A construção de gênero e sexualidade no currículo: uma investigação sob o enfoque pósestruturalista
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- Heloísa Igrejas Salazar
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1 Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 A construção de gênero e sexualidade no currículo: uma investigação sob o enfoque pósestruturalista 1 Vilma Nonato de Brício 2 (UFPA) Palavras-chave: Gênero; Sexualidade; Currículo. ST 53 Gênero e sexualidade na escola e na mídia O presente trabalho é parte da pesquisa que desenvolvo no mestrado em educação, As travessias das fronteiras gênero e sexualidade: questões para pensar um currículo queer, que se inscreve em campos teóricos fendais, com o desígnio de se movimentar entre as construções teóricas recentes na área da investigação em educação de inspiração pós-estruturalistas 3. Para empreender a análise das construções de gênero e sexualidade no currículo, recorro a autores/as como Foucault (2004, 2005, 2006), Fischer (2001, 2002a, 2002b), Louro (1998, 2004a, 2004b), Veiga-Neto (2003). A partir desses autores/as compreendo que gênero e sexualidade são construídos discursivamente em vários âmbitos, entre os quais o currículo. Neste trabalho apresento as discussões teóricas que dão sustentabilidade à pesquisa. Dessa forma, faço inicialmente uma breve discussão sobre o currículo numa perspectiva pós-estruturalista, para em seguida articular com o debate de gênero e sexualidade. O currículo é entendido como uma prática social, discursiva e não-discursiva, como uma linguagem, que está enredado na construção de discursos que normatizam os gêneros e as sexualidades, mas que podem também encontrar fendas para a transição nas fronteiras, para a escorregadela entre o legítimo e o ilegítimo. Para compreender o currículo através da noção de discurso e poder é preciso conhecê-los e saber como se articulam. Poder é um conceito central na perspectiva foucaultiana e é considerado como descentralizado e difuso. Entretanto, em geral, o poder é representado como domínio, força, controle, contendo significados unicamente negativos. Mas, o poder [...] não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso (FOUCAULT, 2006, p. 8). A partir da intrínseca relação entre poder e discurso, o currículo [...] envolve formas de conhecimento cujas funções consistem em regular e disciplinar o indivíduo (POPKEWITZ, 1994, p. 186), através da seleção, organização e imposição do conhecimento objetivando a regulação e o controle de si em dada sociedade. Juntamente com os conhecimentos relativos às disciplinas escolares, o currículo fornece discursos sobre formas politicamente sancionadas, ou seja, uma determinada forma de ser e agir. Assim, disciplina, normaliza e controla os indivíduos, logo, é um
2 2 dispositivo destinado à produção de sujeitos através de determinadas tecnologias de diferenciação e identificação (LARROSA, 1994) 4. Ou seja, o que o sujeito é, é histórica e culturalmente contingente, pois não há natureza em um modo particular de ser já que este é determinado e constituído pela cultura. A idéia que o sujeito tem de si é possível de ser analisada em sua constituição histórico-cultural, a partir do ato de problematizar e desconstruir discursos, tanto reguladores como emancipadores. O currículo, enfim, contém um discurso que constrói identidades de gênero e sexualidade, encerrando a heterossexualidade e a homossexualidade em certos limites históricos e culturais. Entender as relações entre gênero, sexualidade e currículo, significa reconhecer que homens e mulheres são sujeitos cambiantes e híbridos, pois em não sendo pretensamente naturais, não obedecem a padrões estabelecidos rigidamente, mas procuram estabelecer relações entre si, o que pode resultar em posições-de-sujeito menos encerradas em padrões identitários rigidamente localizados, já que é parte integrante de uma complexa rede discursiva permeada por relações de poder. Na medida em que está irremediavelmente atado aos regimes de poder, o currículo como forma de governo constrói e transmite discursos sobre experiências objetivas do mundo, estruturando um campo de ação, através de uma política de verdade, responsável por transmitir o conhecimento sobre certas noções particulares, entre as quais de gênero e sexualidade, que sancionadas, contam como verdade