva Eduardo de Assis Duarte, em seu artigo Literatura afro-brasileira: um conceito em construção, disponível no site literafro da UFMG, propõe alguns critérios para a adoção da denominação literatura afro-brasileira: temática, autoria, linguagem e público leitor. Segundo ele, deve haver interação desses elementos no texto, todos relacionados ao negro, e não serem tratados de forma isolada. Assim ele inicia seus argumentos em defesa desse conceito: 899
3 No alvorecer do século XXI, a literatura afro-brasileira passa por um momento extremamente rico em realizações e descobertas, que propiciam a ampliação de seu corpus, tanto na prosa quanto na poesia, paralelamente ao debate em prol de sua consolidação acadêmica enquanto campo específico de produção literária distinto, porém em permanente diálogo com a literatura brasileira tout court. Enquanto muitos na academia ainda indagam se a literatura afro-brasileira realmente existe e assinalemos aqui até mesmo a perversidade de uma pergunta que às vezes não deseja ouvir resposta, a cada dia a pesquisa nos aponta para o vigor dessa escrita: ela tanto é contemporânea, quanto se estende a Domingos Caldas Barbosa, em pleno século XVIII; tanto é realizada nos grandes centros, com dezenas de poetas e ficcionistas, quanto se espraia pelas literaturas regionais, a nos revelar, por exemplo, uma Maria Firmina dos Reis escrevendo, em São Luiz do Maranhão, o primeiro romance afro-descendente da língua portuguesa Úrsula no mesmo ano de 1859 em que Luiz Gama publica suas Trovas burlescas... Enfim, essa literatura não só existe como se faz presente nos tempos e espaços históricos de nossa constituição enquanto povo; não só existe como é múltipla e diversa. (DUARTE, 2011, p.1) Adversário íntimo é o conto de abertura do livro Cadernos Negros: contos afro-brasileiros, volume 34, publicado em 2011 e conta a história de dois escritores, Yendis e Mano Mochila. O primeiro adota uma postura que transmite aos leitores a ideia de produzir uma literatura negra, enquanto o segundo assegura produzir apenas literatura. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Há debates acerca das expressões literatura negra e literatura afrobrasileira e alguns escritores oferecem resistência aos termos, pois acreditam que há uma limitação à sua produção literária, enquanto outros afirmam que elas atribuem mais valor à sua produção, uma vez que os termos identificam e caracterizam as nuances dessa literatura. Essa literatura é considerada por estudiosos do cânone literário uma literatura de margem, pouco divulgada e difundida no meio literário, por se tratar de uma literatura de autores, conforme aponta Maria Nazareth Soares Fonseca, não eleitos pela crítica: Nesse sentido, é importante ressaltar que o poder de escolha está nas mãos de grupos sociais privilegiados e /ou especialistas os críticos. São eles que acabam por decidir que autores devem ser lidos e que textos devem fazer parte dos programas escolares de literatura. Por isso, vale a pena aprofundar um pouco mais a discussão sobre a dificuldade de nomeação da arte e da literatura produzida por autores não eleitos pela crítica. (FONSECA, 2006, p. 12). Assim, essas discussões são importantes para levantar respostas dos motivos pelos quais acontece essa exclusão por parte da sociedade. Autores e autoras negras aparecem 900
4 muito pouco no meio literário, apesar de virem ganhando mais espaço devido à motivação de pesquisas atreladas a esse meio, no entanto ainda é pouco, ou quase nada, se compararmos ao espaço de um cânone literário branco eurocêntrico. Ao destacar o depoimento de Ironides Rodrigues, intelectual anterior ao Quilombhoje, dado a Luiza Lobo, o professor e pesquisador Eduardo de Assis Duarte diz que: A literatura negra é aquela desenvolvida por autor negro ou mulato que escreva sobre sua raça dentro do significado do que é ser negro, da cor negra, de forma assumida, discutindo os problemas que a concernem: religião, sociedade, racismo. Ele tem que se assumir como negro. (DUARTE, 2011, p. 377). Consideramos literatura afro-brasileira, de acordo com os pressupostos de Eduardo de Assis Duarte (2011, p.385), aquela em que há elementos identificadores: voz autoral afrodescendente, temas afro-brasileiros, linguagem marcada por uma afro-brasilidade e, principalmente, um lugar de enunciação identificado à afrodescendência. Em nossa literatura, de forma geral, encontramos poucas obras em que o protagonista seja um negro, possua uma condição de vida confortável e não seja retratado como um contraventor. Infelizmente há essa representação da personagem negra desqualificada e inferiorizada na literatura. Regina Dalcastagné (2011, p.309) escreveu um artigo a respeito da personagem negra na literatura brasileira contemporânea e traz aos leitores dados numéricos da representação do negro, após a leitura de 258 romances publicados entre os anos de 1990 