Revista Filosofia Capital ISSN Vol. 1, Edição 3, Ano AS CONDUTAS DE MÁ-FÉ. Moura Tolledo
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1 39 AS CONDUTAS DE MÁ-FÉ Moura Tolledo Brasília-DF 2006
2 40 AS CONDUTAS DE MÁ-FÉ Moura Tolledo 1 mouratolledo@bol.com.br Resumo A Má-Fé foi escolhida como tema, por se tratar de um assunto vital para o homem, pois, é a falta de sentido para o nosso existir. Devido à consciência ser vazia, um nada a procura de ser, ela é sempre consciência de alguma coisa. Os homens assumem papéis, para dar sentido às suas vidas. A consciência, desta forma, é configurada para Sartre como sendo o que não é e não sendo o que é. A Má-Fé é essa consciência que busca a qualquer preço nos enganar, embora, consciente o tempo todo do seu projeto. Palavras-Chave: Má-Fé Homem Consciência Enganar. As Condutas de Má-Fé A definição de Má-Fé poder pensada a partir do mentir a si mesmo. Sartre apresenta a Má-Fé como tendo a mesma estrutura da mentira, mas suprimida da dualidade entre enganador e enganado. Quem mente e quem recebe a mentira é a mesma pessoa. A consciência não é nada em si mesma, mas uma intencionalidade que tem de se relacionar com o mundo. A consciência busca o ser, e, portanto é sempre consciência de alguma coisa. O ser da consciência é a consciência de ser. Ou, de acordo com a primeira fórmula sartreana: "a consciência é um ser para o qual, em seu próprio ser, ergue-se a questão de ser enquanto este ser implica outro ser que não si mesmo". Essa translucidez é que transforma de certa forma, a Má-Fé em boa fé, já que quem está de Má-Fé está ao menos consciente dela. Esse é o caráter da negação interna, que torna a Má-Fé tão peculiar dentro do conjunto de negatividades que é próprio ao ser humano. Como diz Sartre, o ser humano não só revela negatividades no mundo, 1 Graduando de Filosofia pela UCB.
3 41 como pode tomar atitudes relativas em relação a si. A diferença crucial entre Má-Fé e mentira deriva da unidade da consciência, já que ambas possuem a mesma estrutura. Na Má-Fé, porém, a consciência se afeta a si mesma. Quem mente e quem recebe a mentira é uma mesma pessoa: eu preciso conhecer a verdade para poder escondê-la de mim. Investigamos a Má-Fé com o objetivo de melhor entender como este fenômeno se manifesta, e qual a sua finalidade. Deduzimos ser a Má-Fé fuga do que não se pode fugir. A Má-Fé revela na sua configuração, um problema de ordem ontológica. Projetada para servir de alívio por fugir da responsabilidade que provoca angústia e da condenação de não poder deixar de ser livre, a Má-Fé camufla a realidade de nossos atos, parecendo não ser nossa a responsabilidade do que foi decidido, criando assim, uma nova versão, uma nova verdade. Diante disto, a consciência possibilita a elaboração do Projeto de Má-Fé, que vai negar encontramos aqui suas conseqüências a liberdade em defesa do determinismo. A Má-Fé é possível, por que a consciência é um ser, que em seu ser, é consciência do nada de ser, onde este vazio possibilita que o homem possa adotar atitudes negativas, em relação a si mesmo. É através desta negação interna, que buscamos assumir, outra natureza humana, na medida em que, para Sartre, a realidade humana é o que não é, e não é o que é. Como enuncia a famosa fórmula sartreana, "a existência precede a essência. Isso implica na situação solitária e na total responsabilidade humana perante sua liberdade. O homem, ciente de sua finitude, receia ser livre, se torna um ser angustiado, e por isso procura abrigo na transcendência, no Absoluto. O homem atribui os fatos de sua vida ao destino, a Deus, as circunstâncias externas que agem indiferentemente, e mesmo contra a sua vontade. Sua liberdade para se efetivar, tem de ser consciente de sua situação como realizador de possibilidades. A vida é uma escolha constante entre possibilidade que só termina com a morte.
