Ressocialização ou punição: jovens em conflito com a lei
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1 CONEXÃO FAMETRO: ÉTICA, CIDADANIA E SUSTENTABILIDADE XII SEMANA ACADÊMICA ISSN: Ressocialização ou punição: jovens em conflito com a lei Ingrid Lorena da Silva Leite Mestranda em Sociologia Universidade Estadual do Ceará UECE lorenaleitte17@gmail.com Camila Holanda Marinho Universidade Federal do Ceará camilaholandamarinho@gmail.com Título da Sessão Temática: Ciências Sociais Aplicadas I: Constituição, cidadania e efetivação de direitos RESUMO Este artigo traz reflexões sobre as violações de direitos dos jovens que cumprem medida socioeducativa na cidade de Fortaleza. As ideias apresentadas são resultado do trabalho monográfico do Curso de Graduação em Serviço Social. A metodologia do estudo é qualitativa, com a utilização da observação participante e diário de campo, constituídos durante a pesquisa de campo executada em 2014 no Centro Educacional Patativa do Assaré Cepa, que atende jovens que cometeram algum tipo de ato infracional previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente ECA. Os principais resultados da pesquisa demonstram a fragilidade da execução da medida socioeducativa, que desemboca na ausência de uma perspectiva de garantia de direitos. Palavras-chave: jovens em conflito com a lei. Direitos. Violações. INTRODUÇÃO Falar sobre o Sistema Socioeducativo do Estado do Ceará é atravessar um campo de intensos debates, pois com a; superlotação, denúncias sobre diversos tipos de violações, como tortura e maus tratos, marcam o cumprimento da medida socioeducativa que deveria ter como lócus o caráter educativo e ressocializador como demarca o Estatuto. O objetivo do trabalho além de compreender esse contexto é elucidar as violações existentes.
2 Segundo dados do Fórum Permanente das Organizações Não Governamentais dos Direitos da Criança e do Adolescente Fórum DCA, de janeiro a junho de 2014, o Ceará já contabilizava oito rebeliões nas unidades de internação de jovens em conflito com a lei. Entre as unidades mais movimentadas, estão o Centro Educacional Dom Aloísio Lorschider (CECAL), com uma rebelião no dia 19 de abril de 2014, o Centro Educacional Patativa do Assaré (CEPA), com rebeliões nos dias 26 de março de 2014 e 08 de maio do mesmo ano (esta registrou a maior fuga da história dos centros educacionais, 64 adolescentes) e o Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), com conflitos em 01 e 27 de abril de 2014 e 07 de maio do mesmo ano, (fuga de 12 adolescentes) e 09 de junho de O posicionamento apresentado nos jornais locais dos representantes da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), órgão responsável pela administração dos centros educacionais, aponta que a motivação das rebeliões é relacionada somente a conflitos entre jovens internos. Dessa forma, a cobertura, muitas vezes, superficial e sensacionalista da imprensa reforça o discurso da conflitualidade entre os jovens e, quando muito aponta a superlotação como fator determinante para os episódios. Todavia, as denúncias, recorrentemente, recebidas pelo Fórum DCA e as rebeliões nas unidades não são casos isolados, fazem parte de um contexto caótico do Sistema Socioeducativo no Ceará. Diversas organizações da sociedade civil e o movimento da infância denunciam há anos os problemas que envolvem as unidades de internação do Ceará e várias tentativas de diálogo e articulações com o Poder Público já foram protagonizadas sem avanços significativos. PERCURSO METODOLÓGICO Para o desenvolvimento das estratégias metodológicas deste trabalho, ressalta-se que a observação em campo foi indispensável para a efetivação desta pesquisa. Conforme Laplantine (2000), a observação em campo é uma fonte infinitamente fecunda de conhecimento, o autor assinala que aquilo que o 1 Relatório realizado pelo Fórum DCA, que foi publicado pelo jornal O Povo no dia 12 de setembro de 2014.
