EMENTA: Encargos da atividade médica - Negativa de função pericial - Sigilo médico CONSULTA
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- Edite Fernandes de Mendonça
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1 PARECER Nº 2470/2014 CRM-PR PROCESSO CONSULTA N.º 26/ PROTOCOLO N.º 10710/2014 ASSUNTO: SOLICITAÇÃO DE ATENDIMENTOS DOMICILIARES PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PARECERISTA: CONS. JULIERME LOPES MELLINGER EMENTA: Encargos da atividade médica - Negativa de função pericial - Sigilo médico CONSULTA Em correspondência encaminhada a este Conselho Regional de Medicina, a Dr.ª XXX, formula consulta com o seguinte teor: Vimos por meio desta solicitar orientações com respeito a solicitação de atendimentos domiciliares pelo Ministério Público. Tais solicitações demandam verificação de situações de supostos maus tratos, conflitos familiares diversos, avaliação para internamento involuntário e questões relativas a bens materiais como indicação de interdição e até questionamentos com relação a altas hospitalares. Muitos pacientes sequer são usuários do Sistema Único de Saúde, sendo acompanhados apenas no setor privado. Qual conduta tomar frente a estas demandas considerando que nestes casos não há vinculo necessário da equipe de saúde com estes usuários e suas respectivas famílias. Enquanto profissionais da estratégia de Saúde da Família entendemos que a visita domiciliar é uma ferramenta clínica que deve ser utilizada de forma criteriosa, sempre ancorada no consentimento do paciente e de seus familiares. A relação médico paciente deve ser baseada no respeito, empatia e confiança e não imposta a ambas as partes, com finalidades pouco definidas e desconhecimento dos objetivos do órgão solicitante. Receamos que os profissionais de saúde possam ser vistos pelos usuários como braços do Ministério Público ou do Conselho Tutelar. Também temos dúvida se o
2 Ministério Público tem conhecimento de que não temos formação para atuar como peritos ou auditores nestes casos. Solicitamos parecer e conduta. FUNDAMENTAÇÃO E PARECER A Estratégia Saúde da Família ESF - é uma política de Saúde Pública que objetiva prover a população de acesso aos serviços de saúde do país. Tem na territorialização, coordenação de cuidados, resolubilidade, vínculo com a comunidade e longitudinalidade dos cuidados alguns de seus pilares de funcionamento. Da Portaria MS/GM n.º 2488/2011 Anexo I, que trata da Atenção Básica à saúde no país, podemos verificar que: - o vínculo que é construído com a pessoa-família-comunidade se propaga no decorrer do tempo; consiste na construção de relações de afetividade e confiança entre o usuário e o trabalhador da saúde, permitindo o aprofundamento do processo de corresponsabilização pela saúde, construído ao longo do tempo, além de carregar, em si, um potencial terapêutico. - a longitudinalidade do cuidado pressupõe a continuidade da relação clínica, com construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo e de modo permanente, acompanhando os efeitos das intervenções em saúde e de outros elementos na vida dos usuários, ajustando condutas quando necessário, evitando a perda de referências e diminuindo os riscos de iatrogenia decorrentes do desconhecimento das histórias de vida e da coordenação do cuidado. Tal forma ampliada de se exercer a clínica nasce primordialmente da necessidade sentida pela pessoa - família em ser cuidada. Para tal, dentro de seu arcabouço de possibilidades, a ESF lança mão de uma ferramenta denominada visita domiciliar VD. No livro Tratado de Medicina de Família e Comunidade, Artmed, 2012 temos que nos critério de inclusão para VD prescinde o consentimento da família e ou pessoa enferma. Desta feita, mantém-se uma sequência ética onde ofertar-se há o atendimento a quem inicialmente o demanda e, após, permite a avaliação. Ao se criar uma lógica de avaliação médica onde o que a move não é a vontade da pessoa ou família, mas sim uma demanda judicial, o imprescindível consentimento para que a consulta médica flua deixa de ocorrer naturalmente. A inversão ou inclusão de uma outra lógica de oferta ou utilização da VD poderia criar interpretações dúbias por parte dos usuários do sistema de saúde. Ao invés de cuidadores, os profissionais de saúde e mais especificamente os médicos poderiam ocupar um lugar no imaginário da população que guardaria forte relação com o Poder Judiciário. Assim, o vínculo que se construíra nas relações de afetividade da relação médico