4 42 O momento da morte transforma a vida em destino. A ironia se dá quando se constata que essa fuga para a transcendência só é possível graças à mesma liberdade que o homem reluta em aceitar. Essa é sua conduta de fuga. Nesse contexto, a Má-Fé se revela como essencial se tomarmos o ser-no-mundo não como um estar de uma coisa em outras, mas sim como caráter constitutivo da existência humana. A consciência encontra o outro, em sua busca pelo ser. Cegamente, tenta atribuir existência ao para-si. A mentira, definida como conduta de transcendência, em direção ao nada, presume a existência do outro, a minha existência, e a existência do outro para mim. A negação recai sobre o exterior, que é expulso da consciência. Essa adota uma atitude cínica, ao afirmar internamente a verdade e negá-la para o outro. Algumas pessoas trazem a negação na sua própria estrutura subjetiva, e toda a sua experiência na Terra não passa de repetições e variações do Não. A teoria da mentira ilustra uma mentira ideal e uma Má-Fé ideal, sendo que as mentiras vulgares ficam geralmente no intermédio entre as duas. Sartre chama a má de um fenômeno evanescente, com uma estrutura precária, justamente pela dificuldade já apontada que surge entre a translucidez da consciência e a Má-Fé. Não é possível realmente mentir a si mesmo deliberada e cinicamente: a mentira retrocede e desmorona ante o olhar da consciência. A antítese da Má-Fé é aquilo que Sartre chama de sinceridade, sobre a qual não iremos explanar em detalhes. Para nosso objetivo, basta dizer que a sinceridade aparece quando o homem pode ser o que é em todos os sentidos. A estrutura da sinceridade, porém, é idêntica á da Má-Fé, já que ser apenas o que se é; é ser em-si, e o homem não é o que é. Nesse sentido, a sinceridade exige que cada um faça ser o que realmente o é. Nosso modo de ser é dever ser o que somos. Sartre dá um exemplo do garçom, que cumpre total o ritual gestualítico da maneira de ser dos garçons. Enquanto ele segue esse ritual de conduta, está brincando de ser garçom. Mas não pode sê-lo da mesma maneira que a mesa é mesa. Não
5 43 pode ser uma coisa-garçom. Só pode sê-lo na medida da representação para os outros e para si. Mas representar já não é ser: (...) se represento, já não o sou: acho-me separado da condição tal como o objeto do sujeito - separado por nada, mas um nada que dela me isola, impede-me de sê-la, permite apenas julgar sê-la, ou seja, imaginar que a sou. (SARTRE, 1997, p. 106/107). A Má-Fé é possível, porque o existencialismo sartreano, retrata o problema da ação e da liberdade, como, conseqüência da possibilidade que o homem tem de escolher o que vai fazer consigo mesmo. Ele é livre (e, por isso, está condenado à liberdade) para criar a sua própria essência. Logo, essa negação interna, chamada Má-Fé, é conseqüência direta dessa liberdade. Bem longe, dos princípios metafísicos da Filosofia da Essência, no existencialismo sartreano, a existência de Deus não é garantia de uma essência humana pré-definida. O homem sartreano, primeiro é nada, e só a partir de sua existência, é que ele vai moldar a sua essência. Portanto, Deus não é absoluta transcendência, porque a transcendência se dá no campo do fenômeno, e não faria sentido acontecer fora dele. A grande diferença, entre o existencialismo sartreano e a Filosofia da Essência, é que o homem em Sartre é livre para construir a sua própria essência, por meio de suas opções. Logo, é a sua existência, que vai condicionar a sua essência. Mas, na Má-Fé, o homem nega essa liberdade. O medo de optar, de ter escolhido o caminho errado, de não saber quais as conseqüências de sua opção, faz com que ele recorra ao destino, como algo já definido. A culpa, não mais seria sua, e sim de Deus, que já havia definido os seus passos. Dessa forma, ocorre a inversão: na Má-Fé é a essência que precede e condiciona a existência. Na Má-Fé, o homem recusa sua liberdade, deixa de ser razão, para ser paixão. Ele é agora, apenas uma mentira. Agir de Má-Fé é ser ao mesmo tempo, enganador e enganado. É a consciência, consciente de tudo, que busca esconder. Por isso, é uma negação interna. Negação interna? Como posso, enganar a mim mesmo? Na Má-Fé, não existe o enganador e
6 44 o enganado, porque enquanto enganado conheço tudo que eu como enganador busco esconder. Há um efeito de inversão na aplicação conduta da Má-Fé, e tal inversão existe, para que haja fuga, e quando, essa fuga se concretiza, é porque houve Má-Fé. Quem, era livre para optar, optou, para se transformar em coisa, negando sua responsabilidade. Deixando de ser responsável, a culpa, pelo projeto ter dado errado, não terá tanto peso. Não haverá muita dor, podendo recorrer a qualquer tipo de desculpas. As condições de possibilidades são infinitas, pois, ao transcender, o homem pode mudar qualquer coisa. Até mesmo, culpar o destino, por tudo o que deixou de fazer. A transcendência propicia ao homem, esse poder de justificar o seu agir, através da Má-Fé. Agir de Má-Fé é negar o livre-arbítrio, por determinar motivos, para as ações. Logo, a Má-Fé, faz apologia ao determinismo. Porque, é necessário para ela, sempre uma justificativa. O homem, nega o que lhe é inerente, a liberdade, para justificar sua incapacidade. O medo que tem das cobranças internas e externas faz com que, sua consciência, busque saídas para estas pressões. A porta, que o homem encontra para isto, é a Má-Fé. E é, na dialética da transcendência com a faticidade que como vimos, são instrumentos de base da Má-Fé que é possível, realizar este projeto. Assim, agir de Má-Fé é transitar entre a transcendência e a faticidade deixando de ser-para-si consciência para transformar-se em-si coisa mas porque existe essa inversão? Quais as suas condições de possibilidade? Como negar o livre-arbítrio para afirmar o determinismo, se toda ação é, por princípio, intencional e a liberdade é, ontologicamente, inerente ao ser do homem como plena consciência de ser?
7 45 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Editora Vozes. Petrópolis, A idade da razão. Editora Brasiliense. São Paulo, A náusea. Publicações Europa América
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