e 2004 por três editoras do país. Segundo a autora: A literatura contemporânea reflete, nas suas ausências, talvez ainda mais do que naquilo que expressa, algumas das características centrais da sociedade brasileira. É o caso da população negra, que séculos de racismo estrutural afastam dos espaços de poder e de produção de discurso. (DALCASTAGNÉ, 2011, p. 309). Para Dalcastagné (2011, p.309), os dados do resultado da pesquisa apresentam uma baixa presença da população negra entre personagens além de sua representação estereotipada. Essa representação estereotipada dos negros é mais alarmante quando a autora apresenta os dados de todos os romances analisados, em que é possível encontrar a personagem negra no papel de bandidos e contraventores. Outras categorias apresentam números mais significativos como: empregado(a) doméstico(a), escravos e profissional do sexo. 901
5 O escritor afro-brasileiro cria a personagem e procura retratar a condição de violência e discriminação pela qual passam os negros, tema que aparece nos contos estudados. Para Octávio Ianni (2011, p.184), o negro é o tema principal da literatura negra. Sob muitos enfoques, ele é o universo humano, social, cultural e artístico de que se nutre essa literatura. É importante para esse estudo os conceitos sobre personagens, esses seres de papel, que apesar de serem criadas pelo escritor, são pinçadas da realidade do mundo. Quanto à personagem, Antonio Candido expõe: [...] ela é criada, é estabelecida e racionalmente dirigida pelo escritor, que delimita e encerra, numa estrutura elaborada, a aventura sem fim que é, na vida, o conhecimento do outro. Daí a necessária simplificação, que pode consistir numa escolha de gestos, de frases, de objetos significativos, marcando a personagem para a identificação do leitor, sem com isso diminuir a impressão de complexidade e riqueza. (CANDIDO, 1970, p.48) A personagem negra retratada por autor afro-brasileiro adquire contornos específicos da problemática que envolve a condição do ser negro no Brasil. No conto estudado, a importância de assumir (ou não) a voz autoral negra é destacada e a construção da identidade vincula-se à sua representação na escrita literária. [...] a identidade está profundamente envolvida no processo de representação. Assim, a moldagem e a remoldagem de relações espaço-tempo no interior de diferentes sistemas de representação têm efeitos profundos sobre a forma como as identidades são socializadas e representadas. (HALL, 2000, p.71). Considerando os pressupostos teóricos aqui expostos e as reflexões a respeito da literatura afro-brasileira e das personagens, cabe agora descrever essa identidade negra da personagem do conto a ser analisado de Ademiro Alves. Análise do corpus O conto de Ademiro Alves (Sacolinha) centra-se no enredo de dois personagens que são escritores, Yendis, um homem intelectual, bacharel em Letras e também graduado em Direitos Humanos. Foi na universidade que se envolveu com o movimento negro no Brasil por meio da literatura. 902
6 Yendis demonstra ser um personagem do início ao fim do conto muito invejoso e esse é seu pior defeito. Ele não aceita o sucesso ou reconhecimento de ninguém a sua volta e com isso sua família e amigos acabam se afastando. O outro personagem do conto é Mano Mochila, envolvido com a literatura desde muito novo, gostava de escrever, homem trabalhador, o pagamento da faculdade e o sustento da mãe dos irmãos tirou da venda de salgados e pipocas. Na época que trabalhava com essas vendas, Mano Mochila vivia de papo pra cima das mulheres que compravam suas balas e ficavam na fila aguardando o ônibus. Até nisso atacava de poesia (ALVES, p.21) recitando Gonçalves Dias, Solano Trindade e Castro Alves. Castro Alves expõe em seus poemas o sofrimento dos escravos e condena o comércio de africanos como escravos e Gonçalves Dias é um grande poeta presente no romantismo brasileiro e também intérprete do indianismo. Solano Trindade, por sua vez, foi um dos primeiros autores afro-brasileiros a escrever em suas poesias sobre a condição do negro do ponto de vista do negro e retratou em suas poesias temas que envolvem problemas sociais e o orgulho de ser negro, como podemos ver na sua poesia Sou Negro : Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs Contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu. (TRINDADE, 2008, p.42) Ressaltamos a linguagem que Solano Trindade usou nessa poesia, como atabaque, gonguê e agogô que são instrumentos musicais de origem afro-brasileira: 903
