EVOLUÇÃO SOCIAL E TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO DOMÉSTICO NO BAIRRO SOCIAL DO ARCO DO CEGO EM LISBOA
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1 EVOLUÇÃO SOCIAL E TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO DOMÉSTICO NO BAIRRO SOCIAL DO ARCO DO CEGO EM LISBOA UM ESTUDO DE UM QUARTEIRÃO DE HABITAÇÕES UNIFAMILIARES REABILITADAS Resumo Alargado. Cristina Neyra Brandão de Vasconcelos. Maio 2010
2 RESUMO ALARGADO Evolução social e transformação do espaço doméstico no Bairro Social do Arco do Cego em Lisboa: um estudo de um quarteirão de habitações unifamiliares reabilitadas. Esta dissertação visa explorar o modo como a organização do espaço doméstico se adapta às necessidades dos seus utilizadores. O trabalho desenvolve-se no âmbito das relações entre concepção arquitectónica e vivência do espaço. O objecto de estudo incide sobre habitações unifamiliares em contexto urbano, tendo como estudo de caso um quarteirão do Bairro Social do Arco do Cego em Lisboa (BSAC). OBJECTIVOS O objectivo principal desta dissertação é estudar as transformações ocorridas na organização do espaço doméstico quando sujeito a processos de reabilitação. Para o desenvolvimento do trabalho seleccionou-se como área de estudo o BSAC em Lisboa, e como objecto de estudo catorze habitações unifamiliares localizadas num quarteirão deste bairro, que foram alvo de reabilitação. Este bairro foi projectado como o primeiro Bairro Social de Lisboa e estas habitações, com aproximadamente oitenta anos, foram alvo de processos de reabilitação por parte dos seus utilizadores, constituindo à partida um objecto adequado para o estudo que se pretende elaborar. Sendo habitações unifamiliares em regime de propriedade privada, estas permitem um maior grau de liberdade de alterações espaciais. Inicialmente a maioria das habitações correspondia à tipologia T2 e albergava famílias nucleares tradicionais. Actualmente a constituição dos agregados familiares apresentam uma maior variedade: jovens casais, idosos, solteiros, viúvos, casais com ou sem filhos, divorciados com ou sem filhos. Este facto aliado às capacidades económicas dos actuais moradores tem resultado, inevitavelmente, na transformação das habitações. Com base na comparação da organização espacial de diferentes habitações unifamiliares e tendo em atenção o seu projecto inicial e o seu estado actual pretende-se: 1. Identificar as transformações ocorridas em termos de configuração espaço-funcional. 2. Avaliar a resposta do espaço habitacional face às solicitações e expectativas dos seus actuais utilizadores. 3. Reflectir sobre a organização actual do espaço doméstico e utilizar a informação obtida em novos projectos de forma a antecipar problemas funcionais. ENQUADRAMENTO TEMÁTICO O tema da dissertação decorre do facto do espaço doméstico responder a um conjunto de solicitações que se alteram no tempo. Estas mudanças de âmbito social traduzem-se na organização e nos usos do espaço doméstico, ou seja, no espaço físico da habitação. 1
3 Com efeito, o século XX é o século das grandes mudanças sociais. Não só surgem novos grupos (casais sem filhos; grupos que habitam juntos sem laços familiares; uniões livres; maior número de pessoas morando sós, famílias monoparentais, etc.) como, em particular, a unidade de família nuclear, é sujeita a alterações: redução do agregado familiar (redução da taxa de natalidade), igualdade entre os sexos, enfraquecimento da autoridade parental e uma maior autonomia de cada um dos seus membros, com particular destaque para a modificação do papel da mulher em casa. Verificam-se ainda outros factores com influência directa na mudança dos hábitos domésticos, nomeadamente: a diversidade de horários de trabalho; o aumento de um nível de acesso à cultura e à informação; o aumento da mobilidade dos agregados (mudança de habitação com maior regularidade) implicada por uma tendência, provavelmente crescente, de mobilidade nos postos de trabalho e as vezes mesmo de profissão; a melhoria da higiene corporal, culto do corpo ; a generalização do automóvel; a maior diversidade socio-cultural do agregado familiar (exemplo, emigrantes de fora de Europa), entre outros. Assiste-se a uma tendência para o individualismo nas relações sociais e a uma valorização das condições de conforto doméstico através do recurso à incorporação da tecnologia dentro do espaço doméstico. Apesar destas alterações, observa-se, contudo, que as respostas actualmente oferecidas pelo