3 paciente e no cuidado continuado poderia ser descaracterizada. Ocorreria então uma possível desconstrução dos pilares que dão suporte à Estratégia Saúde da Família. Convém ressaltar que as referidas solicitações do Ministério Público de visita domiciliar para pacientes já assistidos ou não pelos médicos da ESF trazem demandas com uma forte caracterização pericial. No Parecer CRM-PR n.º 1657/2005, o conselheiro diz que os médicos de um serviço de assistência médica do SUS, que como o nome já menciona, são médicos assistentes e não médicos peritos. A sua formação é diferente, são treinados para o atendimento clínico ou cirúrgico e para essa atribuição foram contratados... A qualidade de um exame pericial está diretamente relacionada com a experiência e treinamento em perícia e na disponibilidade dos recursos técnicos disponíveis. Não me parece razoável que se entenda conveniente a nomeação de médicos assistente para exercer a função de peritos... Entendo que cabe aos médicos lotados nos IMLs a realização da prova pericial de natureza penal, em não existido IML na localidade cabe a autoridade encaminhar a vítima ao IML mais próximo, caso exista por parte da autoridade a nomeação médico do município para atuar como perito cabe a este aceitar ou não o encargo, justificando os motivos da recusa. Também o Parecer CRM-PR n.º 1214/2000, nos traz que a obrigatoriedade de realizar exames periciais de natureza criminal e consequente elaboração de laudos são efetivamente dos órgãos públicos desde que sejam qualificados a fazê-los, possuindo estrutura própria para a área objeto do exame e que inexista outro órgão técnico oficial com atribuições específicas; a obrigatoriedade da realização de perícia de natureza criminal por parte de órgão oficial estatal só se estabelece caso exista previsão legal, com previsão normativa em seu Estatuto, Regimento, ou lei específica, caso contrário é dever somente dos estabelecimentos médico-legais. Inexistindo perito oficial a autoridade poderá designar médico para atuar como perito, podendo este aceitar ou não o encargo, quando declinará os motivos, sendo aceitáveis os já mencionados. Quanto à obrigatoriedade ou não de atender à requisição do Ministério Público em caráter pericial, a Resolução CFM n.º 1497/98, Art. 2º diz que o médico designado perito pode, todavia, nos temos do Artigo 424 do Código de Processo Civil, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo. Também o Código de Ética Médica em seus Artigos 93 e 98, orienta que é vedado ao médico atuar como perito em situações onde não haja possibilidade de agir com absoluta isenção e também quando a pessoa a ser periciada for seu próprio paciente. Assim, mesmo que fosse designado o médico da ESF para tais demandas do Ministério Público, por observância ética, estaria justamente impedido.
4 Quanto à solicitação de VD para pessoas-famílias não assistidas ou em acompanhamento por outros serviços de saúde, o Parecer CRM-PR n.º 1980/2008, lembra que o Código de Ética Médica em seu capitulo I, Princípios Fundamentais - Art. 7º dispõe que o médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente. Mais ainda, no art. 8º lê-se que o médico não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho Ainda em relação à solicitação de informações sobre o paciente por parte do Ministério Público, o artigo 73 do CEM veda ao médico revelar fato que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente ; em seu Parágrafo único, ítem c, informa que na investigação de suspeita de crime o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal. De forma complementar, o parágrafo 1 do artigo 89 do CEM orienta que quando em decorrência de demanda judicial, o médico assistente pode entregar o prontuário a um perito médico nomeado pelo juiz, após autorização por escrito do paciente. CONCLUSÃO Assim, considero em relação aos princípios da Atenção Básica à Saúde no Brasil que as demandas do Ministério Público para com a Estratégia Saúde da Família aqui em análise criariam um ambiente desfavorável à equipe de saúde frente à sua comunidade adscrita. Tal ocorreria pela descaracterização principalmente do vínculo e da continuidade dos cuidados para com os usuários, decorrentes da desconstrução da lógica natural formadora da relação médico paciente-família. Por ter um caráter de atividade médica pericial, a visita domiciliar com fim judicial não caracterizaria infração ética ao médico que se negasse em fazê-la. Corrobora esta conclusão o próprio Código de Ética Médica em seus artigos 93 e 98, bem como as resoluções e pareceres já citados. A nomeação de um médico perito poderia sim lograr êxito nas demandas do Judiciário sob analise neste parecer. Também quanto às informações solicitadas pelo Ministério Público nas VD s requeridas, tanto para pessoas acompanhadas pela equipe de saúde ou outro serviço, pode o médico não fornecê-las. Os artigos 73 e 89, bem como, os itens VII e VIII no Capítulo I do CEM,
5 versam sobre isto. Novamente a presença do perito, desde que com autorização escrita do paciente, poderia fazer com que as desejadas informações pudessem chegar ao Judiciário. É o parecer, s. m. j. Curitiba, 09 de junho de Cons. JULIERME LOPES MELLINGER Parecerista Aprovado e Homologado em Sessão Plenária n.º 3525.ª de 09/06/2014.
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