7 A linguagem é, sem dúvida, um dos fatores instituintes da diferença cultural no texto literário. Assim, a afro-brasilidade tornar-se-á visível também a partir de um vocabulário pertencente às práticas linguísticas oriundas de África e inseridas no processo transculturador em curso no Brasil. (DUARTE, 2011, p. 394). Esse conto possui o tema da afirmação identitária pela palavra escrita e põe em discussão o significado de ser autor negro. O personagem Yendis, que se diz militante, sente inveja de seu amigo Mano Mochila. Eles se conheceram durante o coletivo de escritores negros e afrodescendentes que ambos participavam. Yendis, logo que Mano Mochila entra para o grupo, já se sentiu incomodado. De início era apenas isso, porém com o tempo e a ascensão do antigo novato a inveja surgiu. Uma vez que a inveja por parte do advogado surgiu, as implicâncias começaram e, nas reuniões do grupo, Yendis fazia de tudo para inferiorizar o ex-ambulante. O ápice se deu quando Mano Mochila recebeu um ofensivo. Certa manhã, Mano Mochila recebeu um truculento e preconceituoso. Isso aconteceu depois que afirmara sem receios, numa reunião do grupo, que ele fazia literatura e pronto, não era literatura negra, marginal, y ou z. Que os leitores nomeassem, mas ele fazia apenas literatura. (ALVES, 2011, p.22) Cabe aqui o levantamento dos conceitos teóricos anteriormente expostos a respeito da literatura negra ou literatura afro-brasileira. Ficou evidente que em ambas as expressões é uma literatura produzida por autores que assumam ideologicamente a afrodescendência, escrevem sobre a sua raça, cultura, sobre o contexto que cerca o homem e a mulher negros. Depois dessa afirmação, Mano Mochila preferiu se afastar de forma voluntária do grupo, pois não aceitava, e muito menos suportava os olhos de desprezo, arrogância, raiva que Yendis lhe desferia. Passados alguns anos se encontraram numa noite de entrega do Prêmio Cruz e Souza, que destacava escritores negros pelo conjunto da obra ou por algum livro relevante para a sociedade negra (ALVES, 2011, p.23). Yendis estava confiante na vitória. Logo avistou Mano Mochila e sentiu-se incomodado a princípio, mas depois percebeu o quanto seria bom que ele visse a sua glória. 904
8 Estava equivocado, pois o vencedor do prêmio naquela noite foi Mano Mochila. Quando anunciaram este vencedor, o bacharel em Letras não acreditou naquilo que via, pois tinha certeza de que seria o merecedor pela literatura que fazia. A surpresa maior estava por vir, quando Mano Mochila subiu ao palco e disse que se sentia imensamente grato, mas que havia escritor muito mais negro que ele e com uma literatura negra de verdade. (ALVES, 2011, p.25). Retomando o conceito de Ironides Rodrigues, a literatura negra de verdade a qual Mano Mochila se refere, é a literatura produzida por Yendis, que afirmava produzir a literatura negra, ou seja, se identificava e se assumia negro. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse conto é possível identificar o que seria a luta de muitos escritores para a valorização da literatura negra, as divergências existentes entre eles no que tange a esse conceito e o modo como afirmam sua identidade. A caracterização das personagens evidencia traços individuais que, muitas vezes, sobressaem no espaço coletivo das discussões sobre o tema da negritude e provocam divergências quanto à importância da representação da escrita de autores negros. 905
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, A. Adversário íntimo. In: RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Márcio (Org.). Cadernos negros: contos afro-brasileiros. São Paulo: Quilombhoje, Vol. 34 BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo: Ática, CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, DALCASTAGNÉ, Regina. A personagem negra na literatura brasileira contemporânea. In: DUARTE, Eduardo de Assis e FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.). Literatura e Afrodescendência no Brasil Antologia crítica: história, teoria, polêmica. Belo Horizonte: UFMG, DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura afro-brasileira. In:DUARTE, Eduardo de Assis e FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.). Literatura e Afrodescendência no Brasil Antologia crítica: história, teoria, polêmica. Belo Horizonte: UFMG, FONSECA, Maria Nazareth Soares. Literatura negra, literatura afro-brasileira: como responder à polêmica? In: SOUZA, Florentina; LIMA, Maria Nazaré. (Org). Literatura afrobrasileira. Salvador: Centro de estudos afro-orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, Literatura Negra Os sentidos e as ramificações. In: DUARTE, Eduardo de Assis e FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.). Literatura e Afrodescendência no Brasil Antologia crítica: história, teoria, polêmica. Belo Horizonte: UFMG, HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 4ª. Rio de Janeiro: DP&A, IANNI, Octávio. Literatura e Consciência. In: DUARTE, Eduardo de Assis e FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.). Literatura e Afrodescendência no Brasil Antologia crítica: história, teoria, polêmica. Belo Horizonte: UFMG, TRINDADE, Solano. O poeta do povo. São Paulo: Ediouro; Segmento Farma,
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