3 pesquisador vive em campo, sua relação com seus interlocutores são partes integrantes e indispensáveis da pesquisa. Diante disso, realizaram-se observações através do registro de diário de campo que foram produzidos em orientação para apreender o contexto do Sistema Socioeducativo do Ceará. Essa metodologia foi importante para se alcançar o objetivo dessa pesquisa. Essa pesquisa contemplou Centro Educacional Patativa do Assaré (Cepa). Durante um ano e seis meses em campo, através, principalmente, da experiência empírica, pôde-se problematizar diversas questões, uma delas resulta neste artigo. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS No Centro Educacional Patativa do Assaré (Cepa), no ano de 2013, existiam 196 jovens cumprindo medida socioeducativa de internação. Sem a infraestrutura necessária, as oficinas, as aulas ou qualquer outra atividade executada na Unidade não atendiam nem 30% do quantitativo de jovens. O número de profissionais era insuficiente e a equipe técnica tinha muitas demandas, além de não terem espaço para realizar atendimentos. Sem falar na precarização das condições de trabalho, com profissionais contratados através de convênio de período entorno de 01 a 02 anos. Logo, essa precariedade atingia os jovens nos centros educacionais e isso se leva a pensar que esse cenário estabelece formas diferentes de violência, colocando-os como vítimas de políticas públicas precarizadas. Destaca-se que foram presenciados casos, em que as solicitações dos jovens referentes às suas necessidades fisiológicas não eram atendidas por parte dos funcionários da Unidade. Os jovens ficavam em dormitórios trancados, eles pediam para utilizar o banheiro. Em alguns casos, com o pedido negado, os internos faziam no próprio local. Não se considerava como era materializada a perspectiva educativa da medida prevista no Estatuto (1990), muito menos no SINASE (2012), até a execução do Plano Individual de Atendimento (PIA) 2, que era realizado sem o mínimo de informação para com o 2 De acordo com SINASE (2010), é um instrumento pedagógico fundamental para garantir a equidade no processo de cumprimento da medida socioeducativa (SINASE, item 6.1 Diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo diretriz 4) Do ponto de vista operacional, constitui-se em uma importante ferramenta no acompanhamento da evolução
4 jovem, compreendendo que a tal política não tinha sentido para o sujeito. Para o jovem a medida socioeducativa é vista como uma punição, a perspectiva educativa para eles não é vista nem percebida. O PIA se restringe a pergunta e resposta de um instrumental. No centro educacional, percebe-se, através dos documentos produzidos e da experiência de campo, que a violência é percebida não só pela afirmação da força física, por imposição da norma disciplinadora semelhante à forma repressora da perspectiva do Código de Menores, como também por formas de violação da intimidade e da afetividade representadas pela violência simbólica. É importante ressaltar que a violência e suas múltiplas faces são intensificadas pela forma como são costuradas as relações sociais estabelecidas no Cepa, o que lhe confere um caráter de normatização. Há uma expressão excessiva e/ou autoritária de poder que impede o reconhecimento do outro e um estranhamento completo do que é sujeito de direito (ZALUAR, 2001). O Cepa é um espaço onde a violência se mantém e se reproduz, seja pelos jovens ou pelos próprios funcionários, podendo ser ações cotidianamente naturalizadas. Assim, esses espaços de vigília e punição criam discursos reacionários, como de reabilitação e inserção destes sujeitos ao convívio social, no intuito de construir, conforme aponta Michel Foucault (2009), corpos dóceis, que facilitam a implantação, a manutenção e a transformação de modelos de valor e comportamento, portanto a serviço do disciplinamento. A ótica da vigilância, como assinala Foucault (2009), funciona de forma imperativa. As relações e os vínculos estabelecidos pelos jovens não podem ser afetados ou ainda mais fragmentados pela medida socioeducativa, que cabe ressocializar e não apartar a realidade, que existe para além dos muros. Quando o jovem está cumprindo medida, ele não está desconectado ou afastado da realidade perversa. O trabalho socioeducativo deveria acontecer em todas as dimensões como prevê o ECA. Parafraseando Foucault (2009), a prisão é o lugar onde tudo pode ser visto e controlado. Nessa perspectiva, o Cepa exerce esse controle sobre pessoal e social do adolescente e na conquista de metas e compromissos pactuados com esse adolescente e sua família durante o cumprimento de sua medida socioeducativa (SINASE, item Dimensão básica do atendimento Desenvolvimento pessoal e social do adolescente.
5 os jovens, no que se refere a suas subjetividades e intimidade. Observa-se que, para muitas pessoas, profissionais ou não, na mídia ou no senso comum, os jovens são tratados e percebidos como criminosos potenciais. O Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Art.5). Contudo a realidade institucional é diferente, a situação dos jovens que cumprem medida socioeducativa de internação se configura através da violência e de suas múltiplas expressões, seja a opressão ou a violação de direito. Estes fatores são intensificados no cotidiano das relações institucionais do Cepa. Em 2012, o Ceará era o quarto estado do País em número de jovens internados cumprindo medida socioeducativa, com idade entre 15 a 17 anos, por terem cometido algum ato infracional. Nessa época, havia nas Unidades. O Estado esta atrás apenas de São Paulo, Pernambuco e Paraná. Em Fortaleza, são adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas nesse mesmo ano. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredita-se que, nesse aspecto, a fragilidade se materializa como uma violação, pois não são passadas as informações necessárias ao jovem, que implica que ele é um sujeito de direitos, que deve conhecer seus direitos como também assumir as responsabilidades de seus atos. Devendo mencionar que o jovem em conflito com lei não é visto como um sujeito que possui direitos, o que possibilita apreender a forma como são tratados e vistos. Tendo esta pesquisa como um norte, observa-se como os jovens são as principais vítimas da violência na contemporaneidade, seja ela física ou simbólica, portanto, vítimas de múltiplas formas de violência. REFERÊNCIAS BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente - ECA. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1990.
6 . Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE. Secretaria Especial dos Direitos Humanos Brasília: CONANDA, DCA, Fórum. Relatório descritivo das visitas às unidades de internação, internação provisória e semiliberdade. Fortaleza-CE: Fórum DCA, FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão: Tradução de Raquel Ramalhete. 37. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. 12 reimp da 1 ed, (1988), São Paulo: Brasiliense, ZALUAR, Alba. O contexto social e institucional da violência. Rio de Janeiro: Nupevi - IMS/ UFRJ, 2001.
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