mercado imobiliário continuam a seguir preferencialmente uma configuração espacial baseada no modelo burguês oitocentista, adaptado desde o principio do século XX ao modelo proposto pelo movimento moderno. Mas será que este modelo se adequa aos hábitos e modos de vida contemporâneos da população urbana? Este modelo está em evolução? É inevitável uma reorganização do espaço doméstico? Existe um só tipo de habitação, ou pelo contrário existem vários tipos? Com esta dissertação pretende-se assim contribuir para o conhecimento das actuais solicitações face à organização do espaço doméstico e deste modo constituir um ponto de partida para promover a qualidade da habitação projectada, tanto em programas de reabilitação como em nova construção. Se inicialmente a habitação era entendida como um espaço de simples protecção a agentes externos: efeitos meteorológicos, ataque de terceiros, entre outros, ao longo dos tempos foi ganhando uma conotação mais pessoal, como lugar próprio de um indivíduo, onde este tem a sua privacidade e onde a parte mais significativa da sua vida íntima se desenrola. Deste modo, a importância de projectar espaços domésticos adequados é essencial para qualidade de vida, pois afinal cada dia positivamente vivido num mundo doméstico humanizado e envolvente é algo que provavelmente não tem preço. (Baptista Coelho (2005), Casa Envolventes e Vivas (I), Infohabitar, 11 de Setembro de 2005) METODOLOGIA A metodologia aplicada nesta dissertação integrou quatro fases: 1º. Abordagem Teórica. Através de pesquisa documental e levantamento bibliográfico, procedeu-se à recolha de informação sobre conceitos relacionados com a habitação e espaços domésticos. Para o conhecimento rigoroso destas habitações, procedeu-se à caracterização do Bairro Social do Arco do Cego em Lisboa. Esta caracterização foi realizada com base numa pesquisa e análise documental, com principal enfoque nos decretos-lei e na memória descritiva do projecto em questão. A pesquisa foi aprofundada de forma a ser possível desenvolver uma descrição pormenorizada do quarteirão das moradias em estudo. 2
4 2º. Trabalho de Campo. Foi realizado um levantamento das plantas e do perfil dos moradores iniciais e actuais. Em paralelo, foi realizado um inquérito aos respectivos moradores de modo a permitir uma análise dos usos domésticos actuais e uma posterior comparação com os iniciais. 3º. Análise. A situação inicial e actual das habitações foi posteriormente analisada e comparada, com recurso à aplicação de procedimentos descritivos propostos pelas Sintaxe Espacial (Hillier e Hanson, 1984), complementada por estudos desenvolvidos no Laboratório Nacional de Engenheira Civil (LNEC) no âmbito do programa habitacional. 4º. Considerações finais. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO A dissertação está organizada em três partes principais. A primeira parte integra o capítulo 1 e 2. O capítulo 1 refere a metodologia para o desenvolvimento do caso de estudo, assim como os elementos gráficos de representação utilizados e a forma como o trabalho de campo e a informação recolhida foi organizada Para o cumprimento do objectivo proposto neste trabalho, procurou-se ensaiar uma metodologia que permitisse analisar o uso do espaço doméstico em diferentes habitações, identificando-se nos diversos tipos as relações espaciais que as actividades domésticas estabelecem entre si. O método escolhido para este estudo foi baseado na metodologia da Sintaxe Espacial proposta por Hillier e Hanson (1984). O estudo foi assim realizado com base numa classificação em funções e não nos diferentes compartimentos. Neste sentido foram identificadas em cada compartimento as funções domésticas desenvolvidas a partir de uns inquéritos realizados aos moradores, com base na lista das funções e actividades da habitação, Portas (1969). Trabalho de Campo O quarteirão em estudo é constituído por 20 habitações unifamiliares. Destas, 16 apresentam o mesmo tipo de planta inicial (designadas por Tipo 1) e as outras 4 habitações apresentam uma outra planta inicial igual entre elas, (as quais serão denominadas como Tipo 2). Das vinte habitações que compõem o quarteirão, não foi possível analisar seis: uma está abandonada, outra está desabitada, outra está reconvertida em edifícios de escritório (Sede de Liga de Defesa dos Animais) e em três não foi possível a visita ao interior das respectivas casas. O trabalho de campo desenvolveu-se da seguinte forma: 1. Descrição inicial das habitações, realizada de forma separada para o Tipo 1 e Tipo 2: Plantas iniciais: encontram-se no Arquivo Histórico do Bairro Arco do Cego; Levantamento do agregado familiar: a partir das fichas dos primeiros moradores, que se encontram nos arquivos da sede do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU); Quadro função doméstica / compartimento: a partir de pesquisa documental da época; Relações espaciais: baseado na metodologia da Sintaxe Espacial proposta por Hillier e Hanson (1984) 3