as normas e práticas, com vista ao auto-disciplinamento e a vigilância constante. O gênero e a sexualidade envolvem uma gama de situações no currículo escolar que refletem e fabricam, não sem contestação e resistência, homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais. Gênero é uma categoria de análise que pode ser definida tanto como constitutiva de relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos, quanto uma forma de expressar as relações de poder. As relações de gênero resultam de construção social, pois cada sociedade possui seus próprios critérios para instituir as relações sociais e, para compreendê-las é necessário saber como gênero se articula com o poder (SCOTT, 1995). Com relação a sexualidade, é na História da sexualidade de Foucault (2005) que se encontram os fundamentos para a tese de sexualidade como uma construção social e histórica. A sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas uma questão social e política, estando diretamente relacionada à forma como a sociedade se organiza culturalmente. Ao concebê-la como um dispositivo histórico, Foucault (2005) critica a idéia de naturalização da sexualidade baseada em atributos biológicos. Esse dispositivo histórico permite que sejam construídos discursos, como os da igreja, da moral e da lei, sobre a sexualidade, através do poder inscrito não na negação ou na proibição do
3 3 discurso sobre o sexo, mas através da incitação ao mesmo, sendo, portanto, produtivo, o que confere a possibilidade de construir o ele denominou de sociedade disciplinar, que faz um investimento sobre o corpo, para construir o que chamou de corpos dóceis (FOUCAULT, 2006). A descoberta do corpo como objeto e alvo de poder foi suficiente para tentar encerrar nele as marcas do gênero e da sexualidade consideradas normais, legítimas. Entretanto, no currículo gênero e sexualidade são normalizados por serem consideradas categorias estáveis, fixas ancoradas em pressupostas essencialistas de cunho biológico (BRITZMAN, 1996). Portanto é necessário que façamos uma discussão sobre estas temáticas de forma mais subversiva, estranhando-as sob o ponto de vista teórico, político e principalmente com um foco no local, no particular, pois como se trata de categorias culturais, só ganham sentido no âmbito da cultura. Os discursos sobre gênero e sexualidade funcionaram/funcionam como formas de exercício de poder sobre o corpo, mas nem todos são assimilados, permitindo que se experimentem as fronteiras, lugares proibidos na sociedade binarista e regulatória. Assim as fronteiras passam a ser um lugar desejado, cobiçado por aqueles/as que não querem ser enquadrados numa identidade, nem dizer de que lado estão, mas apenas querem estar lá e aqui ou nem lá nem aqui. As teorizações de gênero e sexualidade ancoradas nas políticas identitárias passam a ser questionadas pelas teóricas feministas que encontram fendas para construir uma teorização sobre aqueles/as que foram silenciados, mesmo com a instituição da identidade homossexual, ou seja, aqueles/as que optam por serem navegantes, atravessadores/as das fronteiras de gênero e sexuais ou preferem estar nas fronteiras. Trata-se da teoria queer, que segundo Silva (2003) surge nos Estados Unidos e na Inglaterra como uma espécie de unificação dos estudos gays e lésbicos. O termo queer usado para ridicularizar os homossexuais, pois pode ser traduzido como estranho, esquisito, raro, foi recuperado positivamente pelas feministas, que a partir dele construíram uma teoria subversiva, atrevida, perturbadora sobre os gêneros e sexualidades desviantes, explorando as fissuras teóricas e políticas para se pensar e criticar as normas regulatórias da sociedade (LOURO, 2004a). Essa teoria é utilizada para reivindicar o direito de transitar nas fronteiras ou mesmo viver nelas questionando a própria política de identidade que exige o ajustamento nas identidades, sejam as normais ou as desviantes. A teoria queer se inscreve nos debates atuais sobre gênero e sexualidade inspirada nas concepções pós-estruturalistas de sociedade, de conhecimento, de cultura, de política como forma de desestabilizar os modelos hegemônicos de vivência do gênero e da sexualidade. Assim como o pós-estruturalismo a teoria queer não pode ser caracterizada de forma fixa e tranqüila, pois envolve desconfianças, descentramentos, fluidez.
