A ÉTICA E A MORAL NAS RELAÇÕES ENTRE-HUMANOS: RESENHA CRÍTICA DO FILME A ILHA

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1 A ÉTICA E A MORAL NAS RELAÇÕES ENTRE-HUMANOS: RESENHA CRÍTICA DO FILME A ILHA Leonardo Magela Lopes Matoso * resenha RESUMO O filme a Ilha, nos mostra uma utópica cidade rigorosamente controlada e estruturada num complexo subterrâneo em meados do século 21, depois de uma contaminação em massa que destruiu toda a vida na Terra. Todos os habitantes deste ambiente cuidadosamente controlado sonham em ser escolhido para viajar até o único local isento de contaminação no planeta, conhecida apenas como A Ilha. Porém, para chegarem ao local almejado é preciso ser escolhido de acordo com as normas impostas pelos poderosos deste complexo. Esta resenha crítica tem por objetivo mostrar os conflitos éticos e morais trabalhados no filme e nos fornecer uma reflexão acerca da humanidade, pois o mesmo nos mostra a busca desenfreada do ser humano pelo poder, criando dessa forma clones humanos alicerçados em mentiras e fraudes. Palavras-Chave: Ética. Bioética.Clones. * Monitor bolsista no âmbito das Bases Biológicas da Enfermagem e atualmente é bolsista do PIBIC, no Centro de Oncologia e Hematologia de Mossoró. E:mail: leonardo.l. matoso@gmail. com site: rasaude.blogspot.com.br/ O filme A Ilha, de Michael Bay, aborda a clonagem humana mostrandonos uma reflexão de forma coerente e racional sobre questões científicas, éticas, culturais e religiosas ligadas a temática. O filme nos faz pensar e nos alerta para os valores da vida humana, assim como uma oportunidade de discutir se realmente a clonagem humana é possível, se seria uma prática moralmente aceitável e quais as questões éticas e morais que entrariam em jogo. A trama se passa no ano de 2019, quando a clonagem humana é possível e permitida. Assim as pessoas podem encomendar clones de si mesmos para 210 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez. 2012

2 A ética e a moral nas relações entre-humanos: resenha crítica do filme A Ilha caso um dia precisem de um transplante, são como suas apólices de seguro. Os clones vivem em um complexo subterrâneo totalmente isolado e numa sociedade altamente vigiada. Eles não sabem qual é sua verdadeira finalidade e se indagam a todo instante quais seriam os seus reais objetivos. O roteiro gira em torno de Lincoln Six Echo, um dos principais personagens, que acredita ser um dos sobreviventes da grande contaminação que tomou conta da Terra, por conta disso é levado a viver num grande complexo subterrâneo. O complexo é uma grande sociedade onde centenas de outros sobreviventes vivem executando rotineiramente tarefas das quais não sabem exatamente a finalidade e aguardando ansiosamente o sorteio da próxima loteria, no qual garantira a saída deles do complexo para uma majestosa ilha descontaminada, cheia de prazeres e regalias. Na verdade, estes são os clones cujos donos estão precisando de algum transplante, ou seja, o sorteio nada mais é do que uma forma de induzi-los para uma suposta ilha, que na verdade é uma sala de cirurgia onde suas vidas serão extintas. A Ilha seria o único lugar isento de contaminação na Terra, o único habitat no mundo a salvo da destruição, pois os mesmos foram levados a pensar que são sobreviventes e que todos aqueles que chegavam diariamente ao abrigo, são também sobreviventes que de alguma forma resistiram à contaminação no mundo. Para os homens e mulheres que abrigam o complexo, a única vida possível fora do abrigo, é A Ilha, uma utopia que escapou de uma devastação biológica em massa. Diariamente os sobreviventes são submetidos a vários tipos de exames, principalmente os de urina, na qual é analisada e esta análise determina o grau nutricional, ou seja, determina o que eles podem comer e beber, pois só assim manterão uma vida completamente saudável. Todos os afazeres e gostos são determinados pela Direção e lideres deste complexo: o que fazem, o que pensam, o que vestem, tudo é coordenado, até o grau de relacionamento mais intimo, havendo assim uma divisão de sexos entre eles. Lincoln começa a ter sonhos constantes, imagens de coisas no qual C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez

3 MATOSO, L. M. L nunca fizera e pessoas que nunca havia visto começam a surgir em sua mente. Ele começa a questionar a situação em que todos ali vivem. O que são e para onde vão os tubos que eles alimentam com vitaminas todos os dias? Por que os escolhidos para irem à Ilha se vestem de branco e são tidos como especiais? O mundo estaria realmente contaminado? Todos os seus questionamentos acabam o levando a descobrir toda a verdade: que não passam de produtos criados sob encomenda para servir como peças de reposição caso o original necessite de algum reparo. São apenas materiais de uso, caso ocorra alguma distorcia com o original. No decorrer do filme observamos que os sujeitos da pesquisa (os clones) eram bastante vulneráveis, uma vez que não tinham quaisquer noções a respeito do mundo lá fora, não sabiam o que eram, nem pra onde iriam, o que estavam fazendo, aceitando apenas o que era posto por seus superiores. Tudo foi moldado pra eles e implantado em suas mentes, tudo fazia parte de uma falsa realidade. Mas o que é ser vulnerável? De acordo com o dicionário de língua portuguesa vulnerabilidade é a qualidade ou estado de vulnerável ; vulnerável é que pode ser vulnerado e vulnerar é ferir, ofender, melindrar (AMORA, 2009). Neste sentido, todos nós somos vulneráveis, pois estamos sujeitos de alguma maneira a sermos feridos (em qualquer sentido), ofendidos e/ou melindrados, intencionalmente ou não, por agentes de qualquer natureza e até mesmo por acidentes. Sob essa ótica, o ser humano ao estar sujeito à vulnerabilidade e por extinto de sobrevivência precisar se defender, indo para além da reação instintiva, própria de todos os animais. O ser humano é sempre vulnerável; ele pode ou não estar em situação de vulnerabilidade. Sendo assim ser vulnerável, o ser humano sempre será; estar vulnerável pode ser sim ou não. Isso vai depender da situação no qual o mesmo se encontrar, de uma situação de probabilidade para uma situação de possibilidade, do ser vulnerável ao estar vulnerável. Sendo assim, os sujeitos da pesquisa do filme eram passiveis de serem induzidos, seduzidos e coagidos. 212 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez. 2012

4 A ética e a moral nas relações entre-humanos: resenha crítica do filme A Ilha No ponto de vista de Amora (2009), entende-se por indução como sendo aconselhar ou levar alguém a praticar um ato ou a aceitar uma opinião. Por sua vez, a sedução refere-se à capacidade de encantar o outro com fins de atingir determinados objetivos, pode estar no terreno interpessoal ou no terreno dos objetos. Apontarei alguns momentos no filme onde claramente foram observados estes aspectos. Em determinado momento do filme a personagem Jordan ganha o bilhete premiado para a Ilha, ela também possuía questionamentos, mesmo assim foi levada a acreditar que o mundo lá fora estava realmente contaminado e que fazia parte de mais uma das felizardas que iria morar na ilha. O que ela não sabia é que sua passagem para o mundo exterior seria arriscada (Sedução/Indução); Outro momento de indução é quando Steve (amigo de Lincoln) os ajuda a fugirem e encontrarem seus originais; o Dr. Merrick é seduzido pela ganancia e capitalismo atribuído a ciência fazendo cada vez mais clones e por fim vemos Jordan sendo coagida depois de fugir do complexo, a voltar para lá com o fim de ajudar sua original, pois a mesma estava precisando de seus órgãos. Em analogia com a ilha, nos remetemos ao mito da caverna de Platão, no qual afirma que vivemos presos dentro de uma caverna e que este mundo no qual acreditamos ser verdadeiro não passa de uma cópia imperfeita (aparências) de um outro mundo perfeito que ele chamava de mundo das ideias. No mundo das aparências permanecemos presos às ilusões, às opiniões, às imagens, às falsas realidades e às falsas promessas e que para atingirmos esse mundo ideal é preciso que alguém (filosofo) ouse por questionar e acreditar que existe outro mundo e que este, venha a romper todas as barreiras e lhes trazer a luz da verdade. Na ótica de Platão, o conhecimento da verdade ocasionado pela Filosofia nos transporta do mundo das aparências para o mundo das ideias; da caverna para a liberdade e da alienação para a consciência. Desta forma, assumindo o papel de filósofo, Lincoln duvida, questiona, debate e busca a verdade. Esses gestos desmascaram a falsidade e trazem à tona C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez

5 MATOSO, L. M. L a verdade, e com ela a luz para a liberdade. Sabemos que nas relações cotidianas entre as pessoas exige-se que suas práticas sejam pautadas em normas consideradas mais apropriadas e dignas dentro de uma determinada sociedade. Esse comportamento é o que Vazquez chama de comportamento humano moral e quando esse comportamento se torna objeto de reflexão, ele ultrapassa a esfera pratica moral e passa à esfera reflexiva ética, que é chamada ética (VAZQUEZ, 1998). De acordo com Álvaro Valls (1994), a ética é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Porém, também chamamos de ética a própria vida, quando conforme aos costumes considerados corretos. A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um tipo de comportamento. Assim podemos dizer que a ética refere-se aos padrões de conduta moral, isto é, padrões de comportamento relativos ao individuo. Ter boa capacidade de discernimento significa saber o que é certo e o que é errado, e como agir para chegar ao equilíbrio. Muitas teorias éticas organizaramse em torno da definição do bom, do certo, na suposição de que se soubermos determinar o que estes são, poderemos saber o que devemos fazer ou não fazer. No entanto, definir tais conceitos nos remete a pensar na questão inerente a todo ser humano: o livre arbítrio que é inseparável da responsabilidade do ato (VALLS, 1994). Então a ética é o estudo do comportamento moral do homem em uma dada sociedade, ou seja, é a teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens, considerado sua totalidade, diversidade e variedade. O seu valor está naquilo que explica e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas. Parte do fato da existência da história da moral, isto é, toma como ponto de partida à diversidade de morais no tempo, com seus respectivos valores, princípios e normas (VAZQUEZ, 1998). Sabemos que a clonagem não é uma discussão muito recente e que o debate sobre a engenharia genética 214 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez. 2012

6 A ética e a moral nas relações entre-humanos: resenha crítica do filme A Ilha ganhou mais repercussão a partir do nascimento de Dolly, em 1996, o primeiro mamífero clonado que veio a morrer em fevereiro de Durante essa experiência a ciência evoluiu muito no quesito clonagem, onde nos proporcionou benefícios (avanços na manipulação gênica), mas também nos mostrou alguns riscos como grandes números de anomalias, envelhecimento precoce e mercado negro. A relação entre risco/beneficio foi observado nos sujeitos do filme (clone, original, cientistas e sociedade), ou seja, tinha a resolutividade de seus problemas, tais quais: a cura de suas doenças e gravidez impossíveis, avanço na engenharia genética e clonagem humana, o lucro obtido no complexo com a clonagem poderia ser usado para patrocinar outros projetos de pesquisa, tais como, somente a clonagem de células tronca. Tais exemplos se configuram como uma relação benéfica observada no filme. No que se refere aos riscos podemos visualizar que os clones foram alvo de todos os riscos, sem ter conhecimento e nem o consentimento esclarecido de que faziam parte de uma pesquisa. Foram submetidos a procedimentos invasivos de alta periculosidade, como também foram enganados, manipulados e usados. Já os cientistas quebraram o código de ética moral e humana. No entanto, o filme parece não levar muito em conta a atualidade dos fatos e a temática não dá espaço para aquilo que cientistas envolvidos em pesquisas com células-tronco e clonagem terapêutica sonham em conseguir: a produção de tecidos humanos sem precisar da clonagem reprodutiva, uma técnica repudiada em todo o mundo. O filme nos remete ainda, a alguns questionamentos de problemas práticos vivenciados nos dias de hoje, tais como, o que leva alguns profissionais da saúde (pesquisadores, enfermeiros, médicos) a agirem de forma contrária ao recomendado pelos seus códigos de ética? Esta indagação apesar de ser bastante complexa nos leva a crer que tais comportamentos ocorram devidos a opressão que pode submeter pessoas a agirem de forma contrária às suas convicções e concepções pessoais e profissionais; a possibilidade de ganhos pessoais resultantes da inserção de um C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez

7 MATOSO, L. M. L profissional em um projeto de pesquisa pode obscurecer aquilo que é considerado uma postura correta. No caso do filme A Ilha o Dr. Merrick estava à frente das pesquisas e da manipulação genética, ficando alienado e cego com as diversas possibilidades e com a fama que viria a ter com isso, a confusão entre os papéis de profissional de saúde e de pesquisador pode contribuir para concepções errôneas sobre o que é certo e errado em determinada situação, causando assim, alguns conflitos morais. A moral surge da necessidade social, dos indivíduos interagirem em prol do bem comum de uma coletividade, podendo também ser entendida como um conjunto de normas e regras que regulam as relações entre os indivíduos de uma mesma comunidade, mas a moral não é estática, ela é histórica, mutável e dinâmica e acompanha as mudanças politicas, econômicas e sociais na sociedade (VÁZQUEZ, 1998). Ou seja, moral é um conjunto de normas, prescrições e valores que regulamentam o comportamento dos indivíduos em sociedade. Alguns conflitos podem ser encontrados no filme, como por exemplo, os clones eram enganados e os cientistas emitiam falsas memórias em sua concepção; Lincoln e Jordan mesmo sabendo que negar às regras do complexo era errado, eles fugiram, ou seja, tinham a concepção do certo e errado; os patrocinadores do projeto de Dr. Merrick não sabiam que os clones estavam vivos, eles pensavam que ficavam em estado vegetativo, no entanto, ao descobrirem que os clones estavam vivos não mudaram de opinião, pois visaram apenas o lucro. Novamente entrase em conflito aqui as normas e diretrizes intrínsecos no Código de Ética dos profissionais da saúde; as mulheres além de serem clones das originais serviam apenas como apólices de seguro e reprodução; Steve ajudou Jordan e Lincoln mesmo sabendo que era errado, mas sua ajuda custou a própria vida; Jordan e Lincoln sabiam sobre o sentimento um do outro, mesmo assim não prosseguiram, pois em sua sociedade foram condicionados a divisão de sexo e não tinham conhecimento sobre o ato sexual e sexualidade. Diante do exposto, o filme A Ilha nos coloca perante as varias questões éticas e morais e nos mostra empresários 216 C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez. 2012

8 A ética e a moral nas relações entre-humanos: resenha crítica do filme A Ilha e cientistas desonestos, até mesmo burlescos, entretanto nos alerta para a necessidade de permanecermos atentos para eventuais desmandos e descaminhos que a ciência possa ocasionar. Nos mostra também que a vida humana não é apenas um amontoado de fatos dentro de um contexto, onde nela esta introduzido um sujeito com um objetivo. Ela perpassa abstrações que vão além, como esperança, perseverança e amor. E no filme, somos remetidos a questionamentos imensuráveis sobre os direitos a vida, aos questionamentos ético/moral, a clonagem humana e a manipulação genética. Além de nos fazer refletir sobre os valores pessoais, ciência, amor, coragem e fé nos mostra também que diante dos obstáculos e questionamentos muitos tendem a cruzar os braços diante da espera do que foi sentenciado, até mesmo muitos profissionais de saúde cruzam os braços e se conformam com a realidade dura, nua e crua, dizendo que nada podem fazer a não ser esperar. Lincoln Six Echo nos mostra que pode haver diferença quando não nos conformamos diante de uma realidade errônea e passamos a lutar e burlar os protocolos, pois sempre há uma brecha, e pode ser nesta que está à colina cujo sol brilhava radiante. THE ETHICALS AND MORALS IN THE RELATIONS BETWEEN HUMANS: CRITICAL REVIEW OF THE FILM THE ISLAND ABSTRACT Keywords: The Island movie, shows us a utopian city in a strictly controlled and structured underground complex in the mid-21st century, after a mass contamination that destroyed all life on Earth. All inhabitants of this carefully controlled environment dream of being chosen to travel to the only area free of contamination on the planet, known only as "The Island". However, to reach the desired location must be chosen according to the standards imposed by the powerful of this complex. This critical review aims to show the moral and ethical conflicts worked in the film and give us a reflection of humanity, because it shows us the unbridled power of the human being, thus creating human clones grounded in lies and fraud. Ethics, Bioethics. Clones. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez

9 MATOSO, L. M. L Artigo recebido em 10/07/2012 e aceito para publicação em 01/08/2012 REFERÊNCIAS AMORA, A. S. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa. 10. ed. São Paulo: Saraiva, VALLS, Á. L. M. O Que é Ética - Coleção Primeiros Passos ed. Editora Brasiliense, VÁZQUEZ, A. S. Ética. 18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.5, n.1, p , jan./dez. 2012