5 2. Descrição actual das habitações. Os 14 casos são apresentados individualmente: Plantas actuais: Levantamento in situ com a cooperação dos actuais moradores. Em alguns casos, as plantas existentes nos ateliês respectivos e no Arquivo Intermédio serviram de grande apoio; Levantamento do agregado familiar: a partir do inquérito realizado aos moradores; Quadro função doméstica / compartimento: a partir do inquérito realizado aos moradores, com base na lista das funções e actividades da habitação, Portas (1969); Relações espaciais: baseado na metodologia da Sintaxe Espacial proposta por Hillier e Hanson (1984); Levantamento dos principais electrodomésticos: com base no inquérito 3. Comparação entre os diferentes casos de estudo da situação actual. A análise comparativa das habitações do Tipo 1 foi realizada separadamente da análise das habitações do tipo Comparação com o caso inicial. A comparação com a situação inicial dos dois tipos de habitação (tipo 1 e tipo 2) foi realizada de forma conjunta. O capítulo 2 caracteriza o Bairro Social Arco do Cego. Num primeiro momento, é feito o enquadramento histórico do bairro: abordam-se os seus antecedentes, bem como a politica da habitação social que teve influência na sua realização. De seguida realiza-se uma descrição do projecto do bairro: aspectos urbanísticos, habitacionais e construtivos, e no último momento, apresentase um levantamento geral da evolução dos respectivos moradores. É um conjunto habitacional importante relativamente à sua inserção urbana, ao programa e às respostas inovadoras dadas na altura da sua construção. O Bairro Social do Arco do Cego (BSAC) constitui a génese da habitação social em Lisboa. Demorou 16 anos a ser construído, desde o seu projecto inicial até à data da sua inauguração em Começou como um grande projecto da primeira República, para responder aos graves problemas habitacionais do proletário urbano, e acabou por se materializar como um empreendimento do Estado Novo. As habitações acabaram por não ser habitadas por operários ou famílias de poucos recursos, mas sim, por militares, funcionários públicos e membros dos sindicatos nacionais. No presente, a população residente encontra-se bem servida no que se refere aos equipamentos colectivos, escolas, espaços públicos e comércio. Fica situado no centro da cidade de Lisboa, sendo servido de estações de metropolitano e comboio na periferia e funciona como uma zona delimitada por uma serie de pontos marcantes exteriores ao bairro: Norte Caixa Geral de Depósitos; Este igreja de São João de Deus e jardins envolventes; Sul Instituto Superior Técnico e o Instituto Nacional de Estatística; Sudoeste - Holliday Inn e a estátua de São José de Almeida. O Bairro apresenta dois tipos de soluções habitacionais, designadamente: as habitações colectivas (prédios com 3 pisos, principalmente) e as habitações unifamiliares (moradias geminadas com dois pisos, geralmente). No que se refere às habitações unifamiliares, que são o objecto do estudo, verificou-se que, inicialmente estas correspondiam à tipologia T2 (com dois ou três pisos) e albergava famílias nucleares tradicionais. Actualmente o número do agregado familiar não só diminui (em média), como a constituição dos mesmos apresentam uma maior variedade: jovens casais, idosos, solteiros, viúvos, casais com ou sem filhos, divorciados com ou sem filhos. Para além da maior diversidade, também se verificaram grandes mudanças sociais no interior destes agregados: enfraquecimento da autoridade parental, maior autonomia de cada um dos seus membros, maior frequência do trabalho profissional feminino que implica alterações no quotidiano doméstico, etc. Este facto aliado às capacidades económicas dos actuais 4