4 4 Assim, acredito que um estudo que evidencie as construções discursivas de professores/as no domínio do currículo sobre aqueles/as que subvertem as lógicas binárias de gênero e sexualidade pode contribuir para que se pense num currículo que não se feche na construção de identidades com fronteiras demarcadas rigidamente que instituem o normal e o anormal, construindo o que vem se chamando de políticas pós-identitárias e de um currículo queer (LOURO, 2004a). Essa possibilidade se insere no campo das teorias pós-críticas de currículo, pois desloca o foco de discussão das questões de ideologia, classe social, conscientização próprias das teorias críticas de currículo para questões de saber-poder, identidade, diferença, discurso e significação, cultura (SILVA, 2003). Isto posto, considero que não existe um sujeito, homem e mulher, heterossexual e homossexual originário e pré-discursivo, pois cada discurso instala o sujeito em certa posição, certo lugar e que, a partir disso, a cada discurso contraditório e fluído, corresponde um homem e uma mulher, o que constitui uma matriz de posição-de-sujeito contraditória e móvel. A identidade de gênero e sexualidade é discursivamente construída, fabricada. O sujeito, ao final, é resultado de um processo discursivo, portanto, não há sujeito transcendental, originário, autônomo e centrado. Os gêneros e sexualidades são construídos a partir dos poderes que se exercem em relação aos corpos, demarcando lugares determinados, como já foram apontados por várias pesquisas (LOURO, 1998, 2004a; BRITZMAN, 1996), mas também através dos saberes produzidos para instituir o gênero e a sexualidade considerados corretos. Entretanto, no jogos se saber-poder que fabricam sujeitos generificados e sexualizados normais surge fissuras que permite que os corpos deslizem, assumindo as zonas fronteiriças, a provisoriedade, a instabilidade, a fluidez (LOURO, 2003). Problematizar as construções de gênero e sexualidade no currículo como a partir da perspectiva pós-estruturalista de pesquisa permite a construção de conhecimento que não se pretende fixo, pois as próprias categorias em estudos estão em constantes mutações, resultantes do que Silva (1994) chama de novo mapa social e cultural. Para Maués (2006) o campo intelectual do currículo precisa experimentar a composição, a criação para romper com um paradigma disciplinar tanto em nossas formulações teóricas quanto nos desenhos curriculares cristalizados das escolas. Analisar as construções de gênero e sexualidade no currículo possibilita o questionamento por parte dos/as próprios/as professores/as universitários e/ou da educação básica das questões referentes a gênero e sexualidade em suas conexões com o saber-poder e com o currículo, de modo que sejam repensados tanto em termos conceituais quanto políticos e educacionais. Dessa forma, poderá contribuir para a ampliação da luta contra o sexismo e a homofobia, que ainda se inscrevem no que podemos considerar como questões intoleráveis, mas que ainda são
5 consideradas naturais em uma sociedade cujas marcas são as referências seguras, as certezas, a fixação de fronteiras e binarismos diversos. 5 Referências bibliográficas BRÍCIO, Vilma Nonato de. Do pedagógico ao cultural: o trabalho da coordenação pedagógica como política cultural. In: BRITO, Maria dos Remédios; GONÇALVES, Jadson Fernando Garcia; OLIVEIRA, Damião Bezerra (orgs). Filosofia, educação e formação: apontamentos e perspectivas. Belém: EDUFPA, Entre o controle e a transgressão: a construção escolar das diferenças entre os gêneros. In: Margens. Revista Interdisciplinar da Divisão de Pesquisa e Pós-Graduação do Campus Universitário de Abaetetuba/Baixo Tocantins/UFPA. Vol. 01, N. 04, Belém: Paka Tatu, Coordenação Pedagógica: Construindo uma Política de Significados de Gênero. Monografia de Conclusão de Curso de Especialização em Coordenação e Organização do trabalho Pedagógico. Campus Universitário do Baixo Tocantins/UFPA Orientadora Profª Msc. Joyce Ribeiro.. Gênero e Educação: um estudo sobre as relações de gênero na sala de aula no município Moju. Trabalho de Conclusão de Curso. Campus Universitário do Baixo Tocantins/UFPA Orientadora Profª Drª Josenilda Maués. BRITZMAN, Deborah P. O que é essa coisa chamada amor. Identidade homossexual, educação e currículo. Educação e Realidade. Vol. 21 (1), Jan./Jul CORAZZA, Sandra Mara. Labirintos da pesquisa, diante dos ferrolhos. In: COSTA, Mariza V. (org.). Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, COSTA, Marisa V. Novos Olhares na Pesquisa em Educação. Introdução. In: COSTA, M.V. (org). Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, FISCHER, Rosa M. B. A paixão de trabalhar com Foucault. In: COSTA, M.V. (org). Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002a.. Verdades em suspenso: Foucault e os perigos a enfrentar. In: COSTA, M.V. (org). Caminhos Investigativos: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002b.. Foucault e a análise do discurso em educação. In: Cadernos de Pesquisa, n. 114, novembro/ FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, História da sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu e Educação. In: SILVA, T.T. (org.) O Sujeito da Educação. Petrópolis: Vozes, LOURO, Guacira L.. Um corpo estranho ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004a.. Conhecer, pesquisar, escrever,... Comunicação apresentada na V ANPED Sul. 2004b. (Texto da internet).. Corpos que escapam. Revista Estudos feministas. N. 4 agosto/dezembro 2003.
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