6 moradores tem resultado, inevitavelmente, na transformação das habitações às novas necessidades e condições de vida dos agregados familiares, pelo que estas foram alvo de diferentes graus de intervenção no que respeita à alteração da sua estrutura interna. Na segunda parte procede-se ao estudo de caso, integra o capítulo 3 e 4. No capítulo 3 faz-se uma análise descritiva das diferentes habitações em estudo e divide-se em dois momentos. Num primeiro, seguindo a metodologia proposta no capítulo 1, procede-se à análise da situação inicial. No sentido de descrever a situação inicial das habitações estudadas, as mesmas foram agrupadas em dois diferentes tipos (tipo 1 e tipo 2), de acordo com a organização espacial. Num segundo momento, utilizando os mesmos critérios, procede-se à análise da situação actual das 14 diferentes habitações em estudo, apresentadas independentemente. Nesta análise descritiva, o tipo de elementos gráficos utilizados em cada uma das habitações consistiram, principalmente, em uma planta onde se apresenta a delimitação de cada espaço do fogo e a marcação de todas as ligações existentes entre estes, atribuindo a cada espaço o respectivo sector funcional. O tipo de uso por espaço foi classificado em quatro diferentes sectores (sector social, sector privado, sector de serviços e sector mediador). Os grafos utilizados correspondem a grafos justificados: nos dois primeiros baseiam-se na configuração espaço-funcional e o último refere-se a uma análise sectorial. Esta análise é ainda acompanhada por tabelas que se referem ao tipo e modo de uso da habitação (principais características dos moradores; principais electrodomésticos utilizados; dados relativos à análise sintáctica; funções domésticas realizadas em cada um dos compartimentos com base na lista das funções e actividades da habitação, Portas, (1969)). No capítulo 4 e a partir da análise descritiva realizada no capítulo 3, procede-se à análise comparativa da situação actual das diversas habitações. O capítulo divide-se principalmente em dois momentos. Num primeiro, é feita uma comparação das principais alterações espaciais (a análise das habitações do tipo 1 e do tipo 2 são realizadas de forma separada) e num segundo momento é realizada uma reflexão sobre as relações entre as funções domésticas e os compartimentos actuais (a análise das habitações do tipo 1 e do tipo 2 são realizadas simultaneamente). Numa terceira parte, que corresponde ao capítulo 5, uma vez identificados os principais pontos em comum das situações actuais das diversas habitações, realiza-se uma comparação destes principais pontos com a situação inicial das mesmas. Por último, no capítulo 6, apresentam-se as considerações finais a partir dos dados adquiridos. Nos casos estudados, verificou-se que é viável a reabilitação no sentido de adaptar as habitações às necessidades actuais, sendo a reabilitação entendida como uma intervenção necessária para prolongar a vida útil das mesmas e responder de forma satisfatória aos usos actuais, oferecendo respostas positivas ao cumprimento das exigências colocadas à habitação. O modo de habitar tem vindo a ser alterado ao longo do tempo, o que implicou novas relações entre os sectores funcionais, assim como a introdução destes em diferentes níveis. Porém em muitos dos casos, verifica-se que na organização espacial destas habitações os espaços privados continuam a fazer parte dos níveis mais profundos, enquanto os sociais são os mais acessíveis, encontrando-se o sector de serviços disperso pela habitação. Em alguns casos, a principal modificação verifica-se na relação que estes sectores estabelecem uns com os outros, através ou não de espaços mediadores. Na maioria dos casos, as diferentes habitações continuam a adoptar uma configuração em árvore, sendo uma organização que induz uma forma de circulação controlada 5
7 quer no interior do espaço doméstico, quer em relação ao exterior. Estas necessidades são acompanhadas por novas exigências a nível de novos espaços para determinadas funções domésticas. De forma geral, na maioria dos casos as habitações apresentam uma configuração compartimentada constituída por espaços fechados. O facto de serem habitações que se desenvolvem em vários pisos permite a adequada separação entre as zonas de espaços individuais (quartos de dormir e as I.S. que os servem) e a zona de espaços comuns (salas comuns, cozinha e eventualmente uma I.S.) mas tem como inconvenientes a necessidade de incluir umas escadas (utilização de grande área); a perda de flexibilidade na organização dos compartimentos devido ao fraccionamento dos espaços e a existência de barreiras arquitectónicas impossibilitando o uso da habitação por utilizadores com mobilidade reduzida. 6
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